quarta-feira, 28 de agosto de 2013

DA COSMOVISÃO À TEOLOGIA
           
Quando um mestre em teologia tenta localizar o seu mundo religioso no plano do sobrenatural e do sagrado, está empregando um paradigma que os melhores cientistas da atualidade já não usam mais. A visão que do mundo tinham Agostinho, Tomás de Aquino, Newton e Descartes já não corresponde mais à cosmovisão de um bom físico ou biólogo da atualidade. Tanto a concepção dualista como a mecanicista não bastam para explicar o que se passa quando átomos e elétrons interagem entre si. Tudo o que acontece no Universo está inserido num movimento único, a que o físico David Bohm deu o nome de Holomovimento. Tudo o que acontece afeta um Todo mais abrangente e complexo.

Em poucas palavras:
- O Universo não é o que durante séculos se pensava que fosse.
- Um novo paradigma, um novo modo de fazer ciência, está tomando o lugar do anterior.
- Este método novo não é tão novo quanto poderia parecer, pois já foi usado milhares de anos antes pelos mais destacados pensadores do antigo Oriente como Lao Tsé e Buda.
- A visão do Universo e da História, tal como no-la descrevem homens de gênio como Einstein, Capra, Sheldrake, Prigogine, Teilhard e Sri Aurobindo veio para ficar. Apoia-se em fatos. É realista na acepção mais estrita do termo.
- Ela tem o mérito de permitir que se façam perguntas até então tidas como irreverentes.
- É radicalmente antidogmática.

O dogma é o fruto dos que têm medo, medo do potencial criativo e transformador que toda autêntica manifestação da verdade traz em seu bojo. A verdade liberta, ao passo que o dogma estrangula a mente tanto a dos seus criadores, quanto a dos pobres coitados que a ele se sujeitam. O dogma empobrece a verdade que pretende servir. Pior do que isso: trai aspectos essenciais da Verdade Total.

Hoje é difícil encontrar um cientista de projeção que não seja humilde, que não reconheça as limitações do seu relacionamento profissional com a realidade. O cientista metido a arauto de verdades absolutas, se quiser ser levado a sério, terá que ir às praças onde é possível encontrar pessoas que ainda necessitam de Verdades Absolutas.
No campo estritamente científico é praticamente impossível topar com um Lisenko ou um Rosenberg. Todo sábio autêntico é humilde. Um cientista torna-se sábio na medida em que toma consciência do tamanho da sua ignorância. A verdadeira humildade, aquela que nasce da sabedoria, não consiste em não saber, mas em ter consciência desta sua ignorância. Sábio de verdade é aquele que aposta na parcela da Verdade Única que ainda não possui. Curiosidade intelectual é isto.

Quem só investe naquilo e com o fruto do que já adquiriu, morrerá pobre, tão miserável quanto o mais desamparado menino de rua.

O cientista moderno já não é mais aquele rato de laboratório de antes. Não é mais aquele observador frio, imparcial e despido de sentimentos. O físico David Bohm se confessa incapaz de permanecer neutro ou imparcial. Todo avanço dado no terreno do conhecimento é também um ato de amor. Dele participam tanto a pessoa que o realiza, quanto o Universo todo. Nada do que acontece no Cosmos é indiferente. Ou é positivo ou negativo.

Se o Universo é o que dele pensam alguns dos cientistas mais clarividentes da nossa época, então até o próprio mal pode ser reciclado e transformado em “adubo” do bem. Carradas de razão tem a Bíblia quando diz que após a conclusão da sua obra criadora, Deus “viu que tudo o que tinha feito era bom” (Gn 1,31).

Jesus foi o homem menos imparcial de que se tem notícia. Esteve sempre do lado das pessoas toda vez que entravam em conflito com instituições encarregadas de moldar-lhes a consciência, em lugar de respeitá-la.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

CIÊNCIA E FÉ  

Hoje o prefixo trans, além, em português, é usado frequentemente como prefixo para indicar a existência de uma dimensão da realidade situada fora e além do habitual horizonte cognitivo. Palavras como transcendente, transpessoal, transdisciplinaridade fazem parte do vocabulário de estudiosos do conhecimento humano. As fronteiras do saber estão se alargando num impressionante acelerato. É impossível acompanhar o seu ritmo de crescimento e a velocidade com que novas teorias passam a tomar o lugar de antigas. Até mesmo o conceito de antigo não é mais o mesmo de cem anos atrás. O progresso científico está adquirindo a força e o poder de destruição de um ciclone. Por onde passa derruba crenças e varre para longe teorias e teses tidas, até então, como “eternas” e “infalíveis”.

Passou o tempo em que a palavra progresso tinha um significado que hoje não tem mais. Responsáveis pelas descobertas científicas mais espetaculares não são mais laboratórios, mas indivíduos geniais como Einstein, Freud, Jung, entre outros. Até mesmo o modo de fazer ciência já não é mais o mesmo de cem anos atrás. Hoje, um bom cientista não trata mais como objetiva e imparcial sua relação com o que observa e analisa. Já descobriu que, para ter acesso à verdade, não basta analisar o que é dado observar. Átomos, células não são partes de um todo, apenas. São este Todo. O átomo é visto hoje como miniatura do Universo todo.

O átomo já não é mais visto como um composto de elementos, mas como trama ou teia de eventos. Tudo no Cosmos deve ser visto como teia de relações se quisermos ter uma ideia mais exata da sua verdadeira natureza. Nada há nele que tenha um lugar fixo. O equilíbrio alcançado por um conjunto de unidades é sempre precário e instável, mais próximo do Caos do que do tipo de ordem que cem anos atrás ainda era considerado como tipo padrão: a ordem estática que, traduzida do plano físico para o social, modelou a estrutura básica da sociedade bem conservada ou conservadora.

A Ordem Perfeita, que reina nos planos mais sutis do mundo material, não é produzida por “coisas” paradas, que não saem do lugar, nem mudam de forma. Pelo contrário. Sábios da antiga Índia compararam o que acontece no Universo a uma dança, a Dança de Shiva. A dança é um espetáculo realizado por pessoas que se movimentam ritmicamente. Para compreender o que cada dançarino está fazendo é preciso ter conhecimento do tipo de espetáculo que está sendo apresentado. É o espetáculo que determina os movimentos de cada participante. A liberdade de cada indivíduo é determinada pelo papel que lhe cabe desempenhar. Por detrás da coreografia toda, existem um plano e um objetivo.

Um Balé, por exemplo, obedece a um plano meticulosamente elaborado. Tem como finalidade proporcionar aos assistentes o prazer estético que todo belo espetáculo desperta. Que espécie de espetáculo verdadeiramente emocionante poderia oferecer um Universo feito de objetos fixos e sem vida? Que prazer pode haver no relacionamento com uma pessoa cujas ideias e sentimentos são sempre os mesmos?

Elétrons são subpartículas atômicas que têm o hábito de se relacionar constantemente entre si. “Aprendem” e comunicam a outros o fruto das suas experiências. Um elétron tem vida. E a soma da vida de bilhões deles constitui a vida de cada ser vivo, também a nossa.

Um elétron se encontra no ponto de encontro do espírito com a matéria. É mais espírito do que matéria. É o que nos afirma Jean E. Charon, repetindo o que antes dele já afirmara Einstein ao declarar que a “essência da matéria é espiritual”.


In: “Perfil de uma Igreja Nova” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

É HORA DE PÔR ORDEM NA “TORRE DE BABEL”

Hoje já existe um bom número de cientistas que, sem abandoná-lo de todo, substituíram o tradicional método analítico por uma abordagem mais abrangente, mais sintética. No terreno do conhecimento já possuímos quantidade tão grande de informações que corremos o perigo de nos afogar neste oceano revolto de informações que é o mundo científico.

Chegou a hora de pôr ordem nesta majestosa Torre de Babel. Na vanguarda deste esforço de síntese estão físicos e biólogos.

O ideólogo cria um conceito de ordem e passa depois a submeter o fruto de suas observações a este conceito.

Marx criou um conceito de ordem social baseado na primazia do econômico e uma hegemonia do material sobre o espiritual. Seu conceito de ordem prescinde da existência de um Deus Senhor, soberano do Universo. Sociedade humana justa é aquela em que todos vivem satisfeitos, como frangos num aviário. Tirou Deus da jogada porque queria que a humanidade toda pudesse viver um dia uma vida livre do medo e sem fome.

A intenção era boa, sem dúvida. Mas o que faltou a Marx foram clarividência e honestidade científica e amplitude de consciência. Faltou-lhe o que hoje identifica um cientista: o poder de síntese!

A ordem que Marx queria criar, já existia e não era preciso inventá-la. Muito antes dele Jesus já dissera: “Procurai primeiro o que é para o bem das almas. Tudo o que o vosso corpo necessita ser-vos-á dado de acréscimo”.

A Ordem Perfeita já existe. Quem o diz é David Bohm. Suas pesquisas no campo da física nuclear o levaram a admitir que por detrás da ordem visível e mensurável, a que chama de Ordem Explícita, existe uma outra Ordem, a que deu o nome de Ordem Implícita. O mundo criado por Deus, muito antes que Marx tivesse oportunidade de excluí-lo do seu projeto messiânico de libertação, é perfeito. Quem o diz não é apenas a Bíblia. Fellini também era da mesma opinião. À pergunta: “quem o senhor admira mais, além de si mesmo”, Fellini respondeu assim: “A Deus, porque fez tudo muito bem feito, apesar do que se costuma ouvir”.

O conceito de Ordem Implícita (ou implicada) de David Bohm é fundamental. É de natureza religiosa, pois sustenta que por detrás da ação humana e da vontade dos homens existe e age uma vontade superior. Em outras palavras: o homem não é o Senhor do Universo e não cabe a pobres mortais proferir a última palavra em assuntos que ultrapassam e transcendem a sua limitada (e por vezes limitadíssima) capacidade de visão e de percepção. Estamos aqui para aprender e não para ensinar. O bom mestre é aquele que, ao ensinar, aprende mais ainda do que os próprios discípulos.


In: “Perfil de Uma Igreja Nova” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

MUDANÇAS NAS ESTRUTURAS DO VATICANO

O novo Papa era um homem que detestava receber aplausos e colher elogios. Dizia o que pensava, mas sabia fazê-lo com tamanha simplicidade, humildade e modéstia que ninguém saía da sua presença com a impressão desagradável de não ter sido compreendido ou de não ter sido levado a sério. Uma hora de convívio com ele bastava para deixar a impressão de que ele não era daqui e que viera de outro mundo.

Havia nesta impressão uma parcela de verdade, que só muito lentamente começou a ser percebida pela opinião pública: a de que ele não tinha a intenção de ser um simples sucessor de Pedro e continuador de um passado repleto de tranqueiras canônicas.

A Igreja que tinha o propósito de legar a seus sucessores não era aquela que herdara de seus antecessores. Nunca o disse, mas todas as suas decisões davam a entender que não iria contentar-se com soluções “cosméticas” e “cirurgias plásticas” destinadas apenas a melhorar a imagem da Igreja e o prestígio da figura do Papa. Quando a Cúria Romana, guarda-mor das chaves de Pedro, se deu conta da nova realidade, já era tarde. O novo Papa aproveitara os primeiros meses do seu governo para colher o máximo de informações a respeito do estado geral da Igreja. Percebeu que havia grande necessidade de desobstruir os canais de comunicação que punham o Papa em contato com a Igreja universal, que em muitos casos dificultavam as coisas além dos limites do inevitável. Morosidade burocrática e subterfúgios jurídicos eram para ele vícios com que não pretendia pactuar.

Com o fito de aligeirar os trâmites burocráticos começou a despachar fora dos muros do Vaticano. Alugou um prédio e montou nele o seu escritório. Lá se reunia com seus auxiliares mais chegados, recrutados todos eles dentre o que as Ordens Religiosas tinham de mais moderno a oferecer. Sendo ele mesmo um intelectual, o novo Papa, além de detestar números e fórmulas prontas, amava trocar ideias. Fazia suas refeições nas imediações do Escritório, pois tinha o hábito de aproveitá-las para comunicar-se com seus auxiliares. Era lá, ao pé de um copo de vinho e de um saboroso prato de “Spaghetti”, que recebia em audiência visitantes ilustres. Poder almoçar com o Papa era uma honra e uma distinção que só a poucos era concedida.

Os convidados eram quase sempre cientistas, amigos da natureza. Pouco importava sua nacionalidade, credo religioso ou filiação política. Ideólogos, assim como turistas, gente que ia a Roma para ver o Papa, tinham pouca chance de ver satisfeito o seu desiderato. O Papa abolira na prática o regime de audiências. Achou que era uma injustificável perda de tempo, além de ser um resquício bolorento de uma era que já não fazia mais parte de um mundo em que o telefone estava à mão de quem quisesse comunicar-se.

A Comissão de Assessoramento e Planejamento Pastoral que o Papa criara com o objetivo bem preciso de livrar-se da lerda e pesada máquina administrativa que herdara de seus antecessores, era composta de religiosos oriundos de mosteiros e conventos. A maioria dos seus membros eram sacerdotes, mas havia entre eles também irmãos leigos e até mesmo uma que outra freira podia ser vista nas reuniões. Ninguém, envergando faixa vermelha ou ostentando título honorífico, fazia parte do Corpo de Auxiliares diretos do Papa. Os Superiores das Ordens e Congregações que tinham cedido ao Papa a colaboração que ele solicitara, tinham também assumido, por sua conta, a manutenção financeira da Comissão. Com isto o Papa se viu livre da ingerência do IOR (Instituto das Obras Religiosas), sustentado e controlado pelo “Opus Dei” e congêneres.

Esta liberdade o novo Papa sabia como aproveitá-la. Em lugar da velha e enferrujada ponte de ligação do Papa com o Povo de Deus, construiu uma nova ponte por onde podia passar a qualquer hora do dia ou da noite sem se ver barrado no caminho por um vigilante Monsenhor da Cúria Romana.


In: “O NOVO PAPA” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj.