quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O EMPECILHO DO DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL DA HUMANIDADE

São poucos os que incorporaram em sua fé em Cristo a palavra de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). No Reino de Deus perde seu tempo quem deposita mais fé em seus planos e projetos pessoais do que na ação da graça de Cristo. O caráter passivo e essencialmente receptivo da fé que Cristo exige dos seus discípulos repugna à mentalidade do “Self Made Man” moderno. Por isso a fé religiosa é tida por eles como “coisa de mulher”. Esperamos que esta orgulhosa autossuficiência não consiga resistir, por muito mais tempo, à ação da Graça Redentora de Cristo! O grande empecilho que dificulta, como nenhum outro, o desenvolvimento espiritual da humanidade é este tipo de homem que se autoproclama infalível e dono dos instrumentos da salvação da humanidade.

Não é necessário um grau especial de honestidade para perceber que o inimigo mais eficiente do futuro espiritual da humanidade se encontra bem entrincheirado nas estruturas do mundo religioso atual. O Deus que judeus, muçulmanos e cristãos pregam e dizem venerar, não é o Deus que Jesus veio revelar. São homens que se proclamam representantes de Deus, encarregados da missão de falar em seu nome, que no momento atual da história da salvação mais contribuem para o atraso espiritual da humanidade.

O anticristo é para a maioria dos cristãos uma figura ou entidade imaginária. Levá-la a sério é perda de tempo. Mas o apóstolo São João não era desta opinião. “Filhinhos, esta é a última hora. Como ouvistes, vem o anticristo. Eis que já há muitos anticristos, donde concluímos ser esta a última hora. Eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos” (I Jo 2, 18-19). “Muitos sedutores têm saído pelo mundo afora, que não professavam a encarnação de Jesus Cristo. Trata-se do sedutor e anticristo” (2 Jo v.7).


Desmascarar e desativar as estruturas anticristãs infiltradas no corpo da Igreja de Cristo será, sem dúvida, uma das tarefas mais urgentes a aguardar a Cristo em sua Segunda Vinda. O humilde carpinteiro de Nazaré há muito que teve dar lugar a papas gloriosamente reinantes. Já o apóstolo São João definia o seu tempo (final do primeiro século) como fazendo parte da “Última Hora”. Desde então o cristianismo mergulhou cada vez mais no espírito desta “última hora”. Neste tempo todo o exercício do poder e a submissão a ele adquiriram o status de sacramentos essenciais da salvação cristã. 
Padre Marcos Bach

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

COMO SUPRIR PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO

Um dos problemas sociais mais dramaticamente sentidos é a nossa limitada capacidade de comunicação. Não existe, na prática, uma língua que todos possam falar e compreender. As mais faladas pelos povos que povoam a face deste nosso planeta são tantas e tão diferentes entre si que até mesmo um poliglota como Mezzofanti, que falava e entendia mais do que quarenta idiomas, fica a ver navios quando longe da sua Itália natal.

Começamos a nos comunicar emitindo sons. Quando maiores, formulamos conceitos. Tanto a palavra como o conceito são meios de comunicação que não nos permitem uma transmissão clara e inequívoca do que pensamos, sentimos ou queremos. Mais que outro fator qualquer é o medo de ser mal entendido que nos leva a pouco sábia conclusão de que “em boca fechada não entra mosca”.

Se temos amigos serão poucos, porque tanto eles como nós deixamos de regar esta delicada plantinha chamada amizade, não por falta de água, mas por falta de tempo. Existe, porém, uma modalidade de comunicação não verbal e não conceitual que sábios da antiga Índia conheciam e praticavam. Ela é chamada e conhecida como telepatia ou então arte de ler o pensamento de outrem.

A razão é que produz o pensamento. A faculdade que produz o sentimento é a consciência. O amor é o meio de comunicação que duas consciências irmanadas usam para se comunicar. A telepatia é a linguagem preferida dos que se amam. Em lugar de dizer que a comunicação telepática permite a duas pessoas lerem o pensamento uma da outra, melhor seria dizer que conseguem ler o sentimento uma da outra.

Palavras e conceitos são meios de comunicação relativamente pobres e até certo ponto rudimentares em comparação com o que um simples olhar ou sorriso pode significar. Místicos, como Mestre Eckhart, diziam que a linguagem preferida de Deus é o silêncio.

Inácio de Loyola resumiu a fé cristã toda quando a traduziu nesta frase tão singela: “Sentire cum Ecclesia” – “Sentir com a Igreja”. Para Inácio a Igreja é fiel à sua vocação divina se o espírito que a anima é o mesmo que animou a Cristo, seu divino fundador. O apóstolo Paulo avaliava suas comunidades tomando como critério de aferição o sentimento que unia a todos. “Tende o mesmo sentimento uns para com os outros” (Rm 12,16). O sentimento tem o poder de unir pessoas que o pensamento e a lógica não têm. Detalhe que muitos teólogos lamentam é que Jesus saiu sem deixar à posteridade um sólido arcabouço de verdades claramente definidas.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

DIVERSOS SÃO OS RETRATOS DE DEUS

A distância que separa o cientista moderno do de cem anos atrás é a que separa um teólogo do passado da figura eminentemente profética que o futuro está a exigir. Profeta é aquele que aposta no que ainda resta por vir, mais do que naquilo que já aconteceu. O cabedal de verdades e de experiências aproveitáveis, contidas na Tradição, é pequeno. Quem quer aprender algo de essencial não pode contentar-se com folhar Escrituras e reviver Tradições.

No terreno da pesquisa científica há muito que já não existe mais lugar para a continuação tirânica do Mesmo. Cientistas têm a liberdade de se relacionarem com a realidade de um modo que religião alguma confere a seus teólogos.

Hoje a figura do teólogo praticamente desapareceu do cenário cultural. Isso não significa que a teologia como tal tenha perdido sua razão de ser e sua importância. Deus não está morto. Continua vivo no pensamento e nas interrogações dos mais proeminentes mestres do pensamento científico moderno.

A diferença que separa o pensamento teológico religioso do pensamento teológico secular é esta: as religiões oferecem à fé de seus fiéis um conhecimento de Deus bem definido e pronto para consumo. Maometanos, judeus e cristãos encontram em seus “catecismos” um retrato completo de Deus. Ao crente só lhe cabe fechar os olhos e acreditar cegamente.

Um retrato ou imagem pode ser retocada e adaptada ao gosto do “freguês”. Quem não percebe que Javé, Alá e o Deus dos cruzados são retratos cuidadosamente retocados? Não há imagem que se preste tão bem a retoques e falsificações do que a figura de Deus. Dizer que no mundo religioso só existem homens totalmente honestos e motivados em suas decisões exclusivamente pelo amor à verdade, é esquecer que a realidade histórica concreta é feita em boa parte de mentiras bem sucedidas.

In: Manuscrito.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

AS POTENCIALIDADES DA NATUREZA ESPIRITUAL

“Minha verdadeira casa paterna é o Céu”, dizia Teresinha de Lisieux. Sentindo a morte próxima, São João da Cruz pediu que lhe lessem passagens do Cântico dos Cânticos.

O êxtase resultante da visão antecipada da glória de Deus, do gozo antecipado da união amorosa da alma com seu Deus, representa a marca registrada da autêntica vida cristã. O cristão é por vocação e por opção pessoal uma pessoa que sabe amar e alegrar-se como ninguém.

Uma comunidade cristã é formada por pessoas que sabem amar como Jesus ama e que sabem explorar as grandes e pequenas alegrias que a vida oferece tão generosamente. A autêntica comunidade cristã é formada por pessoas que vivem com os pés no chão, mas com a cabeça bem erguida. Um cristão não foge deste mundo e não abandona este vale de misérias e de lágrimas. Chora com os que choram, mas sabe que lágrimas brotadas do desespero e da comiseração podem ser tão estéreis (e até mesmo hipócritas) quanto o sofrimento que as provoca. A maior parte do sofrimento é produzida pelos próprios homens. Há os que sentem prazer em infligir sofrimento a outros. São os sádicos e torturadores profissionais. Bem mais numeroso é o time dos que se fazem sofrer a si próprios. Todo viciado é especialista na autopunição.

Quanto tempo e boa fé é gasta com o propósito de recuperar viciados em droga! Um viciado em droga ou sexo nunca mais poderá voltar a ser o mesmo que já foi. A palavra recuperação é pobre demais para expressar tudo o que é necessário para que um dependente volte a ser novamente uma pessoa normal. Só uma verdadeira conversão é capaz de operar este milagre.

A exploração plena de todas as potencialidades da natureza espiritual do homem é empreitada que excede por completo a capacidade ou competência natural do homem. É necessário que alguém o tome pela mão e o conduza. Que alguém o tome nos braços e o leve aonde com suas próprias forças não consegue chegar. A genuína conversão no sentido em que Cristo emprega o termo (Mt 18,3), é obra de Deus e dom divino. Representa uma reviravolta total: “O velho homem”, diria Paulo, “terá que morrer para que o novo homem possa nascer”.
Todo parto é doloroso. Também este que dá origem ao “Novo Homem”  idealizado por Cristo, é acompanhado de sofrimento. Que o digam os profetas e os místicos!

Se a Igreja quiser recuperar a credibilidade perdida, não basta reconhecer que pecou e que errou. Em outras palavras: uma simples conversão moral, por mais sincera que venha a ser, não basta. É preciso pensar numa outra Igreja, mais parecida com a dos Apóstolos de Cristo. Uma Igreja radicada na alma do povo. Uma Igreja tão pobre que possa permitir-se o luxo de dispensar toda e qualquer segurança que não seja a do pobre.

Uma Igreja pobre estaria a salvo de quase todas as tentações a que a Igreja dos papas sucumbiu ao longo de sua história. Rico é aquele que muito tem a perder. Pobre é alguém que não tem nada que lhe possam roubar. Miserável é aquele que precisa roubar para sobreviver.

A pobreza de que estamos falando encontra-se no meio do caminho entre a riqueza e a miséria. É a pobreza de espírito a qual Jesus se refere no Sermão da Montanha. “Felizes os pobres de espírito...” (Lc 6,20). Toda pessoa sensata sabe que possuir mais que o necessário a uma vida confortável costuma gerar mais problemas do que alegrias. Nem o ricaço nem o miserável sabem o que é ser feliz. Ambos dormem mal. Um porque não tem o que comer. O outro porque não sabe como proteger sua fortuna contra a ação pirata do capital especulativo.

In: “A Igreja que eu Amo” Pe. Marcos Bach, sj – Ed. própria.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A IMPORTÂNCIA DA VIDA DE CADA CRISTÃO

O essencial do testemunho de fé se encontra na vida de cada cristão, em particular. O que acontece na hora do culto ou da celebração eucarística adquire sua autenticidade do modo como os membros da respectiva comunidade vivem a sua fé em Cristo no ambiente social em que estão inseridos. A palavra só será verdadeira se puder circular livremente. A missa é apenas parte do que uma comunidade precisa realizar para colocar-se em dia com suas obrigações missionárias e apostólicas.

No centro das reflexões não está a Palavra ou as palavras que Jesus pronunciou, mas a própria Vida de Jesus. Menos indicado ainda é aproveitar a hora do culto para transmitir palavras de ordem provenientes de cima e de fora. Quem não participa da vida de uma comunidade exclui-se a si próprio do direito de falar. O direito de falar a uma comunidade ou em suas assembleias depende exclusivamente do grau de compromisso e de solidariedade efetiva de quem pretende ter vez e voz numa Comunidade Cristã. Quem não escuta nem respeita a voz do Povo perde o direito de falar em seu nome. Menos ainda cabe-lhe o direito de falar em nome de Cristo. Também à voz do povo, isto é, à opinião pública, se podem aplicar as palavras de Jesus: “Quem vos ouve a mim ouve, e quem vos despreza, a mim me despreza” (Lc 10,16).

Pastores que fazem caso omisso do modo como suas “ovelhas” vivem sua fé em Cristo só conseguem falar em seu próprio nome e no de mais ninguém. A primeira voz que os membros de uma Comunidade Cristã devem escutar e acatar é a parte do seu próprio interior. Num lugar igualmente participativo encontram-se as vozes provenientes de outras Comunidades de Fé. O contato horizontal entre Comunidades de Fé é vital para a sobrevivência de cada uma delas.

A vitalidade das grandes Igrejas depende da vitalidade das pequenas Comunidades Eclesiais. Na Igreja católica deu-se, ao longo dos séculos, um processo de centralização altamente prejudicial ao bom funcionamento das pequenas Comunidades Eclesiais. O poder central absorve, por completo, a sua autonomia.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj