quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

PARA ONDE CAMINHA A HUMANIDADE         

O “super-homem” de Nietzsche é uma piada em comparação com o que Jesus nos revelou acerca da humanidade futura. No projeto antropogenético de Deus, tal como Cristo no-lo revelou, há espaço para muitos estágios. A antropologia nos ensina que o homem se humanizou aos poucos de forma gradual e lenta. Os primeiros representantes do gênero humano pouco se pareciam conosco. Fazemos parte de uma versão mais evoluída e aprimorada da espécie Homo. Os mais deslumbrados dentre nós acham que representamos o último grito em matéria de desenvolvimento humano. 

Depois de tudo o que aconteceu nos gulags soviéticos e nos campos de extermínio nazistas não é mais permitido ser tão ingênuo. Quem acha que um campo de batalha é um lugar onde seres humanos podem externar o que de mais humano abrigam em seus corações, ou nunca tomou parte numa batalha ou então está sendo pago para dizer o que diz.
           
O resultado da evolução não é tão transparente e previsível quanto imagina um antropólogo de carteirinha ou um profeta de “meia tigela”. Provavelmente será mais parecido com uma “Caixa de Pandora” ou um saco de surpresas. Se já agora, passados uns poucos milhões de anos, nos parecemos tão pouco com nossos ancestrais mais remotos, que semelhança poderá lembrar aos representantes do gênero humano daqui a, digamos, dez milhões de anos, de que nós, da então extinta espécie Homo Sapiens, pertencíamos à mesma estirpe que eles?
           
O que faz do homem um animal diferente dos outros é o seu elevado grau de autoconsciência. Onde pisa o faz com a consciência de estar pisando em terra própria. Sente-se humilhado e ferido em sua dignidade quando é tratado como menor incapaz de cuidar de si, sem a ajuda de muleteiros ou padioleiros de fora. Quer irritar uma criança, impeça-a de caminhar com os próprios pés.
           
Dói ter que admiti-lo, mas é isto que se pode observar: a humanidade atual é composta em sua quase totalidade de pessoas que não conseguem caminhar com os próprios pés. Uns são “ovelhas” e outros se fingem de “pastores”. A boa ovelha é a que se sente feliz quando alguém a carrega. O mau pastor é aquele que se preocupa mais com a docilidade de suas ovelhas do que com o seu bem-estar.
           
Quando Jesus assegurou aos “mansos a posse da terra” (Mt 5,5), disse uma verdade simples: a violência só destrói e só serve para gerar mais violência. Depois que os violentos todos tiverem feito o seu trabalho de destruição mútua, restarão os mansos, apenas eles.
           
Nada Jesus salientou tão vivamente quanto a autoria divina do seu plano de salvação. Ele, o Filho do Homem por excelência, é o responsável máximo pela execução deste plano: “Todo poder me foi dado no céu e na terra” (Mt 28,18). “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). A iniciativa continua sendo prerrogativa de Deus. Tudo o que a humanidade precisa fazer é colocar sua vontade e sua liberdade toda em sintonia com a de seu Criador. 

Assim como a montanha que permanece no mesmo lugar, também o espírito do homem continua idêntico no meio de uma sucessão de realidades impermanentes. O núcleo espiritual de cada ser humano é eterno. Por isso Jesus define a Vida Eterna como destino final da alma humana. A montanha não se preocupa com o dia de amanhã, nem o lírio do campo lamenta o esplendor de dias passados. Homem que se prende ao passado e se preocupa com o dia de amanhã não entendeu um dos aspectos mais belos da mensagem de Jesus: o poder de Deus está irreversivelmente comprometido com um projeto que ultrapassa tudo o que podemos definir como sendo meramente humano.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

INTERROGAR O FUTURO É PRECISO

Se eu quisesse falar em nome e em sintonia com a Igreja, em nome da qual falam o papa e os bispos por ele nomeados, bastar-me-ia copiar o catecismo romano. O discurso oficial das Igrejas todas é basicamente o mesmo de dois séculos atrás! Desde então aconteceram revoluções que abalaram praticamente os fundamentos todos da assim chamada ordem estabelecida. Fracassaram todas as tentativas de restaurar a hegemonia do tempo passado sobre o tempo futuro. Os únicos campos em que ainda há espaço para concepções fundamentalistas são o político e o religioso. No terreno econômico não há mais lugar para fundamentalistas e ideólogos. O mesmo se pode afirmar a respeito do campo das atividades científicas.
           
Tem toda a razão o físico David Bohm quando constata que tanto a evolução da vida como a revolução dos corpos celestes é antes de mais nada uma complexa e poderosa manifestação de amor!

O que é o amor na visão de um cientista como Bohm senão a alma e a energia constitutiva de um cosmo em contínua transformação? Refletindo como fizeram Einstein, Heisenberg, Bohm e outros muitos mais, chega-se a ter uma ideia da distância que separa o pensamento mecanicista de um Newton da concepção holística de um físico moderno.
           
O que a muitos se parece com distância, a outros se apresenta como fosso intransponível. Um deles era o filósofo francês Charles Peguy. O mundo mudou tanto que é simplesmente impossível reatar a ligação do presente com o passado!

O que é mais importante: saber como nossos antepassados enfrentavam os desafios da sua curta existência ou procurar obter alguma resposta aproveitável às interrogações, promessas e esperanças ocultas no bojo de um futuro aparentemente imprevisível.
           
O passado é pobre em lições verdadeiramente significativas! A história do povo judeu é pobre em lições úteis. Na história do povo judeu Javeh, seu Deus, sempre se sai melhor do que o seu povo. Javeh se preocupa com o futuro do seu povo enquanto este chora de saudade das panelas de carne com cebola do Egito!
           
É o futuro que devemos interrogar e perscrutar se queremos ter uma ideia mais exata da vontade e das intenções de Deus!
           
Como pode a verdade ocultar-se em algo que ainda não aconteceu? Engana-se quem pensa que o futuro consta apenas de eventos que ainda estão por acontecer. Não podemos dividir nosso tempo de vida em passado, presente e futuro sem complicar desnecessariamente a ação de Deus. No Pensamento de Deus não existe nem passado, nem futuro! Tudo é apenas presente!
           
O mesmo se pode dizer em relação ao tempo psicológico humano. Nos planos mais sutis do inconsciente humano só o momento presente é real. O tempo psicológico do homem não é feito de momentos que se sucedem, mas é um instante que jamais sofre solução de continuidade, nem de noite quando dormimos, nem de dia quando desmaiamos.

Não é correto comparar o fluxo do tempo com as águas de um rio. Melhor é compará-lo com o que acontece no interior de uma semente em trabalhos de parto!

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

RESPEITO AOS QUE SE ADIANTAM NA HISTÓRIA

Um guia turístico só é útil se possuir conhecimento exaustivo da região aonde quer levar seus turistas.
           
Pontos de atração turística são lugares especiais. Neles a natureza e a história se unem para formar uma combinação estranha de beleza com tristeza e saudade. Quem perambula pelas ruelas de Pompeia, para citar um exemplo, sente-se transportado para outro mundo, onde o espaço-tempo não é o de hoje. Tristeza e saudade, nada mais do que isto, experimenta quem visita Pompeia e Herculanum. A região em torno do Vesúvio é linda, mas ainda não faz parte do mundo moderno. Lá tudo fala mais do passado que do presente. Há momentos da história que ainda não chegaram até lá onde nos encontramos hoje. O mesmo sentimento de tristeza se apodera de quem visita Atenas ou Assis.

O que falta a estes lugares e os torna atraentes é a ausência de qualquer referencial ao momento histórico presente. Servem otimamente aos que querem fugir do presente e retornar a épocas passadas. Seus recintos são povoados por símbolos que já não fazem mais parte da consciência do homem moderno. Assis é um lugar triste. Nela tudo respira saudade. Saudade de um homem que setecentos anos atrás já via a sua Igreja com os mesmos olhos com que hoje vemos a Igreja. O sonho de Francisco não chegou a se realizar. Mesmo assim sua figura é mundialmente conhecida.
        
Os homens que mais influíram nos destinos da humanidade podem ser classificados muito bem como “fracassados”. Jesus, e antes dele, Moisés; Francisco de Assis, Teilhard de Chardin e tantos outros, nunca chegaram a experimentar as delícias de uma apoteose.
           
Jesus foi enterrado às pressas e às escondidas. Tomás de Aquino só foi reconhecido oitenta anos depois da sua morte. Johan Sebastian Bach precisou de tempo igual para ser reconhecido como gênio musical.
           
Está com a razão quem parte da convicção de que a “parte do leão” no processo histórico cabe a pessoas que tiveram a ousadia de se adiantar tanto aos demais quanto a seu tempo. Ir depressa e mais longe que a maioria, sempre foi a maneira mais certa de arrumar encrencas. Francisco de Assis e Teilhard de Chardin que o digam. Francisco vive no coração de todos os amantes da natureza. Teilhard vive no pensamento dos que lhe admiram a ousadia com que derrubou a muralha que até então separava a Fé da Ciência, e vice-versa.
           

Teilhard nunca fez questão de ser mais cristão do que cientista. Repartia seu amor e sua adoração por igual entre o Criador e suas criaturas. Fez questão de não manter separado o que a seus olhos só podia ser entendido como unidade. Para ele as diferenças só são “reais” no plano teórico formal. No plano real concreto valia o axioma do Tomás de Aquino: “Omne ens est unum”.
Padre Marcos Bach

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

JESUS NUNCA TEVE MEDO DAS MULTIDÕES

A estrutura psicológica da consciência de um cristão católico encontra-se profundamente impregnada da convicção de que sua salvação eterna depende, antes de mais nada, da sua obediência às autoridades da sua Igreja.
           
Durante quase dois mil anos os papas usavam a excomunhão como meio de quebrantar a resistência dos que se opunham a suas ambições de poder. Como arma política a excomunhão e o interdito deixaram de existir. Diminui a olhos vistos o número dos que têm medo de serem expulsos da sua Igreja. Mas nas esferas subliminares da consciência religiosa das massas populares, continua viva e atuante a crença de que a salvação da alma depende do fato de alguém pertencer a uma Igreja. Para grande parte dos católicos estar do lado do papa é o mesmo que estar do lado de Deus. Aplaudir por aplaudir já se está tornando manifestação de fé cristã, desde que o aplaudido se faça passar por enviado de Deus e representante de um poder superior.
           
A Igreja católica ainda está por descobrir que a comunidade, como todo, também é fonte de poder. Ela é uma das poucas instituições do mundo civilizado que ainda não encontrou em seu seio formas democráticas de governo. Nela tudo continua sendo imposto e decidido de cima para baixo.
           
Transformar em povo livre uma multidão habituada à “segurança” do cabresto e da “gaiola” é tarefa para gerações de estadistas e de profetas. O futuro da humanidade vai depender do grau de liberdade dos que terão a tarefa de arcar com ele.
           
Lenin cometeu o erro de achar que uma “aristocracia de intelectuais” bastaria para transformar a Rússia Zarista num Paraíso Socialista.
           
Nos anos 60 a Igreja católica cometeu o mesmo erro, achando que uma Assembleia de bispos tinha condições de traçar o futuro de uma Igreja renovada e universalmente aceita por todos os homens de “boa vontade”.
           
Ainda estamos por descobrir o lugar e o papel que Cristo reservou ao povo, isto é, à multidão de excluídos, marginalizados, excomungados, que nunca tiveram a oportunidade de professar a sua fé em Cristo a não ser batendo palmas à passagem de seus senhores.
           
Durante séculos prevaleceu a tese segundo a qual é inimigo da fé cristã todo aquele que é amigo da liberdade. Que é inimigo da Igreja quem se coloca do lado do povo.

A Teologia da Libertação foi condenada pelo Vaticano porque elevou o povo, seus anseios e sofrimentos, à condição de sujeito da História da Salvação. Os que sentem mais de perto as consequências da exploração do homem pelo homem são os interlocutores preferidos de Cristo.
           
Jesus nunca teve medo das multidões. Nunca se serviu de guarda-costas para se defender de eventuais abusos. O atual Papa gostaria de transmitir à opinião pública a imagem de homem do povo. Acontece que entre ele e o povo estão estacionados milhares de agentes de segurança. Jesus nunca pôde contar com tamanho aparato de segurança. Se o Papa fosse realmente o homem do povo que gostaria de ser, dispensaria toda e qualquer espécie de segurança que não fosse a segurança que um pai encontra no meio de seus filhos.

Padre Marcos Bach