terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A MORTE DE UMA CIVILIZAÇÃO

Se fôssemos governados por homens dispostos a interpretar a história como todo bom aluno interpreta as lições do seu mestre, teríamos hoje uma perspectiva menos sombria em relação ao futuro desta nossa civilização.
        
Toda civilização tem um início, um clímax e um fim. Seu início coincide com o fim de outra em relação à qual ela representa o que hoje chamamos de Ponto de Mutação. Definimos com este nome o momento em que a continuidade linear é interrompida e as pessoas que tomam consciência da ruptura em curso põem-se a olhar em outra direção e passam a se relacionar entre si e com o mundo de modo radicalmente diferente.
        
Toda civilização representa em seu início uma novidade só aceita por uns poucos. Seus pioneiros são perseguidos e tratados como criminosos. Só lentamente o novo modo de pensar, de viver a vida consegue impor-se. Raramente o consegue sem o auxílio da espada, do campo de concentração e da força.
        
O clímax de uma civilização que atinge a ideia mestra (o ideal) a que deve sua origem, alcança o máximo de fecundidade institucional, política, moral e cultural. Roma atingiu este estágio evolutivo quando ainda era uma pequena e modesta república. O clímax da civilização grega coincide com a época de Péricles, época áurea da cultura grega.
        
O que faz de uma civilização um cenário culturalmente positivo são os valores humanos que promove. Liberdade pessoal, formação intelectual, boa saúde, segurança social, velhice tranquila, morte digna e mesa farta são valores que todo povo civilizado deveria defender com a mesma fé e determinação com que um fundamentalista fanático defende sua fé.
        
A morte de uma civilização acontece quando a parcela majoritária da população perde a fé nos valores que estiveram presentes na hora do parto de sua civilização. Majoritária, sob todos os aspectos, é a parcela jovem de um organismo social.

Podemos classificar como membros do mundo jovem todos aqueles que mantêm sua mente aberta a toda e qualquer novidade. Alguém será tão adulto quanto for capaz de distinguir o que deve ser substituído do que ainda é válido. Mas isto não basta: mais importante é saber o que colocar em seu lugar. Discernimento chama-se a esta faculdade tão importante para o bom andamento da vida humana. O computador pode ser útil sob muitos aspectos. No entanto, é incapaz de substituir a consciência do homem.
        
Prudência e sabedoria são palavras que dizem a mesma coisa que discernimento. O autêntico sábio não se contenta com distinguir as coisas de forma correta. É mais do que simples teórico, é homem de ação, acima de tudo. Inácio de Loyola, Teresa de Jesus, Gandhi, entre tantos outros, eram pessoas empenhadas em promover transformações de natureza social e política.

Padre Marcos Bach

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A ENCARNAÇÃO DE DEUS

O dogma da Encarnação de Deus envolve um dos aspectos fundamentais da fé cristã. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). “O Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1,1).

A palavra Verbo, Logos em grego, pode ser traduzida como pensamento. O universo todo deve sua origem a um Pensamento de Deus. Este Pensamento se tornou matéria num primeiro momento do processo criador de Deus. Em seguida veio o segundo momento em que matéria se tornou vida. Num momento posterior a vida se tornou novamente pensamento. Do pensamento resultou o conhecimento, que a Bíblia identifica com amor. O amor gera a Comunidade dos Filhos de Deus.

O que faz da Igreja de Cristo um corpo social unido e coeso não é a submissão de seus membros à autoridade de seus chefes visíveis, mas o “amor com que seus membros se amam uns aos outros” (Jo 15,17).

Onde duas pessoas se unem atraídas pela força de um amor comum, lá Cristo se torna presente sem mais, “ipso facto”, e não é necessário convidá-Lo (Cf. Mt 18,20). Esta tão misteriosa presença de Deus na alma tem muito em comum com o que acontece quando uma mulher engravida.

A ideia de que a Encarnação do Verbo é um processo que ainda não foi concluído, parece tão estranha que quase não aparece nos manuais de Cristologia. A maioria dos teólogos não sabe o que fazer com a tese de que em toda alma humana há espaço para completar o que falta à Encarnação plena de Cristo. Foi o apóstolo Paulo que melhor compreendeu esta tão misteriosa necessidade que Cristo tem de nascer sempre de novo na alma dos que nele creem. “Sofro até ser Cristo formado em vós”, escreve ele na carta aos gálatas (Gl 4,19).

“Nenhum de vós vive para si mesmo” (Rm 14,7). “Para mim o viver é Cristo” (Gl 2,20). “Cristo vive em mim” (Gl 2,20). “Logo, já não sou eu quem vive” (Gl 2,20). No Evangelho de São João lemos esta frase atribuída a Jesus: “Se alguém não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,3). Este novo nascimento em nada se parece com o nascimento biológico, pois é de natureza espiritual (Cf. Gl 4,29). É pela fé e pela ação da graça que Cristo se torna presente na alma humana.

Padre Marcos Bach

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

SEM JESUS CRISTO NÃO É MAIS POSSÍVEL FAZER HISTÓRIA

Sem Jesus Cristo e fora do seu Plano de Salvação não é mais possível fazer história. O projeto messiânico de Marx como o de Hitler fracassaram estrondosamente porque lhes faltou o chão seguro da fé nas promessas divinas.

Sem esperança é impossível fazer história. Esta esperança não é qualquer surto de otimismo artificialmente insuflado por teorias ou slogans. Menos ainda é aquele otimismo barulhento e irracional artificialmente criado pela Mídia. É certo que ao morrer a última certeza de que é possível criar um mundo melhor, a humanidade voltaria à pré-história. A morte da esperança seria o fim da história e acabaria jogando a humanidade de volta às florestas donde saiu e às cavernas do paleolítico.
          
Pode a história terminar em fracasso? Pode, e por que não, se tudo o que é vivo traz em si o germe da dissolução? Já tivemos vinte civilizações historicamente identificadas, diz o historiador inglês Toinby, e todas elas se extinguiram. Ou foram extintas. Nada neste planeta é eterno. Quantos Impérios surgiram e desapareceram no curto espaço de tempo de alguns milênios! Dos Impérios já sabemos que a sua extinção é uma questão de tempo. Impérios são construções humanas das quais a história procura livrar-se com a pressa com que cortamos uma bananeira que já deu cacho.

Mas há no campo social um tipo de entidade que não se submete à lógica da entropia e se considera imune ao princípio da extinção e à lei da entropia. São as entidades religiosas. Nenhuma delas se preocupa com a sua sobrevivência. Julgam-se eternas, imunes ao vaivém dos acontecimentos. Por se terem na conta de obra de Deus, agem como se estivessem a caminho da eternidade, imunes, portanto, à ação corrosiva e desintegradora do tempo.
          
Qual o líder ou chefe religioso da atualidade que não alimenta a certeza de estar do lado certo e seguro da história? Quem pode ter a certeza de estar do lado certo da história? A quem vou aliar-me: aos que já descobriram a resposta ou à turma irrequieta dos que continuam procurando, convictos de que o momento atual da história representa apenas a ponta emersa de um continente prestes a emergir? A escolha é de cada um de nós, membros de uma sociedade que já não pode apelar mais para a ignorância pela facilidade que temos hoje de saber o que se passa longe do nosso pequeno e mesquinho mundo doméstico.

A humanidade precisa não só de quem lhe mostre o tamanho do buraco em que se meteu, mas de profetas que lhe apontem o caminho por onde sair dele.
          
Uma concepção materialista e ateia da história humana é metafisicamente inaceitável, pois é da essência da história ser obra do espírito humano. Excluir Deus da história a ponto de não admiti-lo sequer como hipótese, é outro erro.

Quem exclui Deus da história dos homens termina por excluir dela também o homem. Excluir Deus da história dos homens, da sua natureza, da sua psique e dos seus sonhos de felicidade é o mesmo que jogá-los de volta às árvores, donde partiram milhões de anos atrás.

Padre Marcos Bach

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

EM BUSCA DA BÚSSOLA INTERIOR

O navegante não se perde na imensidão de um oceano sem limites nem estradas porque possui a bússola, um instrumento que lhe diz se ainda está indo no rumo certo. A bússola não lhe diz se está indo por águas profundas ou rasas. Se quiser verificar a profundidade das águas por onde passa terá que recorrer a outro instrumento que é o Sonar.
        
O interior de uma pessoa humana possui uma dimensão de profundidade que a esmagadora maioria das pessoas desconhece por completo. Morrem ou chegam ao término da sua peregrinação terrestre sem terem a menor ideia dos tesouros escondidos no subsolo do seu inconsciente. Em termos de navegação só conhecem a de cabotagem. Em termos de conhecimento psicológico só conhecem as águas rasas do seu pequeno e acanhado eu pessoal. Morrem sem terem tido a ventura de se descobrirem a si próprios.
        
Quantos são os que em vida se preocupam seriamente com autoconhecimento. Santo Agostinho escreveu: “conheça-me eu a mim para poder conhecer-te melhor a Ti, meu Deus”!
        
O autoconhecimento faz parte das exigências da fé cristã. É, portanto, mais do que simples luxo psicológico. É também mais do que mera exigência moral. É uma exigência espiritual e religosa. Santo Agostinho deixou claro: “não pode conhecer a Deus quem não se conhece a si mesmo”.
        
A psicossíntese, tal como a descreve Roberto Assagioli, é um processo complexo em que a vontade livre do homem anda de mãos juntas com a atividade da psique. Boa parte do que acontece pode ser registrado como resultado da ação do supraconsciente. O eu responsável por tudo não é o eu pessoal, mas o Eu Superior, ou Eu Transpessoal.
        
Assagioli divide em três as áreas de atuação do processo de psicossíntese:
1)   A psicossíntese pessoal consiste em pôr ordem em seu próprio interior.
2)   A psicossíntese social se ocupa de fazer o mesmo no campo do relacionamento com outras pessoas.
3)   A psicossíntese espiritual tem por objetivo organizar de forma positiva a relação espiritual.

Por dimensão espiritual deve-se entender tudo o que no homem não tem relação com sua origem e seu passado biológico. Tudo o que uma pessoa deve à sua origem animal pode ser considerado como não espiritual. O processo evolutivo humano impele a espécie, a seus representantes a um tipo de crescimento que o animal não conhece. Este processo se encontra pré-programado na consciência de cada indivíduo. O que se dá com a maioria das pessoa é que esta programação permanece intata e indecifrada a vida toda. Elas morrem sem ter tido sequer uma ideia das potencialidades intocadas da sua consciência total.

Repugna à razão humana admitir que as oportunidades desta vida terrena são as únicas que o Criador põe à disposição de suas criaturas. No plano de Deus, tal como Jesus o veio revelar, falta de oportunidade e chance de refazer o que foi mal feito, não é problema.

Padre Marcos Bach

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O REINO DE DEUS UMA PROMESSA

“As nações cristãs chegaram a uma situação deplorável; seu cristianismo, tendo descuidado de fazer evoluir o seu mito no curso dos séculos... As pessoas não percebem que um mito está morto se deixa de viver e crescer...  Nosso mito tornou-se mudo, e não nos fornece mais nenhuma resposta. A falta não está nele, tal como foi revelado pelas Escrituras, mas tão somente em nós, que não o desenvolvemos, e que suprimimos qualquer tentativa nesse sentido”. (C.C.Jung - Memórias, Sonhos e Reflexões, Ed. Nova Fronteira - p.286-287).
        
“Mas hoje a questão nos assedia e precisamos dar uma resposta. Permanecermos de mãos vazias, espantados, perplexos, e nem mesmo percebermos que nenhum mito nos ajuda, agora que temos tanta necessidade” (Id. Ib.).
        
O Reino de Deus é um conceito amplamente usado no Antigo e no Novo Testamento. Possui uma conotação messiânica, pois é apresentado como objeto de esperança e como tal faz parte das promessas de Deus. Projeta o presente em direção ao futuro.
       
Possui, ao mesmo tempo, uma dimensão mitológica, pois se refere também a um tempo passado, que por não existir mais como fato histórico atual, continua vivo sob a forma de mito.
        
O mito, como os contos de fadas, expressa duas coisas fundamentais:
- Primeiro, uma verdade fundamental e de extrema importância para a configuração do Ethos cultural de um povo.
- Segundo, um dado arquetípico dos mais poderosos do seu Inconsciente Coletivo.
        
O primeiro aspecto é de natureza política e responde a seguinte pergunta: “Como motivar um povo a lutar e a sofrer (se preciso for) pelo seu futuro?”. A consciência histórica de fazer parte de um Povo Eleito, de ter Javé como seu guia e de ser agente ativo num projeto messiânico fez com que cada judeu conseguisse sobrepor-se na hora decisiva aos seus próprios interesses individuais. A consciência política do povo judeu sempre foi mais forte do que qualquer conjugação de interesses particulares. A alma e o Leitmotiv  do povo eleito foi um sonho, uma utopia: a realização do Reino Messiânico!
        
Faz parte das características essenciais do reino messiânico ser teocrático. É Deus que governa e dirige o seu povo. É Javé que caminha à frente dos seus.
        
Numa teocracia só existe um poder legítimo: o de Deus e o que é exercido em seu nome e sob o seu controle. Absoluto só é o poder de Deus. Toda autoridade exercida por homens está sujeita ao controle tanto de Deus em Pessoa, quanto do povo. A voz do povo tinha em certos momentos mais peso e vigor do que o poder do rei.
        
O profetismo encarnava a voz e os anseios do povo. Era, pois, uma instituição eminentemente democrática, destinada a contrabalançar e neutralizar até certo ponto os exercícios do poder monárquico. O critério político que determinava a intervenção dos profetas não era a ordem, mas a justiça. Não os interessava a paz a qualquer preço, mas a paz que resulta da justiça. A opressão dos fracos por parte dos poderosos e a exploração dos pobres por parte dos ricos constituíam o alvo preferido de suas diatribes.

O REINO DE DEUS UM IDEAL

O Reino Messiânico não era para eles um ideal a ser posto em execução imediata, mas uma medida, um paradigma (diríamos hoje), um critério de avaliação moral e política. Toda vez que o povo se afastava de Deus e sempre que o rei se distanciava tanto de Deus como do povo, surgia o profeta para recolocar o sistema nos seus devidos eixos.

O Reino Messiânico dos profetas não fazia parte do mundo das realidades escatológicas. Não era, portanto, um sonho destinado a encontrar sua plena realização numa outra vida. O judeu, via de regra, pouco se preocupava com o que vinha depois da morte. Para ele o Reino Messiânico era uma promessa de Deus destinada a se cumprir em tempo histórico.
        
Aos poucos os profetas foram rareando e o último do qual se tem notícia viveu no século VI a.C. O sonho do Reino foi se apagando, ou então passou a ser usado por aventureiros políticos pouco escrupulosos. Depois do ano de 133 d.C. os romanos se encarregaram de esvaziar em caráter definitivo de qualquer chance política o sonho messiânico do povo judeu. Foram dispersos pelo mundo inteiro e, contudo, permaneceram unidos, alimentando em suas sinagogas a esperança de um reencontro com o ideal messiânico.
        
A ideia de um reino ideal se apoia em três pressupostos:
- Primeiro, uma realidade presente, se não intolerável de todo, ao menos distante do que qualquer cidadão consciente e civilizado considera como requisitos mínimos de uma sociedade humana justa, digna de seres racionais.
- Segundo, por trás desta esperança de dias melhores deve haver uma certeza, pois sem ela a esperança deixaria de existir e seu lugar seria ocupado pela ilusão.
- Terceiro requisito: deve haver um modelo a partir do qual é possível dimensionar os contornos fundamentais do Reino Messiânico.
        
O povo judeu sempre foi um povo sofrido. Sempre teve que lutar duramente por tudo o que conseguiu conquistar e realizar. É só pensar na Terra Prometida, sua pátria, onde o “leite” e o “mel” eram na época de Moisés tão escassos quanto hoje. Onde o judeu põe o pé, a perseguição se lhe gruda no calcanhar. Mas uma certeza o judeu sempre tinha: “Deus está do meu lado!”.

Deus (isto é, Javé) precisa de nós como nós precisamos dele! A relação de um judeu com seu Deus é tudo, menos servil. Um judeu religioso não se sente diminuído pelo fato de estar às ordens de seu Deus. Pelo contrário, sente-se dignificado pelo fato de poder obedecer a tão excelso Senhor. É possível que em nossos dias seja difícil encontrar um judeu que deposite em Deus a mesma fé que desde séculos se acostumou a depositar no poderio financeiro e militar. Toda vez que o povo de Israel cometeu o mesmo erro, acabou pagando por ele um alto preço. Recebeu por ele um castigo correspondente ao de “Alta Traição”.
        
Resta uma pergunta que merece atenção: “Donde o povo de Israel tirou a ideia de um Reino Messiânico Ideal?”. Faz parte do credo religioso do judaísmo a crença num estado inicial em tudo oposto à situação do momento histórico atual. O homem primordial foi criado por Deus em primeira mão (e não por intermédio de terceiros). Depois de tê-lo criado, Deus viu que tudo o que tinha feito era bom, incluído o homem. Das páginas iniciais da história humana fazem parte o Jardim do Éden (ou Paraíso), a mulher, sua extraordinária intimidade com Deus e uma forma invejável de viver em harmonia com a natureza.
        
Tudo isso se perdeu. Mas ficou no Inconsciente Coletivo de cada ser humano a saudade e o desejo de um reencontro com este estado de comunhão íntima com Deus e com a natureza. Foi provavelmente sob a influência dessa nostalgia do Paraíso perdido que Isaías escreveu essas palavras enigmáticas e aparentemente pouco dignas de figurar num escrito tido como sagrado e inspirado por Deus: “Habitarão juntos o lobo e o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão juntos... A vaca e o urso comerão na mesma pastagem... O leão e o boi comerão igualmente palha...” (Is 11, 6-7).

Padre Marcos Bach

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

INTERIORIZAÇÃO DE VALORES

O Ponto Deus representa e responde pela passagem do meramente humano para o divino. Tudo está a nos dizer que a essência da natureza humana não pode ser desvendada recuando no tempo. Pelo contrário, é adiantando-se à ação do tempo que se consegue ter uma ideia do que irá ser um dia o Homem Perfeito e plenamente humanizado. O Ponto Deus encontra-se embutido no interior do cérebro humano e é responsável por todo tipo de atividade que associamos ao conceito de atividade espiritual. Com esta descoberta fica claro que estamos sendo realizados e projetados a partir de forças criadoras que atuam além do tempo. Perde o seu precioso tempo todo aquele que acredita no poder mágico do processo histórico. A História não possui este poder de tornar os homens cada vez melhores e mais humanos.

Como se pode sair do tempo e mergulhar num universo sem tempo onde a sucessão dos séculos e dos milênios cabe num único instante e num eterno presente?

O que Jesus fazia quando, ao anoitecer, subia a uma colina para passar lá as silenciosas horas de uma bela noite de verão em oração, senão isso mesmo: saía do tempo e voltava a mergulhar naquele maravilhoso mundo sem tempo que é o Céu donde viera!

A oração por excelência é a que nos liberta da prisão do tempo e do pequeno e claustrofóbico mundinho dos que não têm mais tempo para nada. Esta oração tem um nome: chama-se contemplação. Quem quer aprendê-la dirija-se a Teresa de Ávila ou a Inácio de Loyola, ambos mestres consumados na arte da contemplação.

Um pequeno número de contemplativos, um por cento, é suficiente para transformar uma cidade violenta num Oásis de convivência pacífica. É o que nos garantem renomados sociólogos americanos.

“O tempo está começando a passar cada vez mais depressa”! Esta é uma queixa bastante comum. Parece que estamos assistindo a uma aceleração do tempo.

O tempo cronológico é determinado pela velocidade com que um objeto se move. O tempo psicológico é determinado pela quantidade de momentos sucessivos.

A passagem do tempo se torna problemática e frustrante na medida em que não nos permite completar o que iniciamos. É extremamente desagradável chegar ao fim de um dia cansativo com a sensação de não ter realizado ao longo do dia uma única obra bem feita. “Se ao menos a noite nos desse a oportunidade de esquecer o tempo e de mergulhar no plácido mundo dos sonhos”! A noite poderia nos devolver com juros um pouco do tempo perdido durante o dia, mas para isso teríamos que aprender a arte tão pouco cultivada de dormir bem.

Padre Marcos Bach

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

COMO DESCOBRIR QUE DEUS É AMOR

Do Pai divino do qual Jesus fala com tanto carinho, Ele mesmo diz: “O Pai vos ama” (Jo 16,27).

Não é no terreno do saber e do poder que devemos procurar a novidade contida na mensagem de Jesus, mas no terreno do amor! Até o dia em que Jesus veio para nos falar de Deus não havia religião que não apresentasse Deus como Senhor exigente e distante! São de Jesus estas palavras: “Se alguém me ama, Eu e o Pai viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14,23).
           
“O Criador do universo veio morar entre nós”! Não só no meio de nós como transeunte em nossos caminhos, mas como inquilino de nossas almas!
           
O que Jesus nos veio revelar é tão incrivelmente absurdo que ainda hoje, passados dois mil anos, são muito poucos os que “têm ouvidos para ouvir” (Mt 11,15). Absurda é a vida dos que passam por ela sem ver nem ouvir o essencial. São surdos e cegos por culpa própria.
           
Para descobrir que Deus é Amor não é preciso abrir a Bíblia. Esta é uma verdade inscrita em tudo o que nos cerca! O Amor do Pai Celeste é tão simples e cristalino quanto o riso de uma criança! Para descobri-lo é indispensável voltar a ser criança. “Se não vos tornardes como as crianças de modo algum entrareis no Reino de Deus” (Mt 18,3).
           
O que o amor de amizade tem em comum com o Amor de Deus e o amor de uma criança é que não é necessário merecê-lo. Ele surge quando menos se espera. É discreto, pois não é dado a efusões românticas, nem é do seu feitio fazer discursos. O Amor de Deus é tão simples e humilde, tão desataviado e sem floreios porque é extremamente parecido com o de uma criança.
           
São as crianças que mais perto se encontram da fonte originária de todo o amor humano que é o Amor do Pai Celeste. Seu amor não é regulado por leis, nem impõe limites. É amor puro porque é totalmente gratuito! Não necessita do prazer como condimento, nem da felicidade como recompensa!  Tanto na vida de uma criança como na de Deus, amor e felicidade são inseparáveis. Em ambos os casos o Amor traz em si a sua razão de ser.
           
É no amor de amizade que estas prerrogativas do amor se manifestam num grau de pureza que as demais formas de amor não possuem!
           
Será que não é o amor materno o que mais se parece com o Amor de Deus?  Não são as mães as que melhor encarnam o amor em toda a sua pureza? Se amigo é aquele que não hesita em dar a sua vida em benefício da do amigo, por que não atribuímos ao amor materno as virtudes que acabei de conferir ao amor infantil? Não é o amor da mãe por seus filhos muito mais generoso e adulto que o de uma criança?
           
Não vale no terreno do amor o princípio da generosidade segundo o qual “ama mais aquele que dá mais”. Neste terreno a medida é a confiança e não a generosidade.
           
A criança confia cegamente na sinceridade dos adultos porque ela mesma é totalmente sincera. Por isso seu amor é total. Total e radical! Quando ama empenha neste seu gesto a totalidade da sua capacidade de amar! Seu amor é sempre grande a seus olhos, enquanto o amor das pessoas grandes não costuma ter em suas vidas a importância que uma criança costuma atribuir a suas pequenas conquistas amorosas!
           
Quando o papa Pio XI canonizou a Teresinha de Lisieux não faltou quem exclamasse: “mas o que ela fez para merecer a honra dos altares”?
           
O papa João Paulo II completou o “escândalo” quando proclamou Teresinha de Lisieux, uma freirinha que nunca pusera pé numa Universidade, Doutora da Igreja.
           
No Reino de Deus a lei é esta: “Quem quer ser o maior faça-se o menor de todos” (Lc 22,26). São as crianças que carregam em seus ombros o futuro do Reino de Deus. Logo são elas as responsáveis pelo futuro da Igreja de Cristo!
           
Ser criança no sentido que Jesus atribui à metáfora, significa não trair a sua origem divina, esquecendo a sua filiação divina! Verdadeiramente adulto é o filho grande que ainda aceita o convite de sentar-se no colo do pai! Já se viu: um marmanjão sentado no colo do Pai? “Se não vos tornardes como as crianças, de modo nenhum entrareis no Reino de Deus” (Mt 18,3).

Padre Marcos Bach

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

CRISE DE IDENTIDADE SOCIAL

Hoje só uma pessoa muito mal informada pode negar a existência de uma “crise de identidade social. Tudo aquilo que no passado fazia as pessoas se sentirem “idênticas” e identificadas com o ambiente cultural em que viviam, já não tem mais o mesmo poder. Em épocas de “consolidação cultural” (Erikson), como em tempo de paz, predomina a figura do cidadão “pacato” e “solidamente” fiel às tradições.

Em períodos de transição cultural, como em tempos de conquista, destaca-se a figura do “pioneiro” desbravador de terras virgens.

A identidade do “homem moderno” condiz muito mais com a imagem do “bandeirante” e do “pioneiro”.

Identidade é a “consciência de um conjunto subjetivo de valores (sancionados ou não).

As virtudes do soldado e as do cidadão conflitam entre si em muitos aspectos. Um soldado sedentário e um camponês nômade são um contracenso in terminis. Vivemos num mundo “em crise”, isto é, em transição. Num mundo “de passagem”. Transição histórico-cultural, logo, obra da consciência e da vontade do homem.

O futuro, ao encontro do qual nos encaminhamos, não é um declive por onde se pode escorregar à mercê da fatalidade. Se houver um “amanhã” para a humanidade ele será obra da história, isto é, do homem. Não existe em parte alguma um “paraíso” à espera das gerações futuras. O relevo histórico é pontilhado de altos e baixos, de progresso e de estagnação, que correspondem a outras tantas decisões ou omissões históricas da humanidade. A identidade social se revela, portanto, na história.

À medida que alguém se envolve nos acontecimentos e se compromete com o futuro dá a estatura de sua identidade e o nível de sua consciência social.

A moderna crise de identidade social é um fenômeno altamente positivo e se deve ao modo substancialmente diverso do homem se relacionar com o mundo, provocado pela “revolução” científico-tecnológica. Ela está apenas se esboçando. Sua evolução depende muito do grau de consciência que a humanidade estiver disposta a investir neste processo.

De que modo pode o desenvolvimento técnico-científico influir de forma tão ampla e radical no ambiente sociocultural humano?

Aqui é preciso pensar um pouco na linha de Marx. Uma mexida no mundo das relações econômicas sempre traz consigo uma reviravolta equivalente no campo sociocultural. O advento da máquina modificou profundamente todo o sistema de relações sociais e políticas. O advento da cibernética abre perspectivas praticamente imprevisíveis.

Quando o trabalho deixar de ser atividade nobre; quando o tempo deixar de valer dinheiro, muita coisa na vida diária das pessoas vai mudar.

Na medida em que o “tempo econômico” (produção – consumo) for substituído pelo “tempo social”, surgirão problemas éticos com que por ora ninguém se preocupa. Surgirão também oportunidades e formas de relacionamento social com que ainda não é possível sonhar. O reflexo de todas estas modificações sobre a “consciência de identidade” do cidadão médio do ano 2.100 é difícil de adivinhar, mas certamente será mais profundo que se possa pensar a partir do pequeno ângulo de visão de hoje.

Como é que as pessoas irão se sentir num mundo com tanto “tempo livre”?  Num mundo em que o computador toma o lugar da memória, da inteligência, das bibliotecas e dos arquivos? É difícil imaginar. Nosso atarefado “homem de negócios” certamente morreria de tédio se tivesse que viver nele. Como se pode ver facilmente será necessário não só modificar a estrutura interna das pessoas, mas todo o sistema éticossocial.

À ideologia do “trabalho produtivo” será preciso opor outra. O progresso terá que passar a ter outra conotação. A ideologia “desenvolvimentista” terá que ser relegada à penumbra venerável de algum hipotético “museu ideológico”. A maior parte da humanidade ainda está às voltas com problemas de sobrevivência pura e simples. É evidente que neste caso o econômico prevaleça sobre todos os demais aspectos da vida.

Padre Marcos Bach

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

NASCER PARA A VIDA EM JESUS CRISTO

A palavra Cristogênese foi empregada por Teilhard de Chardin para descrever o processo pelo qual Jesus Cristo se encarna sempre de novo toda vez que uma alma abraça a fé n’ELE. Em vez de depositar sua esperança em sucessivas reencarnações, o cristão a deposita no Cristo Ressuscitado que volta a se encarnar toda vez que uma alma nasce para a Vida em Cristo. E isto só acontece quando ela abandona a fé em deuses e ídolos e passa a depositar toda a sua esperança no amor com que Cristo a amou muito antes que ela pudesse despertar e tomar consciência deste Amor!

É este o momento de salvação ao qual Jesus se refere quando diz: “Convertei-vos, pois o Reino de Deus está próximo” (Mt 4,17). Converter-se significa muito mais do que arrepender-se do mal praticado. Significa mudança total e radical de conduta. Quem se converte para a Vida em Cristo passa a queimar o que adorava até então e a adorar o que até então não fazia parte do seu campo de interesses. Converter-se significa essencialmente mais do que mudar seu modo de agir. É todo o seu modo de ser que muda radicalmente de sentido. Sua autoconsciência não é mais a mesma de antes! Já não entende a autorrealização do mesmo modo como a entendia antes, como a entende um budista, por exemplo.

Assim como a Phenix, a mitológica ave que renascia periodicamente das próprias cinzas, um cristão só se torna cristão de verdade se vier a renascer das próprias cinzas. É neste sentido que temos que passar a interpretar a palavra de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida a perderá” (Mt 16,25). Algo do que herdamos de nossos antepassados tem que morrer se quisermos participar da Vida Eterna prometida por Jesus! A criança quando nasce troca uma vida despreocupada por outra cheia de imprevistos!

A ideia de que a Encarnação do Verbo é um processo que ainda não foi concluído, parece tão estranha que quase não aparece nos manuais de Cristologia. A maioria dos teólogos não sabe o que fazer com a tese de que em toda alma humana há espaço para completar o que falta à Encarnação plena de Cristo. Foi o apóstolo Paulo que melhor compreendeu esta tão misteriosa necessidade que Cristo tem de nascer sempre de novo na alma dos que nele creem. “Sofro até ser Cristo formado em vós”, escreve ele na carta aos gálatas (Gl 4,19). “Nenhum de vós vive para si mesmo” (Rm 14,7). “Para mim o viver é Cristo” (Gl 2,20). “Cristo vive em mim” (Gl 2,20). “Logo, já não sou eu quem vive” (Gl 2,20). No Evangelho de São João lemos esta frase atribuída a Jesus: “Se alguém não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,3). Este novo nascimento em nada se parece com o nascimento biológico, pois é de natureza espiritual (Cf. Gl 4,29). É pela fé e pela ação da graça que Cristo se torna presente na alma humana.

A ideia de que o cosmos todo está grávido de Cristo, se não é original de todo, ao menos é bastante inusitada. Mais estranha é a crença de que a Cristo ainda falta uma dimensão e que o Cristo Total ainda está por nascer. Aceitamos, sem dificuldade, que à humanidade lhe falta muito e que ela se encontra longe de ter alcançado a sua estatura plena, que é a de Cristo, mas repugna-nos admitir que à estatura plena de Cristo lhe falte algo de tão importante quanto à plenitude e que cabe a pobres seres humanos a missão de fornecer a Cristo o que ainda lhe falta. Poderá faltar a Cristo algo sem o qual permanecerá incompleto? E não será pretensão atribuir ao homem a faculdade de prestar a Cristo o mesmo serviço que toda a mãe presta a seu filho?

São poucos os escritos que Teilhard conseguiu publicar em vida. Mas o fato de ser alvo de uma censura implacável parecia não perturbá-lo muito, pois tinha plena consciência não só do valor de seu pensamento, como do tempo em que seria visto como atual. Teilhard era, acima de tudo, um intelectual, um pensador. O fato de ser um pensador cristão é responsável pelo modo personalizado como trata a relação do homem com Deus. Para ele a Verdade é uma Pessoa, a Pessoa de Cristo e se manifesta primariamente como amor muito antes de fazer parte de um ensinamento.

A verdade não se aprende como se aprende uma língua. A verdade ou se aceita, deixando-se possuir por ela ou nos contentamos com o produto de nossa própria mente. A verdade de Teilhard é Cristo e o seu Cristo é onipresente, pois ocupa todos os espaços deste imenso universo.

É este o Cristo que pede para nascer sempre de novo em cada ser humano. O eleito já não é mais o representante de uma raça superior ou o membro de uma classe social privilegiada, mas todo aquele que, escutando a voz interior da graça de Deus, abraça a fé em Cristo.

Uma das primeiras providências que o feto recém instalado no útero da mãe adota consiste em criar um cordão umbilical através do qual se abastece com os nutrientes indispensáveis ao seu crescimento. No caso que estamos analisando, cordão é a fé amparada pela graça. Sem a fé a graça divina não teria como operar. A fé é o chão onde a graça deita suas raízes. Depois de tê-la curado do seu mal, Jesus despediu a mulher, dizendo-lhe: “Vai em paz que tua fé te curou” (Mt 9,22).

Mas até a fé não teria este poder não fosse a graça a animá-la. Por isso pode-se resumir todos os passos que conduzem à salvação das almas a um único denominador comum: “Tudo é graça e dom gratuito de Deus, e nada do que necessitamos para a nossa salvação pode ser merecido por nós”! Qualquer tentativa de planejar o futuro da humanidade sem Cristo nos levará mais uma vez a criar uma civilização próspera, mas culturalmente tão selvagem quanto o que nos é dado ver nas selvas da ilha de Bornéu. Ou será que os campos de extermínio nazistas eram mais civilizados do que o espetáculo de um ritual antropófago proporcionado por nativos das ilhas dos Mares do Sul?

Se o Cristo Total ainda está por nascer e se cada ser humano está predestinado a participar deste novo Natal, deste novo Nascimento do Filho de Deus, então é hora de abrir em nossa fé uma janela nesta direção! Podemos, apoiados nos ensinamentos dos apóstolos Paulo e João, acrescentar a Cristogênese, não apenas ao nosso conhecimento teológico, mas incorporá-la como experiência mística à nossa vida de fé! Com o mesmo enlevo e felicidade incontida com que a mãe acompanha dia após dia o que se passa em seu seio!

Padre Marcos Bach