quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

SERÁ QUE PODEMOS OPTAR PELA QUALIDADE DE VIDA

Pereat veritas, fiat vita”.

Nietzsche não deixa de ter um bocado de razão: “De tanto nos ocupar com a verdade acabamos perdendo o contato com a vida”. Com a vida humana, em especial.

Quem mata e manda matar do jeito como este afazer foi praticado nos últimos cem anos, não pode dizer que ama a vida.

Quem vive a espécie de vida que se vive hoje nas grandes cidades, não tem credibilidade moral quando se proclama amante da vida.

Quem tem amor à vida a ama em todas as suas manifestações. Este amor se manifesta em todas as frentes onde ela corre perigo.

Declarações sobre a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida não é o que falta. Nenhuma delas impediu até hoje a matança de baleias inermes e inofensivas, a extinção simples e pura de espécies animais inteiras, para não falar no aborto e na matança pela fome.

A terra é generosa, os homens é que não o são. A fome é o subproduto da falta de generosidade da parte mais rica da humanidade.

Os cristãos representam o grosso desta parcela opressora e exploradora da humanidade. Isto significa que não compreenderam em absoluto o seu Mestre. “Ut habeant vitam...” “Eu vim para que os homens tenham vida”. Não aquele mínimo de vida que mal dá para a sobrevivência.

Aquele que passou a existência no limiar que separa a vida da inanição, não chegou a viver de verdade. Como se pode falar em vida espiritual, saúde psíquica aonde a sobrevivência física não vai além do nível vegetativo? E não é apenas o faminto subnutrido que, via de regra, não faz mais do que vegetar. O rico opulento que devora a comida, o sexo e o dinheiro também é um mero vegetal travestido de homem. A fome e a voracidade não costumam inspirar bons pensamentos.

Também não têm o poder de nutrir bons sentimentos e aspirações de alto nível espiritual. Fizeram bem os bispos da América Latina quando de público se colocaram do lado da multidão milionária de famintos e subnutridos deste Continente. Se a intenção deles não foi a de acabar com a fome (e não apenas com os famintos) seu gesto não terá sido mais que um truque demagógico. Todo o mundo sabe que declarações e discursos nunca mataram a fome de ninguém. Só há um jeito de matá-la: comer.
        
O ato de comer está tão profundamente ligado à vida, que pão e vinho acabaram se transformando em símbolos da manifestação da forma mais sublime de vida, que é a Vida de Fé.

O ato de comer tem para o homem um significado que ultrapassa o plano vegetativo de um modo absolutamente radical. Comer passa a ser um modo de alimentar o espírito.

“Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51). É por esta razão que a falta de pão na mesa do pobre é tão trágica. Pela mesma razão não pode haver lugar na “mesa do Pai” para os ricos e vorazes glutões.

Padre Marcos Bach  

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O FAZ-DE-CONTA VERSUS A REALIDADE

Vivemos num mundo necessitado de reformas. A nossa realidade sociocultural, religiosa, econômica e política não passa de um escoadouro imenso de mentiras. O faz-de-conta, a aparência, tomou por completo o lugar da realidade.

Transferimos para a área do pensamento pragmático o núcleo de toda e qualquer verdade objetiva. A técnica orienta a pesquisa científica. O Vaticano tornou-se centro e o critério último de verdade para os católicos. O que é bom para os Estados Unidos é bom para o resto do mundo. O que é bom para a União Soviética é bom para um terço da humanidade. A realidade do homem já não é mais critério moral, político ou religioso.

A verdade passou a ser uma ferramenta. Há muito que ela já não está mais a serviço da liberdade. A coisa que os autocratas religiosos, os ditadores e os banqueiros internacionais temem mais que o diabo é a verdade posta a serviço da liberdade. “Veritas liberabit vos”.

A verdade que liberta é substituída com o recurso de todos os meios de comunicação de massa pela liberdade de consumir sem freios nem restrições.

Não se eleva o salário do operário a não ser com a intenção de aumentar sua capacidade de consumo. A isto até a Igreja dá o nome de justiça social. Não é preciso penetrar mais a fundo na realidade social e cultural, política e religiosa de nossos dias para ter uma ideia da quantidade de mentiras que se escondem no bojo deste “Cavalo de Troia” chamado “Verdade”.
        
A mentira começa a tomar corpo e forma quando se passa a identificar a verdade com um corpo de doutrinas ou com um sistema ideológico. Toda formulação doutrinária é um leito de Procusto: nela só cabe uma parte da verdade total.

A formulação teórica do conhecimento é necessária para a ação. O que mais importa, porém, é a ação, pois é nela que a verdade se torna vida. Toda teoria é relativa em vista da ação. A fonte reveladora de toda verdade é sempre alguma espécie de ação.

A fonte de toda a doutrina cristã é a vida e são as obras de Cristo. Sem o testemunho de sua vida e sem a eloquência de suas obras a palavra de Cristo seria hoje tão morta quanto as palavras de Napoleão. A fé cristã se dirige de forma direta e imediata à Pessoa de Cristo e só de modo mediato à sua palavra. E esta não é discurso, sermão, doutrina ou fabulação teórica.

De um mensageiro do Amor Divino se espera mais do que sermões, milagres, pronunciamentos, sentenças. Cristo é o Messias, porque veio trazer aos homens uma energia nova, um novo poder. Veio acrescentar às faculdades humanas uma faculdade nova. Veio enriquecer o espaço social com uma dimensão nova.
        
Na Igreja católica, quando seus chefes falam em verdade, sempre se referem em primeiro lugar a um corpo de doutrinas. A salvação dos homens coincide sempre de modo tão hermético com a Sã Doutrina elaborada no Vaticano que Cristo já passou a não ser mais necessário. O lugar dele foi tomado por mestres e inquisidores. Sua palavra cheia de vida cedeu o lugar à Sã Doutrina, tão árida quanto a mente de seus patrocinadores.

Reduzindo o conteúdo da fé cristã a um corpo de doutrinas, os mestres da Igreja tornaram as coisas mais claras e até mais cômodas para o fiel comum. Ao mesmo tempo desviaram a fé do plano subjetivo e pessoal para o plano intelectual. O objeto da fé passou a situar-se fora do contexto subjetivo e pessoal.

Deste modo cavou-se um fosso entre a fé e o seu conteúdo. A preocupação pelos artigos de fé absorveu quase por completo as atenções do Magistério Eclesiástico. A própria fé enquanto atitude subjetiva e existencial não mereceu maiores cuidados.

Promover a vida de fé tornou-se preocupação da iniciativa privada. É neste terreno que deve ocorrer uma inversão de sentido. Padres, bispos e papas têm por missão primeira servir à promoção da fé.

Crer é um modo de se pôr em contato com uma fonte de energia vital e espiritual. A verdade e as verdades da fé não são fórmulas abstratas. Também não é o que chamamos simplesmente de realidade.

A verdade que abraçamos pelo ato de fé é sempre uma realidade trabalhada, modificada por um pensamento e uma intenção. Em suma, a realidade elaborada em vista de um propósito.

Crer na vida significa crer no sentido da vida. Crer na ciência e na técnica significa ter certeza de que ambas estão a serviço do progresso do homem. Crer no poder e na autoridade é estar convicto de que um e outra são indispensáveis para o desenvolvimento da humanidade. Crer no amor e na liberdade é estar certo de que não pode haver crescimento humano onde ambos não estiverem presentes.

Crer em Deus significa estar certo de que sem Ele a existência humana deixa de ter qualquer sentido transcendente.

Não crer em Deus é o mesmo que declarar o homem prisioneiro do tempo cósmico. Um homem preso aos ciclos de eventos que sempre voltam a se repetir: é este o homem sem Deus. Mas este não é o homem que mora no íntimo de cada um de nós.

Crer em Jesus Cristo significa viver na certeza de que o tempo cíclico foi substituído por um novo tempo humano, o tempo escatológico. A verdade é, portanto, sempre o aspecto promissor da realidade. Ela é, pois, um atributo da realidade. Algo que este tem a mais. É, em suma, a realidade física e histórica enquanto impregnada e fecundada por uma intenção e por um propósito.

Padre Marcos Bach

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

CADA UM DE NÓS REPRESENTA A HUMANIDADE TODA

A norma é um instrumento destinado a influenciar a História da espécie humana no sentido do cada vez mais humano. O que está em jogo não é apenas a humanização de indivíduos, em particular. São as estruturas sociais que necessitam de humanização tão bem quanto as pessoas. Mais do que isto: é o Universo todo que está à espera de ser tocado pela mão e pela inteligência do homem.
          
No contexto desta aventura de ordem espiritual e de proporções cósmicas, o indivíduo só se torna sujeito da história na medida em que for representante lídimo da espécie humana.

Cada pessoa humana é representante de uma “espécie em expansão”. A extinção atinge todos os indivíduos e com eles a espécie toda em que a sobrevivência deixa de ter qualquer sentido evolutivo. Em palavras mais simples: desaparecem as espécies biológicas que nada mais são do que fósseis vivos. Trata-se de uma questão de consciência. De consciência histórica, para ser mais exato.
          
Sempre que uma espécie se isola, perdendo deste modo o contato com o Todo Maior do qual é parte, começa a contagem regressiva em direção à extinção e ao desaparecimento. A natureza parece interessar-se mais pelo Todo do que pelas partes. Sacrifica, se for do seu interesse, espécies inteiras. Uma por hora, dizem as estatísticas.
          
Vistas as coisas sob este prisma, cada um de nós representa a humanidade toda. A maneira como cada qual vive a sua vida dirá se somos membros de uma espécie em extinção ou não. A nossa primeira e maior responsabilidade histórica é para com a espécie a que pertencemos e da qual somos representantes.

Há ente nós os que pertencem à mesma espécie de Homo Sapiens que descobriu o fogo. Outros, mais evoluídos, fazem parte da espécie que descobriu a pólvora. Depois deles veio a geração dos que tinham descoberto a máquina a vapor. De lá para cá a humanidade evoluiu partindo da eletricidade para a energia atômica, do telégrafo até a Internet. Usando a sua razão e o potencial criativo da sua inteligência, o Homo Sapiens Sapiens construiu por cima do mundo natural outro mundo, de natureza cultural. Entronizou a razão no comando da História. Subordinou as forças da natureza ao império da razão humana. E da vontade política do homem.
          
O homem deixará de ser daqui para frente o que o ambiente em que vive lhe permite ser. D’ora em diante é ele, o Homo Sapiens Sapiens, que fica com a responsabilidade de moldar a face do planeta em que vive.

Poucos pensadores se deram conta de que o cristianismo representa, acima de tudo, um voto de confiança de Deus no homem. A Fé em Deus, no Deus-Pai de Cristo é, antes de mais nada, um voto de confiança no Homem.

Este Homem depositário da nossa Fé Incondicional não é o proverbial “representante de Deus na terra”. O futuro da humanidade não depende de homens “cercados de privilégios e donos de poder”. A espécie não fala. Quem fala em seu nome são indivíduos. Mas quais são os indivíduos que podem falar em nome da espécie humana toda? 
          
Houve tempo em que os sábios e os poderosos, e só eles, tinham esta autorização. Estamos todos cansados de ver o estado lastimável a que reduziram a face deste nosso planeta. Não é de mais saber e de mais poder que vamos precisar daqui para frente.

Já ficou claro aos que têm tempo para pensar no assunto que só uma guinada radical no rumo da nossa cultura nos pode salvar. Esta guinada implica a necessidade de esquecer e desaprender quase tudo o que nos foi (e continua sendo) ensinado na Escola e na Igreja. Envolve a necessidade de aposentar valores consagrados. E tudo isso tem que ser feito em ritmo acelerado. Já perdemos tempo demais confiando em mecanismos de segurança tidos como a última palavra em matéria de organização racional.

Os que depositaram seu desejo de salvação em sistemas religiosos esbarram por toda a parte nas muralhas pretensamente inexpugnáveis de uma Fé de porte fundamentalista. Não conheço religião em que a preocupação pelo futuro da humanidade toda tenha conseguido prevalecer sobre o temor tipicamente paranoico de aventurar-se em “mares nunca d’antes navegados”.
          
O papa atual está empenhado em fazer da Igreja católica plataforma de lançamento de uma nova época da História humana.
          
É um novo modelo de ordem social que se está tornando cada vez mais necessário. Onde uns poucos comandam e aos demais só resta obedecer, encontramo-nos frente a frente com a maior tranqueira do progresso social. Infelizmente não há religião em que não seja este o princípio inspirador do que depois se define como “ordem inspirada por Deus”. 
          
A juventude atual representa o típico candidato a Homo Sapiens Sapiens Sapiens. Não aceita instituições sociais em cujo seio não lhe é permitido desdobrar suas potencialidades pessoais. Não aceita uma sociedade que não permite aos indivíduos serem mais evoluídos do que a maioria dos membros ou do que a elite dominante.

Ser mais evoluído significa duas coisas: ser cada vez menos dependente de líderes e de chefes; e de ser sempre mais capaz de responder por si mesmo.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

FALTA-NOS A CONSCIÊNCIA DE CIDADÃOS

Será mesmo que a civilização estragou a humanidade como quer Jean Jacques Rousseau? Que civilização é esta que tornou os homens piores e mais insensíveis do que eram antes? A palavra civilização está associada ao conceito de cidadania. Cidadão,cives, em latim, serve para identificar pessoas que vivem em cidade. O seu oposto é o homem que vive no campo. Da palavra campo vem o termo camponês, que pelo fato de viver no campo, é considerado rústico e menos desenvolvido que os “civilizados” moradores de uma cidade. O aparecimento de grandes centros urbanos é recente. 

Mesmo no auge da sua prosperidade, Roma não contava com mais do que um milhão de moradores. Todo o Império Romano não tinha mais que cinquenta milhões de habitantes. O número de cidadãos romanos não ultrapassava, no tempo de Cristo, a casa dos duzentos mil. A urbanização do convívio social é, portanto, fenômeno recente. Só um sociólogo mal informado não percebe que ainda não sabemos como viver juntos.

De acordo com a opinião de Jean Jacques Rousseau, o que levou o homem civilizado a se corromper, foi a sua perda de contato com a natureza. Deixou de cultivar o seu lado instintivo movido pela presunção de que podia despedir-se da sua animalidade conferindo à razão um papel que os demais membros da biosfera costumam confiar ao instinto. Comparado com a sabedoria do instinto, as luzes da razão humana mais se parecem com lampejos de fogo fátuo do que com luminárias dignas de confiança.

Na época de Rousseau ainda existiam florestas virgens, intatas e povoadas de espécies de animais hoje extintas. 

O que restou da natureza daqueles tempos? É simplismo puro imaginar que o retorno à natureza ainda é possível. Quem mora em cidade contrai vícios e hábitos que tornam difícil uma readaptação à vida campestre. De mais a mais, o problema não é a cidade em si. Não se pode esquecer que o processo de urbanização faz parte do próprio processo de desenvolvimento integral da humanidade. 

A desumanização da cidade não acontece porque muita gente foi morar no mesmo lugar. Em outras palavras: o responsável pelos problemas de segurança e de transporte que afligem os moradores da maioria de nossas cidades de porte médio ou grande não é o fato de um número muito grande de pessoas morarem juntas, mas o fato social responsável por esta situação é a sua falta de preparo psicológico e ético para o convívio em ambiente urbano.

O homem do campo é cioso da sua privaticidade. Não quer ninguém por perto. Lugar de estranho é a estrada. A maioria dos moradores de nossas cidades vieram do campo e sua cabeça ainda funciona como a dos seus avós. As nossas cidades são híbridas, mestiços culturais: seus moradores vivem com os pés na cidade e com a cabeça na roça.

A palavra urbanização é empregada como sinônimo de boa educação, bons modos. Ao passo que o termo rusticidade é usado para classificar um tipo de comportamento em tudo oposto a tudo o que se costuma entender por urbanidade.

Os últimos a se converterem ao cristianismo foram os “pagani”, os que moravam fora das cidades. É mais fácil fundar uma Comunidade Cristã com pessoas que já aprenderam a viver em harmonia umas com as outras. Foi em cidades como Jerusalém, Roma e Antioquia que surgiram as primeiras Comunidades Cristãs de que temos notícia.

A mensagem proposta por Cristo sempre se deu melhor em ambiente urbano do que no campo. A razão é simples: na cidade é mais fácil reunir pessoas do que na roça. As pessoas do campo costumam ser mais individualistas e pouco propensas a compartilhar sua privacidade com outros. Por tudo isso é mais fácil cristianizar uma cidade.

O que não existe neste país é uma pastoral da cidade. Pastoral de terra, isso temos. O clero que atua nas cidades procede quase que exclusivamente do campo. Temos um ministério da cidade, mas é administrado por um ministro que não sabe sequer o que fazer com o dinheiro de que pode dispor. Quem pode, aproveita o fim de semana e as férias para fugir da cidade em que vive. 

Agimos como se a cidade não fizesse parte do que entendemos por natureza. O oposto da natureza é o artificial. Artificial é tudo o que deve sua origem à mão do homem. Mas o fato de viverem num mundo todo ele feito pelo homem, não impede a maioria dos moradores de uma cidade de preferir o natural ao artificial.

Rousseau não foi o último a prestigiar o natural em detrimento do artificial. A Moral católica continua condenando como contrários à moral todos os métodos contraceptivos artificiais admitindo como natural somente o da abstinência.

A urbanização da sociedade humana é um fenômeno recente, porém irreversível. Presta mau serviço à humanidade quem sonha com uma espécie de retorno ao campo como queria o truculento e tirânico Pol Pot do Camboja.

A cidade veio para ficar. É preciso conformar-se com a perspectiva de passar o melhor da sua vida num ambiente social todo ele feito pela mão do homem. 

Foi com a intenção de participar mais de perto do processo evolutivo da humanidade que Deus, em Pessoa, tomou a decisão de assumir a natureza humana. Na Pessoa de Jesus Deus se tornou Homem, conferindo, deste modo, à natureza humana um novo status. Incluindo a divinização da natureza do Homem como termo final de todo o processo evolutivo, Deus em Pessoa se tornou o Alter Ego da humanidade toda.
Padre Marcos Bach

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

REPROGRAMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
        
Uma instituição religiosa que não persegue como prioridade a abertura de espaços novos e de facilitar à consciência de seus filiados o acesso a planos mais elaborados de fé e de experiência de Deus, faria bem em declarar falência.        

Em toda parte os líderes mais responsáveis estão se unindo na procura de soluções. Quanto mais “fiel” for à sua Igreja, tanto mais dificuldade encontrará pela frente o católico que não quiser “fugir à história”. Sua formação religiosa e moral não lhe permitirão passos muito ousados. Terá muita dificuldade na hora de romper com hábitos contraídos ao longo de lustros de lavagem cerebral. E de domesticação moral. Mas os piores obstáculos são os que se encontram em seu próprio interior. A tirania do superego, aliada ao medo de perder sua alma caso não permanecer fiel ao que lhe foi ensinado, são dois dos fatores que mais se opõem ao processo de reestruturação e reprogramação dos conteúdos da consciência.
        
Antes de partir para a reprogramação da consciência é preciso partir para a sua desprogramação, pois tanto o novo código de valores quanto a sua “tradução” da teoria para a prática pertencem a categorias diferentes e até certo ponto contraditórias. Quem usa duas réguas diferentes, acabará obtendo como resultado duas medidas diferentes.
        
A consciência humana é uma totalidade heterogênea e seus diversos “departamentos” ou planos não falam a mesma linguagem. Desprogramar a consciência implica na necessidade de aprender a se expressar numa nova língua. Um místico, como São João da Cruz ou Mestre Eckhart, não se expressa do mesmo modo e nos mesmos termos com que o faz um professor de teologia.
        
O processo de desprogramação a que me refiro não é nem simples, nem inofensivo, pois termina por deixar sem pai nem mãe, órfão da mais dolorosa das orfandades, aos que a ele se entregam.
        
Há um período na vida de uma pessoa normal em que um sentimento misterioso de insatisfação começa a se manifestar. A época coincide com o advento dos assim chamados “demônios do meio dia”.
        
Lá pelos anos 50 o termo “angústia existencial” entrou na moda. A existência humana é um rosário de absurdos. É tempo perdido oferecer a um homem a felicidade com que sonha em seu íntimo. Dê-lhe tudo o que pede e ainda te acusará de lhe ter dado tudo, menos o essencial. O que é este essencial sem o qual homem algum se dá por satisfeito?
        
Para ter uma noção do que é essencial para manter a boa saúde de um corpo, é necessária uma mesa farta e bem posta. É experimentando um prato depois do outro que será possível descobrir o alimento que melhor condiz com as exigências e as necessidades do meu corpo. O mesmo deveria valer também para as necessidades espirituais do homem. É neste campo que a abundância de mestres, de receitas e de pratos é maior atualmente e mais variada do que em outra época qualquer da história.
        
Pastores, amigos do redil, da invernada e do brete são os que menos simpatizam com a realidade nova para a qual começa a despertar um número cada vez maior de cristãos. Quem quer acordar no sentido que Jesus deu a este passo, deve ter consciência de que passará a complicar-se, antes de mais nada, com a sua própria Igreja. Igreja nenhuma está preparada para aceitar como ortodoxas atitudes que exigem de seus crentes a renúncia a toda uma tradição baseada na lei da inércia.
        
Entregar a salvação da sua alma a homens que só conseguem expressar o Amor de Deus na linguagem da Lei e do Dogma é muito mais arriscado e imprudente do que fazer da sua fé em Cristo um ato de absoluta confiança e entrega pessoal ao amor de Cristo. Um cristão deveria ser o primeiro a ensinar a seus irmãos que o caminho da salvação é simples e não depende da intermediação de “pistolões”.
        
O caminho que conduz do terceiro para o quarto nível de consciência em nada se parece com o que um caminhoneiro costuma encontrar pela frente. Lá uma rodovia é igual à outra. No campo do progresso espiritual tudo é diferente. Lá o “motorista” se vê, a certa altura, na obrigação de mudar de estrada. E de mudar de velocidade! Numa boa autoestrada a velocidade mínima deixa de ser a mesma de um caminho de roça.

Padre Marcos Bach