quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A CONSCIÊNCIA ORIENTA O CAMINHO DA VIDA

Orientar no caminho da vida: é outra função de consciência. Para poder desempenhar esta tarefa ela deve ser faculdade orientada para o rumo do bem absoluto, o bem para além do qual não há mais outro bem. Só assim pode-se concebê-la e defini-la como órgão de orientação.

É por intermédio dela que o homem toma conhecimento do sentido profundo e supremo da história, assim como da evolução, em geral. Pode-se dizer, por isso, que a estrutura da consciência é essencialmente religiosa, já que ela aponta para Deus com a indefectibilidade com que a agulha de uma bússola aponta para o pólo magnético da terra.

Não há como escapar à atração (graça) de Deus quando se é fiel à consciência. Um Deus que não está em sintonia com a consciência do homem não é Deus, é apenas a imagem e a sombra de um “deus” que não existe. Não é a razão que determina para o homem o que é real e o que é fantasia e ilusão, mas a fé. E a fé é sempre um ato e um compromisso da consciência.

Se a realidade fosse apenas aquilo que o homem pode compreender e explicar, analisar e reduzir a categorias lógicas ou a equações matemáticas bastava a razão, e a consciência seria um luxo desnecessário.

O objeto do “conhecimento” específico da consciência é o incompreensível, o injustificável, o inexplicável, o inefável, o imprevisível e o incalculável. Ou por outra, o mistério.

Quando digo que o papel da consciência é orientar, penso em tudo, menos nas boias que balizam a entrada de um porto, o canal de um rio.

Penso em algo que só pode deixar alarmado o pequeno administrador de consciência. Felizmente a vocação humana (a fortiori a vocação cristã) do homem abrange horizontes infinitamente mais amplos.

O julgamento da consciência é objetivo. Parte do fato, de suas consequências e de sua motivação real. A consciência julga com serenidade e amor, com clareza e objetividade total. Teríamos na consciência a mais poderosa, precisa e fiel “bússola moral”, se ela não se encontrasse impregnada e infestada de elementos estruturais repressivos e antievolutivos.

Teoricamente é fácil e até cômodo distinguir o trigo do joio. Mas na prática só podemos contar com uma consciência contaminada pelo medo, pela obsessão, pela covardia, e por mil e um “complexos” do mesmo nível. Por isso é que é preciso incluir a libertação da consciência entre as prioridades da Teologia da Libertação, a única teologia digna de ser levada a sério.

Nada mais questionador, agressivo e violento do que uma consciência sadia, vigorosa, adulta e livre. Basta a pessoa histórica de Cristo para confirmar esta afirmação. À honestidade corajosa do profeta e do mártir a humanidade deve infinitamente mais do que à mais bem organizada das instituições. Um homem escrupulosamente e radicalmente fiel à sua consciência é o único representante da espécie humana, digno de ser levado a sério. Isto é, digno de ser condenado a morrer numa cruz. Ou no fundo de um cárcere. Ou numa sala de torturas.

Um cristão “pasqualino” e “domingueiro” que não se sente ridículo perante a sua própria consciência, é porque não tem consciência, não por não ser cristão, mas por ser “pouco cristão”.

Ficou muito fácil ser cristão. Mais fácil do que ser profeta e mártir. Mais fácil até do que ser homem. Certamente mais fácil do que ser líder sindical ou jornalista.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A CONSCIÊNCIA COMO ESTÍMULO

Uma formulação sintética das funções e papéis específicos da consciência poderia ser a seguinte: cabe-lhe a tarefa de estimular, orientar, criticar e integrar.

Analisemos o poder do estímulo.
Não há quem não conheça a força e o poder do estímulo. Sem ele e a resposta que provoca, não haveria no mundo mais que inércia.

Na biosfera é o estímulo que determina a resposta. No plano moral humano esta lei não vigora com a mesma precisão férrea. Estímulo e resposta não se equilibram. E a equação nunca é matematicamente perfeita. Daí se pode concluir que a ética não é uma espécie de “matemática do bem”.

O comportamento do homem oferece uma “margem de indefinição” e um “coeficiente de improvisação, que a física atômica registra, com surpresa crescente, na esfera do universo subatômico.

A causalidade e a coerência matemática são insuficientes para explicitar a estrutura global do universo, onde o acaso determina os movimentos cósmicos com o mesmo direito que atribuímos à necessidade. Faz bem aquele que hoje insiste em distinguir a lei física (da conservação) da lei moral (do crescimento).

O estímulo moral da consciência não é de natureza causal eficiente, mas finalístico. A resposta moral dada à interpelação da consciência não está contida numa espécie de causa preexistente. O ato moral não é produto da consciência ou da vontade, mas é uma criação dela. São as opções morais que alimentam e desenvolvem a consciência, e, em certo sentido, a criam e amplificam a sua ressonância social. Não são as estruturas sociais que modificam e ampliam o horizonte da consciência, mas é o modo como a pessoa faz uso dela.

O pensamento marxista trata, em geral, o fator estímulo com a mesma displicência metafísica com que o faz a moral tradicional. Esta última se ocupa muito pouco com a “moralidade” do espírito moral. Aceita como válidas motivações inspiradas no medo (do castigo) e no interesse (prêmio), esquecendo-se de que este tipo de motivação pertence a níveis subumanos de consciência.

Estímulo é aqui, neste contexto, mais do que a espora que risca o flanco do cavalo. Estímulo é sempre um bem, um valor, que interpela a consciência, mobilizando a sua criatividade. É um valor denso de promessas e carregado de esperança. É, portanto, impregnado de energia, de poder de aliciamento e sedução. Onde falta esta carga energética o motivo perde o seu sentido moral e passa a não ser mais que uma simples norma, uma boia que limita o canal de navegação. É muito, e, no entanto, é pouco, quando se tem em vista a amplitude de empreitada que é a existência de um ser dotado de consciência, como é o homem.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O SER HUMANO É O QUE AINDA...

O homem é o único ser cuja parte mais significativa é feita de promessa e de esperança. Isto quer dizer que ele é acima de tudo o que ainda não é. É a este aspecto do seu ser e de sua consciência que se deve associar o fenômeno da “angústia existencial”, que, portanto, é mais do que um simples chavão da moda.

Podia-se definir o homem como sendo em sua essência não uma criatura de Deus, mas um eleito de Deus, um ser vocacionado. Um ser escatológico, peregrino na terra em que vive.

O “sonho” da larva é a borboleta, mas a borboleta é mais que simples sonho; é a parte melhor da larva.

O homem não é, pois, tanto o que já pode definir, registrar e arquivar, quanto o que se esconde no seio de sua esperança.

Se a medida que vier a dar-se a si mesmo é curta e mesquinha, a culpa é exclusivamente sua.

Para uma pessoa de consciência adulta a parcela patrimonial da realidade (tradição-propriedade-ritual-status) representa a parte “negociável do patrimônio moral. A única parcela que não é negociável é a que está contida na “esperança” escatológica, pois é a parte verdadeiramente essencial. O homem de “espírito conservador” tende por força de hábito a trair o futuro, isto é, a melhor parte do homem, procurando assegurar como definitivas conquistas geralmente mais suspeitas e duvidosas que legítimas.

Onde o futuro costuma gerar mais medo que entusiasmo, está havendo muito pouca fé no homem, precisamente no que nele há de mais promissor. Fidelidade é uma questão ligada às promessas do futuro, mais que às conquistas do passado.

Aquilo que ainda falta ao homem para ser completo e que constitui o objeto da esperança, já lhe pertence em certo sentido e faz parte do seu ser. O futuro da esperança não é mero futuro ou devir, mas já é presente, embora esta presença só tenha uma vaga semelhança com a posse plena.

Cada pessoa já é, em sentido lato, o que tem a intenção sincera de ser. Só virá a ser e a realizar aquilo que quer. E aquilo que está inscrito na intencionalidade profunda do se ser. É nos movimentos poderosos do subconsciente e da metaconsciência que o destino do homem é definido.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O QUE REQUER O AMOR À VIDA

Há uma diferença substancial entre viver e estar vivo. Viver a vida é uma coisa e coisa bem diversa é encontrar-se ainda entre os vivos.

Há um limiar abaixo do qual a vida de um ser humano deixa de ser humana. Baixa e desce a um nível em que desaparecem os traços essenciais que distinguem o humano do meramente biológico. Para esta situação podem contribuir tanto a falta quanto o excesso de bens materiais.

O estado de subdesenvolvimento psicológico e moral pode atingir por igual tanto o miserável quanto o rico.
        
Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético.

Creio que a maioria dos defensores da dignidade da pessoa humana esqueceu um pouco demais estes aspectos mencionados acima. A pessoa humana tem o direito de viver a vida de tal modo que se possa sentir a qualquer momento satisfeita com a parte de vida que lhe toca.

Quem vive a sua condição humana em estado permanente de insatisfação e frustração, continua vivo, mas não vive de acordo com a dignidade inerente à sua vocação humana.

A pessoa humana é um ser a quem foi dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se gerar a si próprio. É, portanto, um ser que não se pertence. Se quiser um dia pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules; terá que operar mais e maiores milagres do que Cristo realizou.

Terá que libertar-se. Terá que passar da liberdade-dependência para a liberdade-autonomia. Terá que sair do casulo protetor como o faz a borboleta. Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero materno. Do mundo seguro das certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou pelo bafejo benevolente das autoridades, terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo que a sociedade oferece. Terá que romper com o princípio da autoridade. Terá que enfrentar a “Traição”, como diria Nietzsche. Terá que aprender que não existe fidelidade nem Fé sem uma dose maciça de “Traição”.

O mais dramático paradoxo da vida está em que devemos matar em nós aquilo que queremos que viva. Devemos matar a “criança” em nós para que a “Criança” possa viver e crescer.

O grão deve morrer para que a espiga possa nascer. Sem rebeldia não poderá haver libertação. Todo o acréscimo de liberdade é o fruto de uma ruptura. O germe rompe a casca protetora da semente. Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.

Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis de paz. Mas a vida que se oculta por detrás desta aparência, nada tem de pacífico. A vida não descansa nunca. Não tem nem sábado, nem domingo. Se a vida não descansa, por que o homem tem que ter um dia cada semana para descansar? É porque o homem é mais que vida, é espírito.

O homem pode atrelar-se ao trabalho de modo tão servil que acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com sua parte melhor, aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.
        
Quando postulamos como Nietzsche a primazia da vida sobre a verdade, estamos pensando a vida em termos humanos e não meramente biológicos. Pensamos na sua dimensão psicológica, no seu aspecto ético, e também em tudo aquilo que torna a vida bela e encantadora.

Não temos a intenção de regredir aos tempos de Virgílio. O encanto bucólico de uma vida no campo está fora do alcance da esmagadora maioria dos que moram nas metrópoles modernas. Isto, porém, não muda em nada a necessidade que todo o homem tem de viver uma vida bela. O aspecto estético é para o homem tão essencial quanto o ético, o psicológico e o social.

Para sentir-se bem e para elevar-se, o espírito humano precisa de beleza. Onde falta beleza não pode haver lugar para o homem. O acesso à beleza só se dá pelo caminho da liberdade. Onde não há liberdade não pode haver arte, leveza e encanto. É inútil ornamentar e embelezar uma prisão.

Quantas instituições, desde o Estado até a Igreja, mais se parecem com prisões do que outra coisa, tantas são as leis e tamanho é o controle que exercem sobre o pensamento e a consciência dos indivíduos!

A própria verdade é usada como meio de circunscrever dentro de espaços, diligentemente vigiados, a liberdade e a criatividade do pensamento político, ético, religioso e até mesmo artístico. Tem-se a sensação de que as religiões estão sempre mais interessadas em combater o erro do que em promover o progresso da Fé. O Vaticano não tem o hábito de estimular a pesquisa teológica

Padre Marcos Bach