quarta-feira, 29 de abril de 2015

A ATIVIDADE CRIADORA

Aristóteles lhe dá um nome que os latinos definiram como Opus. Quando a Bíblia descreve o cosmos como Obra do Criador, está se referindo a um tipo de atividade que não nasce de uma necessidade. Referindo-se a Deus, Jesus afirma que o Pai Celestial continua trabalhando. O texto latino emprega a palavra operari para expressar o que Jesus quis significar e expressar.
        
Operário não é qualquer trabalhador. Operário sensu stricto é apenas aquele que não trabalha nem por necessidade, nem por obrigação. É alguém que não precisa trabalhar para ganhar a vida. Isto não quer dizer que não possa tirar do seu trabalho o necessário para sustentar-se. Johan Sebastian Bach sustentou sua família como organista, compositor e dirigente de coral, atividade que exigiam criatividade e iniciativa pessoal.
        
Ser operário significa ser construtor. Operários no mais lídimo sentido do termo eram os que construíram as catedrais da Idade Média, os construtores de pirâmides e dos aquedutos romanos. Não merece o título de operário o semianalfabeto que só sabe cumprir ordens. Não há robô que possa substituí-lo.

Operário não é nem empregado, nem funcionário. Sendo por definição um construtor, um obreiro, participa ativamente da construção e do desenvolvimento da empresa em que trabalha.
        
Do ponto de vista “operacional” pouco importa se esta empresa é estatal ou não. Se ela dá muito ou pouco lucro, é irrelevante. Resultados contábeis pouco importam. Do ponto de vista mencionado é essencial o estado de espírito e o nível de conscientização das pessoas que respondem pela saúde total da empresa. Esta depende do grau de participação de cada membro da “família empresarial”.

Assim como a saúde de uma pessoa não depende primariamente do seu médico, do mesmo modo a saúde de uma empresa não depende apenas da habilidade de seus diretores.

A diferença que distingue o operário de um trabalhador, funcionário ou empregado, está em que a empresa permanece saudável porque é criativa e porque valoriza a criatividade mais do que a disciplina.
        
Para que uma empresa possa definir-se como família e esteja em condições de competir criativamente com as demais ela precisa, acima de tudo, preocupar-se com o elemento humano, com o estado de consciência dos que a carregam em seus ombros.

Dirigentes mal pagos emigram do terceiro para o primeiro mundo. Trabalhadores mal pagos e sem perspectivas de dias melhores acabam por se transformar em grevistas profissionais.
        
A indústria que quer sobreviver ao impacto provocado pelo advento da Era Cibernética (e da Informática) não pode admitir a esmo qualquer candidato a um emprego.

Instalar indústrias com o fito de criar empregos é ideia insensata sob todos os aspectos. O problema não é o desemprego. Cabides de emprego os temos em demasia. A desgraça do Estado socialista é ter-se transformado num monumental “cabide de empregos”.

Numa sociedade socializada todo o mundo é funcionário do governo. Lá ninguém é cidadão. Com exceção dos dirigentes supremos, todos são funcionários, cuja obrigação única consiste em manter a “máquina” burocratizada ao extremo em funcionamento.
        
Existe incompatibilidade e antagonismo profundo entre a mentalidade de um funcionário e a de um operário.

O operário ama o que faz. Um funcionário é bom se corresponde em tudo ao que dele se exige. O operário está interessado no progresso de sua empresa. O funcionário prefere a empresa que lhe garante estabilidade no emprego.

O futuro de qualquer empresa depende da sua capacidade de gerar operários em lugar de contentar-se com criar empregos.

Estamos analisando o mundo do trabalho e da produção econômica. Se neste campo tão restrito a figura do operário já é tão importante, o que pensar das outras áreas da atividade humana? Pois há muitas outras formas de atividade em que uma pessoa pode realizar-se. Temos o campo social, o cultural, o ético e o espiritual. A simples luta pela sobrevivência física carece de todo e qualquer valor humano quando lhe falta o contrapeso do esforço pelo desenvolvimento social e espiritual.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O CONCEITO DE DEUS ATRAVÉS DA HISTÓRIA

“Tudo o que disserdes a respeito de Deus será mais falso que verdadeiro”.

A palavra Deus vem do sânscrito, uma língua antiga da Índia. De Dyaus Pitar originaram-se os termos Deus. Zeus e a palavra patér, em grego e o termo latino pater.

Desde sua origem o conceito de Deus vem associado ao de pai e a tudo o que numa cultura eminentemente patriarcal vem associado à palavra pai: autoridade, poder, hegemonia social.

Zeus, o mitológico pai dos deuses gregos, podia permitir-se atitudes e comportamentos que um simples mortal não podia adotar sem ferir leis fundamentais da ordem moral. “Quod licet Jovi, non licet bovi”, dizia um ditado romano. O que Júpiter pode permitir-se não é o mesmo que é permitido a um boi.
        
O símbolo de Júpiter é o Touro, bos, em latim. Era o Touro Sagrado, o pai supremo dos deuses, o único Senhor isento da obrigação de se submeter a limitações de natureza moral. Os mais destacados dentre os deuses do panteon greco-romano são filhos bastardos de Júpiter.
        
Quem quer entender em toda a sua extensão o esforço moralizador do cristianismo não pode ignorar o fato de que ele é hoje menos fruto da consciência religiosa de homens do deserto do que herdeiro religioso da civilização greco-romana.

Deus pode o que os humanos não podem! Júpiter pode permitir-se liberdades morais que são vedadas aos homens!
        
A superioridade de Deus está em que Ele pode o que os homens não só não podem, mas é lhes proibido poder. Só Deus pode fazer milagres, diziam os adversários de Jesus. Ao que Jesus respondeu: “Tudo o que Eu fiz, vós também podeis fazer”!
        
Jesus não veio a mandado do Pai com a missão de circunscrever a liberdade dos homens, impondo-lhes novos limites. Seu conflito com a cúpula religiosa do seu povo tinha como eixo a relação dialética que opõe entre si a Lei e a Ordem Estabelecida dum lado, e do outro, a Liberdade dos Filhos de Deus.
        
Jesus entrou na história dos homens como aquele que tomou o partido dos homens em detrimento de conceitos religiosos mais propícios à manutenção de regimes teocráticos do que a expansão democrática da liberdade do próprio Deus. O Deus de Jesus não cabe em conceitos e imagens. Não é Senhor amarrado a papéis e funções, obrigado a submeter-se a determinismos e a leis que Ele mesmo criou.
        
A evolução do pensamento religioso em geral, depende em boa parte da consciência que a humanidade tiver de si própria. E esta, por sua vez, depende do conhecimento que tiverem do universo, da sua extensão como da sua complexidade. Até data recente o universo era aos olhos dos astrônomos o que a luneta de Galileu lhes permitia ver. Da noção de um universo acanhado de apenas 6.000 astros brotou um tipo de humildade que é o oposto não só da autêntica humildade cristã, mas também da modéstia típica de todo grande cientista. Werner Von Braun, numa conferência proferida em Frankfurt na Alemanha, a chamou de “a humildade do astronauta”.
        
Desde os tempos de Newton e Descartes até hoje, encontra-se em curso no campo teológico uma revolução de proporções “copernicanas”. Quem hoje fala de Deus como o fizeram Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino ou como fizeram Descartes, Leibniz e Newton, todos eles cristãos crentes, deveria revestir-se da mesma humildade e modéstia que professa todo grande cientista da atualidade. Em termos de conhecimento do cosmo e da estrutura da matéria estamos apenas tateando o chão à procura de um solo mais firme e confiável que aquele que as religiões nos oferecem. No terreno do conhecimento do universo estamos assistindo aos capítulos iniciais de uma história da qual o momento atual é parte de sua fase pré-histórica.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 15 de abril de 2015

PROCURANDO O ESSENCIAL

Lá pelos anos de 1950 o termo “angústia existencial” entrou na moda. A existência humana é um rosário de absurdos. É tempo perdido oferecer a um homem a felicidade com que sonha em seu íntimo. Dê-lhe tudo o que pede e ainda te acusará de lhe ter dado tudo, menos o essencial. O que é este essencial sem o qual homem algum se dá por satisfeito?
        
Para ter uma noção do que é essencial para manter a boa saúde de um corpo, é necessária uma mesa farta e bem posta. É experimentando um prato depois do outro que será possível descobrir o alimento que melhor condiz com as exigências e as necessidades do meu corpo. O mesmo deveria valer também para as necessidades espirituais do homem. É neste campo que a abundância de mestres, de receitas e de pratos é maior atualmente e mais variada do que em outra época qualquer da história.
        
Pastores, amigos do redil, da invernada e do brete são os que menos simpatizam com a realidade nova para a qual começa a despertar um número cada vez maior de cristãos. Quem quer acordar no sentido que Jesus deu a este passo deve ter consciência de que passará a complicar-se, antes de mais nada, com a sua própria Igreja. Igreja nenhuma está preparada para aceitar como ortodoxas atitudes que exigem de seus crentes a renúncia a toda uma tradição baseada na lei da inércia.
        
Entregar a salvação da sua alma a homens que só conseguem expressar o Amor de Deus na linguagem da Lei e do Dogma é muito mais arriscado e imprudente do que fazer da sua fé em Cristo um ato de absoluta confiança e entrega pessoal ao amor de Cristo. Um cristão deveria ser o primeiro a ensinar a seus irmãos que o caminho da salvação é simples e não depende da intermediação de “pistolões”.
        
O caminho que conduz do terceiro para o quarto nível de consciência em nada se parece com o que um caminhoneiro costuma encontrar pela frente. Lá uma rodovia é igual à outra. No campo do progresso espiritual tudo é diferente. Lá o “motorista” se vê, a certa altura, na obrigação de mudar de estrada. E de mudar de velocidade! Numa boa autoestrada a velocidade mínima deixa de ser a mesma de um caminho de roça.
        
Numa Autobahn alemã a velocidade máxima preocupa menos do que a velocidade mínima. Nelas, quem anda mais depressa terá menos complicações com a polícia rodoviária do que aquele que anda devagar, convencido de que esta é a melhor maneira de evitar acidentes. O mundo oposto ao da tartaruga é o dos Airton Sena. Para eles o futuro da humanidade é uma questão de velocidade. Leva a medalha aquele que em menos tempo conseguiu avançar mais! É este o mundo do qual irá depender cada vez mais a felicidade futura e o sucesso histórico da humanidade.
        
É possível que a geração atual não se tenha dado conta de que o homem foi feito para voar. A nossa civilização não seria a primeira a desaparecer por não ter descoberto a tempo o momento exato em que deveria decolar e pôr-se a voar. Voar, no sentido espiritual.
        
Temos ainda algum tempo para descobrir que somos seres espirituais. Somos muito mais do que animais dotados de espírito. Somos espíritos encarnados, isto é, dotados de corpo, como os animais, nossos “irmãos”, mas nossos parentes mais próximos não são o chimpanzé ou o gorila, mas os “anjos do céu”, como são chamados na Bíblia. Deles diz a Bíblia que se encontram muito mais próximos do trono do altíssimo do que nós. A arte cristã os dotou de asas e na Bíblia são descritos como “Mensageiros de Deus”. Formam uma família espiritual à parte e constituem um elo de ligação entre o mundo dos homens e Deus.

Padre Marcos Bach 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

JESUS CRISTO EM NÓS E NO MEIO DE NÓS

Pode um católico rebelar-se contra uma forma de paralisar as consciências?

Há um modo de furar este bloqueio moral. Ele consiste em entrar em contato direto com o Cristo Interior. Onde encontrá-lo? O próprio Jesus deu a resposta a esta pergunta: “Se alguém crê em mim e me ama, eu e o Pai viremos a ele e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23).

Parece estapafúrdia a ideia de que Cristo em vez de subir aos céus preferiu continuar a morar no meio dos homens, mas é do próprio Jesus a afirmação: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20). Para entabular o diálogo consigo mesmo e com seu Cristo Interior não é preciso rebelar-se e entrar em conflito com as autoridades constituídas.

Basta ir onde Cristo se encontra. Enquanto as grandes catedrais e basílicas estão a caminho de se tornarem museus, uma geração nova de pessoas está despontando no horizonte social. Seu número ainda é pequeno, mas seu poder de fermentação social é imenso!
        
O que torna difícil a fé nesta tão misteriosa presença de Cristo na alma humana é a tremenda miserabilidade da condição humana. Porque condicionamos a presença de Cristo no interior do homem a um elevadíssimo nível de consciência criamos um obstáculo quase intransponível à fé nesta presença tão íntima de Deus na alma humana.

Admitimos que uns poucos privilegiados como Teresa d’Ávila tenham atingido tal nível de intimidade com Deus. Mas repugna-nos a ideia de que monstros desumanos como Stalin, Hitler ou Mao Tsé-Tung tenham possuído em seu íntimo este que Khalil Gibran chama de Eu Divino. O conceito que temos da natureza humana não nos permite tamanho arroubo de otimismo. No entanto, se não nos convertermos a uma visão mais generosa do amor divino não estaremos em condições de acompanhar o pensamento de Deus.

Freud ensarilhou as armas muito cedo. Ele mesmo foi mais lúcido que muitos dos seus seguidores. Soube que havia muito mais à espera da curiosidade humana do que o pouco que ele tinha conseguido desvendar. Além do ego, superego, existe todo um universo no interior de cada pessoa, o universo de hiperconsciência.

O verdadeiro eu de uma pessoa fica além da compreensão humana. Se podemos admitir que o cosmos é um mistério (Einstein), com muito mais razão podemos definir a interioridade do homem como um poço inesgotável de surpresas.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 1 de abril de 2015

DEFASAGEM ENTRE A TÉCNICA E A ÉTICA

Existe uma grande defasagem entre as realizações técnicas e culturais da nossa civilização e a pequena distância moral que separa o homem de hoje do homem do início do neolítico. Teilhard tenta uma explicação para este problema. Se (diz ele) um grupo de pessoas se postasse em torno do pólo sul estariam todos juntos. Na medida, porém, em que partissem tomando a direção do pólo norte iriam se afastar sempre mais uns dos outros. À altura do equador teriam atingido o ponto máximo de distanciamento.

Coisa parecida aconteceu com a humanidade. Desde suas origens até hoje a humanidade percorreu a primeira etapa de sua evolução caracteristicamente expansionista. O homem expandiu sua presença pela face inteira do planeta. Agora que todo o espaço físico foi ocupado chegou a “hora” de se pensar em duas tarefas correlatas: a de dar consistência, unidade e organicidade às conquistas realizadas, e de aprofundá-las. Isto quer dizer que chegou a vez de meter mãos à tarefa de “colonizar” este planeta. Um processo e uma tarefa a que Teilhard dá o nome de “planetarização”.

É hoje mais que necessário fundir os nacionalismos dispersos, egoístas e conflitantes em amor à Terra, e as consciências individuais, nacionais, confessionais e classistas numa só consciência planetária. Uma tarefa de envergadura e proporções nunca imaginadas até aqui, mas a que a própria evolução impele o homem da era cibernética.

A resposta que cada qual vier a dar a este desafio, por pequeno e modesto que seja o âmbito social em que vier a dar-se, fará a diferença pela qual a nossa civilização será conhecida no futuro. Se vier a ser registrada por historiadores no ano 100.000 como a civilização do “plástico ou a era da cibernética.

Segundo a opinião de Teilhard a humanidade chegou ao “equador” na sua longa e obscura caminhada pelo tempo.

O fenômeno, que se manifesta à observação do analista arguto, é o de grandes massas humanas forçadas a uma proximidade física a que no plano psíquico nada corresponde, a não ser um grande sentido de distância e isolamento.

Os grandes espaços geográficos comportam bastante bem um tipo de individualismo que o ambiente de uma grande cidade moderna tornou completamente inaceitável: dar-se bem uns com os outros, por bem ou por mal.

Só há realmente uma saída verdadeiramente eficiente e digna de um homem civilizado: a força da consciência e o consenso unânime de todos. Não se chega, porém, ao consenso livre de todos, se não houver debate e diálogo. Isto inclui como premissa essencial a livre participação de todos segundo a capacidade individual de cada um.

Onde o lucro de uns poucos ou a vontade de uma minoria determina todas as decisões, aí é estritamente odioso falar em participação, em consenso ou unanimidade. No entanto, sem esses ingredientes é simplesmente impossível pensar sequer em fazer política social de verdade.

Padre Marcos Bach