terça-feira, 21 de julho de 2015

TODA CRIAÇÃO É AMOR

“A suprema natureza do universo é uma energia de amor”! Quem acha que esta afirmação foi feita por um teólogo se engana, pois ela foi proferida por um cientista, um físico atômico, para ser mais exato, que, além disso, é judeu. David Bohm, chama-se o homem que no termo final da sua vida deixou de lado os aspectos estritamente científicos para se dedicar a aspectos que hoje são definidos como metacientíficos. Se um físico judeu chegou à conclusão de que o universo só poderia ser uma linda e maravilhosa “teia de amor”, que dirá dele um cristão que o contempla como Inácio de Loyola com o olhar perdido no infinito?

Se Deus é Amor, o universo feito à sua imagem e semelhança também deve ser “um amor”. No universo material tudo obedece a uma Lei Fundamental que é a Lei da Gravidade. Cada partícula tende a se unir com outras para assim formarem conjuntos mais complexos e mais poderosos. Os cientistas estão empenhados em descobrir qual a energia básica à qual todas as outras podem ser reduzidas.

David Bohm chegou à conclusão de que esta energia fontal só podia ser uma “energia de amor”. Neste caso o cosmo, tudo seria em última instância nada mais que um monumental “Romance de amor”! Outros há que estão propensos a reconhecer a energia gravitacional como a “fonte primária” de todas as demais formas de energia. Já se fala da existência de uma minipartícula subatômica, o gráviton, que seria o responsável por todas as formas de atração gravitacional, desde a formação de órbitas estelares até a formação de uma comunidade humana.

Se não existisse o poder de atração que cada mônada exerce sobre as outras, o universo, como o conhecemos, não poderia existir. Quando o apóstolo São João disse que “Deus é Amor” formulou uma das Verdades Fundamentais da fé cristã.

Se é verdade o que disse João, então o amor é tão essencial à constituição do universo quanto o poder criador de Deus. Seguindo esta linha de reflexão poderíamos chegar à conclusão de que em Deus, Poder, Criador e Amor são sinônimos. “Deus cria amando e ama criando”. Se Deus é Amor, Ele só pode ser “Deus” na medida em que ama. A começar por si mesmo, pois muitos íons antes que existisse o universo criado, Deus só tinha a si mesmo para amar e ser amado.

É por isso ou de acordo com esta lógica que Jesus nos aconselha amar a Deus como a nosso próximo e ao próximo como a si mesmo. Ou por outra: todo amor começa por ser em seu início uma forma de “amor próprio”. Ascetas houve, mesmo entre cristãos, que nos queriam impor um conceito de Amor-Caridade baseado no “desprezo de si mesmo”. Jesus reabilitou o amor próprio colocando-o na base de todo o processo normal de desenvolvimento afetivo.

Uma ascese que prega a autodestruição e exclui a autoestima da lista das virtudes é tipicamente pagã e nada tem em comum com os ensinamentos de Cristo. Foi na Pérsia do sexto século antes de Cristo que surgiu esta concepção maniqueísta do amor.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 15 de julho de 2015

SER SANTO COMO DEUS É SANTO

O fato de ter sido reconhecido oficialmente como santo, pouco diz a respeito do efetivo grau de santidade do agraciado. A verdadeira santificação acontece no íntimo mais íntimo da alma. Por sorte ou infelicidade não temos como chegar até lá e assistir ao que está se passando. Não possuímos câmera que nos permita filmar o que Deus e a alma estão fazendo.

Nem a alma tem consciência do que está acontecendo em seu íntimo. O Amor de Deus, como todo amor genuíno, é muito discreto, humilde e cheio de “pudores”! Nada mais deprimente do que manifestações de amor indiscretas, espalhafatosas e destemperadas! O fato de ser tão misterioso e oculto transforma a vida íntima da alma com seu Bem-Amado numa dura prova de paciência.

A palavra paciência vem do verbo latino pati que significa sofrer e suportar. Todo amante apaixonado sabe o quanto o amor é capaz de fazer sofrer. Quando o “amante” se envolve em silêncios misteriosos e teima em permanecer distante do “teatro de operações”, o “amado” só pode sentir isso como “abandono”, como rejeição.

Tudo fica ainda mais penoso quando se toma em consideração que a santificação é obra exclusiva do Espírito Santo. Dele partem as iniciativas todas e é dele o mérito todo! À “pobre” alma só lhe resta “contabilizar” os fracassos, pois estes, sim, correm todos eles por conta da sua falta de generosidade!
        
Passar a vida sobrecarregado de dívidas e muitas delas impagáveis; ver como os louros sempre terminam por ornar outras frontes, Deus, a Santa Madre Igreja, a Venerável Companhia de Jesus, por exemplo, é dose de paciência para muitos “Jós”! Ninguém se torna santo por mérito próprio! Todo santo é um “eleito” de Deus, e deve a Ele tudo o que é!
        
Que é que se deveria pensar do “bloco de mármore” do qual Miguelangelo extraiu seu Moisés ou sua Pietá, se este bloco fosse atribuir a si o mérito por esta obra prima de arte?

Que pensar do filho de um rei que se esquecesse de que deve todos os seus títulos de nobreza ao fato de ser filho de um rei? Tivesse nascido numa “estrebaria”, como Jesus, ninguém se atreveria a ver nele mais do que o filho de um operário, como aconteceu com Jesus!
        
Não há mérito algum em ter nascido em berço esplêndido! Que o diga o Príncipe Charles da Inglaterra. O papa João Paulo II seria a figura badalada de hoje se tivesse permanecido na função de simples “vigário da roça” em sua cidade natal? De quando em vez a rainha da Inglaterra eleva um plebeu à categoria de nobre do reino. O papa faz o mesmo elevando um bispo à dignidade cardinalícia.
        
É próprio da natureza humana o desejo de subir e de progredir, de avançar e de ir cada vez mais longe. É sobre esta aspiração que o monarca esperto constrói as bases do seu reino.
        
Por que só o papa pode decidir quem merece a honra dos altares? Quem é santo mesmo e quem é apenas usado pela hierarquia da Igreja para fins políticos? Quanto mais nobre uma causa for, tanto mais fácil é corrompê-la. Marx que o diga!
        
Não tenho a intenção de passar a limpo o assunto que estou propondo tratar. O meu objetivo é mais modesto. Quero deixar claro que a “santificação das almas” é muitíssimo mais importante do que a “veneração dos santos”. E que a santidade é mais que um direito reservado a uns poucos.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 8 de julho de 2015

À ALTURA DA LIBERDADE INTERIOR

O homem é um ser inacabado. A palavra imperfeito tem este significado. Não é uma “construção falha”, um intruso num mundo que sem ele seria perfeito. É verdade que sem ele o “pecado” não teria entrado no mundo. Mas também é verdade que sem ele o pensamento, o amor, a paixão e a liberdade continuariam tão ausentes do nosso planeta quanto na época dos dinossauros.
        
“O homem é um ser condenado a ser livre”, dizia Sartre. Sartre era ateu e não via sentido nem no mundo nem na vida humana.
        
O maior risco em tudo, quem o correu, foi Deus quando decidiu dar ao homem uma liberdade semelhante à sua, liberdade sem limites claramente definidos. Em lugar de conceder o privilégio da liberdade a uns poucos capazes de usá-la corretamente, deu-a a indivíduos totalmente irresponsáveis. Se o Criador tivesse reservado o dom da liberdade a uma elite moral e com ela o direito de administrar a dos demais, tudo andaria bem melhor. Como o Criador não o fez, os melhores (os Aristói) dentre os homens, sacerdotes e sábios, tomaram a peito a tarefa de fazê-lo. Criaram a tarefa de fazê-lo. Criaram o Direito e a Moral. E para legitimar sua política inventaram a religião, atribuindo a uma autoridade superior a obra do seu engenho político.
        
Por mais que queiramos esconder o fato, a verdade pode muito bem ser esta: “Direito, Moral e Religião só podem ser entendidos quando encarados como instrumentos de dominação. O exercício do poder não sofre restrições. O ideal é o poder absoluto. O exercício da autoridade não oferece perigos sérios. Perigos sem fim rondam, no entanto, o exercício da liberdade quando este escapa ao controle dos representantes do poder e da ordem estabelecida”.
        
Nossos governantes têm mais medo da liberdade que da sua ordem pretensamente estabelecida por Deus ou por alguma autoridade superior. O mundo em que vivemos é um mundo em que pessoas verdadeiramente livres não são vistas com bons olhos. A maioria dos nossos chefões preferiria cercar-se de um cordão de robôs, sempre prontos a bater palmas à passagem do seu grande líder.
        
O mundo que nos cerca não ama a liberdade. Procure pensar com a própria cabeça para ver em que vai dar esta sua ousadia. Podemos pensar e é bom que o façamos, desde que este nosso pensamento não venha a chocar-se com o pensamento ortodoxo. O essencial já foi pensado. A fé religiosa consiste em pensar como Deus pensa. E cada religião sabe melhor que as outras o que Deus pensa. O homem bom é aquele que quer o mesmo que Deus quer. Quem faz a vontade de Deus em tudo, é mais do que bom, é melhor, é santo. Como Deus é monossilábico e quando fala o faz por meio de parábolas, a elite humana, (os aristói), tomaram a si a tarefa de nos dizer o que o Criador pensa, quer, aprova e desaprova.
        
As instituições que se apresentam como promotoras do progresso humano têm como finalidade primária cuidar do bem comum. O bem particular de cada indivíduo pertence à outra esfera política, não só distinta, mas em boa parte oposta a ela, que é a chamada “iniciativa particular”.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 1 de julho de 2015

PLASMAR SEU PRÓPRIO PERFIL

Numa pequena comunidade, suficientemente autônoma para plasmar o seu próprio perfil, torna-se possível o que em contexto social mais amplo é simplesmente impossível.
        
Num ambiente onde todos se conhecem é mais fácil sentir-se valorizado como pessoa, e não apenas visto como número. Bom pastor é aquele que caminha à frente de suas ovelhas e conhece a todas pelo nome (Jo cap. 10).
        
Pastores não nos faltam. Faltam-nos, porém, pastores que avancem mais e mais depressa que suas ovelhas. Maus pastores já os havia muito antes. O mau pastor é aquele que se interessa mais pela lã delas do que por suas ovelhas. Mau pastor é aquele que obriga suas ovelhas a se contentarem com pastagens rapadas. Ele, o mau pastor, obriga suas ovelhas a rapar sempre de novo o mesmo pasto porque tem medo de levá-las a se afastarem da cerca protetora do redil.

Sob a alegação de que está cuidando da segurança de suas ovelhas, o mau pastor as mantém distantes de pastagens que considera perigosas. É ele que decide sobre o que é bom para as ovelhas ou não. Estas, justamente por serem ovelhas, não sabem, nem podem saber o que é melhor para elas. As ovelhas são inteligentes e sabem distinguir muito bem a voz de um autêntico pastor da de um estranho.
        
Bom pastor é aquele que adota cada ovelha como se fosse filha sua. Suas ovelhas todas têm nome. Se existem maus pastores, também é verdade que existem más ovelhas. O fato do número delas ser muito maior do que o dos maus pastores, não prova nada, a não ser a inviabilidade de um sistema religioso-eclesial incapaz de admitir que continua vivo por obra de mentiras e incoerências.
        
A Igreja católica já teria desaparecido não fosse a capacidade política de seus dirigentes de vender gato por lebre. O papa faz questão de se apresentar sempre como sucessor de Pedro e representante de Cristo na terra. Cristo, porém, nunca manifestou a intenção de dar um sucessor a Pedro. Representante de Cristo na terra é toda Comunidade de Fé, onde todos se amam como Jesus amou.
        
Comunidades fracas, compostas de membros privados de poder e sem iniciativa, dirigidas, porém, por homens dotados de poder absoluto: este é o quadro que a Igreja católica oferece ao mundo contemporâneo.
        
Para ser verdadeiro discípulo de Cristo não basta pertencer a uma Igreja cristã. Quem se contenta com satisfazer as exigências mínimas de uma Igreja, não merece que o chamem de cristão. Também não merece o título quem se contenta com submeter sua conduta exterior às exigências desta Igreja.
        
Há exigências associadas à fé em Cristo que não podem ser regulamentadas e impostas por lei, à maneira de jugo ou de fardo. A fé em Cristo encarna uma forma de liberdade espiritual que o homem sem esta fé não possui. O “homem carnal” (como o chama Paulo) terá que converter-se da sua condição de escravo da carne e dos desejos dela, se quiser pertencer a uma Comunidade Cristã.
        
Carnal e escrava de seus próprios desejos mais rasteiros é a pessoa que passa mais tempo preocupada com suas necessidades materiais do que com as da sua alma. Aquele que só se lembra da sua alma quando consegue um “tempinho” para isso, não merece lugar no seio de uma Comunidade que queira coisa bem diferente do que aparentar o que na realidade não é.
        
Uma Comunidade Cristã autêntica é composta de pessoas que destoam por completo do modo de pensar e de agir das pessoas que povoam o chamado mundo dos negócios.
        
Do “Santo” budista, o Arhat, se pode dizer que ele é simplesmente impossível, tal é o nível de consciência que dele é exigido. O mesmo se pode afirmar a respeito do cristão verdadeiramente perfeito. Na prática só existe como “ideal” e não como pessoa “real”.

Padre Marcos Bach