CAMINHAR LADO A LADO
Renunciar ao prazer sexual não possui valor moral em
si. Este lhe advém do motivo, da intenção e das circunstâncias que o envolvem.
O celibatário, mais que o casado, corre o risco de isolar sua sexualidade e de
eximi-la de qualquer compromisso de natureza social. Sob o pretexto de amar a
todos com o mesmo amor, acaba sendo vítima de uma autoestima mais narcisista e
autolátrica do que cristã. Quando e onde um celibatário é solicitado a
condividir e a compartilhar o seu prazer com o de outro?
Um casado tem esta oportunidade a cada passo. Pode
haver prazer mais gratificante e puro do que a companhia de uma pessoa amada? O
que celibatários podem esquecer facilmente é que a razão de ser do celibato
cristão é melhorar as suas condições de serem companheiros dos seus irmãos!
O bom companheiro não é o que vai à nossa frente, nem
aquele que vem atrás, mas aquele que caminha a nosso lado, preferivelmente de
“mãos dadas”.
Deus criou a mulher quando percebeu que o homem
precisava de uma “companheira”, diz a Bíblia. Homem e mulher não foram criados
por Deus para se completarem mutuamente. A relação sexual nada tem a ver com
realização pessoal. Não é suficiente que se façam felizes um ao outro. No dia
do casamento colocaram-se a serviço de um projeto muitíssimo mais amplo do que
o da sua felicidade pessoal.
Quando dois átomos de hidrogênio se unem, liberam uma
poderosa carga de energia. O mesmo acontece quando duas almas humanas se unem
por um laço de amizade! Assim como cada átomo, também cada alma humana é dotada
de uma energia muito mais explosiva e poderosa do que a energia atômica. Esta
energia já existe no interior de cada um. Resta aprender como liberá-la!
“Vim para lançar fogo sobre a terra, e como desejaria
que já estivesse aceso” (Lc 12,49). Onde topar hoje com este fogo abrasador do
Amor de Cristo? Os Sumos Sacerdotes da Nova Aliança se encarregaram de
recolhê-lo em seus turíbulos e lâmpadas sagradas! O fogo se apagou, mas os
bombeiros continuam vigilantes e sempre prontos a apagar qualquer espécie de
incêndio indesejado!
“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se
vos amardes uns aos outros” (Jo 15,12). Jesus associa o testemunho de fé ao
amor para com o próximo.
Quem se encontra em melhores condições de dar este
testemunho do que um casal cristão, do que um pai amoroso e uma mãe bem
“brasileira”?
Além dos subsídios com que os dotou a mãe natureza,
podem dispor dos recursos inesgotáveis da graça de Cristo. Que mais querem e
qual a desculpa que podem invocar em caso de fracasso?
Quatro são os valores que o Criador associou à
sexualidade humana: 1) Amor. 2) Prazer. 3) Beleza. 4) Fecundidade.
Já falamos do amor e do prazer. Vamos analisar mais
de perto os dois últimos “bens”.
A beleza é fator decisivo lá onde a escolha é livre.
A beleza conquista o espírito e se impõe por si mesma. Seu poder de atração é
praticamente irresistível. É da “contemplação” mútua da beleza que alimenta o
amor entre duas almas. Não fosse tão “belo”, o amor não atrairia com a força
que conhecemos tão bem. Um dos Livros Sagrados da Bíblia, o Cântico dos
Cânticos, se dedica a descrever a beleza e a impetuosidade do mais humano dos
amores que é o amor entre “namorados”.
Quem afirma que “o amor é cego” ainda está por
aprender que existe diferença essencial entre o que é apenas “paixonite” e o
que é amor. A paixão não é má e não há mal em se apaixonar, desde que o “alvo”
da nossa paixão seja, antes de tudo, o “alvo” do nosso amor.
A confusão começa quando tratamos como se fosse
“amor” o que ainda está longe de sê-lo. A paixão alvoroça os “sentidos” mais
que a alma e o coração. O amor acalenta e penetra até o fundo da alma. O amor
possui uma “profundeza” e uma “solidez” que a paixão por si só não tem, e
separada do amor, não possui.
Num bom casamento amor e paixão andam de mãos dadas e
só assim é possível a um casal permanecer fiel um ao outro até o termo final de
suas vidas.
Padre Marcos Bach
CASAMENTO FELIZ
A comunidade humana até certo ponto exemplar é a comunidade
conjugal. Nela se conjugam os interesses e as necessidades mais elementares do
homem como da mulher. É onde a maior soma de afinidades se encontram e se
conjugam. Mas é, ao mesmo tempo, o lugar onde todo o tipo de extremos se tocam.
Homens e mulheres pertencem a mundos diferentes. Tanto a
natureza quanto a educação se encarregam de fazer do homem um ente racional bem
pouco parecido com a mulher. Se a mulher fosse apenas a cara metade do homem, a
solução do antagonismo entre os sexos
não seria tão difícil. Num casamento não temos dois seres incompletos,
unindo-se para formar um ser completo: a Pessoa Conjugal!
A pessoa conjugal não resulta da soma de duas metades. O
homem que vai à procura de uma mulher porque se sente incompleto, solitário e
necessitado de ajuda e complementação, seja lá em que nível for, não deveria
pensar em casar pela Igreja. O conceito de complementariedade é pobre demais
para justificar um compromisso de amor por toda a vida! Quem casa porque
precisa de alguma coisa que espera receber da outra parte, deve estar preparado
para tudo, menos para o que costumamos alinhar sob o conceito de casamento
feliz.
Na Inglaterra, um país arquiconservador, mais que um em
cada três casamentos termina em divórcio. Três dos quatro filhos da rainha
inglesa já estão divorciados. Isso que a rainha da Inglaterra é chefe suprema
da Igreja Anglicana! Não há moral capaz de servir de dique eficaz à paixão
humana. Para restabelecer a boa ordem precisamos de muito mais do que de boas
leis e de controle social mais rigoroso. É de dentro dos homens e não de fora
deles que deve brotar a energia capaz de levar as águas revoltas da
licenciosidade a refluir.
Leis e normas não se destinam a despertar as consciências.
Seu destino é a memória. Quem não sabe que a simples lembrança de um dever não
é suficiente para garantir o seu cumprimento? O grande problema ético com que
um casal de hoje se defronta não é a ignorância ou desconhecimento da lei
moral, mas a energia necessária para pô-la em prática. De pouco adianta apelar
para a coragem de um soldado que não vê o menor sentido em expor-se ao risco de
perder a vida. Não há sistema moral capaz de gerar por si as energias que sua
implantação requer. Todo apelo moral é impotente. Por isso é necessário ir além
do discurso e da pregação moral.
A frequência dos sacramentos, a oração e a penitência são
meios que nenhum tratado de espiritualidade deixa de mencionar. Mas também tudo
isso não basta porque representa uma forma de ajuda externa.
Temos que ir mais longe, isto é, temos de penetrar no
íntimo das pessoas, pois é lá que está a chave da solução. Não há truques
mágicos capazes de proporcionar a um casal a energia necessária para recomeçar
sempre de novo, pois o casamento é um edifício que é preciso consertar e
remodelar sempre de novo. Casar é como ir morar numa casa que nunca vai ficar
pronta.
Donde tirar a paciência para não desanimar? Este é o
problema para o qual a espiritualidade cristã tenta encontrar uma solução. Ela
se baseia na crença de que a salvação não vem de fora, mas do interior do
próprio homem. Não há juramentos e convenções capazes de suprir a falta de
convicções pessoais. Não é a Igreja que deve proteger a um casal católico. É o
próprio casal que deve fazer isso. E se ele não estiver empenhado em fazer do
seu casamento uma experiência digna de ser levada até o fim, isto é, até a
plenitude, então é inútil cercá-lo com muros de proteção. O tentador sabe muito
bem como escalar um muro. A única coisa que não consegue é penetrar em recintos
onde o homem e Deus estão unidos num propósito comum.
Padre Marcos Bach
OS FRUTOS MAIS BELOS DO AMOR CONJUGAL
A um cristão não pode
ser permitido em nome de Cristo o que a nenhum ser humano é lícito tolerar: o
desperdício incrível de energia espiritual menos por excessos do que por
omissões, cometidos no campo sexual. É algo que deveria impressionar muito mais
os espíritos lúcidos do que qualquer outro tipo de crise energética.
Os anos de vida conjugal
vão passando sem que o desejo dos sentidos se transforme em paixão e ternura;
sem que estas se transformem em amor e amizade; e sem que o amor se desdobre em
afeição, serviço, oblação e comunhão.
Quantas vidas apresentam
no campo sexual o quadro de uma realidade marcada pelo marasmo, pela
imobilidade e fixação em níveis pré-humanos de relacionamento sexual. São vidas
que não se desenrolam, porém, ao contrário, vão se enrolando cada vez mais.
Para a reta compreensão
desta tarefa é preciso ter em mente que o espaço sexual humano é o da
liberdade. E esta não se mede a partir do número de possibilidades de posse e
escolha, mas a partir do grau de desprendimento e da capacidade de ampliar
constantemente o espaço não-possessivo em benefício da dinâmica oblativa. Sem
uma dose bem sacudida de ascese e renúncia não é possível dar, no terreno do
relacionamento sexual, nenhum passo significativo para frente. No momento, porém,
em que esta ascese tira do casal o fruto mais belo do seu amor, a alegria de
viver, ela deve ser repelida como contrária ao espírito cristão.
A sede de consumo maciço
pouco espaço deixa no espírito do homem de hoje para a abstenção e a renuncia.
Despojada de seu significado religioso, a vida se torna em luta sem quartel
pelas melhores fatias do bolo econômico e social.
Quando se transforma o
campo sexual em área de competição e/ou de exploração hedonista em lugar de
reservá-lo exclusivamente para o lazer e a vivência gratuita e espontânea do
amor, o desastre social não passa a ser mais que uma questão de tempo. Tanto é
urgente e necessário opor um dique ao permissivismo liberaloide e suicida,
quanto às tentativas dos sistemas totalitários de atrelar a sexualidade ao
carro-chefe da produtividade.
Não se pode definir como
cristã simplesmente a moral católica tradicional, nem a ética cristã
convencional. Nela não está refletida a imagem do homem novo do Evangelho, o
arauto da Boa-Nova da libertação.
Vista à distância
crítica, a moral sexual opressiva e puritana da década de 30 só podia exasperar
um espírito como o de Reich, já que não encontrava nela o respeito pela pessoa
que deveria ser o apanágio de todo e qualquer sistema moral.
Foi em grande parte sob
a égide e ao abrigo desta moral dita cristã que Hitler construiu a maior
máquina de destruição da História, ao menos até aquela data. Existem indícios
bem significativos de que o advento da nova ordem moral já está em vias de se
tornar realidade, e que o centro do interesse e da preocupação moral será
constituído em torno da dignidade inalienável e da grandeza divina da pessoa
humana.
Padre Marcos Bach
CASAMENTO E AMOR
A relação entre amor e
sexo, amor e casamento só aos poucos foi se impondo à consciência do homem.
Hoje corremos o risco de
julgar o passado com base nas conquistas culturais do nosso tempo.
Para nós a relação entre
sexo e amor, amor e casamento é coisa tão óbvia, que não a discutimos sequer,
ao menos para efeitos práticos. Nutrimos a convicção de que todo mundo em todos
os tempos e quadrantes da terra casava por amor. Que a atividade sexual era
expressão de amor.
No entanto, não é assim
que se nos apresenta o passado histórico. Não é preciso mergulhar até a aurora
dos tempos para flagrar uma realidade sexual que a nossos olhos parece nunca
ter existido. O casamento ou punha fim à fase romântica do namoro, ou
permanecia soberanamente alheio a devaneios poéticos. Era uma necessidade, uma
espécie de fatalidade biossocial a que só poucos conseguiam fugir sem risco de
marginalização psicológica e social. O amor era a aventura; o casamento, o seu
fim. Realizado o casamento, uma montanha de obrigações e expectativas se abatia
sobre o casal, tomando todo o espaço antes ocupado pelo sonho e pelo devaneio
romântico. Casar era como o despertar de um sonho lindo e maravilhoso.
Enquanto o jovem
namorado sonhava, os casados, isto é, os adultos, sorriam do jovem o sorriso
amarelo da inveja, orgulhando-se do seu “realismo” em relação à vida concreta.
Para fazer um filho bastam cinco minutos de prazer, mas são necessários muitos
anos de sofrimento, dedicação gratuita e renúncia para criá-lo depois. Isso os
namorados esquecem. É só disso que os casados se lembram. Não é difícil
encontrar uma ponte entre amor e sexo. O difícil é vislumbrar alguma ligação
interna e subterrânea entre casamento e amor.
Onde estão as provas de
afirmação tão pouco lisonjeiras para os nossos brios de representantes da mais
avançada civilização de todos os tempos?
Não pode existir relação
reconhecida entre amor, sexo e casamento onde não existe escolha livre. Ora, a livre escolha do parceiro é um privilégio que
data de época recente. Se existia antes, era concedido a poucos, geralmente
pertencente às classes mais humildes, por paradoxal que pareça. O direito da
mulher à escolha do parceiro era sistematicamente ignorado e desrespeitado, tal
como ainda hoje acontece nas “repúblicas islâmicas”.
A subordinação da mulher
à autoridade do marido é frontalmente contrária à expansão da relação conjugal
no sentido do amor. Ora bem, ainda hoje há quem a apregoe como virtude
feminina.
A subordinação do amor à
finalidade procriativa relega a
afetividade a um plano secundário. A plena expansão amorosa da relação conjugal
só será possível se a escala de valores for invertida, com o amor no topo.
Ora, mesmo em nossos
dias continua em vigor a concepção biologista, que subordina à procriação os
demais valores da vida conjugal. Não é verdade que a moral católica tenha
excluído o amor da relação conjugal. Mas levou quase dois mil anos até
descobrir que existe um laço intrínseco entre amor e comunhão sexual. Mas a
transformação do amor em dever, do ato conjugal em débito conjugal, em objeto
de transação conduziu ao esvaziamento erótico, à erosão sentimental e afetiva
da relação conjugal.
A redução do ato
conjugal à condição de meio de apaziguamento do desejo carnal colocou a relação
conjugal à beira da prostituição legal e moral. É o casamento substituindo o
prostíbulo. É a esposa tomando o lugar da rameira.
A comercialização do
sexo por meio da prostituição só
serviu para aumentar a distância que separa amor e sexualidade. A tolerância em
relação às “casas de tolerância” significa a conivência com uma das piores
chagas da nossa sociedade. Esta atitude de condescendência por si só basta para
provar que o cristianismo não chegou até o âmago de nossas estruturas sociais.
A imbricação ou envolvimento
do amor e do casamento com interesses econômicos,
políticos e sociais e mesmo religiosos terminou por prostituí-los ainda mais. A
moderna erotomania, simples pornografia com revestimento estético, se encontra
na linha de prolongamento duma tendência que vem de muito longe.
Por longo espaço de
tempo o amor continuará a ser muito mais decantado que praticado. A palavra
amor já tem tantos sentidos escusos e contraditórios que se torna quase
impossível identificar o autêntico amor em meio às falsas imitações. Tudo isso
levou o nosso mundo a descrer dele e a não esperar nada do amor. Interesses
mais reais e menos românticos parece que oferecem melhores condições de estabilidade
conjugal do que a chama fugaz e tímida do amor.
Há muito tempo que
desvinculamos o casamento do amor e o amor do casamento.
O primeiro passo foi
dado quando o casamento passou a ser encarado como contrato e associação de
interesses recíprocos. Na lógica desse passo está outro: a imposição do amor,
da indissolubilidade e da fidelidade como obrigações decorrentes do contrato
matrimonial. Foi nessa altura da história que teve início o processo de
dessacralização do amor e da sexualidade. Tornou-se necessário sacralizar a
instituição matrimonial para garantir um mínimo de ligação do casamento com o
mundo religioso. O endeusamento da maternidade serviu e ainda continua a servir
para encobrir o esvaziamento religioso da vida conjugal. O modelo da família cristã
é a de Nazaré, onde o relacionamento era virginal, segundo a doutrina
tradicional da Igreja católica.
A marginalização do amor
tem ainda outra expressão social. É um fato notório que os “grandes amores”, que
fizeram história, foram quase que exclusivamente extraconjugais. O casamento tão pouco tinha a ver com amor,
especificamente com amor-paixão, que, para encontrar este amor, era preciso
escapar à monotonia do leito conjugal. A vida doméstica apoiada no pobre e
tantas vezes desiludido amor “feijão com arroz” não oferecia ao casal condições
de ultrapassar os limites de uma relação puramente vegetativa. Plácida e
estética.
O casamento simplesmente
não oferecia clima e espaço para grandes arroubos passionais, já que rebaixava
o amor a dimensões demasiadamente domesticadas. Os grandes êxtases amorosos só
eram possíveis no aconchego de leitos proibidos e abraços adúlteros. O elevado
grau de tolerância moral em relação a tais “abusos” e “fraquezas” demonstra a
pouca fé nas virtudes do amor legalizado pelo casamento. A “fraqueza” sexual
era quase um direito adquirido pelos poderosos. Era uma espécie de correlato do
poder. Basta relembrar aqui a triste figura moral de um Luís XIV, o famoso e
catolicíssimo Rei-Sol.
O amor cantado em verso
e prosa pelos trovadores franceses não era o amor conjugal. Era o que hoje
chamaríamos de “amor livre”.
As devoções a Nossa
Senhora representam, em muitos casos, formas sutis de alienação do amor sexual.
Como a mulher era tida na conta de perigosa, foi preciso contrabalançar a sua
figura de tentadora do homem por outra figura de mulher impoluta e virginal. A
sociedade sempre precisou de vestais. Os conventos repletos de religiosas
significam um poderoso para-raios para a consciência de sociedades sexualmente
alienadas e subdesenvolvidas. O sacrifício de virgens pertence ao passado. Mas
o mecanismo social, que exigia tais sacrifícios, continua ativo.
Padre Marcos Bach
RELAÇÃO DE PAIXÃO E TERNURA
A um cristão não pode
ser permitido, em nome de Cristo, o que a nenhum ser humano é lícito tolerar: o
desperdício incrível de energia espiritual menos por excessos do que por
omissões, cometidos no campo sexual. É algo que deveria impressionar muito mais
os espíritos lúcidos do que qualquer outro tipo de crise energética. Os anos de
vida conjugal vão passando, sem que o desejo dos sentidos se transforme em
paixão e ternura; sem que estas se transformem em amor e amizade; e sem que o
amor se desdobre em afeição, serviço, oblação e comunhão.
Quantas vidas apresentam
no campo sexual o quadro de uma realidade marcada pelo marasmo, pela
imobilidade e fixação em níveis pré-humanos de relacionamento sexual. São vidas
que não se desenrolam, porém, ao contrário, vão se enrolando cada vez mais.
Para a reta compreensão desta tarefa é preciso ter em mente que o espaço sexual
humano é o da liberdade. E esta não se mede a partir do número de
possibilidades de posse e escolha, mas a partir do grau de desprendimento e da
capacidade de ampliar constantemente o espaço não-possessivo em benefício da
dinâmica oblativa. Sem uma dose bem sacudida de ascese e renúncia não é
possível dar, no terreno do relacionamento sexual, nenhum passo significativo
para frente. No momento, porém, em que esta ascese tira do casal o fruto mais
belo do seu amor, a alegria de viver, ela deve ser repelida como contrária ao
espírito cristão.
A sede de consumo maciço
pouco espaço deixa no espírito do homem de hoje para a abstenção e a renuncia.
Despojada de seu significado religioso, a vida se torna em luta sem quartel
pelas melhores fatias do bolo econômico e social. Quando se transforma o campo
sexual em área de competição e/ou de exploração hedonista, em lugar de
reservá-lo exclusivamente para o lazer e a vivência gratuita e espontânea do
amor, o desastre social não passa a ser mais que uma questão de tempo. Tanto é
urgente e necessário opor um dique ao permissivismo liberaloide e suicida,
quanto às tentativas dos sistemas totalitários de atrelar a sexualidade ao
carro-chefe da produtividade.
Como o interior das
coisas e dos seres se vai perdendo gradualmente na luz negra do mistério, o
cientista o deixa de lado. A própria Psicologia, que parece ter como objeto a
subjetividade da pessoa humana, comete o pecado de encerrar o homem sem uma
psique. Por mais preciosa que seja a contribuição das ciências, suas
descobertas se situam na periferia das coisas. Não atingem mais do que o seu
exterior. O próprio método é discutível, já que pretende explicar a realidade
partindo de fora para dentro.
Por isso se torna
imprescindível inverter o processo. Mas como partir de dentro sem ter chegado
até lá? Como partir do ponto a que se pretende chegar?
A solução deste aparente
paradoxo nada tem de absurdo, se considerarmos que todos os caminhos, que levam
o homem para mais perto de si próprio, representam um retorno à sua origem. O
futuro absoluto coincide com o passado absoluto.
Padre Marcos Bach
O AMOR SÓ PODE SER INFINITO
Se Deus é Amor, então o amor só pode ser tão infinito
quanto o próprio Deus! Se somos imagens de Deus feitos por Ele à sua
semelhança, então nossa capacidade de dar e de receber amor deve ser a mesma de
Deus. Basicamente a mesma, embora contingente e limitada!
O Amor de Deus tem sobre
o nosso a capacidade de ir sempre mais longe do que o nosso! Somos prisioneiros
do tempo e sujeitos ao lento ritmo do processo evolutivo! Nossas mães têm que
esperar nove meses até poderem dar à luz a sua “cria”! Um casal deve esperar
cinquenta anos até que possa festejar as bodas de ouro!
Tudo o que existe de semelhante a Deus só amadurece
com o correr do tempo e exige da parte do homem muita paciência, muita
perseverança e muita fé.
O que reduz a nossa capacidade de amar é nossa falta
de paciência e de fé! Invejamos a paciência de Deus, mas não a incluímos em
nosso catálogo de virtudes! Desculpamos nossos divórcios apressados e nos
apressados fins de amor, alegando que houve engano! “Enganei-me pensando que
ela me amava, mas o que ela queria era casamento, sexo e status social”! É assim que o maridinho “traído” justifica seu
pedido de divórcio!
Aquele que se engana ou se deixa enganar em seus
relacionamentos afetivos deve a sua desgraça a si mesmo. O culpado não é o amor
nem a ingenuidade de ter depositado no amor uma fé que ele, o amor, não
consegue justificar! O amor não engana fazendo-nos ver o que não é ou
levando-nos a não ver o que existe na pessoa amada. O amor é lúcido e nada tem
a ver com a tremenda confusão que reina no campo dos relacionamentos humanos.
A defectibilidade da natureza humana longe de ser uma
deficiência, é uma riqueza. Riqueza virtual, pois é o espaço que o Criador
reservou à continuação da sua obra criadora!
Um animal atinge rapidamente a plenitude de suas
potencialidades naturais. Uma tartaruga passa a maior parte de sua existência
parada no tempo, sem a preocupação de continuar a crescer. Um papagaio aprende
já nos primeiros anos de vida o que precisa saber. O ser humano é o único
animal que nunca se contenta com o que sabe. Quer saber sempre mais. Sua sede
de saber é insaciável!
Já que o amor é uma forma de conhecimento, como
afirma a Bíblia, e por ser de todas a mais nobre e a que estabelece a mais
íntima das uniões entre seres inteligentes, não é possível fazer pesquisa
científica sem amor e com a fria objetividade tida até pouco tempo atrás como
requisito sério e honesto!
Platão foi o último filósofo de grande porte que
ousou associar saber e amor com a presença de uma misteriosa “centelha divina”
no interior do homem.
Existe no interior da pessoa humana uma luz que o
ilumina a partir de dentro. Carl Gustav Jung se refere a ela dando-lhe o nome
de “luz numênica” em oposição à luz fenomênica a que nossos olhos conseguem
captar. Trata-se de uma luz inacessível aos sentidos e à razão, pois não
pertence ao nosso mundo tridimensional. Revela-se e se deixa ver tão somente
por aqueles que, como Moisés no Monte Horeb, se contentam com contemplar a
Terra Prometida!
Em oposição ao cientista de antanho o cientista
moderno admite que o conhecimento é apenas uma aproximação da verdade e que na
melhor das hipóteses nos revela apenas uma parcela da verdade total.
Gregory Bateson diria que a natureza se nos manifesta
como metáfora: não basta ver e descrever o que se viu! Não basta observar a
flor: é preciso interpretá-la, decodificá-la e recodificá-la.
Os mais destacados cientistas foram contemplativos. O
contemplativo não se ilude com o que vê: sabe que “o essencial é invisível”
como diz St. Exupéry no Pequeno Príncipe!
A melhor resposta que o espírito do homem pode dar
aos desafios da natureza não é de natureza técnica, mas pertence a outra
categoria de respostas que dispensam a intervenção de instrumentos técnicos.
Não há religião que não possua o seu arsenal de recursos sacramentais dotados do
poder mágico de colocar o espírito do homem em contato com a Verdade Suprema!
Houve uma época em que os mais destacados próceres do
pensamento científico como Augusto Comte, achavam que a ciência tinha condições
de substituir a religião em sua pretensão de representar o estuário supremo de
todo o saber humano.
Atingimos no campo do conhecimento humano um patamar
que já não nos permite interpretar o mundo e a história como o fizeram nossos
antepassados. O mundo que nos cerca encontra-se prenhe de mensagens em código
que é preciso decodificar.
“Uma verdade é tanto mais verdadeira quanto mais
complexa for”. Ou por outra: “quanto menos inteligível for”. O que pode ser entendido por qualquer um sem
esforço e sem procura, provavelmente não faz parte dos aspectos essenciais da
realidade. Para descobrir o que é essencial é preciso procurar muito, perguntar
muito. A melhor resposta é aquela que enseja uma nova pergunta, melhor que a
anterior. É preciso ter fé e ter a coragem de ir muito mais longe do que o
permitem a razão e os sentidos!
Padre Marcos Bach
O SENTIDO ÚLTIMO DA SEXUALIDADE HUMANA
Um sistema moral que parte da premissa que a
abstinência sexual é mais perfeita do que o “usus venereorum”, e que a mulher por excelência é a mulher
“virgem”, deveria se questionar: será que foi isto que Jesus tinha em mente?
Com o intuito de compensar um pouco as falhas mais que notórias da Moral
católica, inventou-se a assim chamada “Espiritualidade Conjugal”! Criaram-se
Movimentos Familiares e abriram-se “cursos de espiritualidade matrimonial”.
Nestes cursos, “espiritualidade” e
“atividade sexual” eram tratadas como se uma delas não tivesse nenhuma relação
intrínseca com a outra. Uma distância “asséptica” as mantinha longe uma da
outra. Uma “faixa sanitária” bem larga separava a “vida espiritual” da vida
matrimonial. A atividade sexual era tratada como se não possuísse valor
espiritual em si mesma. Este lhe vinha “de fora”, da oração e da recepção dos
sacramentos.
O sexo era visto como terreno extremamente “perigoso”
e pouco apto a favorecer o “espírito”. Era território em que o “demônio”
reinava e onde fazia os estragos mais sérios. Era preciso “exorcizá-lo”, e para
tanto nada melhor do que a “mortificação dos sentidos”! Nenhuma atividade
humana parecia aproximar o homem tanto do animal quanto a atividade sexual.
Pequena era a diferença que separava a devassidão do “cumprimento do dever
conjugal”.
O ato de ceder ao desejo sexual era visto como
manifestação de “fraqueza” moral e espiritual. Um casal “virtuoso” só realiza o
ato conjugal em vista da procriação ou com o fito de evitar mal maior, que
seria a infidelidade conjugal. Santo Tomás, como Santo Agostinho, ainda
sustentavam a tese de que todo ato sexual, realizado com vistos ao prazer, é
pecaminoso.
Hoje esta tese já não encontra mais defensores, mas
na “cabeça” dos “diretores espirituais” de “Movimentos de Casais”, sexo, prazer
e pecado continuam formando um “trio” inseparável. Em resumo: Tanto à Moral
católica quanto à “espiritualidade matrimonial” proposta pela Igreja, falta
“profundidade teológica”.
Quem quer entender a razão que levou o Criador a
criar o homem em versão dupla, que representam formas irredutíveis de ser
Homem, não pode contentar-se com o que a humanidade já foi em épocas passadas.
O protótipo do homem e da mulher plenamente “humanizado”, não é no Jardim do
Éden que devemos procurá-lo. Os representantes da humanidade atual não entram
em questão, pois a distância que os separa do “zoológico” é ainda pequena
demais.
Onde devemos ir se quisermos encontrar o protótipo do
homem perfeito? Da mulher plenamente feminina? Temos que “mergulhar” no futuro
da humanidade e ir até o “fundamento escatológico” de toda a história humana.
Para compreender a misteriosa “atração” que impele
homens e mulheres a se unirem num vínculo indissolúvel de amor, é preciso
deixar para trás o tempo histórico-existencial e mergulhar na realidade
pós-histórica, quando o tempo passageiro do momento atual será substituído por
um outro tempo, a “plenitude dos tempos”, onde o que de momento é provisório
irá tornar-se definitivo e irreversível. Tudo o que torna tão belo e ao mesmo
tempo tão problemático o relacionamento sexual, só pode ser compreendido por
quem se coloca no termo de “chegada”.
O sentido “último” da sexualidade humana é ajudar
homens e mulheres a “chegarem juntos ao final da “corrida”. A certeza de que
estão “correndo bem” lhes vem não do fato de estarem juntos, mas da “certeza”
de que estarão ainda juntos no momento da “chegada”. Esta “certeza” da vitória
é sua fonte de encorajamento e o “fundamento escatológico” do seu amor mútuo.
Esta “certeza” se chama Esperança Cristã. Muita gente interpreta mal a palavra
de Jesus: na outra vida “não casam nem serão dados em casamento”. O casamento é
uma instituição humana, que Jesus rejeitou dentro de certos limites. Amar e
casar não são sinônimos. Pode-se casar sem amar e amar sem casar.
Outra palavra de Jesus que assusta a muito
“consumidor de sexo”, é esta: “Serão como os Anjos do Céu” (Mt 22,30). O que
esta gente esquece é que a capacidade de amar exige uma liberdade de amar que
os anjos do céu provavelmente já possuem em grau muito superior a nossa modesta
capacidade de “amar sem reservas”!
Outro detalhe que costuma ser esquecido é este: o
desejo sexual é ambivalente. Pode transformar-se em instrumento do mais feroz
egoísmo, como pode ser instrumento da mais bela forma de amor humano! Esta
ambivalência os promotores do “amor romântico” e “livre” costumam ignorar.
Padre Marcos BachHOMENS E MULHERES COM EXPRESSÕES DIFERENTES DA SEXUALIDADE
Cada sexo julga o outro por si. O prazer que
experimentam não tem a mesma amplitude, o mesmo grau de ressonância psíquica. O
homem raramente investe no ato sexual mais do que uma fração da sua personalidade.
A mulher quando investe, entra com tudo: sexo, corpo, alma!
Para o homem o amor não é o objetivo principal. O seu
objetivo determinante é o orgasmo. Quer livrar-se de uma pressão!
Homens e mulheres não são iguais. Por mais que
mulheres emancipadas queiram companheiros que as tratem como iguais, sempre
terão que contar com homens tão diferentes delas que nem sequer conseguem falar
a mesma língua.
O cérebro da mulher não evoluiu do mesmo modo e na
mesma direção que o do homem. Quem passou milênios ocupado em passar o tempo
quase todo caçando e fazendo a guerra, não pode ter o mesmo cérebro nem as
mesmas aptidões psicológicas que uma boa dona de casa! O coquetel de hormônios
que o organismo de um homem produz é diferente do que o corpo feminino costuma
produzir. Todas estas são diferenças que vieram para ficar. É muito provável
que estas (e outras) diferenças aumentem e se acentuem ao longo do processo
evolutivo humano.
Desigualdade não é necessariamente sinônimo de
injustiça. O cunho dialético da competição entre homens e mulheres requer um
esforço comum no sentido de encontrarem juntos e de mãos dadas um modo de
superar o conflito. Para que isto aconteça, é preciso que os homens aprendam a
se identificar mais como seres humanos e menos como caçadores profissionais,
como guerreiros, como provedores da família e protetores da mulher, tomando
consciência de que nenhum dos dois sexos é mais ou menos humano que o outro.
Enquanto alguma espécie de necessidade determinar
homens e mulheres a juntar os trapinhos e a viverem em comum, é prematuro
definir o casamento como pacto de amor!
Superar uma diferença não é o mesmo que aboli-la.
No dia (ou noite) em que um homem descobrir que a
criatura estranha, que dorme a seu lado na mesma cama, vive num mundo
totalmente diferente do seu, terá condições de compreender porque esta coisinha
mimosa é tão exigente a ponto de ser quase impossível satisfazê-la.
Homens e mulheres não estão aí para ocupar na vida um
do outro um espaço que sem isto permaneceria vazio, inútil e desaproveitado.
Nada nos autoriza a definir homens e mulheres como seres carentes, incompletos
e com fome um do outro. Repartir o mesmo espaço com outra pessoa não é o mesmo
que precisar de sua presença. O relacionamento sexual humano só é humano na
medida em que for uma forma de expressar amor!
A dissociação entre sexo e amor só acontece na cabeça
de quem separa entre si instinto e razão. Ambos, instinto e razão, fazem parte
da natureza humana. A diferença entre o animal e o homem reside no fato de que
no animal o instinto continua cego, ao passo que no homem ele se tornou
inteligente, isto é, mais suscetível de assimilar mudanças e novas regras de
jogo!
Padre Marcos Bach
A BASE PARA UM PACTO DE AMOR
Homem inteligente e digno da sua condição sexual não
é aquele que subjuga a mulher e usa os seus talentos, mas aquele que se associa
a ela num “pacto de amor”! Homem que se preza não quer repartir a sua vida com
um ser “inferior” a ele! Nem Deus quer ser servido por seres inferiores a Ele.
Nem se satisfaz com o amor de “escravos”. O amor autêntico só acontece entre
iguais!
A Encarnação do Verbo de Deus é a prova mais cabal do
que acabo de afirmar! O que me deixa triste é pertencer a uma Igreja que ignora
tudo isso e se comporta em relação à mulher como no tempo de Cristo. Jesus não
nos brindou com uma nova moral. Não porque não houvesse necessidade dela, mas
porque os tempos ainda não eram favoráveis. Tudo o que vem de Deus e é obra do
Espírito Santo acontece na hora propícia.
Creio que atingimos um ponto de “maturidade moral”
que nos permite tratar nossas “irmãs na fé” como iguais em tudo! Basta olhar
para o que está acontecendo em nosso planeta para ter uma ideia do tamanho das
“muralhas” que ainda continuam resistindo ao veemente desejo de unidade que
está tomando conta da consciência humana. Por ora, o movimento de
“globalização” encalhou no terreno econômico-comercial. O fenômeno como tal faz
parte, entretanto, de um fenômeno mais amplo.
O lugar reservado à sexualidade humana num sistema
moral autenticamente cristão, não pode ser diferente do “lugar” reservado por
Cristo a seus “discípulos” e “amigos” na Casa do Pai. O desejo de “comunhão”
cada vez mais íntima que fornece o “cimento” e a base de sustentação de todo
casamento bem sucedido, continuará a ser, na “outra vida”, o que foi aqui. No
ritual católico já não se encontra mais a frase: “até que a morte vos separe”!
A morte só mantém separado o que já estava separado. O amor, incluídos seus
aspectos erótico-passionais, não sofre nenhuma solução de continuidade. Tudo o
que há de “efervescente” numa relação de amor, continua presente. Um corpo
“espiritualizado” evidentemente se há de prestar a expressões de amor muito
mais criativas do que as que este nosso corpo “carnal” nos permite.
Como a essência da sexualidade humana é de natureza
espiritual, e já que a própria “essência da matéria é espiritual”, como afirma
Einstein, não se pode prender a sexualidade humana ao corpo físico e a seus
determinismos biofisiológicos sem distorcê-la em aspectos essenciais. Toda
união sexual “séria”, só é a que visa a união de duas almas, de dois seres
espirituais. O corpo só entra na medida em que se prestar a ser instrumento da alma.
Colocar o sexo onde deveria estar o amor é pôr de
cabeça para baixo os propósitos do Criador. Deus certamente não criou homens e
mulheres para que tenham como satisfazer suas necessidades e desejos de ordem
sexual, psicológica ou social. O matrimônio não pode ser reduzido à categoria
de “remedium concupiscentiae” sem que
venha a perder a sua dignidade de “Sacramentum
Salutis”. Um matrimônio só pode ser “cristão” se for meio de
“santificação”.
Como poderia o amor conjugal ser um “Magnum Misterium” se seu objetivo
principal fosse pôr um pouco de ordem no campo das relações sociais? “No Reino
de Deus não casam nem serão dados em casamento, serão como os anjos do céu” (Mt
22,30). Este logion de Jesus foi
muito mal interpretado. Jesus não condena nem o casamento nem os que casam.
Condena, isto sim, uma concepção fisiologista e materialista do matrimônio.
Basta lembrar que a afirmação de Jesus faz parte de uma discussão com os
saduceus, a ala “materialista” da elite judaica.
O fato de Jesus igualar o destino último do amor
entre homens e mulheres à condição angélica, não pode ser invocado como
argumento a favor do celibato e da abstinência sexual, pois anjos não são seres
puramente espirituais. Num mundo material como o nosso, não pode haver lugar
para “espíritos puros”. Os anjos que serviram a Jesus no deserto trazendo-lhe
pão, certamente tinham “mãos” com que carregá-lo!
Os anjos são seres como nós. A única diferença está
em que nós ainda não somos o que eles já são. Só na outra vida seremos como
eles, se assim o quisermos. O termo castidade “angélica” não faria sentido se
os anjos fossem espíritos puros.
Padre Marcos Bach
FORMAÇÃO DA PESSOA CONJUGAL
O órgão encarregado de
realizar a personalização é a consciência. É ela e seu grau de desenvolvimento
que caracterizam o ser humano como pessoa. Ao desenvolvimento da consciência
corre paralela a formação de uma nova realidade orgânica: a formação da consciência
comunitária (não coletiva, como no caso da formiga) constituída por
consciências pessoais, ultrapassa a sua capacidade somada, porque torna-se
fator de integração interpessoal e suprapessoal.
É com base nos termos
desta reflexão, que se pode (e se deve) elaborar uma teoria sobre a pessoa
conjugal. Embora não seja um termo muito usado, diz, no entanto, algo que é
essencial para a realização do casamento em sentido cristão. Como a pessoa é
uma realidade programática e projetiva, assim a pessoa conjugal não é um dado,
mas um programa e um projeto.
A pergunta, que conduz à
identificação da pessoa conjugal, é a seguinte: qual o grau de consciência de
sua afinidade original que o casal possui, e qual o termo final a que convergem
intencional e efetivamente? Em outros termos: qual o nível de convivência e
intimidade em que se expressa a densidade relacional da sua vida conjugal?
Talvez fosse melhor ainda mudar a pergunta: quanto existe de arcano, de
secreto, de misterioso e imprevisível no seu amor? Até que ponto o seu amor
justifica a perplexidade dos que se apavoram com a falta de certezas?
Um casamento que se
encontra fora do alcance da infidelidade seria aquele com que muito moralista
sonha. Mas não ultrapassaria os acanhados limites da mediocridade, fruto do
exclusivismo estreito de quem possui fôlego curto em matéria de amor. Quando o
casamento é encaixado na categoria segura do contrato, por meio do qual todos
os direitos sexuais são conferidos a uma única pessoa com exclusão das demais,
até um ato isolado de infidelidade pode constituir razão válida para a ruptura,
ao menos parcial, do vínculo conjugal.
O Direito Canônico, ao
menos, admite esta possibilidade. Admitida esta hipótese de ruptura parcial em
resposta a um adultério do cônjuge, fica subentendida uma concepção do
casamento total e frontalmente incompatível com a concepção personalista. A
transformação radical do casal em pessoa conjugal não é viável enquanto for
mantida a doutrina segundo a qual o matrimônio é na sua essência um contrato,
com a finalidade primária de atender as necessidades biológicas da espécie
humana.
Enquanto o pensamento se
mover dentro dos parâmetros de coordenadas biológicas, a força da graça
personalizadora do Cristo personalizador dos indivíduos e das entidades sociais
continuará a se chocar contra o muro do medo instintivo que o homem, primitivo
e/ou civilizado, nutre em relação aos riscos essenciais de sua condição humana.
Sempre que o risco atingir um grau maior de periculosidade, ameaçando minar
pela base seguranças estabelecidas em torno de seus interesses e privilégios,
este homem reage, como o “establishment”
religioso judaico em relação a Cristo. O maior inimigo do progresso humano é o
medo. E o medo é filho do egocentrismo. O amor desconhece e ignora solenemente
a lógica do medo. O próprio medo de pecar é alheio a quem ama. Sabe que pode
pecar. Sabe, porém, que a razão de ser da culpa é o perdão, e não o castigo.
A liberdade é o único
espaço que comporta culpa pessoal. A culpa pessoal, o adultério, por ex., supõe
um grau de personalização da relação conjugal bem mais aprimorado que o
habitual. Abaixo deste parâmetro moral situam-se os deslizes, os passos em
falso, as escapadas, as paqueras, os momentos de fraqueza, cuja ressonância
sobre a pessoa conjugal é mínima, já que esta praticamente não existe. A culpa
pode ser destruída pelo arrependimento e pelo perdão. A estupidez não. Por isso
a ignorância e a estupidez são inimigas do amor em grau muito maior do que a
culpa pessoal. Em poucas palavras: a mais bem postada bateria de normas e
preceitos serve mais para dificultar a formação da pessoa conjugal do que para
promovê-la.
Padre Marcos Bach
O ADVENTO DA PESSOA COM AMOR E LIBERDADE
O que marca o advento da
pessoa, de sua entrada triunfal na história dos homens, tem algo a ver com a
audácia criadora do amor com liberdade, com consciência e felicidade.
É no terreno sexual que
este milagre vai aparecer de forma mais eloquente. A constituição da pessoa
conjugal é, em certo sentido, o objetivo último do matrimônio. Mas,
honestamente, a quantas andamos neste assunto? Vale a pena levá-lo a sério? Por
que aspecto tão fundamental do matrimônio não tem merecido maior atenção? A
explicação é simples: inconsciência!
O que é via de regra um
casal, senão uma máquina de cumprir tarefas, deveres e funções? Sua vida é
determinada por valores que pouca ou nenhuma relação tem com a sua realização
pessoal. Mesmo aquelas tarefas e funções que se prendem ao exercício da
sexualidade não têm muita relação com as suas reais necessidades sexuais.
Enfim, temos ou não temos uma ordem social e moral que ignora solene e
desdenhosamente a própria estrutura da sexualidade, e com ela as necessidades
verdadeiras de uma genuína relação sexual adulta?
A moral é como a
propaganda publicitária: em lugar de se pôr a serviço da felicidade, promete-a
a quem se puser a reboque de seus dogmas e normas. Implantar a felicidade
universal por via normativa e ideológica: é com esta pretensão que a maioria
das instituições gastam tempo e o dinheiro do povo.
A noção de pessoa, no
sentido em que se aplica ao indivíduo humano, possui uma origem confusa. O
termo grego “prôsopon” inclui
referência ao rosto, à fronte (frente) do homem. Também expressa, na palavra
hipóstasse, aquilo que ao homem é específico do seu ser (ousia, em Aristóteles). Define, assim, a parte substancial,
permanente e estável sobre a qual se desdobram as variações todas, que
constituem e determinam a personalidade individual. A pessoa é como a semente.
A personalidade é a planta em crescimento nascida da semente.
A contribuição mais
preciosa para a compreensão da palavra pessoa é a que prestou a teologia
cristã. Lá o termo pessoa se refere primariamente e em sentido próprio a Deus.
A pessoa, por excelência, é Cristo. É pessoa divina e ao mesmo tempo (e
precisamente por esta razão) ele é homem – o homem perfeito. O ser humano só é secundariamente
pessoa (Julián Marías, Antropologia Metafísica, Duas Cidades, 1971, p. 34).
Em perspectiva teológica
pessoa significa, antes de mais nada, relação (correlação, interrelação). O que
faz a pessoa não é o que distingue um ser humano do outro, mas aquilo que lhes
é comum. Comum é a origem e o ponto de partida. Isso os torna semelhantes,
apenas. O decisivo é o termo final, para onde convergem por força da própria
dinâmica natural, e de forma determinante por obra da graça do Cristo
personalizador dos homens. A personalização é, pois, um processo religioso (já
que pode ser definido como divino). É um processo de natureza convergente, pelo
qual cada ser humano se encontra voltado para o mesmo termo final que os
outros. É essa energia que cria a comunidade cristã. É sua alma, seu espírito.
Padre Marcos Bach
HARMONIA MORAL E ESPIRITUAL
A tendência que nos leva
a considerar o casamento assunto privado, abrigado no silêncio discreto do lar,
é responsável por uma série de equívocos funestos. Esta concepção privativa e
hermetista do casamento o toma por uma espécie de “arca de Noé”, a flutuar
segura e tranquila por sobre as águas do dilúvio, amparada pela mão poderosa e
complacente de Deus. Desta forma Deus é feito cúmplice de “arranjos matrimoniais”
muito piores do que a própria promiscuidade sexual.
Parece que o tempo, que
vale ouro na atividade profissional, já não tem mais o mesmo valor na
intimidade do lar. O casamento só pode ser aquilo que a vida é. Quantas vezes
ouve-se dizer: “Aquele sujeito não vale nada. Mas tem uma esposa maravilhosa”.
Uma mulher virtuosa mais (+) um homem sem verticalidade moral alguma, podem
formar uma dupla aceitável. Jamais formarão um casal humano. Além de não
respeitar o princípio da totalidade existencial, tais concepções não tomam em
conta o princípio da reciprocidade. O tempo conjugal é um e recíproco.
Ao falar do tempo
conjugal facilmente se incide no erro de tomá-lo como a soma de dois tempos
pessoais paralelos. O problema da sincronização (ou falta de sincronização)
geralmente é escamoteado, falsamente identificado como incompatibilidade de
gênios. Se o casamento é uma “jornada a-dois”, o problema essencial não se
relaciona com a presença física (embora seja da máxima importância), mas com o
ritmo que ambos imprimem ao seu progresso espiritual. De nada vale a presença
física, o convívio no mesmo espaço físico, quando a distância que separa o
casal é tanta, que na realidade seria mais honesto dizer que vivem em mundos
diferentes e separados. O leito conjugal perde nestes casos completamente seu
significado como símbolo de união.
O problema criado pela
falta ou excesso de tempo conjugal é devido à falta de sincronia espiritual. A
adaptação sexual não se limita ao ajustamento genital. O orgasmo simultâneo ou
sincronizado é fator irrelevante para a harmonia conjugal, se o compararmos com
a importância decisiva da harmonia espiritual. Importante é, pois, que marido e
mulher se sintam perfeitamente à vontade em seus papéis sexuais, para que se
possa falar em harmonia psíquica. É preciso que saiam de cada encontro amoroso
com a consciência de terem construído juntos mais um degrau em direção ao
infinito e definitivo. Caso contrário, não se pode falar em harmonia moral.
Deus ficou mais ao alcance da ternura: é o sinal de que o encontro representou
um momento religioso, que nada no mundo pode substituir, nem tem o direito de
suprimir.
Padre Marcos Bach
SÓ UM GRANDE AMOR É CAPAZ
Mesmo em nossos dias as Igrejas todas
definem o matrimônio como contrato social, jurídico e moralmente enquadrado num
contexto de leis, cuja força supera o poder de decisão do casal. As Igrejas
cristãs continuam presas a uma concepção patriarcalista e legalista toda vez
que o assunto é casamento. Só muito recentemente (dois séculos atrás) o mundo
ocidental descobriu que a vida conjugal tinha algo a ver com amor. O amor
romântico acontecia apenas fora do casamento. A função da esposa era dar filhos
ao marido. “Dar amor”, era tarefa reservada a concubinas e amantes.
O futuro da vida familiar vai depender
em grande parte da capacidade de homens e mulheres de fazer do casamento um
autêntico pacto de amor. A palavra pacto indica que se trata de um compromisso
destinado a selar um projeto de vida em comum.
A palavra amor implica em
compromisso irreversível. Também o amor exige sacrifícios. Ninguém, no entanto,
se dispõe a fazê-los se não tiver a certeza de que vale a pena. O tempo é o
pior inimigo do amor. Só um amor eterno é capaz de sobreviver às vicissitudes
da vida. Fidelidade conjugal e indissolubilidade do matrimônio ou brotam do
próprio amor, ou não têm como sustentar-se. Impô-las em nome da lei moral não é
suficiente para proteger um casal contra a tentação do adultério e do divórcio.
Só um grande amor é capaz de proteger um casal
contra a tentação do adultério e do divórcio.
Só um grande amor é capaz de proteger
um casamento dos perigos que ameaçam a sua estabilidade.
Rezar e frequentar os sacramentos pode
ser muito bom, desde que não se destinem a suprir a falta de amor. A oração não
tem o poder de substituir a falta de diálogo entre marido e esposa. Um amor que
não vai além da morte está exposto ao risco de morrer a qualquer momento. Só
merece a qualificação de religioso o casamento que inclui Deus e a Eternidade
em sua perspectiva. A morte só tem o poder de pôr fim ao casamento, mas não a
um pacto de amor. Romeu e Julieta morreram, mas o amor deles continua vivo. Não
somente na memória do povo, mas também nos registros de Deus. Casamentos que
morrem como moscas em fim de outono, nunca foram mais do que “pau de amarrar
égua”, diria o nordestino. Este é o casamento que resulta da conjugação de
interesses. Onde o pai dá a sua filha em casamento ao filho de um fulano com a
intenção de melhorar o seu próprio cacife social-político, continua vivo. As
Igrejas abençoam estes arranjos com as suas melhores bênçãos. Declaram como
sendo religiosos casamentos que não merecem a menor confiança. Desacreditam
deste modo a si próprios e ao matrimônio como instituição social séria.
Engana-se rotundamente
quem acha que para assegurar a um casamento a desejada estabilidade basta
envolvê-lo numa rede protetora de normas e prescrições. Nem o mais severo e nem
o mais belo sistema moral têm condições de assegurar a um casamento nem mesmo
aquele mínimo de durabilidade, sem a qual nenhuma espécie de ordem social é
possível. A saúde de uma sociedade está íntima e profundamente ligada à saúde
sexual de seus membros. E esta é, por sua vez, determinada pelo nível em que
homens e mulheres se relacionam sexualmente. O problema crucial não está em
saber (ou não) onde ir, mas em saber como chegar até lá.
Padre Marcos Bach
SALTO QUALITATIVO NA RELAÇÃO
Não resta a menor dúvida
de que o relacionamento que une e ao mesmo tempo contrapõe homem e mulher,
passou por transformações e metamorfoses radicais no decurso da história.
Provavelmente a vida de um casal de trogloditas (moradores de cavernas) só
lembra muito vagamente o dia a dia de um casal da classe média urbana de hoje.
Mesmo assim, estou convencido de que não ocorreu ainda o essencial: o salto qualitativo para um nível superior
de relacionamento sexual. A evolução deu o primeiro passo, subtraindo a relação
sexual humana do garrote implacável dos determinismos instintivos.
Uma brecha foi aberta
entre a fatalidade cega e o domínio da razão; entre a tirania das leis da
biologia e a soberania do amor; entre o grupo social e o indivíduo; entre dois
tipos de conduta sexual: a domesticada e a livre (ou selvagem). A sexualidade é
sob este aspecto parecida com a do animal: perde na medida em que passa a integrar
um círculo de interesses que lhe é totalmente alheio. Ambos, a sexualidade e o
animal, só se dão bem em ambiente natural, isto é, selvagem.
O grande medo que tira o
sono aos domesticadores (castradores) da sexualidade humana, é este mesmo: o
medo de ver o comportamento sexual humano mergulhar de novo na liberdade
selvagem donde veio. Perdem o seu tempo os que julgam ter atrelado a
sexualidade humana de forma definitiva às suas obsoletas estruturas sociais.
Ninguém conhece a
energia formidável da sexualidade, assim como um século atrás ninguém imaginava
que um desprezível átomo pudesse conter em si o poder de destruir em segundos a
maior cidade do mundo. E ainda há no terreno sexual uma outra descoberta a ser
feita: o poder multiplicador da união! Um átomo é quase nada. Mas
somando e sincronizando a desintegração (ou fissão) de bilhões deles, temos a
possibilidade de assistir a algo parecido com uma catástrofe cósmica.
Avançamos muito no campo
do desenvolvimento sexual desde a aurora da antropogênese. Mas muito mesmo! A
brecha foi se dilatando. Cresceu o espaço conjugal: o espaço reservado à
ternura do amor; o espaço da autonomia moral; da livre escolha do parceiro; o
espaço aberto à felicidade. Muita coisa mudou para melhor!
No entanto, tudo o que
ficou para trás não é nada (ou muito pouco) comparado com o que ainda resta por
fazer. O segundo salto qualitativo não foi dado. Embora em termos bastante
amenizados, a dependência biológica continua a prevalecer sobre a liberdade do
amor.
Padre Marcos Bach
CONVÍVIO DE MULHERES E HOMENS
A sexualidade é que faz a diferença entre homens e mulheres. Ambos
representam dois modos diferentes e em boa parte opostos de ser homem. São como
dois pólos destinados a criar um campo de tensão no ambiente social. Não se
excluem, mas se atraem mutuamente. Como todo “campo” energético, estendem este
poder de atração ao meio ambiente.
“Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).
A sexualidade é em sua essência uma forma de energia de natureza cósmica e
espiritual. Se “a essência da matéria é espiritual” (Einstein), então a
sexualidade humana só pode ser espiritual também. Se é verdade que “a suprema
natureza do Universo é uma energia de amor” (David Bohm, físico atômico), então
é no terreno do amor que a diferença sexual encontra o seu verdadeiro sentido.
É o poder de atração que constitui o sentido último da sexualidade humana.
“Tudo o que de significativo fiz na minha vida, foi feito sob o olhar de
uma mulher”! Com esta afirmação Teilhard de Chardin deve ter escandalizado um
bocado de “monsenhores da Cúria Romana e de monges ginófobos”, acostumados a
fazer tudo “longe dos olhares indiscretos de uma mulher”.
Uma equipe de futebol joga sempre muito melhor quando pode contar com o
aplauso entusiástico de belas mulheres! O estímulo que uma mulher bela e
amorosa pode oferecer a um homem, e vice-versa, constitui a razão primordial da
vida conjugal. O celibato não dispensa ninguém desta “necessidade” psicológica.
Homem que não sabe reconhecer-se a si mesmo no “rosto” e no olhar de uma
mulher, acaba sendo mais “narcisista” do que casto!
Deus dividiu a
humanidade em homens e mulheres para que ela tivesse oportunidade de se
encontrar consigo mesma e de aprender a dialogar e a respeitar não só os que
são diferentes de nós, mas também os que representam o lado oposto.
Padre Marcos Bach
O TEMPO PESSOAL
“Luar na cabeça: sinal de que já é noite no coração”. Qual a ação do tempo
sobre a união conjugal? Não está o amor acima da ação deletéria e corrosiva dos
anos? O que resta do amor na velhice? Uma bela amizade, talvez, mas indiferente
ao sexo? Onde a felicidade se refugia na recordação saudosa do passado? O
tempo, que amadurece a espiga e decompõe o cadáver, que tem ele a ver com o
destino de um casal apaixonado? Com que comparar a ação do tempo: com o poder
corrosivo do ácido, ou com a ação silenciosa do sol, que faz sazonar a fruta? “El sentido de la vida se pierde quando el
tiempo personal se degrada y se aproxima, em sua estructura, al tiempo
biológico” (Lopez Ibor, El Libro de la Sexualidad, p. 27).
Tempo não é um conceito unívoco: de um só sentido. O oposto do tempo
pessoal é o tempo físico e/ou biológico. O que comumente entendemos por tempo,
quando a ele nos referimos, é o tempo físico ou biológico. Aquele que o relógio
marca e corta em porções fixas. Aquele que o cronômetro registra com precisão.
É o Chronos dos antigos gregos. O
tempo mensurável. Raras vezes alguém se refere ao tempo pessoal e/ou
psicológico e/ou moral quando emprega a palavra tempo. Aqui o termo tempo é
tomado em sentido puramente pessoal.
O tempo físico é contínuo, retilíneo, uniforme e igual para todos. Até o
animal possui uma vaga noção do tempo físico-biológico. No outono emigram as
cegonhas; na primavera retornam e se acasalam. No homem este relógio natural já
não funciona mais, por desnecessário.
O tempo humano é de
outra ordem, essencial e qualitativamente superior. A evolução não se dá no
tempo, mas atinge a sua própria estrutura, modificando-a, aprimorando-a. O
tempo se adensa no homem até atingir o limite máximo de aproximação de outra
dimensão da mesma realidade, a que o tempo pertence: a eternidade. É totalmente
absurdo falar em tempo humano sem referência à eternidade.
Na concepção física do tempo os momentos se sucedem como as contas de um
rosário. Para o homem o tempo físico é tempo morto e sem vida. Mesmo o tempo
puramente biológico se escoa nos subterrâneos da subconsciência.
Hoje se levanta, com certa insistência, o problema da velhice, isto é, o
desgaste biológico devido ao processo de envelhecimento. É possível prolongar a
vida humana para além da idade fatal? Com que tipo de meios: químicos ou, quem
sabe, psicológicos? Talvez se torne um dia possível dar-se a si próprio o tempo
de vida que se quiser? Que vantagem poderia derivar daí? Sei que é um jeito de
provocar sorrisos afirmar que as pessoas morrem quando querem.
Uns preferem a morte à
vida, porque esta carece de qualquer sentido. Outros a preferem porque
atingiram um grau de plenitude humana a que o tempo não consegue mais oferecer
condições de progresso. O tempo pessoal está ligado ao progresso e mede-se por
ele. É bem certo afirmar que cada ser humano (adulto) se dá o tempo de vida que
quer.
Padre Marcos Bach
O AMOR É LIVRE
A quase totalidade das tarefas essenciais destinadas a manter a vida o
Criador confiou a suas criaturas. “Terceirizou” o processo procriativo de tal
forma que sua interferência nele parece não ser mais necessária. Só não
terceirizou seu amor. Reservou-se o direito de dar e de receber amor. O amor
dos homens é a única dádiva com que cada um de nós pode acrescentar algo de
substancialmente novo e original à pleníssima felicidade de Deus.
A ideia de que o amor de Deus se resume em dar e que, por não lhe faltar
nada, necessidade alguma tem de receber algo, revela que nosso conceito de amor
é pobre demais para ser projetado em Deus. Um presente ou dádiva que
corresponde a uma necessidade minha não é recebido com a mesma satisfação que
um presente de que não preciso. O fato de alguém precisar de Deus não glorifica
a mente de um dos dois, nem ao que dá nem ao que recebe.
O amor engrandece a quem o dá na medida em que vier a se tornar gratuito.
Torna-se puro na medida em que deixar de fazer parte tanto de uma necessidade
quanto de uma obrigação. Condicionar o amor conjugal à satisfação de uma
necessidade fisiológica não o fortalece, mas antes o empobrece mais do que se
pode pensar.
O amor só será autêntico
se for livre. Não exige esta liberdade, mas a cria e gera. A medida da
liberdade de uma pessoa é sua capacidade de amar.
Padre Marcos Bach
PRIORIDADES NO AMOR CONJUGAL
Toda vez que o homem entra como elemento funcional seja do que for, sua
realização sexual está comprometida. Onde o homem é objeto de uso não há lugar
para a sexualidade. A inseminação artificial é suficiente para assegurar os
objetivos biológicos essenciais.
O passo seguinte bem pode ser a proibição do
casamento, já que as suas exigências facilmente se dão mal com as do
desenvolvimento econômico a qualquer preço. A brutalidade, que caracteriza o
pensamento econômico, é o extremo oposto de tudo o que constitui a beleza do
casamento: uma beleza frágil e delicada como a do amor. Já faz tanto tempo que
o romantismo foi banido da atividade econômica por impróprio, que ninguém sabe
como e quando teve início este divórcio escandaloso entre atividade econômica e
a presença do amor.
Sendo o homem uma unidade psicossomática, torna-se
impossível compartimentar o seu espaço pessoal. Se este não fosse tão pobre e
de proporções tão medíocres, o dinheiro não iria exercer o fascínio que costuma
exercer sobre a ambição do jovem. Ou será que a juventude já se deu conta de
que é no campo econômico que se deve dar o início da mudança pessoal de
mentalidade, sem a qual não haverá nem poderá haver liberdade sexual genuína?
Enquanto o fator econômico estiver dominando o panorama social de maneira tão
absoluta e absorvente como está acontecendo, a vida sexual continuará a ser a
grande prejudicada. Que analogia e que parecença com um lar pode ter uma
moradia mobiliada primariamente de acordo com a situação social e econômica do
casal? Como sugerir a um casal, vendido a uma imagem social, criada e mantida a
duras penas e com sacrifício, que num lar só tem direito de entrar aquilo que o
amor está a postular?! É por isso que o lar há muito tempo, cedeu os seus
direitos às modernas “máquinas de morar”.
O divórcio entre os que projetam o
crescimento de nossas cidades e os movimentos de humanização do ambiente urbano
é total. A degradação do ambiente natural é um fenômeno que entra pelos olhos.
Existe ainda alguém que se preocupe com a urgente necessidade de recriar
recantos de espaço nobre para o intercâmbio amoroso dos casais? Ou será o
namoro tão vulgar e grosseiro, que qualquer lugar ou ambiente é bom? Será que o
acompanhamento estético não é requisito essencial?
Padre Marcos Bach
PERDOAR É AMAR
Perdoar é um ato de
amor. Não é um ato de poder,
o exercício de um direito. Quem se julga no direito de perdoar ou não, esqueceu o essencial da lição:
isto é, quem precisa perdoar por primeiro é aquele que cometeu a falta.
Perdoar a si próprio. É mais fácil aceitar o
perdão de outrem do que perdoar-se a si mesmo! É sinal de amor ir ao encontro
do outro para lhe facilitar o autoperdão, em lugar de tomar ares de anjo
magoado. De que serve berrar os seus direitos e desfiar os seus queixumes nos
ouvidos cansados do outro? Perdoar é assumir o pecado do outro, que também é
seu, em lugar de repetir até à náusea o gesto de Pilatos. O outro agiu mal. É
este o seu pecado. Mas eu me omiti. Por não
ter nada feito sinto-me inocente. Ou então: para ferretear ainda mais a
consciência do outro, me encapsulei numa fidelidade orgulhosa feroz. Não deixei
um “rabinho” por onde me pudessem agarrar. Estou na mais invejável das
situações: tenho todas as cartas na mão! A parada é minha: estou com todos os
trunfos! Que venha o cafajeste ou que venha a sem-vergonha e verá que comigo
não se brinca! Vou arrasá-lo(a) antes de lhe conceder novamente os meus
favores! Aqui já não nos defrontamos com o sofrimento de um amor ferido, mas
com os rompantes de um orgulho feroz. Não há lugar para o perdão.
A única condição para o
perdão a que Cristo se refere é o arrependimento (Lc 17,3-4). Não há necessidade de pedir perdão. Basta reconhecer o pecado,
a injustiça, a maldade da ação cometida. Não se pode obrigar alguém a pedir
perdão, como não se pode condicioná-lo a tal gesto sem ferir em sua estrutura a
dinâmica da reconciliação.
O nosso perdão permanece
contínua e antecipadamente disponível a quem dele necessita. Isso não o torna automático. Mas
dá-lhe a discreta dignidade dos gestos autenticamente humanos. Perdoar, neste
sentido, significa colocar-se acima do mal. É amar a todo ser humano em cada
pessoa. É a capacidade de não fechar nunca a via de acesso ao que no íntimo do
irmão há de melhor. É ser capaz de chegar a ele através do seu pecado. Na hora do perdão são duas consciências que
se reconciliam; dois corações feridos que se reencontram para além do ódio e da
indiferença, da injustiça e do desprezo. Perdoar é reconciliar-se.
Reconciliar-se é reatar os laços da solidariedade humana.
Perdoar é tudo isso, e muito
mais ainda.
In: "Evolução do Amor Conjugal" - Livro - Pe.JMBach - INEF/Vozes.
A SOBREVIVÊNCIA DO CASAMENTO
Um casamento só sobrevive se houver imaginação. Nunca a imaginação foi tão
necessária como em nossa época de transição cultural. É preciso reimaginar
constantemente o cônjuge e o relacionamento com ele. Aos quarenta anos nem ele
nem nós somos mais a mesma pessoa que aos vinte. Nossas necessidades
modificaram-se radicalmente. O romantismo epidérmico cedeu lugar à exaltação
mística. A paixão se alimenta de adjetivos. A comunhão mística reclama
substantivos. Ou, então, descambamos para um realismo pragmático em que a
carreira profissional e suas exigências dominam o panorama de ponta a ponta,
tomando conta então da parcela mais preciosa do tempo-espaço conjugal. O
casamento nestas condições não passa de acidente. Uns poucos adjetivos banais
bastam para manter-lhe as aparências. A fidelidade já não existe mais. Um
adultério a mais ou a menos não vai modificar substancialmente a qualidade do
relacionamento conjugal. O perdão neste caso perde todo o sentido, a não ser
que tenha sido dado de antemão. Perdão
mesmo, e não resignação, nem condescendência. Nada pior numa situação destas do
que a resignação. O perdão brota da fé. A resignação é filha da desesperança.
Todo casamento como todo e qualquer relacionamento interpessoal começa com um
ato de fé. Um ato de abandono total de si para reencontrar-se no outro. Um ato
de desprendimento total e não de posse. Tantos casamentos vão mal porque são
pensados e concretizados em regime de propriedade. A confiança substitui a fé.
Mas a confiança nestes casos é uma ilusão. Por isso prepara o caminho para a
desilusão ingênua. A crença de que o outro é incapaz de uma traição repousa
sobre um pressuposto falso. Julgar o outro incapaz de um deslize conjugal é
duvidar da sua liberdade. É tê-lo na conta de robô, de “Santo”.
Crer no outro envolve o perdão antecipado de todas as faltas. A
fé inclui, desde o primeiro momento, a fraqueza do outro. É a fraqueza que
torna o ato de fé autêntico. Isso vale também para a fé sobrenatural em Deus. É
a fraqueza de Deus, a sua aparente impotência perante o poder das trevas que
reveste a fé humana de sua identidade específica. Os canalhas e os patifes
levam a melhor e descaradamente passam a mão no que há de bom. É inútil invocar
contra seus desmandos o poder de Deus.
In: “Evolução do Amor Conjugal” - Livro de Pe. José Marcos Bach, sj - INEF/Vozes
O CASAMENTO COMO IDEIA MARAVILHOSA
O casamento é uma ideia
maravilhosa, cuja concretização, no entanto, raramente ultrapassa os limites da
mediocridade. A estupidez, a fraqueza moral e o egoísmo encapuzado esfarrapam a
filigrana cromática dos sonhos. Crer é ter a certeza de que o poder do amor é
maior e mais forte do que qualquer tipo de fragilidade humana.
Que ele tem a força de transformar uma pessoa em qualquer época da vida.
Esta fé, constantemente renovada, não é nem sequer aparentada com a resignação
enfermiça, fruto amargo de uma vida estiolada. O que torna a resignação
condenável é a ausência total de sentido crítico. Mata na pessoa algo de
essencial em qualquer relacionamento amoroso: poder amar através da crítica. Tira à crítica a
possibilidade de chegar até o amor. Até a centelha do amor que ainda arde no
coração do outro por debaixo das cinzas acumuladas pela agressão mútua. A
resignação torna impossível uma reconciliação de verdade. No momento em que
cada qual pensa em fazer valer os seus direitos, o amor já foi posto de lado.
Só pode haver ainda lugar para o confronto áspero e seco, formal e frio. Na
proporção em que este cede lugar à demanda, o casamento evolui em sentido
contrário ao que se pretende: a reconciliação se torna cada vez mais
impossível.
Para muitos a reconciliação é um ato pelo qual se passa um traço em todo
um capítulo do passado e se começa tudo de novo. Mas se nada há de novo para
ser recomeçado? Se nunca houve algo que valha a pena recomeçar? Recomeçar é mil
vezes mais difícil do que começar. No relacionamento amoroso a sensibilidade e
o sentimento, a ternura e o carinho são de importância decisiva. É algo que não
se pode improvisar do dia para a noite. Há casamentos que começaram mal. E não
são apenas aqueles que foram acertados na delegacia. O volume do ruído festivo
que marca o início social de tantas uniões não é de bom agouro.
O amor é discreto. E um
casamento de amor necessariamente será discreto também. O luxo e o amor se dão
mal. Festa do coração não necessita de aparato e ostentação. Muito ao
contrário.
In: “Evolução do Amor Conjugal” livro de Marcos
Bach,sj – INEF/Vozes.
PERDÃO MÚTUO
“Se o meu irmão pecar contra mim: quantas vezes lhe hei de perdoar?”.
Sempre? Com facilidade? Se lhe perdoar sempre, o perdão não vai virar rotina?
Se lhe perdoar facilmente não servirá este gesto para estimular novas ofensas?
Deverá ser este perdão incondicional? Ou deve estar condicionado ao esforço
sincero de melhorar? O perdão incondicional não exclui o arrependimento do
culposo. Ao contrário, o supõe, pois não pode haver perdão sem arrependimento.
Toda vez que voltamos a
nos referir a uma falta passada, já perdoada, provamos que o nosso perdão não
foi total e incondicional. Não voltar nunca mais a mencionar uma falta é sinal
de perdão incondicional.
Perdoar não é desculpar. Não tiramos a culpa ou a diminuímos no outro.
Isto é, não desculpamos o outro. Perdoar é remover a falta do outro de nossa
consciência, onde ela se tinha aninhado, refletindo-se negativamente, formando
uma barreira na estrada dos corações. A culpa do outro se levanta como um
obstáculo entre mim e ele, turvando a limpidez de meus sentimentos para com
ele. Estes perdem a espontaneidade e a liberdade de expressão. Quanto mais
amada for a pessoa, tanto mais consegue atingir a nossa sensibilidade. Ninguém
é capaz de nos ferir mais profundamente do que o ser que mais amamos. O amor nos torna vulneráveis ao
extremo. O desejo de fazer com que o outro sinta o quanto nos magoou,
leva-nos a adotar atitudes extremadas, por vezes até ridículas e infantis,
dificultando desta forma o perdão. O desejo de vingar-se tem o mesmo fito, o de
fazer ver ao outro que nos magoou seriamente. A incapacidade de interpretar
corretamente os gestos de reação do ofendido dificulta muito o perdão. A falta
de um dos cônjuges pode ser aproveitada pelo outro como pretexto para
justificar suas próprias atitudes falhas. Onde isso ocorre, as coisas estão
indo de mal a pior.
Para um bom casamento o perdão é indispensável. “Impõe-se a necessidade do
perdão, que é a força do amor capaz de conviver com as contradições e
superá-las de dentro”, diz muito bem Leonardo Boff (A Fé na Periferia do Mundo,
Vozes, 1978, p.31). Onde este virou rotina, o amor já não existe mais, o seu
lugar foi tomado pela indiferença. A indiferença é uma carapuça psicológica
para se defender das agressões de outros.
Perdoar não é esquecer.
Há faltas que não se esquecem tão facilmente. Em lugar de procurar inutilmente
esquecê-las, melhor seria transformá-las em lembrança tranquila e estimulante,
positiva e confortadora. Isso só o perdão e o reconhecimento humilde e sincero
da falta podem realizar. A indiferença não é que apaga a falta nem liquida a
culpa, mas o amor, e só ele é capaz de fazê-lo.
In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José
Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
FIDELIDADE CONJUGAL
A maior
ameaça ao casamento não é o divórcio, mas a infidelidade, à qual a indissolubilidade
é subordinada. O Código do Direito Canônico autoriza a separação de corpos no
caso de infidelidade. O que é a separação de corpos senão o início da
dissolução do vínculo conjugal? Se a infidelidade justifica medida tão radical
é porque a fidelidade se encontra no topo dos valores que fazem do matrimônio a
agência privilegiada do encontro com o Outro (no outro).
Pode-se conceber a fidelidade de maneira
estático-exclusivista. Nesta perspectiva é lícito considerar fiel o homem que
se contenta com uma só mulher. É o sucedâneo da fidelidade zoológica, que liga
machos e fêmeas em algumas espécies.
O simples fato externo de excluir do convívio sexual todas
as mulheres menos uma, não pode ser definido ainda como fidelidade. Mas é assim
que a entendem quase todos os casados e não-casados.
A exclusão
por si só ainda não configura uma situação de fidelidade. Em sentido próprio
ela é muito mais do que isso. É uma atitude interna de adesão definitiva a uma
pessoa, cuja realização passa a ser tão importante para nós quanto a nossa
própria. Pode-se definir como fiel uma esposa que só vive para o marido, mas
cujo mundo interior nada tem em comum com o dele? Que cumpre seu papel, dando
de si para além dos limites do estrito dever? Não basta!
O conceito dinâmico de fidelidade inclui algo a mais que é
o crescimento sexual da personalidade, isto é, o aumento contínuo da capacidade
de amar e de traduzi-lo em gestos.
Os gestos de comunhão sexual são basicamente os mesmos de
que o devasso e o libertino se servem para satisfazer seu egoísmo.
Estes gestos são limitados na forma. A pobreza de formas
não se contrapõe, no entanto, à multiplicidade e riqueza de sentidos, que podem
adquirir. A forma, por pobre e limitada, não limita o campo da linguagem, o
poder do símbolo. O significado não se prende à forma, nem está subordinado a
ela, mas a transcende infinitamente.
Quem dá finalidade a uma ação humana é a pessoa que a
realiza. Isso também se aplica ao relacionamento conjugal. Com isso fica
excluída como imprópria à categoria finalística quando se analisa a estrutura
do ato sexual no plano objetivo. Se a procriação fosse a finalidade natural
primeira do matrimônio, duas conclusões se imporiam:
- Cada ato conjugal deveria ser ao menos intencionalmente
fecundo.
- Fora do casamento esta obrigação, ou não existiria, ou
então continuaria a existir. Duas hipóteses igualmente inaceitáveis.
É um erro
tratar o matrimônio como abstração. O que de fato existe são pessoas casadas,
são vidas a-dois, tentativas de comunhão humana, esforços sempre renovados.
Em lugar de
perspectiva teórica, o peso deveria recair sobre o enfoque existencial. É um
exagero atribuir a cada ato conjugal ou sexual isolado a mesma importância que
à vida conjugal tomada como todo. A fidelidade não se prende ao ato isolado,
mas à existência conjugal toda. Por isso a infidelidade conjugal também não se
prende a um ato isolado.
Fora do contexto da fidelidade existencial os atos pouco
significado têm como manifestação de fidelidade ou de infidelidade. Os gestos
esparsos sempre ficam aquém da intencionalidade fundamental. O gesto isolado
não tem a capacidade de esgotar ou de trair a totalidade de um devotamento
existencial. Adultério não é apenas o contato genital extraconjugal.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
A ESTABILIDADE CONJUGAL SOB UMA NOVA ÓTICA
Os fatos dão a impressão de que a família e a vida conjugal
já não oferecem os mesmos padrões de estabilidade de outros tempos. Trata-se de
uma impressão enganosa.
Hoje é mais fácil pôr fim a uma situação matrimonial
minada pela mentira. Por isso hoje aparece à luz do sol o que em tempos idos se
ocultava no silêncio da resignação.
Naqueles tempos, as pessoas acreditavam no
valor da resignação cristã. Hoje são poucos os que ainda dão fé a tal tipo de
apelo virtuoso. A resignação só tem lugar na sombra dos espaços que o amor já
não ilumina mais.
A mulher resignada, sofredora contumaz, que não tem a audácia
de se opor à tirania do marido, seguramente não tem razões para se vangloriar
de virtuosa, ao menos por esta razão.
Não se nota um declínio de estabilidade
conjugal, mas a mulher de hoje não é mais a Amélia de ontem. Ou a Heloísa do
século XII. Tomou consciência de que a sua submissão resignada só serviu para
exacerbar o machismo do companheiro. Que suas virtudes cristãs e seus
predicados morais pouca ou nenhuma influência tinham sobre a vida moral do
companheiro. Que seu recato só serviu para justificar as aventuras
extraconjugais do marido.
A atual maré de dissolução conjugal, como a denominam os
donos da verdade, apresenta muito mais aspectos positivos do que negativos. A
famosa estabilidade conjugal de outrora, às mais das vezes, não passava de
mentira, cimentada com as lágrimas silenciosas de uma mulher sacrificada no
altar da virtude. Para a grande maioria dos homens a Amélia é que lhes convém.
Não pretendem trocá-la por outro tipo, seja no lar, seja no apartamento da
amante.
A estabilidade é imprescindível para o desenvolvimento da
vida conjugal. Não é a estabilidade a qualquer preço, imposta de cima. Mas a
estabilidade interior construída com esforço, sacrifício e renúncia, é verdade,
porém, que encontra sua maior força na ternura de um amor total. Uma
estabilidade que brota dentro da alma e, antes de ser estabilidade, é harmonia
interior, paz de espírito; compreensão plena do(a) companheiro(a) de jornada.
Aos poucos a estabilidade conjugal deixa de ser um
imperativo ético, para se transformar em decisão pessoal. A autêntica
estabilidade conjugal é como a indissolubilidade: resultado lógico e consequente
de um voo conjugal a grandes alturas.
In:
“Evolução do Amor Conjugal”- Livro de J.M.Bach
DIREITO AO CASAMENTO NATURAL
“Não podemos considerar automaticamente como sacramental
uma união entre duas pessoas batizadas”, diz Leo M. Crogham na revista América
no.7 (1968). “A união sacramental deveria ficar reservada àqueles católicos e
cristãos, que desejam verdadeiramente e pretendem uma união em Cristo. Só estes
deveriam estar sujeitos a um julgamento mais estrito” (por parte dos tribunais
eclesiásticos). O que aqui é posto na berlinda não é somente o automatismo
sacramental, mas a própria noção de sacramento.
Segundo a doutrina antiga da
Igreja (Alexandre III, Leão XIII), o matrimônio não-cristão também possui
caráter sacramental. Uma sacramentalidade natural derivada de sua origem
divina, claramente afirmada na Bíblia (Gênesis). Esta sacramentalidade de cunho
pré-cristão é apanágio de todo e qualquer matrimônio genuíno. É algo que de
direito pertence ao casal e do qual nenhuma instituição, seja qual for, pode
dispor a seu bel-prazer. Um cristão não perde nenhum dos direitos que são
próprios de sua condição de criatura. Uma ordem jurídica cristã não pode
apoiar-se no arbítrio e no autoritarismo. Não pode sacrificar direitos pessoais
em benefício de interesses ligados tão-somente à instituição.
É por esta razão que no mundo teológico vão se levantando
vozes condenando como desumana a rigidez com que a Igreja católica se comporta
frente à realidade matrimonial, ao concentrar sua preocupação em torno de
dispositivos de preservação, esquecendo na prática (e na teoria também) as
medidas de promoção. Mais indicado e muito melhor seria pensar mais nos casais
e menos no matrimônio. Que resta do sacramento quando a vida conjugal nada mais
é do que uma corrida pelo prazer e contra o tédio? Segundo a doutrina
tradicional um casamento se torna absolutamente indissolúvel quando é
sacramento cristão. Mesmo neste caso só depois de consumado. Por que a Igreja aplica o princípio da
rigidez com tanta obstinação num terreno onde a prudência aconselha um máximo
de maleabilidade?
Se um cristão continua tendo o direito de casar-se como todos
os não-cristãos se casam, por que obrigá-lo a assumir logo de início a carga
pesada de responsabilidades que decorrem da plenitude sacramental do matrimônio
cristão? Por que não lhe conceder um espaço de tempo inaugural? Casaria
(perante a Comunidade Cristã, mas ainda não em Cristo) segundo o direito
natural. Seu casamento seria legítimo, mas não indissolúvel “ab intrínseco”, ficando a Igreja com o
direito e a liberdade de dissolver o vínculo caso o desastre conjugal se
tornasse irremediável. A vida conjugal teria a bênção do Criador, bem como da
Comunidade Cristã; e a atividade sexual estaria sob o abrigo da lei natural. O
casal teria tempo de amadurecer na fé e no amor. Teria tempo para se conhecer
de perto, na intimidade. Tempo para se preparar para o dia em que resolvessem
dar o passo definitivo, a recepção da plenitude sacramental do matrimônio
cristão. Fariam uma opção nova, desta vez irreversível e definitiva. Seriam
incorporados ao sacerdócio testemunhal da Igreja, com a missão de testemunhar
perante o mundo a presença viva do amor divino, na transparência sacramental de
seu amor conjugal. Um ato solene, comparável à ordenação de um sacerdote ou à
profissão solene de um religioso. Creio que se as coisas fossem pensadas e
conduzidas nestes termos, a Igreja ganharia muitíssimo em credibilidade. Uma
instituição que se preza não pode tratar assunto de importância tão
fundamental, como é o casamento, com leviandade e falta de seriedade.
Não é muito frequente alguém associar o amor ao poder da
imaginação. Mas é o que Charles Morgan faz na obra já citada (Globo, 1959).
Enquanto a fantasia nos conduz à aparência das coisas pelo caminho da ilusão, a
imaginação, mais que a inteligência, tem o poder de nos conduzir até à
realidade, vencendo a barreira das aparências. Imaginar é ver pessoas e coisas
como realmente são.
Amar é, segundo Morgan, re-imaginar diariamente a pessoa
amada. Esta atitude é necessária, pois a pessoa amada (precisamente por ser amada)
permanece com a liberdade plena de ser ela e de construir para si uma
personalidade segundo o seu gosto. Só a imaginação nos dá a possibilidade de
nos situar adequadamente em seu mundo interior. A criatividade da imaginação
nos proporciona de contínuo perspectivas novas e novos meios de comunhão. Só a
sensibilidade infinita de uma ternura sem fim nos dá a coragem e a audácia de
confiarmos o futuro do nosso amor às asas lépidas da imaginação e da liberdade
em lugar de assegurá-lo por outras vias. Esta genialidade do amor é bem rara,
mas existe. A imaginação não nos fornece conceitos e teorias. Desperta em nós a
capacidade de percebermos o significado simbólico das coisas e das pessoas. O
símbolo fala enquanto cala. Seu silêncio é tão eloquente porque nos dá acesso à
realidade, para além das figuras, das sombras e aparências, onde a lógica
pretende estacionar o nosso pensamento. Sem a penetração poderosa da imaginação
não pode haver acesso à compreensão simbólica do matrimônio, onde o grande
mistério de Deus se funde com o pequeno, porém maravilhoso mistério da comunhão
sexual humana.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj. – INEF/Vozes.
UMA PEREGRINAÇÃO A-DOIS
Visto sob o ângulo existencial, o casamento pode ser muito
bem definido como caminhar a-dois. Uma peregrinação a-dois pela Terra dos
homens. Quem fala em peregrinação não pensa em turismo ou excursão. É bem o
oposto que lhe ocorre à mente. Também não pensa em romaria ou procissão, parada
ou desfile. Peregrino é alguém que escolheu em definitivo o mundo como pátria.
E por isso sente-se e é tratado como estranho em qualquer lugar do mundo. Só se
sente em casa onde encontra pessoas imbuídas do mesmo espírito. Dá preferência
à companhia e às pessoas, em lugar de se prender a coisas e lugares. Qualquer
lugar é bom, diria, desde que nele se encontre ao menos uma pessoa maravilhosa.
Creio que nenhuma religião sublinha e ressalta tanto o caráter
peregrino da condição humana quanto o cristianismo. O que define a condição
peregrina do homem é a primazia que dá às pessoas em oposição a tudo o mais. O
espaço e o tempo físicos já não são a sua pátria, seu habitat humano, mas o
espaço-tempo pessoal. Visto sob este prisma, o casamento é antes um gesto de
desinstalação definitiva do que outra coisa. É um pôr-se a caminho na companhia
maravilhosamente estimulante de alguém que nos cativou em definitivo e que nos
arrebata consigo para os caminhos da aventura. Há um roteiro, mas não existem
estradas. Não há nada pronto e feito. Tudo deve ser construído a-dois. Casar
significa, nesta perspectiva, começar tudo de novo, mas a-dois. Seu início
muito se parece com o nascimento.
Aonde são conduzidos os passos do casal peregrino? Não a um
outro mundo, mas a uma plenitude. A um momento (que não é instante) onde tudo o
que foi vivenciado, saboreado e construído ao longo da jornada se torna
simultânea e definitivamente presente. É o amor, que une e fascina o casal, a
fonte reveladora do termo final da jornada conjugal. O amor tem o poder de dar
sempre menos do que promete. Isto é, de prometer sempre mais do que dá. Isso o
dota de uma força de empuxo extraordinariamente poderosa. É próprio do amor
abrir espaços sempre mais amplos para a realização do encontro de pessoas. À
medida que o casal avança, o termo final de sua esperança se aproxima e aumenta
o seu poder de sedução.
Numa
caminhada a-dois o ritmo é coisa muito importante. Caminhar no mesmo passo,
lado a lado, sob o impulso do mesmo ritmo interior, é algo de que depende
simplesmente o êxito da jornada. Tanto isso é verdade que se pode atribuir ao
fenômeno da “disritmia conjugal” uma boa parte dos colapsos matrimoniais.
Importante
ainda é a companhia. Não a presença de expectadores, de “policiais de
trânsito”, etc. Mas a presença de companheiros de jornada. Outros casais
metidos na mesma aventura. Sua companhia é essencial, muito mais importante que
a de algum Diretor Espiritual ou coisa parecida. Em Cristo, Deus se fez
peregrino também. Caminha ao nosso lado no mesmo passo que nós, visível e real,
na companhia de nossos irmãos de jornada. Quantas mãos se poderiam juntar e
unir, transformando a solidão opressiva de cada casal em jubilosa comunhão de
jornada espiritual!
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj
O CASAMENTO COMO IDEIA
Talvez seja mais apropriado definir o casamento como o
definiu Charles Morgan em O Quarto Vazio (Globo, 1959): uma ideia. Uma Ideia.
Um desses pensamentos maravilhosos que explodem na mente,
ou nela se acendem lentamente, e que, uma vez nascidos, se negam obstinadamente
a morrer.
Um desses
lindos pensamentos com perfume de flor, que iluminam com sua luz nossa vida de
um extremo ao outro, dando-lhe um sentido e um significado, que antes não
possuía.
Um desses pensamentos únicos, geniais e originais, que só
nos avassalam com o seu fascínio em muito poucos e privilegiadíssimos momentos
da vida.
Por que não
definir o casamento como ideia nascida do amor e inspirada por ele?
Um dia um jovem casal de namorados descobriu que só a
eternidade é capaz de oferecer espaço adequado à sua união amorosa.
Ocorreu-lhes então a ideia de eternizar o seu amor, de
transferir-se do tempo para a eternidade; veio-lhes a ideia de não permitir que
o tempo (físico) minasse por baixo a pureza de seus sentimentos.
Da ideia passaram à decisão. Da decisão para a ação.
Elaboraram com amoroso esmero um projeto
de vida a dois.
Descobriram, com a lucidez, que só o amor confere à razão que
nada de verdadeiramente grande e digno do homem pode ser feito sem amor.
Que onde homem e mulher não se unem, fundindo suas
essências numa só, apenas há lugar para a estagnação e a morte.
O amor os
atingiu no âmago de suas consciências. Fizeram, no mais íntimo do seu ser, uma
descoberta metafísica: a alma do Universo é formada e alimentada, desenvolvida
e levada à sua plenitude final pela síntese
do masculino com o feminino! Uniram as suas consciências e passaram a orientar-se
de acordo com o princípio da fecundidade Universal.
Chegaram à conclusão de que esta é a fecundidade própria da
união sexual humana, da qual a procriação é apenas um aspecto de segunda ordem.
Toda a
fecundidade humana é de natureza espiritual, cósmica e social. A procriação
pode-se alcançar sem a participação pessoal do casal humano (bebê de proveta).
Mas no plano espiritual não existe a mínima chance para qualquer tipo de
“inseminação (ou fecundação) artificial”. Através desse tipo de raciocínio,
nosso hipotético e imaginário casal de noivos atingiu a essência do matrimônio.
Não é mesmo?
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
CONTRATO OU PACTO DE AMOR?
Se o
casamento não é contrato, o que é então? Ora, um compromisso pessoal. Um pacto
de amor. Uma aliança. E qual a diferença entre um contrato e um compromisso? Um
contrato gira em torno de coisas, de objetos, de prestações de serviços. O
respeito à reciprocidade de deveres e direitos é condição essencial. Um
compromisso é de natureza pessoal, gira em torno de pessoas.
O casamento,
quando contrato, tem como objeto primário o ato sexual e indiretamente tudo o
que se relaciona com ele. O casamento-compromisso tem como objeto primeiro a
realização da pessoa amada. O contrato se concretiza no plano existencial, na
prestação de “débito conjugal”. É assim que o Direito Canônico define o ato de
amor.
Quando
existe mentalidade de compromisso, intenção de fazer do casamento uma aliança
pessoal e um pacto de amor, o ato conjugal perde seu caráter de prestação
obrigatória de um dever contratual. Nesta perspectiva, e só nela, o ato
conjugal assume a sua verdadeira identidade de ato gratuito de amor.
Demonstração de amor, e, nunca, sob hipótese alguma, prestação obrigatória de
um serviço, previsto e definido em contrato.
A concepção contratual peca em três frentes: no plano pessoal, onde deixa de lado
todos os elementos pessoais, de cunho biográfico; no plano moral, onde reduz a faixa da criatividade pessoal; no plano do espaço da liberdade e no papel da consciência. Há muita pouca coisa sem
maior importância. O sistema moral, subsidiário dessa concepção, ocupa-se mais
com os aspectos formais da relação conjugal do que com a sua qualidade.
Qualifica o bem (família numerosa = sinal de generosidade!), liga pouca
importância aos aspectos intencionais, conscientes e/ou subconscientes da
relação conjugal. Não temos o direito de definir mal e inadequadamente as
coisas só porque foram definidas assim durante mil anos, ou mais. Uma má
definição não se corrige, substitui-se por outra. Isso, porém, se torna
praticamente impossível quando transferimos para ela a rigidez dogmática das
coisas decididamente definidas. Sob o
aspecto religioso há a reparar que a natureza sacramental do matrimônio se dá
mal com a concepção contratualista.
In: “Evolução
do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach,SJ – Vozes/INEF.
DESAFIO DO PENSAMENTO EVOLUTIVO
O
reflexo do pensamento evolutivo sobre a maneira mais inteligente e mais humana
de organizar a vida sexual constitui um dos grandes desafios morais à espera de
resposta por parte do homem.
O
pensamento estático-fixista considera os opostos (o bem e o mal, por exemplo)
realidades que se excluem radicalmente. Ou uma ação é boa ou é má. Não admite
meio-termo. O pensamento evolutivo é, ao contrário, dialético. Não pensa os
opostos em termos radicalmente irreconciliáveis. Prefere encarar o
comportamento como sendo sempre simultaneamente bom e mau. Não acredita na
perfeição, nem como fato, nem como ideal. Não crê no bem absoluto. Nem no mal
absoluto. A história dos homens é feita, segundo a sua opinião, de gestos e
feitos de difícil qualificação moral. O bem e o mal que os homens praticam, fazem
parte da mesma história, a História da Salvação. Convergem para o mesmo
objetivo. Por isso o pensamento evolutivo favoreceu um certo “ecumenismo” ético
e teológico, num sentido frontalmente contrário ao pensamento integrista
oficial da Igreja católica no início deste século e fins do século passado.
No
terreno sexual o pensamento evolutivo conduz à rejeição da concepção dualista,
que lhe é completamente estranha e, inaceitável, em virtude do seu radicalismo
maniqueísta. É evidente que tudo vai se apresentar à compreensão do homem de
maneira muitíssimo diferente, conforme o ângulo e a perspectiva em que se
coloca. As instituições (e seus representantes) costumam definir-se a si e a
seu campo de interesses a partir de uma perspectiva que terminam por
absolutizar. Qualquer mudança, em nível institucional, será sempre um pequeno
milagre de coragem. Os indivíduos possuem, sob este aspecto, uma liberdade de
movimentos muito maior.
A Igreja católica, bem ao contrário
dos regimes autocráticos e totalitários, permite a seus membros uma liberdade
de pensamento verdadeiramente invejável. Pena é que tão poucos pensadores se
disponham a ocupar criativa e ousadamente este espaço reservado à liberdade de pensamento.
In: “Evolução do Amor Conjugal” Livro de Pe. José Marcos Bach, SJ – Vozes/INEF
O ESPAÇO ILIMITADO DO AMOR
Falamos do amor sem
saber bem do que estamos falando. Achamos que amar é a coisa mais fácil e
natural do mundo. Se assim fosse, haveria menos divórcios e o número de
“meninos de rua” seria muito menor. Chamamos de amizade relacionamentos
superficiais e passageiros, mais precários do que namoro de adolescente.
Esquecêmo-nos de que a “amizade” (Philia,
em grego) pertence a uma categoria afetiva de ordem superior. Atribuímos ao
amor erótico e à libido um poder de sustentação psicológica que eles na verdade
não possuem.
A essência da amizade
está no sentimento mútuo de admiração, cujo objeto não é apenas a beleza
física, mas, acima de tudo, a beleza da alma. Por ser alicerçada numa forma de
beleza que nem o tempo nem a velhice conseguem apagar, a amizade possui uma
solidez que nem o mais apaixonado sentimento erótico é capaz de igualar.
Como a base em que o
amor-amizade se apoia é de natureza espiritual e se encontra no interior da
pessoa, este amor escapa da ação deletéria da entropia. A passagem do tempo não
o atinge. Sobrevive muito mais facilmente a crises do que o amor erótico. Isto,
no entanto, não significa que pode contar com uma espécie de “seguro
automático” contra acidentes.
Todo relacionamento
amoroso mais se parece com uma planta viva do que com qualquer outra coisa. Uma
planta necessita de nutrientes que lhe permitem realizar as trocas sem as quais
não lhe seria possível renovar-se e crescer. Todo organismo vivo começa a
envelhecer a partir do momento em que deixa de crescer. Um amor que não cresce
está fadado a morrer! Não basta amar, é preciso amar cada vez mais. Mais e
melhor!
O espaço que o amor pode
ocupar é ilimitado. Pode crescer tanto em intensidade quanto em qualidade. O
medo de “amar demais” é totalmente infundado. Tanto sob o aspecto intensivo,
quanto extensivo, existe ainda “terra virgem” e inexplorada a perder de vista.
A maior parte do nosso inconsciente é um “farwest”
de cuja existência só temos noções muito vagas e de cuja riqueza nem sequer
suspeitamos. Águas que não se movimentam estagnam e acabam apodrecendo. Assim é
o amor: condenado a ser sempre o mesmo, torna-se monótono. Não há provavelmente
terreno algum em que a monotonia seja mais funesta do que no terreno do amor.
Vivemos mergulhados numa natureza onde tudo vibra, se move e se modifica. A
natureza é criativa: basta atentar para o fenômeno da biodiversidade para
termos uma ideia de quanto é original e criativo o universo em que vivemos. – Pe.
J. Marcos Bach, SJ.
O CARÁTER INTRINSECAMENTE ESPIRITUAL DA SEXUALIDADE
Entre seres humanos o impulso
sexual se manifesta como necessidade
psico-fisiológica e como necessidade
espiritual. Como desejo de prazer
e como desejo de amor! Como ânsia de
se realizar e de se encontrar consigo
e simultaneamente como ânsia de se perder
no amor de um outro!
Este fato confere a toda
relação sexual um caráter ambíguo de conquista
e de perda. O desejo sexual é violento e impetuoso. Entregar-se a ele
é o mesmo que perder por uns instantes o autodomínio e a liberdade. O prazer
sexual aproxima a pessoa do animal que ela ainda continua sendo. Por isso o
prazer sexual devolve as pessoas a um estágio evolutivo bem mais primitivo do
que o estágio que a humanidade atingiu em outras áreas.
Um certo pudor de natureza
espiritual levou a humanidade a fazer da atividade sexual uma ocupação
tipicamente noturna. Na atividade sexual humana entra em ação um elemento novo
que em certa medida se opõe à selvageria do desejo. Este elemento é o amor.
O amor não é inimigo do
prazer, mas se destina a humanizá-lo. É o amor que dignifica e humaniza uma
relação sexual entre homem e mulher. Perde seu tempo e seu latim o casal que só
se preocupa com a qualidade e intensidade do seu prazer. Só o amor mútuo pode devolver
a uma relação sexual um prazer digno de seres racionais.
Isolar o prazer do amor é tão
insensato quanto isolar o amor do prazer! No convento nos deparamos com pessoas
que praticam um amor sem prazer. No mundo da prostituição a regra é o prazer
sem amor! No convento é proibido um membro da comunidade se apaixonar por
pessoa do outro sexo. Num prostíbulo toda prostituta é proibida de se apaixonar
por um dos seus muitos fregueses. Daí dá para concluir que a distância que
separa um convento de um prostíbulo é muito pequena. Onde o prazer é proibido o
amor também é proibido. E onde o amor é proibido só pode haver espaço para as
formas mais selvagens e as manifestações mais primitivas e animalescas do
prazer sexual. O grande desafio à espera de solução é o seguinte: como levar um número crescente de pessoas a
uma vida que seja ao mesmo tempo extremamente prazerosa e do mais elevado nível
psico-moral!?
Artigo de Pe.
José Marcos Bach,SJ
DESPERDÍCIO DE ENERGIA ESPIRITUAL
A um cristão não pode ser permitido em nome de Cristo o que
a nenhum ser humano é lícito tolerar: o desperdício incrível de energia
espiritual menos por excessos do que por omissões, cometidos no campo sexual.
É algo que deveria impressionar muito mais os espíritos
lúcidos do que qualquer outro tipo de crise energética.
Os anos de vida conjugal vão passando, sem que o desejo dos
sentidos se transforme em paixão e ternura;
Sem que estas se transformem em amor e amizade;
E sem que o amor se desdobre em afeição, serviço, oblação e
comunhão.
Quantas vidas apresentam no campo sexual o quadro de uma
realidade marcada pelo marasmo, pela imobilidade e fixação em níveis
pré-humanos de relacionamento sexual.
São vidas que não se desenrolam, porém, ao contrário, vão
se enrolando cada vez mais.
Para a reta compreensão desta tarefa é preciso ter em mente
que o espaço sexual humano é o da liberdade.
E esta não se mede a partir do número de possibilidades de
posse e escolha, mas a partir do grau de desprendimento e da capacidade de
ampliar constantemente o espaço não-possessivo em benefício da dinâmica
oblativa.
Sem uma dose bem sacudida de ascese e renúncia não é
possível dar, no terreno do relacionamento sexual, nenhum passo significativo
para frente.
No momento, porém, em que esta ascese tira do casal o fruto
mais belo do seu amor, a alegria de viver, ela deve ser repelida como contrária
ao espírito cristão.
A sede de consumo maciço pouco espaço deixa no espírito do
homem de hoje para a abstenção e a renúncia.
Despojada de seu significado religioso, a vida se torna em
luta sem quartel pelas melhores fatias do bolo econômico e social.
Quando se transforma o campo sexual em área de competição
e/ou de exploração hedonista, em lugar de reservá-lo exclusivamente para o
lazer e a vivência gratuita e espontânea do amor, o desastre social não passa a
ser mais que uma questão de tempo.
Tanto é urgente e necessário opor um dique ao permissivismo
liberaloide e suicida, quanto às tentativas dos sistemas totalitários de
atrelar a sexualidade ao carro-chefe da produtividade.
Pe. José Marcos Bach, SJ
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