A AUTÊNTICA COMUNIDADE CRISTÃ
A tentação de transformar uma Comunidade Cristã num “terreiro” e num centro de curas é por demais insistente para que alguém permaneça imune a ela. Igualmente grande é a tentação de usar a Comunidade Cristã como palco destinado a tirar a fé cristã da obscuridade: o assim chamado marketing religioso está se tornando moda em grande número de Igrejas “cristãs”.
Quem mais sofre com este tipo de “apostolado” é a verdade. Numa celebração destinada a empolgar multidões só pode haver espaço para aplausos e slogans. Nelas a dimensão crítica da fé cristã é sistematicamente excluída. Lá tudo é motivo de exaltação emocional, como se o essencial da fé cristã consistisse em louvar a Deus e em entoar aleluias em sua honra.
Jesus não era frequentador assíduo do Templo, um lugar santo onde era proibido contestar e criticar. Mas podia ser visto em Sinagogas. Nelas era permitido questionar, discordar. Havia nelas lugar para a voz do profeta. Por onde ia, Paulo incluía a Sinagoga em seu roteiro apostólico.
A Sinagoga judaica é o espaço religioso mais próximo do que o apóstolo Paulo entendia por Igreja ou Comunidade Cristã. Era e continua sendo até hoje um centro aglutinador de um povo disperso e sem pátria. A perseguição e o ostracismo social sempre fizeram parte da sua vida de povo “errante”. A Sinagoga era o lugar onde a comunidade judaica reacendia sempre de novo a sua esperança messiânica e sua fé nas promessas feitas por seu Deus.
Uma Igreja ou Comunidade Cristã é, no entanto, um espaço religioso diferente. No centro da religiosidade cristã a esperança deixou de ser expectativa e passou a ser sinônimo de posse e certeza. A palavra grega pleroma, isto é, plenitude, tão frequente nas cartas de Paulo, caracteriza a diferença que existe entre uma Comunidade Judaica e uma Comunidade Cristã. Entre uma Sinagoga e uma Igreja. O grande mérito de Paulo consiste em ter sabido somar o que podia ser somado, em sintetizar o que podia ser sintetizado. E em excluir e deixar de fora o que não se ajustava ao Espírito da Nova Ordem inaugurada por Cristo.
O que para um judeu é motivo de saudade e de expectativa, passou a ser no seio de uma Comunidade Cristã motivo de júbilo e de gratidão. Para um judeu o essencial da História da Salvação ainda está por acontecer. Embora admita que o essencial já tenha acontecido, o cristão “progressista” sabe que sua fé não lhe garante um futuro tranquilo e sem conflitos. Tem a consciência de que até a mais idílica das Comunidades Cristãs não será um lugar apropriado para quem gosta de estar de bem com Deus e todo o mundo.
A fé cristã não oferece soluções mágicas ou definitivas. Numa Comunidade Cristã tudo é tão provisório, imperfeito e inacabado quanto numa Sinagoga judaica.
No Concílio Vaticano I (1869-70) a Igreja católica insistiu em se autodefinir como “Societas Perfecta”. Quase um século mais tarde o Concílio Vaticano II (1962-65) já fez questão de salientar o caráter transitório das instituições eclesiásticas.
Grande parte do que é considerado definitivo e eterno por canonistas e burocratas apressados, na realidade é tão relativo e transitório quanto o é qualquer meio em relação ao fim. O fim é a instauração do Reino de Deus na Terra dos Homens. Igrejas e instituições eclesiásticas nada mais são do que meios. É do fim que os meios recebem a sua legitimidade.
Missão essencial de toda Comunidade Cristã é tornar visível a presença do Amor Divino na vida dos homens. Pregar a Cristo no conceito de Paulo é anunciar à humanidade o advento de uma Nova Era nas relações do homem com Deus e dos homens entre si. Por isso não merece ser considerada cristã uma comunidade que se comporta como se o mundo ao redor dos seus templos não fizesse parte das responsabilidades de sua missão apostólica.
Padre Marcos Bach
O QUE TORNA O TRABALHO HUMANO
O trabalho braçal, repetitivo
e mecânico exigem pouca inteligência e nenhuma criatividade. Em vez de elevar o
espírito e aprimorar a inteligência, contribui antes para degradar a quem o
realiza nestas condições.
Não é o trabalho em si que
deprime e degrada, mas o modo como é feito e a intenção que o motiva. São
aspectos de ordem subjetiva que distinguem o “trabalho” de uma formiga do
trabalho humano.
São cinco as condições
subjetivas requeridas para que se possa qualificar uma atividade do homem como
humana, a saber: que seja racional, consciente, livre, realizada com amor
e que reverta em felicidade.
Nem tudo o que o homem faz é
humano, afirma Santo Tomás de Aquino. Grande parte do que as pessoas
habitualmente fazem ou é subumano ou semi-humano.
É muito difícil encontrar uma
pessoa que aja e se comporte sempre e em tudo de acordo com as possibilidades
reais de sua condição humana. Quando não age impelida por emoções, age pensando
apenas em seus próprios interesses.
Ou não sabe o que está
fazendo, nem tem ideia do que deveria estar fazendo, então se submete
passivamente a uma rotina de trabalho da qual não sabe nem quer evadir-se.
A rotina é a bengala do
preguiçoso. Tudo o que se torna rotineiro já não merece mais o qualificativo de
humano.
Se o homem fosse uma
“máquina” sem alma própria ou um animal um pouco menos animal que um chimpanzé
bonobo, bastaria colocá-los a todos numa procissão.
Uma procissão obedece a um
roteiro preestabelecido. A ninguém é permitido caminhar mais ou menos depressa
que os outros. A procissão é um fenômeno típico do mundo animal. Só pessoas
despidas de qualquer senso criativo amam procissões, espetáculos de massa, onde
só existe espaço para aplausos.
Quem trabalha submetendo-se
passivamente a exigências e condições que sua consciência pessoal desaprova não
merece ser classificado como “herói do trabalho”.
Aquele que trabalha numa
empresa em que o nível de consciência de dirigentes e trabalhadores se encontra
próximo do zero, fatalmente acabará pensando e agindo como eles. Sua situação
subjetiva será afetada paulatinamente pela atmosfera da empresa. Colocará a
eficiência no lugar do bem e a pragmática no lugar da ética.
Padre
Marcos Bach
O AMOR ACIMA DE TUDO
O amor se manifesta nos
seres humanos sob as mais variadas formas. O amor é a base de todo e qualquer
relacionamento do homem com o universo em que vive. O amor é uma forma de tomar
consciência tanto de si mesmo como do universo que nos cerca. É amando que
descobrimos a distância que no campo evolutivo nos separa do nosso primo mais
próximo que é o chimpanzé bonobo! É amando que descobrimos a nossa verdadeira
natureza!
Quem não aprende a arte
de amar, jamais saberá quem ele é! E
o que é pior: jamais saberá o que fazer com a vida que traz em si!
Confrontado com uma
galáxia, sentir-se-á esmagado por ela! Confrontado com a fugacidade do tempo de
vida com que pode contar, sente-se ludibriado e traído, pois em seu íntimo mais
profundo sente-se chamado à imortalidade!
Todo o seu ser resiste
com tenacidade indomável à ideia de morte! É comovente assistir à luta de um
doente em fase terminal por uns poucos dias a mais de uma vida que já não
merece este nome.
Temos que recordar o
seguinte se queremos ter uma ideia da diferença que existe entre a vida de um
chimpanzé e a de um representante da espécie Homo. Um chimpanzé passa o dia comendo e procurando comida. Emprega
seu tempo livre para se divertir com as fêmeas do seu grupo, e não tendo o que
fazer, deita-se na grama e contempla o mundo de papo para o ar. A felicidade de
um chimpanzé está em ter o que precisa para satisfazer suas necessidades!
O trabalho merece um
lugar de destaque na lista dos fatores de alienação social e psicológica toda
vez que consome mais tempo do que o estritamente necessário para o sustento.
Torna-se fator de alienação moral na medida em que dificulta ou até mesmo
impede o contato com outras pessoas e a comunhão interpessoal!
Não é o trabalho em si
que aliena as pessoas, mas o fato de induzi-las a se esquecerem do sentido último da vida humana. O ser
humano não foi feito para trabalhar.
Foi feito para muito mais do que gastar a parcela mais nobre da sua vida
preocupado “com o que comer e com que vestir-se” (Lc 12,22).
Há entre as atividades
humanas um leque bem grande de alternativas. Meditar é melhor do que lavrar o
chão, diz o monge budista. Rezar é melhor do que fabricar metralhadoras, diz o
monge católico. Escutar a Palavra de Deus e meditá-la é melhor do que servir a
Deus, diz Jesus. Maria foi mais inteligente que Marta, pois escolheu a parte
melhor. Quem o disse foi o próprio Mestre Divino.
Muitas e contraditórias
são as necessidades do homem. Infeliz é aquele que corre da cozinha à sala de
visitas sem saber como sair da confusão.
Maria nos ensina que
sentar-se os pés de Jesus e escutá-Lo é mais importante que correr atrás do
relógio!
“Ama e faze o que
quiseres”, dizia Santo Agostinho, dando a entender que até o mais bem elaborado
código de moral é incapaz de suprir a falta de amor!
Destruir o universo todo
seria fácil se fosse possível destruir o Amor, pois “a natureza suprema do
universo é uma energia de amor” (David Bohm).
Quem quisesse destruir o
universo teria que destruir primeiro o seu Criador, pois “Deus é Amor”, diz o
apóstolo João (I Jo 4,16).
O amor é a energia mais
potente e poderosa do universo (Gandhi), pois sua fonte primordial é o próprio
Deus! É da natureza do amor ser eterno! É indestrutível por natureza! Quando um
casal se divorcia alegando que o amor morreu, não está constatando um fracasso,
mas confessando uma mentira.
Padre Marcos Bach
COMO SAIR DO IMPÉRIO DA SUPERFICIALIDADE
Poucos de nós sabem o que é amor. Contentamo-nos com
muito pouco! Agimos como o garimpeiro: ciscamos a superfície na ilusão de que
abaixo dela não existe mais ouro que valha a pena trazer à tona.
Mais ricas do que as reservas de ouro do nosso
planeta são as reservas de amor ocultas na alma de cada ser humano, pobre ou
rico, bom ou mau, religioso ou não. Na verdade, não passamos de “faiscadores” e
de escaravelhos empenhados mais em explorar a superfície de nossas vidas e a
casca de nossas personalidades!
Nossa civilização é recente e sempre se esmerou em
cultivar de preferência valores de superfície. A fachada externa dos templos do
progresso era vista e tratada com um carinho que o seu interior não podia contar!
Superficial e de fachada: é isto o que é a nossa civilização, da qual tanto nos
orgulhamos. Ela nasceu decadente e já teria desaparecido não fosse o alento
adicional que o cristianismo lhe veio trazer.
A nossa é uma civilização caduca, além de condenada à
extinção! E por quê? Porque se fixou na matéria, em vez de priorizar os valores
do espírito. Porque priorizou a ânsia de ter,
em lugar do ser! Porque ofereceu aos
homens uma falsa segurança. “Deem-nos a sua liberdade e o seu tempo, e nós
cuidamos da sua segurança!”. “Desconfiem
sempre de si mesmos e ponham toda a sua confiança em nós! Somos os acólitos do
Grande Inquisidor! Conhecemos a natureza do homem melhor do que Cristo. Os
homens não sabem o que fazer com a sua liberdade! Por isso nós tomamos conta
dela! Ao privar os homens de sua liberdade, colocamo-los no único caminho capaz
de levá-los a um futuro melhor!”.
É com discursos deste tipo que movimentos religiosos
de impronta fundamentalista estão
bombardeando as consciências de seus “fiéis”. A realização plena de cada
indivíduo humano é o resultado de um ato interno de submissão a um poder
externo. É esta a tese fundamental de todo sistema totalitário.
A tomada de distância em relação a todas as instituições
que impedem as pessoas que entrem em seu
interior, que confiem em si mesmas e que se amem a si próprias, é pré-requisito
e conditio sine qua non para todo aquele que deseja participar da grande aventura
espiritual que está tendo início.
Uma boa hora de
introspecção séria e crítica é suficiente para mostrar a alguém o quanto ele é
um galé amarrado. Amarrado como o galé a bordo de um navio. Só pode
movimentar-se dentro de um pequeno espaço determinado pelas necessidades da
embarcação. Se esta “embarcação” se chama Estado, Partido ou Igreja, pouco
importa. O importante é impedir que a tripulação assuma o comando do “navio”.
Padre Marcos Bach
TRANSFIGURAÇÃO DA FÉ INFANTIL EM ADULTA
Quem tem amor à vida, ama o movimento, o intercâmbio
e a novidade. A vida só se realiza onde acontecem a reprodução e a mutação. É exatamente isto que estou propondo ao
benévolo e paciente leitor deste escrito: “Não renegue o passado”! Não abandone
a tradição, mas aprenda a fazer dela ponto de partida e não termo de chegada! O
futuro da Igreja depende da capacidade do povo cristão de transfigurar um tipo
mais infantil de fé em outro, mais adulto. Toda vez que um católico transfere a
solução dos seus problemas de fé ou de moral a outros, está traindo a si
próprio. Até certo ponto é lícito afirmar que cada cristão é seu próprio papa.
É evidente que com gente que vive em cadeiras de rodas e que só sabe
movimentar-se quando movido por outros, não será possível construir outra
Igreja diferente daquelas que temos. Precisamos de outro tipo de cristão (pois
o problema não é exclusivo da Igreja católica). A maioria deles é composta de
pessoas que se dizem cristãos, mas na realidade não o são. A culpa é menos
deles do que dos que se contentaram com uma Igreja povoada por este tipo de
cristão “mal batizado e mal convertido”.
O primeiro passo a ser
dado por quem deseja participar da gênese de um novo modelo de Igreja consiste
em sair à procura de companheiros e comprometer-se juntamente com eles num
projeto comum, cujo objeto é a constituição de uma comunidade de irmãos
solidários uns com os outros, isto é, uma família de irmãos e irmãs em Cristo
da qual se possa dizer o que se dizia das primeiras comunidades cristãs: “Vede
como eles se amam”!
Só um amor tão solidário
e tão generoso como o de Jesus é capaz de manter coesa e unida uma família
espiritual cristã. Uma vez constituído este grupo, seus membros passam a viver
menos em função da sua salvação pessoal do que nos aspectos comunitários do
processo de salvação cristã, do qual
não se consideram mais apenas beneficiários, mas agentes ativos, cada qual tão
responsável pelo todo quanto os demais.
O que caracterizará este novo corpo eclesial (“igreja”, no sentido paulino) é seu
caráter apostólico, sua tendência a gerar novas “igrejas”, bem de acordo com a
tática dos primeiros apóstolos. A preocupação central de uma comunidade assim
constituída está voltada menos para o bem particular dos membros desta
comunidade do que para a missão que lhe cabe cumprir. Em outros termos: é da
essência de toda genuína comunidade cristã ser missionária!
Assim como as células de um corpo são diferentes e
não possuem funções iguais, do mesmo modo há lugar na Igreja universal para
tipos variados de igrejas e de comunidades locais. Esta diferenciação é tão
essencial quanto a unidade. Sem ela a unidade se transformaria rapidamente em uniformidade. Não há, portanto, na
Igreja lugar para um único modelo de microcomunidade eclesial. Consequentemente
é insensato pensar a Igreja em seu todo como um macroorganismo social pronto e
acabado.
O Concílio Vaticano II já não apresenta mais a Igreja
como sociedade perfeita nos termos aprovados no Concílio Vaticano I, um século antes.
Hoje já falamos da Igreja como federação de igrejas, de pequenas comunidades
locais. É neste sentido e nesta direção que se dará no futuro a Renovação da
Mãe Igreja.
Padre Marcos Bach
A PERFEIÇÃO COMO META
Saúde e doença são apenas o resultado de um modo infeliz de organizar o campo das relações humanas. Freud achava que saudável é o indivíduo que “está em dia com as exigências do ambiente sociocultural em que vive”. Jung era de opinião que saudável é o indivíduo que “está de bem consigo mesmo”. São João da Cruz, antes deles, deixou claro que só merece ser considerada saudável a pessoa que descobriu o “Deus que vive em seu íntimo mais íntimo”. O homem é um ser espiritual destinado a compartilhar com o seu Criador a mesma vida e o mesmo grau de intimidade com que um filho participa da vida de seu pai.
O cristão autêntico não representa a última palavra. Seu cristianismo ainda carece de um complemento, que é a perfeição. “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5,48). O cristão perfeito só pode ser definido como tal com base nos mesmos critérios usados para definir a perfeição de Deus. Como em Deus tudo é indescritível, também a perfeição cristã se furta a qualquer tentativa de descrição. A ideia de que um monge ou uma freira encarnam o ideal da perfeição cristã resulta de um equívoco. Quem o cometeu não foram teólogos, mas juristas. O “estado de perfeição” não pode ser identificado com um determinado modo de viver a sua fé em Cristo. Não pode ser associado a regras ou a um modo peculiar de se vestir.
O mundo criado por Deus é perfeito, mas esta perfeição permanece oculta e só se manifesta sob a roupagem da imperfeição. O místico cristão possui a capacidade de perceber o lado perfeito da realidade, mesmo quando este lado coexiste com o lado imperfeito das coisas. Para o perfeccionista a imperfeição é um mal. Não sabe como enquadrá-la em sua “Weltanschaung”, em sua cosmovisão.
Um místico cristão, como Teilhard de Chardin, não se escandaliza com a presença de tanta imperfeição no mundo. Para ele a imperfeição faz parte de um esboço de um mundo a caminho de se tornar perfeito. A perfeição representa um ponto final absoluto, além do qual não é possível ir. O que ainda pode ser mais perfeito é porque é imperfeito. O cristão perfeito não é alguém que não pode ser mais perfeito do que já é. Uma larva é perfeita quando possui todas as qualidades necessárias à sua condição de boa larva. Mas falta-lhe muito para chegar a ser, um dia, a borboleta que traz dentro de si. Assim como a larva já traz em si a borboleta que irá ser um dia, do mesmo modo cada ser humano traz em seu íntimo mais íntimo uma “centelha divina”, como a denomina o filósofo Platão.
Padre Marcos Bach
A AUTÊNTICA COMUNIDADE CRISTÃ
A tentação de transformar uma Comunidade Cristã num “terreiro” e num centro de curas é por demais insistente para que alguém permaneça imune a ela. Igualmente grande é a tentação de usar a Comunidade Cristã como palco destinado a tirar a fé cristã da obscuridade: o assim chamado marketing religioso está se tornando moda em grande número de Igrejas “cristãs”.
Quem mais sofre com este tipo de “apostolado” é a verdade. Numa celebração destinada a empolgar multidões só pode haver espaço para aplausos e slogans. Nelas a dimensão crítica da fé cristã é sistematicamente excluída. Lá tudo é motivo de exaltação emocional, como se o essencial da fé cristã consistisse em louvar a Deus e em entoar aleluias em sua honra.
Jesus não era frequentador assíduo do Templo, um lugar santo onde era proibido contestar e criticar. Mas podia ser visto em Sinagogas. Nelas era permitido questionar, discordar. Havia nelas lugar para a voz do profeta. Por onde ia, Paulo incluía a Sinagoga em seu roteiro apostólico.
A Sinagoga judaica é o espaço religioso mais próximo do que o apóstolo Paulo entendia por Igreja ou Comunidade Cristã. Era e continua sendo até hoje um centro aglutinador de um povo disperso e sem pátria. A perseguição e o ostracismo social sempre fizeram parte da sua vida de povo “errante”. A Sinagoga era o lugar onde a comunidade judaica reacendia sempre de novo a sua esperança messiânica e sua fé nas promessas feitas por seu Deus.
Uma Igreja ou Comunidade Cristã é, no entanto, um espaço religioso diferente. No centro da religiosidade cristã a esperança deixou de ser expectativa e passou a ser sinônimo de posse e certeza. A palavra grega pleroma, isto é, plenitude, tão frequente nas cartas de Paulo, caracteriza a diferença que existe entre uma Comunidade Judaica e uma Comunidade Cristã. Entre uma Sinagoga e uma Igreja. O grande mérito de Paulo consiste em ter sabido somar o que podia ser somado, em sintetizar o que podia ser sintetizado. E em excluir e deixar de fora o que não se ajustava ao Espírito da Nova Ordem inaugurada por Cristo.
O que para um judeu é motivo de saudade e de expectativa, passou a ser no seio de uma Comunidade Cristã motivo de júbilo e de gratidão. Para um judeu o essencial da História da Salvação ainda está por acontecer. Embora admita que o essencial já tenha acontecido, o cristão “progressista” sabe que sua fé não lhe garante um futuro tranquilo e sem conflitos. Tem a consciência de que até a mais idílica das Comunidades Cristãs não será um lugar apropriado para quem gosta de estar de bem com Deus e todo o mundo.
A fé cristã não oferece soluções mágicas ou definitivas. Numa Comunidade Cristã tudo é tão provisório, imperfeito e inacabado quanto numa Sinagoga judaica.
No Concílio Vaticano I (1869-70) a Igreja católica insistiu em se autodefinir como “Societas Perfecta”. Quase um século mais tarde o Concílio Vaticano II (1962-65) já fez questão de salientar o caráter transitório das instituições eclesiásticas.
Grande parte do que é considerado definitivo e eterno por canonistas e burocratas apressados, na realidade é tão relativo e transitório quanto o é qualquer meio em relação ao fim. O fim é a instauração do Reino de Deus na Terra dos Homens. Igrejas e instituições eclesiásticas nada mais são do que meios. É do fim que os meios recebem a sua legitimidade.
Missão essencial de toda Comunidade Cristã é tornar visível a presença do Amor Divino na vida dos homens. Pregar a Cristo no conceito de Paulo é anunciar à humanidade o advento de uma Nova Era nas relações do homem com Deus e dos homens entre si. Por isso não merece ser considerada cristã uma comunidade que se comporta como se o mundo ao redor dos seus templos não fizesse parte das responsabilidades de sua missão apostólica.
Padre Marcos Bach
O QUE TORNA O TRABALHO HUMANO
O trabalho braçal, repetitivo
e mecânico exigem pouca inteligência e nenhuma criatividade. Em vez de elevar o
espírito e aprimorar a inteligência, contribui antes para degradar a quem o
realiza nestas condições.
Não é o trabalho em si que
deprime e degrada, mas o modo como é feito e a intenção que o motiva. São
aspectos de ordem subjetiva que distinguem o “trabalho” de uma formiga do
trabalho humano.
São cinco as condições
subjetivas requeridas para que se possa qualificar uma atividade do homem como
humana, a saber: que seja racional, consciente, livre, realizada com amor
e que reverta em felicidade.
Nem tudo o que o homem faz é
humano, afirma Santo Tomás de Aquino. Grande parte do que as pessoas
habitualmente fazem ou é subumano ou semi-humano.
É muito difícil encontrar uma
pessoa que aja e se comporte sempre e em tudo de acordo com as possibilidades
reais de sua condição humana. Quando não age impelida por emoções, age pensando
apenas em seus próprios interesses.
Ou não sabe o que está
fazendo, nem tem ideia do que deveria estar fazendo, então se submete
passivamente a uma rotina de trabalho da qual não sabe nem quer evadir-se.
A rotina é a bengala do
preguiçoso. Tudo o que se torna rotineiro já não merece mais o qualificativo de
humano.
Se o homem fosse uma
“máquina” sem alma própria ou um animal um pouco menos animal que um chimpanzé
bonobo, bastaria colocá-los a todos numa procissão.
Uma procissão obedece a um
roteiro preestabelecido. A ninguém é permitido caminhar mais ou menos depressa
que os outros. A procissão é um fenômeno típico do mundo animal. Só pessoas
despidas de qualquer senso criativo amam procissões, espetáculos de massa, onde
só existe espaço para aplausos.
Quem trabalha submetendo-se
passivamente a exigências e condições que sua consciência pessoal desaprova não
merece ser classificado como “herói do trabalho”.
Aquele que trabalha numa
empresa em que o nível de consciência de dirigentes e trabalhadores se encontra
próximo do zero, fatalmente acabará pensando e agindo como eles. Sua situação
subjetiva será afetada paulatinamente pela atmosfera da empresa. Colocará a
eficiência no lugar do bem e a pragmática no lugar da ética.
Padre
Marcos Bach
O AMOR ACIMA DE TUDO
O amor se manifesta nos
seres humanos sob as mais variadas formas. O amor é a base de todo e qualquer
relacionamento do homem com o universo em que vive. O amor é uma forma de tomar
consciência tanto de si mesmo como do universo que nos cerca. É amando que
descobrimos a distância que no campo evolutivo nos separa do nosso primo mais
próximo que é o chimpanzé bonobo! É amando que descobrimos a nossa verdadeira
natureza!
Quem não aprende a arte
de amar, jamais saberá quem ele é! E
o que é pior: jamais saberá o que fazer com a vida que traz em si!
Confrontado com uma
galáxia, sentir-se-á esmagado por ela! Confrontado com a fugacidade do tempo de
vida com que pode contar, sente-se ludibriado e traído, pois em seu íntimo mais
profundo sente-se chamado à imortalidade!
Todo o seu ser resiste
com tenacidade indomável à ideia de morte! É comovente assistir à luta de um
doente em fase terminal por uns poucos dias a mais de uma vida que já não
merece este nome.
Temos que recordar o
seguinte se queremos ter uma ideia da diferença que existe entre a vida de um
chimpanzé e a de um representante da espécie Homo. Um chimpanzé passa o dia comendo e procurando comida. Emprega
seu tempo livre para se divertir com as fêmeas do seu grupo, e não tendo o que
fazer, deita-se na grama e contempla o mundo de papo para o ar. A felicidade de
um chimpanzé está em ter o que precisa para satisfazer suas necessidades!
O trabalho merece um
lugar de destaque na lista dos fatores de alienação social e psicológica toda
vez que consome mais tempo do que o estritamente necessário para o sustento.
Torna-se fator de alienação moral na medida em que dificulta ou até mesmo
impede o contato com outras pessoas e a comunhão interpessoal!
Não é o trabalho em si
que aliena as pessoas, mas o fato de induzi-las a se esquecerem do sentido último da vida humana. O ser
humano não foi feito para trabalhar.
Foi feito para muito mais do que gastar a parcela mais nobre da sua vida
preocupado “com o que comer e com que vestir-se” (Lc 12,22).
Há entre as atividades
humanas um leque bem grande de alternativas. Meditar é melhor do que lavrar o
chão, diz o monge budista. Rezar é melhor do que fabricar metralhadoras, diz o
monge católico. Escutar a Palavra de Deus e meditá-la é melhor do que servir a
Deus, diz Jesus. Maria foi mais inteligente que Marta, pois escolheu a parte
melhor. Quem o disse foi o próprio Mestre Divino.
Muitas e contraditórias
são as necessidades do homem. Infeliz é aquele que corre da cozinha à sala de
visitas sem saber como sair da confusão.
Maria nos ensina que
sentar-se os pés de Jesus e escutá-Lo é mais importante que correr atrás do
relógio!
“Ama e faze o que
quiseres”, dizia Santo Agostinho, dando a entender que até o mais bem elaborado
código de moral é incapaz de suprir a falta de amor!
Destruir o universo todo
seria fácil se fosse possível destruir o Amor, pois “a natureza suprema do
universo é uma energia de amor” (David Bohm).
Quem quisesse destruir o
universo teria que destruir primeiro o seu Criador, pois “Deus é Amor”, diz o
apóstolo João (I Jo 4,16).
O amor é a energia mais
potente e poderosa do universo (Gandhi), pois sua fonte primordial é o próprio
Deus! É da natureza do amor ser eterno! É indestrutível por natureza! Quando um
casal se divorcia alegando que o amor morreu, não está constatando um fracasso,
mas confessando uma mentira.
Padre Marcos Bach
COMO SAIR DO IMPÉRIO DA SUPERFICIALIDADE
Poucos de nós sabem o que é amor. Contentamo-nos com
muito pouco! Agimos como o garimpeiro: ciscamos a superfície na ilusão de que
abaixo dela não existe mais ouro que valha a pena trazer à tona.
Mais ricas do que as reservas de ouro do nosso
planeta são as reservas de amor ocultas na alma de cada ser humano, pobre ou
rico, bom ou mau, religioso ou não. Na verdade, não passamos de “faiscadores” e
de escaravelhos empenhados mais em explorar a superfície de nossas vidas e a
casca de nossas personalidades!
Nossa civilização é recente e sempre se esmerou em
cultivar de preferência valores de superfície. A fachada externa dos templos do
progresso era vista e tratada com um carinho que o seu interior não podia contar!
Superficial e de fachada: é isto o que é a nossa civilização, da qual tanto nos
orgulhamos. Ela nasceu decadente e já teria desaparecido não fosse o alento
adicional que o cristianismo lhe veio trazer.
A nossa é uma civilização caduca, além de condenada à
extinção! E por quê? Porque se fixou na matéria, em vez de priorizar os valores
do espírito. Porque priorizou a ânsia de ter,
em lugar do ser! Porque ofereceu aos
homens uma falsa segurança. “Deem-nos a sua liberdade e o seu tempo, e nós
cuidamos da sua segurança!”. “Desconfiem
sempre de si mesmos e ponham toda a sua confiança em nós! Somos os acólitos do
Grande Inquisidor! Conhecemos a natureza do homem melhor do que Cristo. Os
homens não sabem o que fazer com a sua liberdade! Por isso nós tomamos conta
dela! Ao privar os homens de sua liberdade, colocamo-los no único caminho capaz
de levá-los a um futuro melhor!”.
É com discursos deste tipo que movimentos religiosos
de impronta fundamentalista estão
bombardeando as consciências de seus “fiéis”. A realização plena de cada
indivíduo humano é o resultado de um ato interno de submissão a um poder
externo. É esta a tese fundamental de todo sistema totalitário.
A tomada de distância em relação a todas as instituições
que impedem as pessoas que entrem em seu
interior, que confiem em si mesmas e que se amem a si próprias, é pré-requisito
e conditio sine qua non para todo aquele que deseja participar da grande aventura
espiritual que está tendo início.
Uma boa hora de
introspecção séria e crítica é suficiente para mostrar a alguém o quanto ele é
um galé amarrado. Amarrado como o galé a bordo de um navio. Só pode
movimentar-se dentro de um pequeno espaço determinado pelas necessidades da
embarcação. Se esta “embarcação” se chama Estado, Partido ou Igreja, pouco
importa. O importante é impedir que a tripulação assuma o comando do “navio”.
Padre Marcos Bach
TRANSFIGURAÇÃO DA FÉ INFANTIL EM ADULTA
Quem tem amor à vida, ama o movimento, o intercâmbio
e a novidade. A vida só se realiza onde acontecem a reprodução e a mutação. É exatamente isto que estou propondo ao
benévolo e paciente leitor deste escrito: “Não renegue o passado”! Não abandone
a tradição, mas aprenda a fazer dela ponto de partida e não termo de chegada! O
futuro da Igreja depende da capacidade do povo cristão de transfigurar um tipo
mais infantil de fé em outro, mais adulto. Toda vez que um católico transfere a
solução dos seus problemas de fé ou de moral a outros, está traindo a si
próprio. Até certo ponto é lícito afirmar que cada cristão é seu próprio papa.
É evidente que com gente que vive em cadeiras de rodas e que só sabe
movimentar-se quando movido por outros, não será possível construir outra
Igreja diferente daquelas que temos. Precisamos de outro tipo de cristão (pois
o problema não é exclusivo da Igreja católica). A maioria deles é composta de
pessoas que se dizem cristãos, mas na realidade não o são. A culpa é menos
deles do que dos que se contentaram com uma Igreja povoada por este tipo de
cristão “mal batizado e mal convertido”.
O primeiro passo a ser
dado por quem deseja participar da gênese de um novo modelo de Igreja consiste
em sair à procura de companheiros e comprometer-se juntamente com eles num
projeto comum, cujo objeto é a constituição de uma comunidade de irmãos
solidários uns com os outros, isto é, uma família de irmãos e irmãs em Cristo
da qual se possa dizer o que se dizia das primeiras comunidades cristãs: “Vede
como eles se amam”!
Só um amor tão solidário
e tão generoso como o de Jesus é capaz de manter coesa e unida uma família
espiritual cristã. Uma vez constituído este grupo, seus membros passam a viver
menos em função da sua salvação pessoal do que nos aspectos comunitários do
processo de salvação cristã, do qual
não se consideram mais apenas beneficiários, mas agentes ativos, cada qual tão
responsável pelo todo quanto os demais.
O que caracterizará este novo corpo eclesial (“igreja”, no sentido paulino) é seu
caráter apostólico, sua tendência a gerar novas “igrejas”, bem de acordo com a
tática dos primeiros apóstolos. A preocupação central de uma comunidade assim
constituída está voltada menos para o bem particular dos membros desta
comunidade do que para a missão que lhe cabe cumprir. Em outros termos: é da
essência de toda genuína comunidade cristã ser missionária!
Assim como as células de um corpo são diferentes e
não possuem funções iguais, do mesmo modo há lugar na Igreja universal para
tipos variados de igrejas e de comunidades locais. Esta diferenciação é tão
essencial quanto a unidade. Sem ela a unidade se transformaria rapidamente em uniformidade. Não há, portanto, na
Igreja lugar para um único modelo de microcomunidade eclesial. Consequentemente
é insensato pensar a Igreja em seu todo como um macroorganismo social pronto e
acabado.
O Concílio Vaticano II já não apresenta mais a Igreja
como sociedade perfeita nos termos aprovados no Concílio Vaticano I, um século antes.
Hoje já falamos da Igreja como federação de igrejas, de pequenas comunidades
locais. É neste sentido e nesta direção que se dará no futuro a Renovação da
Mãe Igreja.
Padre Marcos Bach
A PERFEIÇÃO COMO META
Saúde e doença são apenas o resultado de um modo infeliz de organizar o campo das relações humanas. Freud achava que saudável é o indivíduo que “está em dia com as exigências do ambiente sociocultural em que vive”. Jung era de opinião que saudável é o indivíduo que “está de bem consigo mesmo”. São João da Cruz, antes deles, deixou claro que só merece ser considerada saudável a pessoa que descobriu o “Deus que vive em seu íntimo mais íntimo”. O homem é um ser espiritual destinado a compartilhar com o seu Criador a mesma vida e o mesmo grau de intimidade com que um filho participa da vida de seu pai.
Padre Marcos Bach
A INSATISFAÇÃO DA HUMANIDADE
Cresce com assustadora
rapidez a insatisfação com o modo como os homens organizaram e ordenaram a sua
vida sobre a face deste nosso planeta. Não é apenas a desordem que preocupa,
mas a própria ordem passou a ser motivo de ansiedade, quando não de revolta
explícita.
Está em vias de se
esboroar por completo a crença de que o mundo em que vivemos é o melhor dos
mundos possíveis. A fé na capacidade humana de agir sempre e em tudo conforme
imperativos de ordem racional só consegue sobreviver à custa de mentiras.
O Iluminismo gerou a
Revolução Francesa, cujo símbolo mais visível foi a guilhotina. O Comunismo
gerou mais cadáveres, escravos e gulags do que cidadãos verdadeiramente felizes
e livres.
Nietzsche sentiu e percebeu
com antecedência a falsidade da Europa do seu tempo. O ateísmo nada mais foi do
que o despertar da consciência social de uns poucos pioneiros para a forma
espúria como a imagem de Deus era usada.
Marx não atacou Deus,
atacou a religião e o tipo de consciência social por ela inspirado.
Nietzsche atacou o
cristianismo, e não a Deus. Rejeitou um tipo de fé religiosa que se nutre da
fraqueza humana em benefício de uns poucos, sempre prontos à familiaridade com
o poder e com os poderosos. Tratou com desdém todas as tentativas de
racionalização da fé. Viu no teólogo uma pessoa comprometida com uma atitude
fundamentalmente falsa. Um teólogo sempre tem que tomar o cuidado de não sair
do meio da estrada.
Marx, Nietzsche, Camus
eram ateus, mas não eram inimigos de Deus. Não eram cínicos, não zombavam de
Deus. O ateísmo de um Camus é bem diferente do de um Sartre, por exemplo.
Sartre só via desespero onde Camus via o alvorecer de um novo dia.
“Nemo gratis mendax”, dizia um provérbio romano. Ninguém mente só pelo
prazer de enganar outro. O mesmo se pode afirmar em relação ao ateísmo de
nossos dias: nenhuma pessoa séria nega a Deus sem que tenha motivo sério e
razões de peso para fazê-lo.
Todos eles, de Feuerbach
a Camus, estavam pouco interessados em provar que Deus não existe. O objeto e o
alvo de suas críticas era o tipo de imagem de Deus apresentada pelos setores
religiosos.
O que os indispunha
contra a religião era o tipo de poder que as religiões lhe atribuíam: um poder
arbitrário e isento de qualquer compromisso com a humanidade. Sua condição de
Senhor e Soberano absoluto isentava-o da obrigação de justificar-se. Em torno
do trono deste Deus juntou-se uma constelação de representantes seus, dados
mais em apanhar uma fatia do poder divino do que em tomar sobre seus ombros uma
parcela da Cruz de Cristo e do sofrimento da humanidade.
Os que mais contribuíram
para o descrédito que pesa sobre o mundo religioso foram os próprios
representantes das religiões. Ofuscaram a imagem do Deus de Amor para realçar a
de um Deus Senhor, realçando deste modo o seu status de representantes da autoridade divina.
Ao longo de séculos a
Igreja de Roma forjou um arsenal de instrumentos jurídicos destinados a
reforçar o princípio da autoridade. A obediência veio substituir a caridade
fraterna no papel de âncora da vida de Fé em Cristo.
Padre Marcos Bach
AMAR COMO JESUS AMA
O êxtase resultante da
visão antecipada da glória de Deus, do gozo antecipado da união amorosa da alma
com seu Deus, representa a marca registrada da autêntica vida cristã. O cristão
é por vocação e por opção pessoal uma pessoa que sabe amar e alegrar-se como
ninguém.
Uma comunidade cristã é formada por pessoas que sabem
amar como Jesus ama e que sabem explorar as grandes e pequenas alegrias que a
vida oferece tão generosamente. A autêntica comunidade cristã é formada por
pessoas que vivem com os pés no chão, mas com a cabeça bem erguida. Um cristão
não foge deste mundo e não abandona este vale de misérias e de lágrimas. Chora
com os que choram, mas sabe que lágrimas brotadas do desespero e da comiseração
podem ser tão estéreis (e até mesmo hipócritas) quanto o sofrimento que as
provoca. A maior parte do sofrimento é produzida pelos próprios homens. Há os
que sentem prazer em infligir sofrimento a outros. São os sádicos e
torturadores profissionais. Bem mais numeroso é o time dos que se fazem sofrer
a si próprios. Todo viciado é especialista na autopunição.
Quanto tempo e boa fé são gastos com o propósito de
recuperar viciados em droga! Um viciado em droga ou sexo nunca mais poderá
voltar a ser o mesmo que já foi. A palavra recuperação é pobre demais para
expressar tudo o que é necessário para que um dependente volte a ser novamente
uma pessoa normal. Só uma verdadeira conversão é capaz de operar este milagre.
A exploração plena de todas as potencialidades da
natureza espiritual do homem é empreitada que excede por completo a capacidade
ou competência natural do homem. É necessário que alguém o tome pela mão e o
conduza. Que alguém o tome nos braços e o leve aonde com suas próprias forças
não consegue chegar. A genuína conversão no sentido em que Cristo emprega o
termo (Mt 18,3) é obra de Deus e dom
divino. Representa uma reviravolta total: “O velho homem”, diria Paulo,
“terá que morrer para que o novo homem possa nascer”.
Todo parto é doloroso. Também este que dá origem ao “Novo Homem”, idealizado por Cristo, é
acompanhado de sofrimento. Que o digam os profetas e os místicos!
Se a Igreja quiser
recuperar a credibilidade perdida, não basta reconhecer que pecou e que errou.
Em outras palavras: uma simples conversão moral, por mais sincera que venha a
ser, não basta. É preciso pensar numa outra Igreja, mais parecida com a dos
Apóstolos de Cristo. Uma Igreja radicada na alma do povo. Uma Igreja tão pobre
que possa permitir-se o luxo de dispensar toda e qualquer segurança que não
seja a do pobre.
O homem, em virtude da sua condição espiritual,
transcende os estreitos limites da biosfera, que é a esfera da vida. Sua
natureza racional e seu destino último fazem dele um ser de outro mundo ao qual
Teilhard de Chardin dá o nome de noosfera, a esfera do pensamento, da
racionalidade e do espírito.
É uma outra forma de vida, a do homem, de outra ordem
de ser e de categoria superior. É a esta vida que Jesus se refere quando disse:
“Eu vim trazer a vida e quero que todos a possuam plenamente” (Jo10,10). Ela é
graça do Cristo Redentor e inclui o acesso à imortalidade e à Vida Eterna. Não
é subordinada a limites. É vida sem fim. É a vida que Jesus prometeu aos que
por meio da fé aderirem a seu Projeto de Salvação. Está fora do alcance do mais
heroico e bem intencionado esforço puramente humano. “Sem mim nada podeis fazer”.
“Não tendes vida em vós mesmos”.
Padre Marcos Bach
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO INTERIOR
Parte nobre da nossa vocação cristã consiste em
trazer Jesus Cristo para mais perto dos homens, dos seus problemas, das suas
angústias e sofrimentos.
Como pode, porém, trazer a Cristo de volta ao centro
dos acontecimentos historicamente relevantes, alguém que não traz a Cristo no
centro de sua própria vida de fé?
Erram
todos os que depositam no homem a fé que negam a Deus.
Cristo foi muito além:
para Ele a sociedade humana perfeita é a que se organiza de acordo com a Lei do
Amor e os princípios da Liberdade dos Filhos de Deus.
É difícil imaginar dois mundos mais antagônicos do
que o mundo sonhado por Freud e Marx e o mundo prometido por Jesus. Não são
poucos os cristãos para quem crer em Cristo é o mesmo que não mexer na
tradição. Para eles o passado é sagrado por conter o essencial da História da
Salvação. É pequeno o número de cristãos que se preocupam mais com o futuro do
cristianismo do que com o seu lugar no mundo atual.
No processo de
transformação interior a que nos estamos referindo, acontece que ao longo do seu desenrolar a pessoa começa a distinguir cada
vez melhor o que é verdadeiramente importante do que não o é. Descobre
paulatinamente e para grande pesar seu que perdeu boa parte, senão o melhor do
seu tempo, por não saber distinguir o verdadeiramente significativo e precioso
do que é de valor fictício. Melhorando seu poder de discernimento passa a
aproveitar melhor o seu tempo.
João Batista passou sua curta vida de precursor do
Messias pregando no deserto. Os que o iam procurar lá eram pessoas dispostas a
ouvi-lo, pois ninguém se mete num deserto só para matar a curiosidade.
Ainda hoje é assim: quem
quer converter-se precisa, antes de tudo, reconhecer que necessita de
conversão, isto é, de uma mudança radical em seu modo de viver. Num momento
posterior deve desligar rádio, TV, e fechar o jornal da sua predileção. Deve
deixar de escutar toda e qualquer voz que não seja a da sua própria
consciência. Escutar a si próprio em silêncio
respeitoso e com muito amor é pré-condição indispensável.
O processo todo, para
ser correto e positivo, não pode parecer-se com um julgamento. É de natureza
psicológica e não moral. Visa a compreensão mais correta de uma realidade
subjetiva. Seu objeto último é a verdade, porque só a partir do encontro com a
verdade a libertação se tornará possível.
Máscaras, véus e tudo o que obscurece
a verdade interior deve ser arrancado. Tudo o que Jung definiu como sombra,
isto é, o lado negativo da psique não reconhecido nem admitido, deve ser
despido de sua fantasia. Em poucas palavras: é preciso parar de se culpar e de
se desculpar. Nem falsa humildade ajuda neste caso, nem hipocrisia.
A destruição da culpa real só se alcança assim:
admitindo-a, arrependendo-se dela e reparando o mal praticado.
Tudo isso não se
consegue numa confissão de meia hora. O processo todo pode levar anos ou meses,
dependendo do esforço e da vontade da pessoa.
Padre Marcos Bach
HARMONIA MORAL E ESPIRITUAL NO CASAMENTO
A tendência que nos leva
a considerar o casamento assunto privado, abrigado no silêncio discreto do lar,
é responsável por uma série de equívocos funestos. Esta concepção privativa e
hermetista do casamento o toma por uma espécie de “arca de Noé”, a flutuar
segura e tranquila por sobre as águas do dilúvio, amparada pela mão poderosa e
complacente de Deus. Desta forma Deus é feito cúmplice de “arranjos matrimoniais”
muito piores do que a própria promiscuidade sexual.
Parece que o tempo, que
vale ouro na atividade profissional, já não tem mais o mesmo valor na
intimidade do lar. O casamento só pode ser aquilo que a vida é. Quantas vezes
ouve-se dizer: “Aquele sujeito não vale nada. Mas tem uma esposa maravilhosa”.
Uma mulher virtuosa mais (+) um homem sem verticalidade moral alguma, podem
formar uma dupla aceitável. Jamais formarão um casal humano. Além de não
respeitar o princípio da totalidade existencial, tais concepções não tomam em
conta o princípio da reciprocidade. O tempo conjugal é um e recíproco.
Ao falar do tempo
conjugal facilmente se incide no erro de tomá-lo como a soma de dois tempos
pessoais paralelos. O problema da sincronização (ou falta de sincronização)
geralmente é escamoteado, falsamente identificado como incompatibilidade de
gênios. Se o casamento é uma “jornada a-dois”, o problema essencial não se
relaciona com a presença física (embora seja da máxima importância), mas com o
ritmo que ambos imprimem ao seu progresso espiritual. De nada vale a presença
física, o convívio no mesmo espaço físico, quando a distância que separa o
casal é tanta que na realidade seria mais honesto dizer que vivem em mundos
diferentes e separados. O leito conjugal perde nestes casos completamente seu
significado como símbolo de união.
O problema criado pela
falta ou excesso de tempo conjugal é devido à falta de sincronia espiritual. A
adaptação sexual não se limita ao ajustamento genital. O orgasmo simultâneo ou
sincronizado é fator irrelevante para a harmonia conjugal, se o compararmos com
a importância decisiva da harmonia espiritual. Importante é, pois, que marido e
mulher se sintam perfeitamente à vontade em seus papéis sexuais, para que se
possa falar em harmonia psíquica. É preciso que saiam de cada encontro amoroso
com a consciência de terem construído juntos mais um degrau em direção ao
infinito e definitivo. Caso contrário, não se pode falar em harmonia moral.
Deus ficou mais ao alcance da ternura: é o sinal de que o encontro representou
um momento religioso, que nada no mundo pode substituir, nem tem o direito de
suprimir.
Padre Marcos Bach
SOMOS FORMADOS POR MAIS QUE UM CORPO
O que chama a atenção na carta de São Paulo aos Coríntios é a insistência com que ele atribui o fenômeno da ressurreição ao corpo. São três os corpos a que ele se refere: o corpo material, o corpo psíquico e o corpo espiritual. Sempre haverá um corpo fazendo parte da dimensão espiritual da natureza humana. Esta não subsiste separada do espírito como este não faz parte de um mundo superior. Os sábios do Antigo Oriente admitiam como comprovada a existência de vários corpos, além do corpo físico. À semelhança das várias camadas sobrepostas que formam uma “cebola”, o homem é formado por mais que um corpo.
Parece que Paulo tinha conhecimento destas teorias, todas elas muito antigas e bem mais dignas de fé do que nossa maneira simplória de dividir o homem em duas metades que não se harmonizam entre si, o espírito e a matéria. Possuímos atualmente conhecimento científico bastante para saber que os átomos e elétrons do nosso corpo não desaparecem com a morte. Todos eles continuam existindo e temos razões de peso para supor que continuem levando em sua consciência a memória de cada uma das experiências por que passaram.
Um elétron ou um fóton que já fez parte de uma célula viva do meu corpo deve guardar uma grata lembrança do tempo em que tivera o privilégio de fazer parte não só do meu corpo físico, mas da minha pessoa toda. “Dois elétrons que estiveram alguma vez juntos, fazendo parte de um todo comum, guardam a lembrança do fato e mesmo que se encontrem anos-luz distantes um do outro, continuam se comunicando entre si”. É o que nos afirmam cientistas de respeito.
Se é assim, podemos imaginar a ressurreição dos corpos como o reencontro entre si de todas as partículas que já fizeram alguma vez parte da nossa pessoa.
A ressurreição não consiste no retorno à vida de um corpo morto. Deve ser interpretada como a passagem de um corpo vivo a uma outra forma de viver a vida, uma forma de vida essencialmente superior.
Esta superioridade a expressamos dizendo que o corpo ressuscitado é espiritual, como faz o apóstolo Paulo. Melhor seria defini-lo como corpo energético. É perfeitamente admissível imaginar um corpo de luz. Muitos dos sobreviventes a uma experiência de morte clínica definem como “seres de luz” as pessoas com as quais se encontraram no além.
Os Evangelhos descrevem a Transfiguração de Jesus no Monte Tabor como uma espécie de manifestação luminosa: “Sua face se alterou e sua veste tornou-se refulgente” (Lc 9,29). Transfigurando-se, Jesus deu uma demonstração antecipada do que iria acontecer com Ele dentro em breve!
A ressurreição é também uma forma de transfiguração, um fenômeno luminoso, acima de tudo. Não é um morto que ressuscita, como não é um cadáver que é transformado. É um corpo vivo que passa por este processo de transformação. A palavra transformação diz tudo, pois ela significa que se mudanças houve, elas atingem tão somente a forma e que no terreno do ser não houve nem mudança nem troca de identidade.
Se fôssemos perguntar à borboleta se ela é ainda o mesmo ser que fora antes, ela com certeza diria que sim. “Apenas mudei de roupagem”, diria, “mas continuo sendo essencialmente o mesmo ser que sempre fui”. O mesmo se pode afirmar do ser humano. O ser que sobrevive à morte é a mesma pessoa cujo corpo acabou de ser enterrado. O fato de agora poder dispor de um corpo mais sutil, não significa que ela não possui mais nenhuma vinculação com o mundo material. A energia que leva dois átomos a se atraírem mutuamente também é material.
A Física moderna não nos permite mais tratar energia e matéria como entidades separadas. O físico americano (já falecido) David Bohm chegou à conclusão de que todo o universo poderia ser reduzido a uma “única forma de energia”, que ele definiu como “energia de amor”.
Depois que Einstein chegou à conclusão de que “a essência da matéria é espiritual”, não podemos mais pensar espírito e matéria como realidades excludentes, ou até como inimigas. Fugir da matéria é o mesmo que renegar o espírito. Se penetrarmos mais a fundo no interior da matéria vamos encontrar o seu espírito, um mundo do qual o nosso espírito faz parte.
Padre Marcos Bach
A NOSSA RESSURREIÇÃO
O apóstolo Paulo, que
tanto se orgulhava da sua condição gloriosa de ressuscitado em Cristo e com
Cristo, mencionou a ressurreição, a nossa ressurreição, como fato já consumado:
a “ressurreição já se realizou” (2 Tim 2,18). Já nos podemos considerar
ressuscitados dos mortos. A morte já não tem mais poder algum sobre os que
depositaram toda a sua fé em Cristo. “A morte não tem domínio sobre ele” (Rm
6,9).
1) O Apocalipse menciona
repetidas vezes a existência de uma “segunda morte” (Ap 21,8), dando com esta
afirmação a entender que a morte faz parte de um processo que se estende para
além do tempo histórico.
A egolatria é um vício
do qual só poucos conseguem livrar-se completamente antes de morrer. No terreno
do desenvolvimento espiritual não há lugar para respostas automáticas. A morte
não nos vai levar a um mundo povoado de painéis, cada painel repleto de chaves
e teclas, bastando apertar a tecla certa para obter a resposta correta. Quem em
dias de sua vida terrena sempre procurou estar do lado certo, vai continuar a
procura do lado certo. Se em vida sempre identificou como lado certo aquele em
que se encontra a maior parte das pessoas, vai fazer o mesmo. Quando muito vai
se decidir pelo lado em que se encontra uma quantidade maior de pessoas
importantes. Um católico romano optará pelo lado em que se encontra a maior
parte de papas e de bispos. De monges e de freiras.
2) A fé que salva não é
aquela que nos oferece certezas, mas aquela que nos joga no torvelinho de um
mar de dúvidas com a tarefa de criar uma certeza nova. Quem navega no oceano da
fé não vai de uma certeza para outra, mas, ao contrário, deixa para trás uma
incerteza e a troca por uma nova certeza. Mas esta mesma certeza não tem vida
longa. A fé não resulta do acúmulo de certezas. Ela não cresce nem se
desenvolve gerando segurança. Pelo contrário. O apóstolo Paulo se queixava no
fim da sua vida de “não saber se era digno de elogio ou não” (I Cor 15,9).
A fé em Cristo nos dá
apenas uma certeza, a de que o amor de Deus é absoluto, mas ela mesma não se
alimenta de certezas. A fé em Cristo não cresce em nós porque nos podemos
apoiar em razões sempre mais convincentes. É, portanto, falha e completamente
equivocada uma catequese destinada a provar, seja lá o que for. A fé cristã não
se alimenta de provas.
A razão não foi dada ao
homem para completar a fé. Em certa medida pode-se dizer que a razão é a grande
inimiga da fé.
3) O objeto da fé é o
mistério. A fé, mesmo a fé em Cristo, não se destina a fornecer explicações.
Apenas diz o que é, mas não diz porque é assim. A única verdade com relação à
morte é esta: ela não ocorre no termo final da vida, mas representa apenas o
início e o momento inaugural de uma nova fase da mesma vida que aparentemente
chegou ao fim. Está na hora de pensar seriamente em substituir a concepção
terminal da morte por outra mais condizente com a realidade. Esta outra
concepção podemos defini-la como inaugural.
Se alguém dissesse que a
vida das pessoas só começa a se tornar real a partir do momento em que ela
morreu, poderíamos concordar com ela, desde que atribua não à morte, mas à
ressurreição o destino ulterior da sua vida. Devemos ao apóstolo Paulo esta
preciosidade teológica: “Assim como uma estrela difere das outras, do mesmo
modo os corpos ressuscitados diferem uns dos outros” (I Cor 15,15).
A destinação inicial dos
que morrem é determinada pelo modo como cada pessoa viveu a sua vida. Quem
viveu sua vida servindo à corrupção, não deve esperar outra coisa após a morte,
a não ser um prolongamento da forma como viveu sua vida até então. Quem quer
participar da gloriosa ressurreição de Cristo tem que ter vivido como Cristo
viveu e ser tão livre como Ele foi.
Padre Marcos Bach
VIDA NOTURNA NO SUBSOLO CULTURAL
Como explicar o que está acontecendo no subsolo cultural definido em má hora com o pomposo título de vida noturna? Por que nossa juventude parece estar mais empenhada em se autodestruir do que em descobrir formas mais ricas de viver a sua juventude? Por que não descobriram que acumular experiências agradáveis é imprescindível quando se tem o propósito de viver um dia “relibando” o gosto agridoce da saudade? É que eles são aos 20 anos tão velhos como nós. Somos nós, seus pais e educadores que os impedimos de serem jovens, porque nós mesmos já não sabemos mais o que significa ser jovem. O que, então, significa ser jovem? E o que significa ser adulto?
Para um bando de chimpanzés sexo é, acima de tudo, festa, diversão e prazer. Na vida deles predomina o interesse pelos aspectos lúdicos do intercurso sexual. Num bando de brotos humanos acontece o mesmo. Sob este aspecto e neste terreno ainda continuamos tão parecidos com nossos “irmãos bonobos” que estes poderiam pensar que somos, nós e eles, membros da mesma família, não fossem a fumaça e o álcool sem os quais nós e nossos jovens não conseguimos imaginar sequer como organizar uma festa.
Orangotangos, gorilas e chimpanzés sabem como se divertir. Nós é que não sabemos como fazê-lo sem comprometer a saúde e o futuro da própria espécie. A maior parte dos animais aproveita a noite para dormir. Seus encontros “amorosos” acontecem durante o dia. Só as espécies que trocaram o dia pela noite é que não obedecem a esta regra. Não é apenas o gambá e o graxaim que só saem de noite. Também nós transformamos a atividade sexual em fenômeno escuso e a reservamos às horas caladas da noite. Por que isso? Por que dedicamos as horas do dia, o espaço nobre de nossas vidas ao trabalho, à luta inglória pelo pão de cada dia, reservando às horas “perdidas” da noite algo de tão essencial quanto é nossa vida afetiva?
É a este tipo de pergunta que devemos resposta se queremos escapar com vida das teias e armadilhas em que nos encontramos. O jovem que associa liberdade com maconha e álcool é tão retrógrado e inimigo da liberdade quanto o fundamentalista religioso que associa e confunde Fé em Deus com fanatismo e imobilismo social.
Há ingênuos que imaginam o caminho do progresso humano como estrada pavimentada por deuses. A estrada está pronta, é só aproveitá-la, lhe dirão... A ideia de que a evolução futura da espécie humana já se encontra inscrita e registrada em seu potencial genético pode muito bem ser mais falsa do que verdadeira. É preciso não esquecer que o ser humano é sempre muito mais do que o que está registrado em seu DNA.
Não será de um processo de manipulação genética que vai depender o futuro da humanidade. Será uma opção, resultado de uma vontade política, que fará a diferença entre os que, sentados à margem, assistem passivamente à passagem da caravana e os que descem à estrada e passam a fazer parte da caravana.
O futuro da humanidade não é tranquilo. O experimento homem se encontra apenas em sua fase inicial. A natureza dinâmica deste projeto não permite atitudes muito conservadoras já que num corpo em crescimento o número do sapatinho de ontem já não serve mais no dia de hoje.
Ser jovem significa crescer. O que caracteriza a juventude é a pujança impetuosa de sua natureza que a impele a “crescer” em todas as direções e em todos os sentidos.
Uma planta é jovem enquanto cresce. No dia em que para de crescer tem início um processo de decadência a que damos o nome de morte. Morrer é o mesmo que não poder crescer mais. Envelhecer significa aceitar esta realidade. Não envelhecem os que não se conformam com a ideia de que o homem é apenas um corpo, igual a tantos outros e que a vida humana se encontra submetida à lei da entropia, como qualquer outro representante da biosfera.
O princípio que regula a vida de uma planta ou de um animal não é o mesmo que regula e decide o valor de uma vida humana. Uma pedra não cresce e um animal só cresce num sentido e numa só direção. O ser humano, ao contrário, pode crescer em muitas direções. O tempo de vida de um homem não é o mesmo do de um animal.
A fé cristã nos ensina que o homem não morre juntamente com a desintegração do seu corpo físico. Existe uma dimensão póstuma da existência humana com a qual é preciso contar se queremos entender algo a respeito do sentido real da presença do homem sobre a face deste nosso maravilhoso planeta, tão pequeno e contudo tão generoso em suas demonstrações de afeto. É só passar em revista a coleção de frutas que coloca em nossas mesas.
Nossa civilização é velha porque só velhos têm o direito de dizer aos jovens o que significa ser jovem. Os santos que a Igreja católica apresenta como exemplos de vida cristã são todos velhos e pouco se parecem com o perfil do herói que o mundo jovem prefere como ídolo.
Se o homem é realmente um ser adorador por natureza, como queria o poeta francês Verlaine, então o jovem é o mais humano de todos, pois ele, mais que ninguém, precisa encontrar pela frente alguém que possa adorar.
Padre Marcos Bach
EXIGÊNCIAS DA VIDA ESPIRITUAL
A espiritualidade cristã tem por objetivo acordar e
mobilizar as energias ocultas e adormecidas no interior da alma humana. As
exigências da vida espiritual são maximalistas. Deus não se contenta com menos
do que com a totalidade do nosso amor! Aqui vale o dilema: ou tudo ou nada!
Quem se dá todo a Deus, “torna-se Deus”, como afirma São João da Cruz. Quem
participa da natureza divina a ponto de se tornar um com Ele, adquire um poder
semelhante ao de Deus. Torna-se uma potência espiritual dotado de energias inesgotáveis.
O próprio Espírito de Deus o impele a irradiar essas energias no ambiente em
que vive. A diferença entre um santo e um cristão medíocre é tão
desproporcional que São João da Cruz lamentava a falta de um SANTO mais do que a de milhares de cristãos
de fé superficial e distraída.
Ter fé ativa e atuante significa concentrar-se cada vez
mais no essencial, desprendendo-se sempre mais do que é secundário. Quem se
concentra totalmente em Deus consegue isso sem precisar pensar em fazer uma
lista de coisas importantes e não-importantes. A espiritualidade cristã, como
qualquer outra, sempre partiu do princípio de que o número dos eleitos é e será
sempre bem menor do que o dos chamados. Segundo a mitologia grega cabia a Atlas
carregar sozinho o mundo nas costas. No mundo cristão essa tarefa cabe a um
pequeno punhado de eleitos. Eleitos por Deus. Nem eles se escolheram para essa
missão, nem foram escolhidos pela sua Igreja.
O caminho da perfeição cristã não é uma estrada larga que
se possa percorrer sozinho. Não existe em sentido rigoroso uma espiritualidade
individual. Toda ela é comunitária. Sem o apoio de uma comunidade não há como
progredir no caminho da perfeição. Quem quer ser santo precisa da companhia de
alguém que também quer sê-lo. Não se alcança o céu caminhando em fila indiana
ou em formação militar. Só onde existe uma verdadeira comunhão de almas a
santidade é possível. Ninguém salva a sua alma sozinho. Não só da graça de Deus que temos necessidade, mas também precisamos da companhia e do apoio de
pessoas que alimentam o mesmo propósito.
Padre Marcos Bach
O AMOR, UM SENTIMENTO NOBRE
O amor é um sentimento nobre, é como a princesinha dos
contos de fada: só acorda quando despertada por outro amor. Só aprende a amar
quem se sabe e se sente amado por alguém. De nada adiantam receitas, doutrinas,
instruções. A princesinha adormecida no coração de cada ser humano merece
respeito. Acordá-la com gritos e pauladas é o mesmo que tentar matá-la. O
príncipe que tiver a intenção de despertá-la só dispõe de um meio
verdadeiramente eficaz: o beijo!
É da natureza do ser humano: só amar a quem for capaz de
cativá-lo. Em toda relação de amor está presente um jogo de sedução.
Será que não é possível substituir uma moral que afugenta
precisamente os mais audaciosos por outra mais atraente e mais sedutora? Qual o
futuro de uma religião e de um sistema moral que não atrai nem desperta
entusiasmo? O que os jovens querem é saber o caminho que conduz à felicidade!
Um sistema ético deveria ser exatamente isso: um roteiro que aponta o caminho
para a FELICIDADE!
Saber o que se deve fazer é uma coisa. Estar em condições
de realizá-lo, é outra bem diferente.
Os documentos da Igreja insistem em sublinhar as obrigações
e responsabilidades de um casal católico. Aos casais que encontram dificuldade
em praticar o que a Igreja prescreve, recomenda-se a oração e a frequência dos
sacramentos. É o mesmo que receitar churrasco gordo a um subnutrido. É remédio
demais para a maioria dos casais atormentados por problemas familiares.
A oração é um santo remédio, não há dúvida, mas não é
porrete, remédio capaz de curar tudo. Apelar para a fé também pouco adianta,
pois a fé serve para iluminar o caminho, mas não tem o poder de resolver
qualquer espécie de problema.
Um dos grandes defeitos do discurso moral da Igreja está na
falta de uma base psicológica adequada ao nível em que ela coloca as exigências
do sistema moral que apresenta. Sem o apoio de um substrato psicológico e
material satisfatório, o dever conjugal se transforma bem depressa em fonte de
frustrações e de conflitos. Para fazer do ato conjugal um ato de amor, um casal
necessita de muito mais do que uma cama e um pouco de paciência. Uma cama
limpa, um ambiente tranquilo, uma disposição festiva e uma vontade de sair da
rotina do dia para mergulhar no mundo encantado e místico, que é o mundo do
amor: tudo isso é, no mínimo, tão importante quanto qualquer prescrição moral.
Ignorar o substrato psicofisiológico é grave. Ninguém
constrói uma casa sem examinar bem o solo do lugar em que pretende construí-la.
Os Papas da Igreja católica se preocupam até por demais com a solidez do
edifício, isto é, do sistema doutrinário a que chamam de Sagrada Doutrina da
Fé. Pouca atenção prestam às condições do solo a que este edifício se
destina. As estruturas sociais e
familiares existentes e as condições psicológicas dos candidatos ao casamento
não recebem a mesma atenção.
Pior do que ignorar e menosprezar as condições de natureza
infraestrutural é supor que o matrimônio perfeito é aquele que em tudo responde
às exigências da lei moral. Também aqui vale a palavra de Jesus: “Depois que
tiverdes feito tudo o que vos foi prescrito, dizei: somos servos inúteis”. No
Reino de Deus não há lugar para os que só fazem o que é da sua obrigação. Para
ser um bom cristão não basta cumprir a lei. Por defender e sustentar esta tese
é que São Paulo entrou em choque com os representantes do judaísmo oficial do
seu tempo.
A moral representa tão somente uma etapa na caminhada do
homem. Para ele só há um termo final de chegada: a perfeita união com Deus! O
comportamento moral não produz a união com Deus, mas é condição indispensável para que ela aconteça. O homem
só tem o direito de propor aliança com Deus depois que tiver tomado posse plena
de si mesmo.
Quem quer conhecer a Deus tem que conhecer primeiro a si
mesmo, dizia Santo Agostinho. Antes de se tornar um pressuposto moral, o
conhecimento de si mesmo é o fruto de um esforço pré-moral, que é o esforço
psicológico.
Padre Marcos Bach
FÉ E POLÍTICA SE COMPLETAM
Toda civilização tem seus dias contados. Cedo ou
tarde se verá forçada a encarar a morte não apenas como fatalidade ou mera
necessidade, mas como imperativo histórico e moral. Não só os indivíduos, mas
também as instituições devem aprender a arte de morrer com dignidade. O sentido
e o valor da morte lhe vem do que vem depois dela.
Quem pretende entender a história dos homens sem ter
uma ideia do que acontece com a alma após a morte é como aquele crítico que
julga uma novela sem saber como termina. “Finis
coronat opus”, diz um sábio ditado
latino.
Com a morte a vida não termina. Tanto cientistas como
crentes religiosos estão se pondo de acordo neste assunto. Os teólogos cristãos
dão o nome de escatologia ao estudo das realidades que fazem parte do quadro da
história póstuma da humanidade.
História e pós-história se completam. A primeira está
para a segunda como a semente está para a planta adulta. O essencial só vai
acontecer num outro capítulo que não este da História Universal. A crença na
continuação da vida humana após a morte está se generalizando, atingindo
setores do pensamento que até pouco tempo atrás se mantinham céticos em relação
ao tema.
A fé na imortalidade da alma é inseparável do
pensamento religioso. É tão antiga quanto a fé em Deus. E por que não incluir
nesta fé também o destino dos nossos “irmãos” do reino animal, e até vegetal?
Se o Criador é tão poderoso e se o universo é tão imenso, por que apressar-se
tanto em fixar limites à generosidade criadora de Deus? Qual o artista que
destrói suas obras, o poeta que rasga seus poemas ou o pintor que joga no lixo
seus quadros? Por que o Criador do Universo iria fazer o que nenhum artista
sensato iria fazer?
Quem perde de vista a fé na continuação da vida após
a morte não está em condições de vislumbrar o sentido último da existência
humana. Não deveria meter-se a fazer política por falta de competência.
Pôr ordem no convívio humano significa muito mais do
que impedir que os indivíduos se devorem uns aos outros. Não é a vida em
sociedade que deve ser colocada em ordem. Basta humanizá-la, já que cada ser
humano normal e adulto traz em si uma espécie de instinto superior que lhe diz
o que fazer e como proceder em relação a si e ao mundo exterior. É isto que queremos
afirmar quando dizemos que o homem é um Ens
Morale, um ser moral. A reta ordem social é tributária de uma correta
relação do homem com seu Criador. É do interesse do Criador que os homens
tenham sucesso em suas tentativas de construir já aqui o essencial daquilo que
um dia fará parte definitiva da pós-história.
Ateus e materialistas não merecem o voto de quem quer
que seja. Votar neles é o mesmo que embarcar num avião cujo piloto não sabe
aonde ir e onde pousar. Mas há também cristãos e pessoas tidas como religiosas
que não merecem o voto de um cidadão consciente. São os profissionais da
atividade política.
Aristóteles teria se arrepiado todo se alguém
tentasse convencê-lo de que a política é uma profissão como qualquer outra. Se
voltasse aos dias de hoje ficaria triste ao ver que a mais nobre das atividades
humanas passou a ser uma das mais bem remuneradas.
Empregamos a palavra estadista para definir um
político fora de série, dotado da capacidade de ver mais longe que os outros.
Se fôssemos coerentes com o que a fé cristã nos ensina, diríamos que estadista
é aquele que vê com os olhos de Deus e enxerga tão longe quanto Ele.
Padre Marcos Bach
O SENTIDO PRIMEIRO E ÚLTIMO DA VIDA
O amor se manifesta nos seres humanos sob as mais
variadas formas. O amor é a base de todo e qualquer relacionamento do homem com
o universo em que vive. O amor é uma forma de tomar consciência tanto de si
mesmo como do universo que nos cerca. É amando que descobrimos a distância que
no campo evolutivo nos separa do nosso primo mais próximo que é o chimpanzé
bonobo! É amando que descobrimos a nossa verdadeira natureza! Quem não aprende
a arte de amar jamais saberá quem ele é!
E o que é pior: jamais saberá o que fazer com a vida que traz em si!
Confrontado com uma galáxia, sentir-se-á esmagado por
ela!
Confrontado com a fugacidade do tempo de vida com que
pode contar, sente-se ludibriado e traído, pois em seu íntimo mais profundo
sente-se chamado à imortalidade!
Todo o seu ser resiste com tenacidade indomável à
ideia de morte! É comovente assistir à luta de um doente em fase terminal por
uns poucos dias a mais de uma vida que já não merece este nome.
O trabalho merece um lugar de destaque na lista dos
fatores de alienação social e psicológica toda vez que consome mais tempo do
que o estritamente necessário para o sustento. Torna-se fator de alienação
moral na medida em que dificulta ou até mesmo impede o contato com outras
pessoas e a comunhão interpessoal!
Não é o trabalho em si que aliena as pessoas, mas o
fato de induzi-las a se esquecerem do sentido
último da vida humana. O ser humano não foi feito para trabalhar. Foi feito para muito mais do que gastar a parcela mais
nobre da sua vida preocupado “com o que comer e com que vestir-se” (Lc 12,22).
Há entre as atividades humanas um leque bem grande de
alternativas. Meditar é melhor do que lavrar o chão, diz o monge budista. Rezar
é melhor do que fabricar metralhadoras, diz o monge católico. Escutar a Palavra
de Deus e meditá-la é melhor do que servir a Deus, diz Jesus.
Maria foi mais inteligente que Marta, pois escolheu a
parte melhor. Quem o disse foi o próprio Mestre Divino.
Muitas e contraditórias
são as necessidades do homem. Infeliz é aquele que corre da cozinha à sala de
visitas sem saber como sair da confusão.
O papa Pio XII queixou-se certa ocasião do excesso de
ativismo reinante no mundo moderno! Até no seio da Igreja católica é mais fácil
encontrar Martas e Teresas de Calcutá do que Marias de Betânia.
Maria nos ensina que sentar-se aos pés de Jesus e
escutá-Lo é mais importante que correr atrás do relógio!
“Ama e faze o que quiseres”, dizia Santo Agostinho,
dando a entender que até o mais bem elaborado código de moral é incapaz de
suprir a falta de amor!
Padre Marcos Bach
A LEI DA ATRAÇÃO
No plano espiritual a lei da atração toma o lugar da
obrigação. Lá “igual atrai igual”. Esta lei vale tanto para o bem como para o
mal. Quem deseja a companhia de pessoas amigas tem que ser amigo. Deve ter um
mínimo de amabilidade seguindo o campo de atração que melhor combina com o
seu. O indivíduo, ou é levado até Deus,
ou é arrastado para o inferno que ele mesmo criou para si. Lá o crime não é
punido, mas desmascarado e forçado a revelar a sua verdadeira face.
O bem possui esplendor próprio e compensa por si. O
crime não compensa, mas o bem e a virtude representam sempre conquistas
definitivas do espírito humano.
Um mosteiro povoado tão somente por pessoas do mais
elevado nível moral seria um lugar pobre se nele a preocupação máxima
consistisse em permanecer fiel a regras preestabelecidas. Uma coisa é percorrer
um terreno avançando por trilhas já conhecidas e outra bem mais perigosa é
avançar em terreno desconhecido. Viver a vida em liberdade é de todas as
aventuras a mais arriscada. O inferno está cheio de gente que não soube viver
em liberdade. E o purgatório está repleto de pessoas que ainda não aprenderam a
lição.
Toda lei que não conduz a uma liberdade cada vez
maior é imoral. A lei não possui justificativa em si. Esta lhe vem toda do grau
de liberdade que traz em seu bojo.
Padre Marcos Bach
REENCARNAÇÃO: SIM OU NÃO?
A reencarnação está se tornando assunto polêmico. A
discussão não envolve representantes de correntes científicas divergentes, mas
membros do setor religioso. Dum lado estão os que a rejeitam, amparados em
razões teológicas. Do outro lado se encontra a multidão dos que a adotam por
razões de conveniência e de ordem prática.
A teoria da reencarnação oferece explicações que não
exigem muita inteligência. Se podemos voltar após a morte para consertar
estragos feitos em vidas anteriores, viva a reencarnação! Se Deus é tão bom
como diz a Bíblia, por que não nos daria tantas oportunidades quantas forem
necessárias para corrigirmos erros cometidos? Se Deus é longânime e de
misericórdia inesgotável, não é admissível que em seu projeto de salvação não haja
lugar para os que erraram, mas estão à procura de uma oportunidade de
endireitar o rumo de suas vidas e de aprender o que deveriam e poderiam ter
aprendido. Quem errou tem o direito a uma chance de corrigir o seu erro e de
reparar o mal que este erro engendrou. Um reencarnacionista está convicto de
que a reencarnação é o único modo de alcançar este objetivo.
O padre católico que se lhe opõe e o condena como
herético é alguém que contrapõe à crença na reencarnação a fé no purgatório e
no inferno. Para ele a morte é um divisor de águas. De acordo com esta sua
visão, a vida continua após a morte, é verdade, mas o tempo em que transcorre
não é o mesmo. Teólogos precipitados falam logo em eternidade.
Reencarnacionistas apressados falam logo em reencarnação, isto é, em retorno ao
tempo histórico, muito antes de se darem ao trabalho de refletir seriamente
sobre o assunto. Do outro lado, a pressa em passar do diálogo para o ataque, é
uma discussão de baixo nível, indigna de pessoas cultas, mais parecida com
briga de foice no escuro.
É necessário civilizar o debate. É possível levar um
pouco mais de luz para o meio do assunto. Quantos são os defensores da
reencarnação que realmente sabem do que estão falando? E os que condenam a
teoria da reencarnação, que conhecimento têm eles da escatologia cristã? Não é
minha intenção rebaixar pessoas ou transferir o debate para o terreno moral.
Gostaria que a discussão fosse conduzida por gente que sabe respeitar pessoas
com opiniões divergentes. Nada mais que isso!
A intenção que me levou a escrever sobre o assunto
não é a de tomar partido a favor de Alan Kardec, ou da decisão do Concílio de
Constantinopla que condenou a teoria da reencarnação. Não se pode dizer que a
teoria da reencarnação é um fato cientificamente comprovado, pois ela se
encontra fora do campo da observação direta. Também não se pode condená-la como
se fosse contrária ao núcleo das verdades essenciais do ensinamento cristão. O
essencial da fé em Cristo não está em jogo. A fé na liberdade de mercado ameaça
a fé cristã muito mais do que a crença na reencarnação.
Basta analisar mais de perto a questão que estamos
focando para perceber que a raiz das divergências que separam entre si os
defensores e os adversários da teoria da reencarnação tem mais a ver com
ignorância e preconceito do que com o desejo de colaborar para o triunfo da
verdade.
O que a mim me interessa não é a doutrina em si, mas
o fruto que ela é capaz de produzir na vida, não de uns poucos eruditos, mas na
dos que se sentem mais comprometidos com a vida do que com doutrinas e artigos
de fé. Os que se declaram adeptos da teoria da reencarnação partem da premissa
de que o ser humano precisa de muitas oportunidades até encontrar o caminho
certo. Já que é um ser falível, tem também o direito a uma oportunidade de
corrigir o erro e de reparar as suas consequências.
Reencarnacionistas e antirreencarnacionistas têm em
comum a crença de que é aqui e agora, isto é, no decurso de um tempo
essencialmente diverso do tempo escatológico que cada ser humano terá que dar a
resposta definitiva a respeito do rumo que decidiu imprimir à sua vida. A pergunta seria esta: a favor de quê e de
quem você decidiu colocar-se? Qual o futuro que você escolheu para si? É o
tempo existencial e histórico um tempo fechado, conclusivo e irreversível, ou
não? A teoria da reencarnação diz que sim, pois obriga a quem quer progredir,
voltar a repetir experiências que já teve. O que nossos escatologistas cristãos
não perceberam é a distância que separa a noção de tempo que distingue a noção
de tempo cíclico, própria da noção reencarnacionista.
O que tenciono deixar bem claro é o seguinte: na raiz
de toda a discussão envolvendo defensores e adversários da teoria da
reencarnação está a crença comum na continuação da vida após a morte. E que
nenhum progresso espiritual é possível enquanto erros e pecados da vida não
tiverem sido reconhecidos, corrigidos e reparados. Sobre esta base comum é
possível desenvolver um amplo e fraterno diálogo.
Padre Marcos Bach
ESPÍRITO LIBERTO
O pecado coletivo existe, mas a culpa é sempre
individual. A chamada culpa coletiva é uma ficção jurídica. O inferno está
cheio de indivíduos. Ninguém foi parar lá por ter sido apanhado num arrastão da
justiça divina. O pecado não é fruto de uma herança maldita pela qual o único
responsável último é o primeiro pai da humanidade. A teoria do Pecado Original
tem contribuído decididamente para enfraquecer a consciência moral dos que nele
creem. Foi provavelmente este aspecto negativo que Nietzsche tinha em mente
quando definiu a Moral Cristã como sistema de sustentação para pessoas sem
fibra própria. A luta contra o pecado representa um dos capítulos mais
inglórios e desastrados da História do cristianismo. O fato de tratar até mesmo
as ovelhas mais dóceis como se fossem viciados em drogas, em nada contribuiu
para melhorá-las. Pelo contrário: forneceu-lhes a desculpa de que necessitavam!
“É quase impossível viver sem pecado”, é o que dão a entender os ministros do
perdão. Por isso enchem suas igrejas de confessionários. É fácil livrar-se da
culpa e das consequências de pecados cometidos: basta uma confissãozinha de
cinco minutos e tudo volta a ser como era antes.
A Igreja católica oferece, a quem quiser lavar a sua
alma, uma bacia cheia de água bem maior do que aquela em que Pilatos lavou suas
mãos tintas do sangue de Jesus. As outras Igrejas cristãs ou pseudocristãs
facilitam o acesso ao perdão ainda mais. Facilitar o perdão é o mesmo que
convidar à reincidência. Deus é infinitamente misericordioso: não há dúvida. O
que a Igreja faz ao administrar o sacramento da penitência é tornar manifesto e
palpável o amor misericordioso de Deus, sempre pronto a perdoar. É possível que
a intenção seja esta. Mas também aqui é possível que os resultados não
concordem em tudo com o que se pretende. A prática do Sacramento do Perdão
(Confissão) ou é o momento culminante de um processo de conversão, ou, então, é
uma brincadeira. A palavra conversão significa aqui, neste contexto, muito mais
do que um simples arrependimento. Metanóia, que costumamos traduzir como
conversão, significa muito mais do que o abandono de uma vida de pecado.
Implica o início de uma nova vida, de um novo modo de ser, de pensar e de agir.
Marca a passagem de um tipo de relacionamento com Deus para outro,
essencialmente diferente. Seu significado mais profundo é religioso. Encarna a
transição de uma religiosidade do medo para outra, pautada e inspirada pelo
princípio da confiança absoluta. Uma confiança (= fé) que é recíproca. Convertido,
no sentido cristão (ou crístico) do termo, é o pecador que volta a depositar no
Amor de Jesus a sua mais absoluta confiança (= fé).
Vista sob este prisma, a conversão, a vida nova a que
Jesus se refere, o perdão do qual o sacramento da penitência é sinal
manifestativo, e não causa, é um momento religioso de repercussão cósmica, pois
é na vida de uma pessoa aquele momento que no Reino de Deus foi capaz de
provocar um clima festivo todo especial: “Há mais júbilo entre os anjos do céu
por um pecador convertido...” (Jo 15,10).
Há pecados que têm o poder de despertar o espírito do
homem para valores e fontes de felicidade que de outra forma permaneceriam
ocultos e inaproveitados. Exemplo típico são os pecados de Maria Magdalena. O
pecado não é necessário, mas pode ser útil, como o é o estrume num jardim. A
confissão frequente é um hábito malsão e nasce de um duplo equívoco: o de que o
pecado é uma fatalidade à qual até um santo não consegue escapar. E o que é
pior: o de que o pecado e seus efeitos podem ser reparados e neutralizados
dentro do espaço escuro, abafado e estreito e constrangedor de um
confessionário. O confessionário é o lugar onde a Igreja católica pretende
concentrar a sua luta contra o pecado. O confessionário, localizado no canto
mais escuro de uma igreja, veio substituir o patíbulo e as fogueiras do tempo
da Santa Inquisição. No confessionário o ministro do perdão divino é um
sacerdote. Só sacerdotes podem perdoar pecados e pecadores em nome de Deus. O
penitente participa do ato sacramental na dupla condição de vilão e de
agraciado. Quem o absolveu dos seus pecados foi o padre confessor.
É assim que funciona a prática do Sacramento do
Perdão. Não é de admirar, por isso, que tantos católicos (e cristãos) não
tenham mais consciência da real gravidade do pecado e o reduzam a um momento de
fraqueza. É o mesmo que dizer que os milhões de vítimas dos campos de
extermínio nazistas e comunistas devem a sua triste sina a um ataque ou momento
de fraqueza dos seus carrascos.
É esta mentira que é preciso desmascarar.
Padre Marcos Bach
COMO ACONTECEM AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS
A Igreja católica tem tudo para se transformar em
ponta de lança do cristianismo no mundo. Faz bem quando faz da santidade sinal
identificador do autêntico cristianismo.
Para isto não basta, porém, canonizar o maior número
possível de pessoas já falecidas. É preciso pensar no futuro, no perfil do
“santo” de que a humanidade e seu destino vão depender, mais do que nunca, do
que no passado.
Mais do que no passado a humanidade vai depender
destes “rari nantes in gurgite vasto”
a que se refere o poeta romano Virgílio em sua Eneida.
Multidões e massas humanas não fazem história.
Prestam-se, quando muito, ao papel de “caudatários”. Precisam da mão firme de
um chefe poderoso. São incapazes de possuir vontade própria. O máximo que deles
se pode esperar é obediência, obediência cega, de preferência.
As grandes transformações históricas sempre foram
patrocinadas por uns poucos como Jesus, como Francisco de Assis.
Quando alguém se lembrou de perguntar a Jung se
achava possível a eclosão de uma hecatombe nuclear, a resposta dele foi esta:
“vai depender do número de pessoas dispostas a passar do domínio do seu Ego ao
do seu Self”. Isto é: um pequeno número de pessoas altamente conscientizadas,
com ou sem poder político, dispõe do poder de impedir a destruição da
humanidade. É Jung quem o afirma.
Se um por cento da humanidade fosse composta de
pessoas dedicadas à meditação e à oração contemplativa, poderíamos pensar
tranquilamente em desativar boa parte dos nossos dispositivos de segurança
social. É o que constataram sociólogos americanos, interessados em pesquisar o
poder da oração. A oração a que se referem não é a que se realiza com a boca,
movendo os lábios. Refere-se à chamada meditação transcendental, a qual implica
um movimento interno, tendo como palco a consciência. Chama-se transcendental
esta forma de oração, porque transfere o campo da atenção consciente do domínio
do Ego para o dos planos mais sutis da consciência. É no campo da percepção que
acontecem as mudanças essenciais. Discernimento e vigilância mental são
atitudes que marcam a diferença entre um contemplativo e um católico
praticante.
Um julga que pode com suas obras e práticas piedosas
satisfazer todas as exigências da sua fé e cumprir deste modo o essencial dos
seus deveres de bom cristão. O contemplativo, ao contrário, não se contenta com
ser apenas um bom cristão. Sua fé em Cristo o impele a desenvolver os planos
superiores de sua consciência com o intuito de encontrar-se com Deus no interior
da sua própria consciência. O bom cristão reza,
ao passo que o contemplativo medita. É na qualidade da oração que está a
diferença.
Há, entretanto, outro fator que determina a diferença
essencial entre o cristão que se julga tal por estar em dia com suas obrigações
e o pequeno contingente dos que aspiram à santidade e à plena união com Deus. É
deste último que irá compor-se a Comunidade Cristã típica do futuro.
Padre Marcos Bach
APÓS A RESSURREIÇÃO DE JESUS A VINDA DO ESPÍRITO SANTO
O acontecimento central da História da Salvação é a
Ressurreição de Cristo. Se Ele não ressuscitou, também nós não ressuscitaremos.
Eliminando da consciência dos homens a esperança de
uma Ressurreição futura, não prestamos à Humanidade nenhum serviço. Pelo
contrário: reduzimos a história humana toda a uma farsa gigantesca. Nela a
morte terminará sempre por triunfar sobre a vida! Crer em Jesus é acreditar na vida e não na morte.
“Eu sou a Vida” (Jo 11,25).
“Minha vida é Cristo” (Gl 2,20).
Ninguém compreendeu a Cristo tão bem como o apóstolo
Paulo: “Nenhum de nós vive para si mesmo” (Rm 14,7).
Um mundo em que cada qual vive mais para si do que
para os outros, não é cristão!
Um dos grandes fracos do
cristianismo atual é o cunho individualista do seu conceito de Salvação. No
outro extremo encontra-se um conceito massificado de Salvação tão parcial e
unilateral quanto o anterior. O espaço intermediário que poderíamos definir
como pessoal-comunitário encontra-se à espera de quem o ocupe.
Uma pessoa não é número nem indivíduo. É alguém, anjo
ou homem, que não vive mais em função de si mesmo. Vive para alguém. Na vida de
um cristão este Alguém é Jesus personificado
e representado na pessoa do mais humilde e pequenino dos seus irmãos.
Ser irmão em Cristo é um título e uma
responsabilidade que devemos a Jesus. Quem tem a Deus como Pai e a Jesus como
Irmão, que mais pode querer da vida?
O resultado da Primeira Vinda de Jesus só pode ser
considerado modesto:
- Os donos do grande poder não diferem em nada dos do
tempo de Cristo.
- O cristianismo se encontra dividido em Igrejas que
não se entendem entre si.
- A distribuição de renda continua tão desigual e
injusta como sempre.
- A guerra continua sendo a arma preferida dos
poderosos.
- A devastação da natureza nunca foi tão grande como
hoje.
- O sofrimento, a miséria, a fome e a doença
continuam fazendo vítimas em proporção crescente.
- A exploração do homem pelo homem, do fraco pelo
forte, do pobre pelo rico, continua como se Cristo jamais tivesse existido.
Seria, sem dúvida, injusto atribuir todas estas
mazelas sociais ao cristianismo. Não foi o cristianismo que introduziu a
escravidão, a prostituição e a guerra. Tudo isto já existia antes. A culpa dos
cristãos e do cristianismo não reside no que fizeram, mas no que deixaram de
fazer. Pecaram por omissão.
Foram demasiadamente coniventes com os malefícios de
estruturas sociais notoriamente injustas. Um exemplo: a escravidão perdurou no mundo “cristão” até o limiar do século XX.
No Brasil, país católico cem por cento, ela só foi abolida em 1888 e sem a
ajuda da Igreja oficial. E foi abolida não por razões humanitárias, mas porque
já se tornara antieconômica.
Outro exemplo: a democracia
jamais foi vista com bons olhos pelas Igrejas cristãs. Todas elas são regidas
por pastores. De todos o menos democrático é o regime de governo da Igreja
católica. Lá quem manda e decide em nome de todos e sem procuração é um punhado
de clérigos. Nela só homens, e de preferência celibatários, podem desempenhar
as funções de representantes de Cristo na terra.
Olhando de perto e sem falso respeito para a
realidade, dá para perceber que nos encontramos às vésperas de um Novo Tempo.
Um Novo Tempo pressupõe o fim do anterior. A palavra
fim dos tempos ocorre com frequência nos Evangelhos. Será acompanhada de um
julgamento, mas não será o fim do mundo ou o fim da história.
Se os líderes das diversas Igrejas cristãs tivessem
alguma forma de acesso às luzes da razão e da fé, tomariam consciência do
triste espetáculo que oferecem à Humanidade.
Deus quer que todos sejam um. A atual divisão do cristianismo em igrejas e seitas é o exato
oposto do que Jesus, em sua Oração Sacerdotal , pediu ao Pai: “Que todos
sejam Um” (Jo 17,11).
Como posso chamar de amigo ou de irmão alguém que não
só não mora comigo na mesma casa, mas faz questão de não frequentar a mesma
igreja que eu frequento? A Igreja católica fica em muitas cidades do outro lado
da rua, a mesma em que os protestantes vão aclamar a Deus como Pai comum de
todos. A distância física que separa as duas igrejas é mínima. Poucos passos seriam
suficientes para quem quisesse ir de uma das igrejas à outra. Mas é
praticamente incomensurável a distância ecumênica que separa as almas dos que
rezam ao Pai Celeste, separadas entre si por uma verdadeira muralha de
preconceitos baseados em dogmas enferrujados.
O grande espetáculo de
fé que o cristianismo ainda está devendo à humanidade pode ser definido de
maneira muito lapidar e convincente com estes termos: “Vede como eles se amam”!
Padre Marcos Bach
VIDA NOTURNA NO SUBSOLO CULTURAL
Como explicar o que está acontecendo no subsolo
cultural definido em má hora com o pomposo título de vida noturna? Por que
nossa juventude parece estar mais empenhada em se autodestruir do que em
descobrir formas mais ricas de viver a sua juventude? Por que não descobriram
que acumular experiências agradáveis é imprescindível quando se tem o propósito
de viver um dia “relibando” o gosto agridoce da saudade? É que eles são aos 20
anos tão velhos como nós. Somos nós, seus pais e educadores que os impedimos de
serem jovens, porque nós mesmos já não sabemos mais o que significa ser jovem.
O que, então, significa ser jovem? E o que significa ser adulto?
Para um bando de chimpanzés sexo é, acima de tudo,
festa, diversão e prazer. Na vida deles predomina o interesse pelos aspectos
lúdicos do intercurso sexual. Num bando de brotos humanos acontece o mesmo. Sob
este aspecto e neste terreno ainda continuamos tão parecidos com nossos “irmãos
bonobos” que estes poderiam pensar que somos, nós e eles, membros da mesma
família, não fossem a fumaça e o álcool sem os quais nós e nossos jovens não
conseguimos imaginar sequer como organizar uma festa.
Orangotangos, gorilas e chimpanzés sabem como se
divertir. Nós é que não sabemos como fazê-lo sem comprometer a saúde e o futuro
da própria espécie. A maior parte dos animais aproveita a noite para dormir.
Seus encontros “amorosos” acontecem durante o dia. Só as espécies que trocaram
o dia pela noite é que não obedecem a esta regra. Não é apenas o gambá e o
graxaim que só saem de noite. Também nós transformamos a atividade sexual em
fenômeno escuso e a reservamos às horas caladas da noite. Por que isso? Por que
dedicamos as horas do dia, o espaço nobre de nossas vidas ao trabalho, à luta
inglória pelo pão de cada dia, reservando às horas “perdidas” da noite algo de
tão essencial quanto é nossa vida afetiva?
É a este tipo de pergunta que devemos resposta se
queremos escapar com vida das teias e armadilhas em que nos encontramos. O
jovem que associa liberdade com maconha e álcool é tão retrógrado e inimigo da
liberdade quanto o fundamentalista religioso que associa e confunde Fé em Deus
com fanatismo e imobilismo social.
Há ingênuos que imaginam o caminho do progresso
humano como estrada pavimentada por deuses. A estrada está pronta, é só
aproveitá-la, lhe dirão... A ideia de que a evolução futura da espécie humana
já se encontra inscrita e registrada em seu potencial genético pode muito bem
ser mais falsa do que verdadeira. É preciso não esquecer que o ser humano é
sempre muito mais do que o que está registrado em seu DNA.
Não será de um processo de manipulação genética que
vai depender o futuro da humanidade. Será uma opção, resultado de uma vontade
política, que fará a diferença entre os que, sentados à margem, assistem
passivamente à passagem da caravana e os que descem à estrada e passam a fazer
parte da caravana.
O futuro da humanidade não é tranquilo. O experimento
homem se encontra apenas em sua fase
inicial. A natureza dinâmica deste projeto não permite atitudes muito
conservadoras já que num corpo em crescimento o número do sapatinho de ontem já
não serve mais no dia de hoje.
Ser jovem significa crescer. O que caracteriza a
juventude é a pujança impetuosa de sua natureza que a impele a “crescer” em
todas as direções e em todos os sentidos.
Uma planta é jovem enquanto cresce. No dia em que para
de crescer tem início um processo de decadência a que damos o nome de morte.
Morrer é o mesmo que não poder crescer mais. Envelhecer significa aceitar esta
realidade. Não envelhecem os que não se conformam com a ideia de que o homem é
apenas um corpo, igual a tantos outros e que a vida humana se encontra
submetida à lei da entropia, como qualquer outro representante da biosfera.
O princípio que regula a vida de uma planta ou de um
animal não é o mesmo que regula e decide o valor de uma vida humana. Uma pedra
não cresce e um animal só cresce num sentido e numa só direção. O ser humano,
ao contrário, pode crescer em muitas direções. O tempo de vida de um homem não
é o mesmo do de um animal.
A fé cristã nos ensina que o homem não morre
juntamente com a desintegração do seu corpo físico. Existe uma dimensão póstuma
da existência humana com a qual é preciso contar se queremos entender algo a respeito
do sentido real da presença do homem sobre a face deste nosso maravilhoso
planeta, tão pequeno e contudo tão generoso em suas demonstrações de afeto. É
só passar em revista a coleção de frutas que coloca em nossas mesas.
Nossa civilização é velha porque só velhos têm o
direito de dizer aos jovens o que significa ser jovem. Os santos que a Igreja
católica apresenta como exemplos de vida cristã são todos velhos e pouco se
parecem com o perfil do herói que o mundo jovem prefere como ídolo.
Se o homem é realmente um ser adorador por natureza,
como queria o poeta francês Verlaine, então o jovem é o mais humano de todos,
pois ele, mais que ninguém, precisa encontrar pela frente alguém que possa
adorar.
Padre Marcos Bach
A LEVEZA DO AMOR
Não há dúvida: o Pai do
Céu nos ama! Mas não alardeia este fato aos quatro ventos! Obriga-nos a
procurá-lo e a descobri-lo! Como todo bom cavalheiro, Deus é discreto: seu Amor
não pesa, não fere e não machuca ninguém. É leve como a luz!
É esta leveza que o devasso profana! Jamais
deveríamos aceitar como sendo cristão um sistema moral que acrescenta mais peso
ao que já é pesado por natureza.
Vida é leveza! É por isso que as plantas crescem para
cima! Não fosse a sua leveza, astro algum conseguiria flutuar no espaço com a
elegância que lhe é própria.
Sabemos (ou poderíamos saber) que o amor torna leve o
que sem ele seria simplesmente insuportável! O amor pode tornar leve e feliz
até a vida de um escravo!
Se em nada o diminuiu, o que Cristo veio acrescentar
ao amor humano? Primeiro transformou-o em moeda corrente, igualando em
dignidade o amor do pobre ao do rico, o amor da faxineira ao do sacerdote. Mais
do que supor e exigir igualdade, o amor a cria.
Lá onde existem diferenças de ordem hierárquica, o
amor ainda não teve tempo ou oportunidade de manifestar-se em toda a sua
pujante plenitude!
Jesus se parecia tanto com os seus discípulos que
Judas teve que dar um sinal aos soldados que o vinham prender.
O pedaço de pão dado a um faminto tem o mesmo valor
que o pão eucarístico, pois em ambos o que determina o valor aos olhos de Deus
é o amor com que é praticado e não o gesto em si. “Se tiveres alguma diferença
com teu irmão, deixa o sacrifício e reconcilia-te primeiro com ele” (Mt 5,24).
Jesus popularizou o mandamento do amor. Há, no
entanto, quem acha que Ele foi longe demais e que acabou vulgarizando o amor,
despojando-o de certa aura de sacralidade ligada a formas de vida consagrada ao
culto divino.
No pensamento de Jesus todo amor dignifica, eleva e
enobrece! Não são as pessoas que degradam o amor ou o tornam nobre. O amor
possui o poder de enaltecer aos olhos de Deus tanto aquele que ama quanto
aquele que é amado! O desejo de ser amado faz parte de uma boa saúde
psico-moral e mental! A necessidade de amar é a mesma que a de respirar!
O que Cristo veio trazer-nos é um amor novo, uma faculdade
qualitativamente superior de amar. Fez o que o pomicultor faz quando enxerta
uma das suas macieiras silvestres. Pode-se comparar a contribuição de Cristo à
economia da evolução humana com a atividade de um perito em horticultura. Jesus
chama a Deus de agricultor (Jo 15,1).
O vigor e a vitalidade de um bom enxerto depende de
dois fatores básicos:
1) O chamado “cavalo” ou “hospedeiro” será tanto mais
apropriado à tarefa quanto mais selvagem e rústico for. Pode ter espinhos e não
produzir mais que frutos inaproveitáveis, mas deve ser resistente a pestes e
pragas. Mais que tudo deve ser perito na arte de deitar raízes, raízes
abundantes, fortes e profundas! Deve ser especialista na arte de tirar do solo
e da atmosfera o máximo de nutrientes aproveitáveis!
Sua contribuição para a produção de belos frutos é
indireta, mas absolutamente indispensável. É ele que aproveita o adubo colocado
em seu raizame. É ele, o humilde “cavalo”, que transforma umidade em seiva e a
canaliza para o alto da planta. Os frutos, quem os produz são os ramos, mas o
mérito principal por tudo não lhes pertence!
2) O “hóspede” que veio morar na mesma planta
juntamente com o “hospedeiro” formando com ele um todo indissolúvel, é de
estirpe mais nobre! É representado sob a forma de uma “gema” ou de um ramo
extraído de um galho ou ramo produtivo de uma planta adulta. Numa planta bem
enxertada só a gema tem o direito de brotar e de se expandir. É extremamente
importante impedir o aparecimento de “ladrões”, de rebentos parasitários, tão
vorazes quanto uma célula cancerosa! O erro do tumor cancerígeno e maligno não
reside no fato de andar sempre com fome, mas no fato de se esquecer de que
pertence a um Todo Maior e que outros
conjuntos orgânicos também andam com fome.
O amor próprio passa a se tornar cancerígeno e
maligno a partir do momento em que nos esquecemos de reparti-lo! Quem casa com
a intenção de acrescentar algumas vantagens a mais à sua liberdade de solteiro,
está redigindo o primeiro parágrafo do seu futuro pedido de divórcio!
Padre Marcos Bach
A VERDADE COM CORAGEM DE OUSAR
A verdade, à qual todos os espíritos lúcidos terminam
por declarar a guerra, é aquilo que o ministro religioso, o representante do
povo, o cientista apresentam como verdade. É a verdade oficial.
-É aquela interpretação da realidade imposta à fé
incondicional do povo.
-É uma verdade que põe fim à dúvida e torna
desnecessária e até mesmo ilegítima qualquer procura ulterior.
-É aquela verdade que exclui toda e qualquer
interpretação divergente.
-É a verdade que sempre coincide com os interesses do
poder, sejam eles quais forem.
-É a verdade que se dá muito bem com o dólar.
-É a verdade que coabita mais facilmente com o medo e
a ignorância do que com a coragem de quem ousa pensar por conta própria.
-Ela é, enfim, o único pensamento com direito de
circular, depois que todos os outros foram reduzidos ao silêncio.
-É aquela visão que se tem quando se olha a realidade
de cima, do alto de uma cátedra, do alto de um trono e do alto de uma tribuna.
Cátedras, tronos e tribunas são símbolos. São lugares onde se exercita, se faz
e se prega exatamente o oposto de tudo aquilo que Cristo encarnou em sua
Pessoa, em sua Vida e em sua Palavra.
O medo de ideias novas é generalizado. O povo
aprendeu a suspeitar de tudo o que é novo, diferente. Acostumou-se a ver em
toda mudança um gesto de infidelidade, uma traição à verdade. O povo é lerdo,
mais lerdo e vagaroso que mil juntas de bois de arado. Mas isso é bom para a
manutenção do status quo. Isto é,
convém aos de cima que o povo seja assim tão fiel, tão crente e tão devoto.
Cristo foi um homem
lúcido e extremamente corajoso, honesto e coerente consigo mesmo. Nele se pode
observar uma coisa muito rara: a coerência absoluta entre pensamento, palavra e
ação. Por isso é que foi morto. E quem o levou à morte foram os donos da
verdade política e religiosa do seu povo, todos eles campeões da impostura e de
um cinismo ético absolutamente brutal.
Um cristão que
insistisse em viver a sua fé de acordo com o mesmo espírito de autenticidade
integral teria ainda hoje o destino que teve um Nietzsche, um Teilhard de
Chardin, os irmãos Boff aqui no Brasil. Só quem tem vocação para mártir ousa
ser cristão integral. A absoluta maioria estagna e para a meio caminho entre a
fé cristã radical e suas imitações domesticadas. Os inquisidores, grandes e
pequenos, costumam acorrer pressurosamente com suas tesouras e instrumentos de
poda toda a vez que alguém vai “longe demais” na interpretação da fé.
E como é fácil ir longe
demais!
-Basta dar um pequeno
passo para fora e para além da fase oral de uma fé passiva e meramente
receptiva.
-Basta assumir a sua fé
como um dom divino pessoal e não como concessão de uma Igreja.
-Basta sair da atitude
receptiva de ovelha para atrair sobre si os anátemas dos inquisidores e de seus
patronos.
-Basta encarar a fé como
responsabilidade pessoal de procurar e criar.
-Basta reivindicar para
si um pouco daquela autonomia soberana que é apanágio da fé cristã.
-Basta chegar à
conclusão de que o alambrado que fecha o espaço do redil não tem como
finalidade impedir as ovelhas de ir além, mas de impedir os lobos de chacinar
as ovelhas.
O que Nietzsche viu como ninguém é aquela parte da realidade que
todo lobo matreiro quer esconder. A saber: há mais lobos dentro do redil
travestidos de pastores do que lobos vestidos com a pele da ovelha.
Vivemos num mundo necessitado de reformas. A nossa
realidade sociocultural, religiosa, econômica e política não passa de um
escoadouro imenso de mentiras.
O faz-de-conta, a aparência tomou por completo o
lugar da realidade. Transferimos para a área do pensamento pragmático o núcleo
de toda e qualquer verdade objetiva. A técnica orienta a pesquisa científica.
O Vaticano tornou-se centro e o critério último de
verdade para os católicos. O que é bom para os Estados Unidos é bom para o
resto do mundo. O que é bom para a União Soviética é bom para um terço da
humanidade.
A realidade do homem já não é mais critério moral,
político ou religioso. A verdade passou a ser uma ferramenta. Há muito que ela
já não está mais a serviço da liberdade. A coisa que os autocratas religiosos,
os ditadores e os banqueiros internacionais temem mais que o diabo é a verdade posta
a serviço da liberdade. “Veritas
liberabit vos”.
A verdade que liberta é substituída com o recurso de
todos os meios de comunicação de massa pela liberdade de consumir sem freios
nem restrições. Não se eleva o salário do operário a não ser com a intenção de
aumentar sua capacidade de consumo. A isto até a Igreja dá o nome de justiça
social. Não é preciso penetrar mais a fundo na realidade social e cultural,
política e religiosa de nossos dias para ter uma ideia da quantidade de
mentiras que se escondem no bojo deste “Cavalo de Tróia” chamado “Verdade”.
Padre Marcos Bach
A NOSSA RESSURREIÇÃO
O apóstolo Paulo, que
tanto se orgulhava da sua condição gloriosa de ressuscitado em Cristo e com
Cristo, mencionou a ressurreição, a nossa ressurreição, como fato já consumado:
a “ressurreição já se realizou” (2 Tim 2,18). Já nos podemos considerar
ressuscitados dos mortos. A morte já não tem mais poder algum sobre os que
depositaram toda a sua fé em Cristo. “A morte não tem domínio sobre ele” (Rm
6,9).
1) O Apocalipse menciona
repetidas vezes a existência de uma “segunda morte” (Ap 21,8), dando com esta
afirmação a entender que a morte faz parte de um processo que se estende para
além do tempo histórico.
A egolatria é um vício
do qual só poucos conseguem livrar-se completamente antes de morrer. No terreno
do desenvolvimento espiritual não há lugar para respostas automáticas. A morte
não nos vai levar a um mundo povoado de painéis, cada painel repleto de chaves
e teclas, bastando apertar a tecla certa para obter a resposta correta. Quem em
dias de sua vida terrena sempre procurou estar do lado certo, vai continuar a
procura do lado certo. Se em vida sempre identificou como lado certo aquele em
que se encontra a maior parte das pessoas, vai fazer o mesmo. Quando muito vai
se decidir pelo lado em que se encontra uma quantidade maior de pessoas
importantes. Um católico romano optará pelo lado em que se encontra a maior
parte de papas e de bispos. De monges e de freiras.
2) A fé que salva não é
aquela que nos oferece certezas, mas aquela que nos joga no torvelinho de um
mar de dúvidas com a tarefa de criar uma certeza nova. Quem navega no oceano da
fé não vai de uma certeza para outra, mas, ao contrário, deixa para trás uma
incerteza e a troca por uma nova certeza. Mas esta mesma certeza não tem vida
longa. A fé não resulta do acúmulo de certezas. Ela não cresce nem se
desenvolve gerando segurança. Pelo contrário. O apóstolo Paulo se queixava no
fim da sua vida de “não saber se era digno de elogio ou não” (I Cor 15,9).
A fé em Cristo nos dá
apenas uma certeza, a de que o amor de Deus é absoluto, mas ela mesma não se
alimenta de certezas. A fé em Cristo não cresce em nós porque nos podemos
apoiar em razões sempre mais convincentes. É, portanto, falha e completamente
equivocada uma catequese destinada a provar, seja lá o que for. A fé cristã não
se alimenta de provas.
A razão não foi dada ao
homem para completar a fé. Em certa medida pode-se dizer que a razão é a grande
inimiga da fé.
3) O objeto da fé é o
mistério. A fé, mesmo a fé em Cristo, não se destina a fornecer explicações.
Apenas diz o que é, mas não diz porque é assim. A única verdade com relação à
morte é esta: ela não ocorre no termo final da vida, mas representa apenas o
início e o momento inaugural de uma nova fase da mesma vida que aparentemente
chegou ao fim. Está na hora de pensar seriamente em substituir a concepção
terminal da morte por outra mais condizente com a realidade. Esta outra
concepção podemos defini-la como inaugural.
Se alguém dissesse que a
vida das pessoas só começa a se tornar real a partir do momento em que ela
morreu, poderíamos concordar com ela, desde que atribua não à morte, mas à
ressurreição o destino ulterior da sua vida. Devemos ao apóstolo Paulo esta
preciosidade teológica: “Assim como uma estrela difere das outras, do mesmo
modo os corpos ressuscitados diferem uns dos outros” (I Cor 15,15).
A destinação inicial dos
que morrem é determinada pelo modo como cada pessoa viveu a sua vida. Quem
viveu sua vida servindo à corrupção, não deve esperar outra coisa após a morte,
a não ser um prolongamento da forma como viveu sua vida até então. Quem quer
participar da gloriosa ressurreição de Cristo tem que ter vivido como Cristo
viveu e ser tão livre como Ele foi.
Padre Marcos Bach
A LOUCURA DA CRUZ DE JESUS CRISTO
O
que distingue o projeto messiânico de Jesus dos de outros salvadores da
história anteriores e posteriores a Ele é o fato de ter encontrado nele um
lugar e um papel positivo para o sofrimento. Quem contempla Jesus pregado numa
cruz, o instrumento de morte mais cruel inventado pelo homem, contempla um fato
inédito na história. Nem Buda nem Maomé permitiram que seus inimigos os
prendessem e condenassem à morte. O que foi possível ver e assistir naquela
memorável “Sexta-feira Santa” em que o Filho de Deus foi executado como se
fosse um criminoso qualquer e na companhia de dois ladrões, isto é, de dois
“homens-bomba” pilhados antes de terem tido tempo de pôr em prática o seu
intento, só pode ser classificado adequadamente como manifestação de loucura.
Loucos
eram os que mataram a Jesus Cristo, uivando de júbilo por terem conseguido
livrar-se dele. Mais louco do que eles, seus assassinos, era o Homem que
escolhera livremente esta forma de se despedir da vida.
Quando
o apóstolo Paulo sintetiza a essência da fé cristã com a palavra loucura da
cruz (I Cor 1,18) como a essência da sua pregação, tomou o cuidado de
distinguir o que entende por loucura de Deus do que entende por loucura do
mundo. A “loucura de Deus é sabedoria” (I Cor 1,25), enquanto a loucura deste
mundo é insanidade mesmo! Até “a sabedoria deste mundo é loucura”, diz Paulo (I
Cor 3,19).
Quando
os carrascos puseram fogo à pilha de lenha em que Joana d’Arc iria morrer,
apareceu um representante da Santa Inquisição e lhe apresentou um crucifixo
para que ela o beijasse em sinal de arrependimento, tornou-se visível que a
Igreja do século de Joana d’Arc já não era mais a mesma do tempo dos mártires!
Tudo
o que lembra cruzada destoa por completo do espírito de Cristo, pois a cruz de
Cristo é símbolo de redenção e não de perseguição. Aquele que mata para não ser
morto não pode fazê-lo em nome de Cristo que deu a sua vida, mas não tirou a de
ninguém (cf. Mt 20,28).
“Eu
vim para que tenham vida” (Jo 10,10). As cruzadas, como a jihad islâmica, não
brotaram da lei do amor nem do espírito de Jesus.
Jesus
era manso e humilde, mas não era pusilânime ou covarde. Dispunha de tamanha
energia e força que podia permitir-se o luxo de ser manso e de responder com um
sorriso indulgente às artimanhas de seus inimigos. A cruz de Cristo coloca a
humanidade toda, e a cada alma em particular, acima do sofrimento e fora de seu
alcance. Enquanto o corpo e a alma sofriam, seu espírito continuava unido a
Deus.
O
masoquista é um doente mental que encontra prazer no sofrimento. O místico
cristão, ao contrário, não sofre por amor ao sofrimento. Não ama porque sofre,
nem é a cruz que abraça, mas Jesus Cristo pregado nela. Não vê a Cristo como
companheiro de sofrimento com o olhar com que num hospital um doente olha para
outro. A “Cruz de Cristo” nos ensina que não é o sofrimento que nos santifica
nem o amor com que o abraçamos. O que nos santifica, em verdade, é o amor com
que respondemos ao amor infinito de Deus.
A
cruz, instrumento de morte, Jesus a transformou em altar e em sacramento de
salvação. A “Cruz de Cristo” não é apenas aquele madeiro em que foi pregado
perto de dois mil anos atrás. A “Cruz de Cristo” é o sofrimento da humanidade
toda desde que foi expulsa do Paraíso até o último minuto de sua história.
Jesus
morto foi tirado da cruz, mas o Cristo Ressuscitado continua comprometido com o
sofrimento humano mais do que nunca. O fato de ter subido ao céu e de ter
ocupado o seu lugar na “Glória do Pai” não significa que, além do pecado e da
morte, deixou de compartilhar com os homens também o sofrimento.
Diz
a lenda que quando escavadores encontraram no alto do Gólgota a cruz em que
Jesus morrera, o Imperador Constantino tomou a si a tarefa de carregá-la até a
basílica onde seria exposta à veneração pública. Com o fito de conferir à
cerimônia um brilho maior, ele mesmo se vestiu com o máximo de pompa. Mas no
momento em que ia colocar a cruz às costas notou que ela era pesada demais para
seus ombros. Alguém então lhe sugeriu que fosse trocar de roupa, substituindo o
manto de púrpura e a coroa imperial por um traje mais condizente com o
simbolismo da cruz. Foi o que Constantino fez e quando a tomou de novo em suas
mãos percebeu que ela era leve e fácil de ser carregada!
O
que torna a vida humana pesada é o sofrimento absurdo que as pessoas se
infligem a si próprias e a seus semelhantes.
A
morte de Jesus não é o remate de uma vida fracassada nem o capítulo final de
uma tragédia. A Paixão de Cristo forneceu a Johan Sebastian Bach a inspiração
para uma bela composição musical. O que Katharina Emmerich descreve em suas
“visões” pode ser descartado em boa parte como obra de uma mente “seriamente
perturbada”.
Jesus
sofreu, é verdade, mas não passou a vida sofrendo. Se tomou parte em festas é
porque sabia divertir-se. Se compartilhou um copo de vinho com seus amigos
certamente não o fez chorando. A morte na cruz é apenas um pequeno capítulo na
vida de Jesus, extremamente importante, é verdade, mas pouco significativo no
conjunto total de sua vida terrena. Não foi o único a morrer na cruz naquela
sexta-feira.
A
Paixão de Cristo foi isolada do contexto geral de sua vida e sofreu um
tratamento político-ideológico que fez dela um acontecimento único na história
e totalmente fora do comum, quando na realidade não passou de episódio
corriqueiro na época e na Palestina de Jesus.
O
fato de ter morrido na cruz não contribui para fazer de Jesus um herói digno de
veneração. O fato de ter morrido na cruz não significa que derramou, para nos
salvar, todo o seu sangue. É sabido que a morte na cruz não acarreta grande
perda de sangue. Por que o cristianismo descambou para uma forma tão
sadomasoquista e esquizofrênica visão da Paixão de Jesus?
Jesus
desceu do madeiro da cruz há muito tempo e nada indica que volte a repetir a
mesma dose. Mas a humanidade continua tão crucificada como nos tempos de Jesus.
Crucificada a leis iníquas, a uma ordem social visceralmente injusta. Metade da
humanidade passa fome! O povo norte-americano representa seis por cento (6%) da
população mundial, mas consome e desperdiça quarenta por cento (40%) do que é
produzido no mundo. Não há Igreja cristã que não necessite de uma corajosa
vassourada!
Jesus
gostaria que a Sexta-feira Santa durasse o ano todo e todas as Comunidades
Cristãs a chorar com os que choram, em vez de carpir e lamentar a morte de
Jesus. Jesus não pede que tenham pena dele, mas aceita com prazer e carinho
toda e qualquer demonstração sincera de amor! E foi explícito num pormenor: a
medida do genuíno amor a Deus é o amor ao próximo! “Filhinhos, amai-vos uns aos
outros”, recomendava o apóstolo São João a seus ouvintes. Estes se queixaram a
ele, dizendo: “Mestre, por que pregas sempre a mesma coisa?” “Porque é
mandamento do Senhor. E se for cumprido, tudo o mais deixa de ser importante”
(cf. I Jo 4,7).
Todo
aquele que se reveste de um máximo de autoridade e poder é mau pastor, porque
se esquece de que no seio de uma Comunidade Cristã não há espaço para senhores.
Nela só há lugar para irmãos, onde todos podem tomar o seu prato e servir-se no
mesmo “buffet”.
Padre Marcos Bach
COMO DESCOBRIR O NOSSO INTERIOR
Quanto mais uma pessoa
se afasta do mundo que a cerca e penetra em seu interior, tanto mais ela se
descobre como sujeito dos seus atos, e tanto menos se vê como objeto.
Todo diálogo interior se
realiza em três níveis diferentes. Tem-se a impressão de que são três os
interlocutores que se defrontam.
1) O primeiro fala em
nome do que a pessoa já foi. É o porta-voz do passado. Carrega em seu bojo o
conhecimento e a lembrança de tudo o que a pessoa já experimentou ao longo da
trajetória evolutiva. Esta trajetória teve início muito antes do início dos
tempos no pensamento criador de Deus tanto como em sua vontade. Cada ser humano
ainda traz em seu interior um órgão psíquico que lhe permite tomar contato com
este seu passado: é o Eu Superior, como alguns estudiosos da psique humana o
chamam. Outros lhe dão o nome de Self. Outros o chamam de Quem Sou Realmente,
opondo-o aos muitos “eus” fragmentados dos quais nos investimos ao longo de um
dia de vida. Creio que ninguém chegou mais perto da verdade do que Khalil
Gibran e que lhe deu o nome de Eu Divino. É este o lugar onde Deus está à
espera dos que desejam “adorá-lo em Espírito e Verdade” (Jo 4,24).
2) A única maneira de
reviver episódios do passado é concentrar toda a sua atenção no momento
presente, no agora. O passado não deve ser visto como tempo morto. Posso
trazê-lo de volta à vida, pois ele se encontra apenas adormecido.
Tem razão Khalil Gibran
aos que afirmam ser bem pequeno o número de pessoas despertas, pois a maioria
vive a sua vida em função de desafios que o tempo lhes oferece. Poucos são os
que como o Santo Jesuíta Luis de Gonzaga a viveu em resposta à pergunta: “Quid hoc ad aeternitatem?”. “O que ainda
vai ter valor quando o tempo tiver esgotado o seu arsenal de desafios?” Esta é
a única chave de interpretação quando se quer saber qual o sentido último da
nossa passagem por este planeta.
Passado e futuro na
realidade só existem como abstrações, como criaturas de mente humana. Quem
passa a sua vida perdido em preocupações cuja finalidade é impedir que o
passado morra, perde o seu tempo, pois tempo que não desemboca na eternidade é
tempo perdido.
Se passado e futuro não
existem a não ser como abstrações da mente humana, então real é só o que é
eterno. A morte equivale a uma transposição, a uma mudança de curso. As águas
da vida já não fluem mais, como antes, de um impermanente para outro, mas do se
põe a fluir em sentido contrário: do um permanente para outro, mais permanente.
3)
A pessoa, homem ou mulher, culta ou analfabeta, dotada de senso prático, quer
saber como efetuar esta transposição, esta mudança de curso, já em vida, “hic et nunc”. Ou será que deve esperar
pela morte física para dar início à vida eterna?
Ascetas e místicos
sempre usaram a palavra mortificação para definir o caráter destrutivo desta
mudança de rumo. Perde a sua vida quem não se anima a perdê-la. “Quem quer
salvar a sua vida, perdê-la-á” (Mt 16,25), ensina Jesus.
Quem não souber morrer
em vida não saberá como enfrentar a morte. A morte não é uma fatalidade, uma
desgraça inevitável, que em nada contribui para melhorar a qualidade de vida
dos que se negam a ver nela mais que um “finale”
inglório, uma indecência desnecessária.
Tudo está a nos dizer
que o dia de nossa morte será o mais belo da nossa vida! Quem se nega a morrer
não é a alma, mas o ego, a instância usurpadora da nossa psique. Usurpadora
porque ocupa um lugar que não é o seu. Pior que isto: condenou à marginalidade
o Eu Superior, o único agente psíquico capaz de desempenhar o papel de centro
criador da personalidade humana.
Padre Marcos Bach
O PODER DA ORAÇÃO
O poder da oração é real
por duas razões:
1º - É vibração
energética espiritual de altíssima intensidade.
2° - É atividade em que
a participação de Deus e decisiva.
Logo, a oração é um modo de concentrar quantidade
formidável de energias superiores extremamente poderosas. O uso que se faz
destas energias é, no mínimo, tão decisivo quanto o próprio potencial
energético disponível. Aí, me parece, é que entra o abuso.
Desviar as energias espirituais, mobilizadas por meio
da oração, de seu objetivo primordial, só pode ser tomado como abuso. Qual é,
porém, esta finalidade principal da oração? É a união com Deus. É a
santificação, a identificação cada vez maior com a pessoa de Jesus Cristo.
A finalidade da oração é colocar o ritmo do nosso
amor em sintonia com o Amor Divino. Pois a oração faz com que sejamos
assimilados de forma crescente ao ambiente divino em que “vivemos, somos e nos
movemos” (At 17,28).
Todos os grandes artistas, estadistas e santos de
todos os tempos foram pessoas que meditavam e refletiam intensamente.
Encontravam-se, por isso, mas próximos da realidade do universo paralelo, onde
o contato com a verdade dispensa a mediação dos sentidos e da razão.
O místico sempre acreditou que no interior da
consciência humana é o local onde a criação atinge os mais elevados patamares
de desenvolvimento e perfeição. O retorno à sua origem espiritual o universo
não o fará “explodindo”, mas “implodindo”, tornando-se consciência reflexa. A
fuga das galáxias e a fuga do homem moderno para a atividade exterior não
representam mais que um momento secundário no conjunto da evolução da matéria.
No momento essencial segue em sentido oposto, de recolhimento e de interiorização. Não ocorre, no tempo existencial
de cada ser humano, nada verdadeiramente mais digno de sua condição espiritual
que o encontro face a face consigo mesmo. Pois é este o objetivo do encontro face
a face consigo mesmo. E é este o objetivo da meditação.
É certo, para poder assumir pessoalmente a
responsabilidade plena por sua vida, é necessário um grau relativamente elevado
de maturidade psicomoral. A pessoa deve ser capaz de elevar-se acima da inércia
paralisante do ambiente social em que vive. Mais, deve querer sair da
mediocridade de uma existência asfixiada e asfixiante se este for o caso. Tudo
o que vier pela frente depois desta opção decisiva terá que ser levado “no osso
do peito”. Aquele que nesta jornada tiver a sorte de encontrar um companheiro
de aventuras está com a metade das chances de sucesso garantidas.
Padre Marcos Bach
COMUNHÃO DE FÉ ENTRE TODOS OS CRISTÃOS
Cristo continua presente na história da humanidade?
Seus mais graduados representantes na terra dizem que não. Ao menos se
comportam como se assim fosse. O papa se intitula “Vigário de Cristo” e
“lugar-tenente” (locus tenens) de
Deus na terra. Nas Igrejas cristãs tudo está organizado como se Cristo não
estivesse presente, como se o Espírito Santo tivesse tomado férias.
A Igreja não só
representa a Cristo, mas ocupou o seu lugar. Quem quer ser cristão e pleitear o
direito a um lugar no Reino de Deus tem que ser membro de uma das muitas
Igrejas que se dizem cristãs e atribuem a sua origem a Cristo ou a uma
inspiração do Divino Espírito Santo.
Qual a Igreja cristã que trata os membros de outras
Igrejas verdadeiramente como irmãos? Qual o católico que é convidado a praticar
a sua fé em comunhão de fé com a de membros de outra confissão, como
protestantes ou ortodoxos?
Nos Livros Sagrados está escrito que “Jesus subiu ao
céu quarenta dias depois da sua ressurreição” (At 1,11). Porém, lá também está:
“Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). E Mateus conclui o seu Evangelho com
estas palavras de Jesus: “E eu estou convosco todos os dias até a consumação
dos séculos” (Mt 28,20).
Jesus não se retirou da vida dos homens. Não subiu ao
céu porque nunca o abandonara. Nunca abandonou a vida nem a perdeu. O fato de
tê-la entregue e de permitir que o crucificassem não foi uma perda, mas um
ganho. Quem quer participar com Jesus da sua gloriosa ressurreição tem que
morrer primeiro (Lc 24,26).
Existem duas maneiras de liberar a energia contida
num átomo. Uma consiste em levar dois átomos a se fundir e a unir desta forma
seus núcleos. No campo do relacionamento humano isto se dá quando duas pessoas
se amam. Da qualidade e da intensidade deste amor depende o volume de energia
liberada. A outra maneira de produzir energia atômica consiste em levar um
átomo a se desintegrar. A fissão atômica é um processo mais rudimentar, mais
primitivo e mais sujo do que o método da fusão. No terreno político-social é
mais fácil dividir do que somar. Por muito tempo prevaleceu no campo da
pesquisa científica o método analítico que consistia em separar um objeto dos
demais e dividi-lo depois em suas partes. Hoje sabemos que esta não é a melhor
maneira de adquirir conhecimento científico. Não se pode separar uma planta ou
um animal do seu ambiente e do nicho ecológico em que se encontra sem torná-lo
irreconhecível.
Uma planta é um ser vivo em permanente comunicação
com todos os demais seres vivos, desde o homem até a bactéria.
A ideia de que tudo é composto de partes que se
juntam para formar um todo está sendo substituída por outra, a de que real é
apenas o todo e que o que classificamos como parte é apenas uma versão
miniaturizada do todo.
Padre Marcos Bach
AMOR À VIDA QUE RENASCE NO BELO
Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear
estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético.
Creio que a maioria dos defensores da dignidade da
pessoa humana esqueceu um pouco demais estes aspectos mencionados acima. A
pessoa humana tem o direito de viver a vida de tal modo que se possa sentir a
qualquer momento satisfeita com a parte de vida que lhe toca.
Quem vive a sua condição humana em estado permanente
de insatisfação e frustração continua vivo, mas não vive de acordo com a
dignidade inerente à sua vocação humana. A pessoa humana é um ser a quem foi
dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se
gerar a si próprio.
É, portanto, um ser que não se pertence. Se quiser um
dia pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules;
terá que operar mais e maiores milagres do que Cristo realizou. Terá que
libertar-se. Terá que passar da liberdade-dependência para a
liberdade-autonomia. Terá que sair do casulo protetor, como o faz a borboleta.
Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero materno. Do mundo seguro das
certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou pelo bafejo benevolente das
autoridades, terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo que a
sociedade oferece. Terá que romper com o princípio da autoridade. Terá que
enfrentar a “Traição”, como diria Nietzsche. Terá que aprender que não existe
fidelidade nem Fé sem uma dose maciça de “Traição”. O mais dramático paradoxo
da vida está em que devemos matar em nós aquilo que queremos que viva. Devemos
matar a “criança” em nós para que a “Criança” possa viver e crescer. O grão deve
morrer para que a espiga possa nascer.
Sem rebeldia não poderá haver libertação. Todo o
acréscimo de liberdade é o fruto de uma ruptura. O germe rompe a casca
protetora da semente. Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.
Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis de paz. Mas a vida que se
oculta por detrás desta aparência, nada tem de pacífico. A vida não descansa
nunca. Não tem nem sábado, nem domingo. Se a vida não descansa, por que o homem
tem que ter um dia cada semana para descansar? É porque o homem é mais que
vida, é espírito. O homem pode atrelar-se ao trabalho de modo tão servil que
acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com sua parte melhor,
aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.
Quando postulamos como Nietzsche a primazia da vida
sobre a verdade, estamos pensando a vida em termos humanos e não meramente
biológicos. Pensamos na sua dimensão psicológica, no seu aspecto ético, e
também em tudo aquilo que torna a vida bela e encantadora. Não temos a intenção
de regredir aos tempos de Virgílio. O encanto bucólico de uma vida no campo
está fora do alcance da esmagadora maioria dos que moram nas metrópoles
modernas. Isto, porém, não muda em nada a necessidade que todo o homem tem de
viver uma vida bela. O aspecto estético é para o homem tão essencial quanto o
ético, o psicológico e o social. Para sentir-se bem e para elevar-se, o
espírito humano precisa de beleza. Onde falta beleza não pode haver lugar para
o homem. O acesso à beleza só se dá pelo caminho da liberdade. Onde não há
liberdade não pode haver arte, leveza e encanto. É inútil ornamentar e
embelezar uma prisão.
Quantas instituições, desde o Estado até a Igreja,
mais se parecem com prisões do que outra coisa tantas são as leis e tamanho é o
controle que exercem sobre o pensamento e a consciência dos indivíduos! A
própria verdade é usada como meio de circunscrever dentro de espaços,
diligentemente vigiados, a liberdade e a criatividade do pensamento político,
ético, religioso e até mesmo artístico. Tem-se a sensação de que as religiões
estão sempre mais interessadas em combater o erro do que em promover o
progresso da Fé. O Vaticano não tem o hábito de estimular a pesquisa teológica.
Cristo foi um homem lúcido e extremamente corajoso,
honesto e coerente consigo mesmo. Nele se pode observar uma coisa muito rara: a
coerência absoluta entre pensamento, palavra e ação.
Padre Marcos Bach
O TEMPO ESCATOLÓGICO
Uma das características
do tempo escatológico é sua natureza incoativa. A palavra incoativo vem do
verbo latino inchoare e significa
começar. A conclusão de tudo o que de verdadeiramente válido tivermos iniciado
nesta existência poderemos concluí-lo. Falta de tempo, como de oportunidades,
não será problema. O único problema será causado pelo baixo nível de
consciência com que tivermos partido da terra ao morrer. Preguiça, covardia e
insensatez irão dificultar o nosso desenvolvimento espiritual, como já o
fizeram aqui, já que nossos vícios irão nos acompanhar na hora de morrer.
Quem acha que a
continuação da vida nos mundos invisíveis vai ser uma excursão turística e que
lá tudo lhe será dado de graça, pode preparar-se para surpresas, algumas bem
incômodas.
O espaço que corresponde
ao tempo escatológico não é mais o familiar espaço tridimensional. Uma nova
dimensão irá juntar-se às três coordenadas do espaço tridimensional. Uma
“Quarta Dimensão”, a da interioridade, passará a constituir a coordenada
principal. Todas as coisas possuem um dentro que determina as diferenças entre
elas. É no interior do homem que acontece o verdadeiramente significativo.
Este espaço-tempo novo
inaugurado por Ele, Jesus o define como “Reino de Deus”. E foi taxativo ao
afirmar: “O Reino de Deus se encontra dentro de vós” (Lc 17,21). É neste espaço
privilegiado que se realiza o encontro da alma humana com seu Criador.
Uma das descobertas da
moderna biologia afirma que cada célula do corpo humano se encontra envolta
numa espécie de bolsa energética a que o biólogo alemão Detlevsen dá o nome de
“bem-aventurança”. Ela é, segundo ele, responsável pelo bem-estar e pela
felicidade de cada célula, em particular. Sendo assim, pode-se afirmar que a
grande felicidade e o bem-estar geral de cada pessoa humana depende da
colaboração de trilhões de pequeníssimos “diabinhos” (diria Rutherford). A
palavra grega para felicidade é eudaimonia,
dando a entender que ela é obra de forças misteriosas sobre as quais a pessoa
humana não possui o controle.
Não é por mero
diletantismo verbal que Jesus define o Reino de Deus como mistério (Mt 13,11):
“Nem a todos é dado conhecer os mistérios do Reino de Deus”.
Mistério em sentido
estrito é toda realidade ou aspecto dela que é impossível entender. Einstein
gastou boa parte do seu tempo de vida procurando entender a composição da
matéria. A primeira conclusão a que chegou foi que “a essência da matéria é
espiritual”, e não material. Perto do fim dos seus dias desistiu da ideia de
tentar compreender o universo, contentando-se com admirá-lo. “O universo é um
mistério”, dizia, “e um mistério não cabe em conceitos lógicos ou em equações
matemáticas”.
O universo em que
vivemos atualmente não é mais o mesmo que Moisés encontrou pela frente. Moisés
tentou civilizar este universo formulando leis, leis sábias e, acima de tudo,
suficientemente numerosas para cobrir todo o espaço social. Suficientemente
meticulosas para impedir que a falta de clareza tornasse difícil a sua
aplicação prática. A este universo Cristo veio pôr um fim. O universo em que
vivemos é um universo redimido e liberto. Em lugar de promulgar mais leis e
leis mais sábias, reduziu-as todas a uma única grande lei: a lei do amor e da liberdade. “Quem ama pode fazer o que quer”,
dizia Santo Agostinho. “Ao fazer o que Deus quer faço sempre e em tudo a minha
vontade”, dizia Santa Teresinha de Lisieux.
Padre Marcos Bach
COMO DESCOBRIR QUE DEUS É AMOR
Do Pai divino do qual Jesus fala com tanto carinho, Ele
mesmo diz: “O Pai vos ama” (Jo 16,27).
Não é no terreno do
saber e do poder que devemos procurar a novidade contida na mensagem de Jesus,
mas no terreno do amor! Até o dia em que Jesus veio para nos falar de Deus não
havia religião que não apresentasse Deus como Senhor exigente e distante! São
de Jesus estas palavras: “Se alguém me ama, Eu e o Pai viremos a ele e nele
faremos morada” (Jo 14,23).
“O Criador do universo veio morar entre nós”! Não só
no meio de nós como transeunte em nossos caminhos, mas como inquilino de nossas
almas!
O que Jesus nos veio revelar é tão incrivelmente
absurdo que ainda hoje, passados dois mil anos, são muito poucos os que “têm
ouvidos para ouvir” (Mt 11,15). Absurda é a vida dos que passam por ela sem ver
nem ouvir o essencial. São surdos e cegos por culpa própria.
Para descobrir que Deus é Amor não é preciso abrir a
Bíblia. Esta é uma verdade inscrita em tudo o que nos cerca! O Amor do Pai
Celeste é tão simples e cristalino quanto o riso de uma criança! Para
descobri-lo é indispensável voltar a ser criança. “Se não vos tornardes como as
crianças de modo algum entrareis no Reino de Deus” (Mt 18,3).
O que o amor de amizade tem em comum com o Amor de
Deus e o amor de uma criança é que não é necessário merecê-lo. Ele surge quando
menos se espera. É discreto, pois não é dado a efusões românticas, nem é do seu
feitio fazer discursos. O Amor de Deus é tão simples e humilde, tão desataviado
e sem floreios porque é extremamente parecido com o de uma criança.
São as crianças que mais perto se encontram da fonte
originária de todo o amor humano que é o Amor do Pai Celeste. Seu amor não é
regulado por leis, nem impõe limites. É amor puro porque é totalmente gratuito!
Não necessita do prazer como condimento, nem da felicidade como
recompensa! Tanto na vida de uma criança
como na de Deus, amor e felicidade são inseparáveis. Em ambos os casos o Amor
traz em si a sua razão de ser.
É no amor de amizade que estas prerrogativas do amor
se manifestam num grau de pureza que as demais formas de amor não possuem!
Será que não é o amor materno o que mais se parece
com o Amor de Deus? Não são as mães as
que melhor encarnam o amor em toda a sua pureza? Se amigo é aquele que não
hesita em dar a sua vida em benefício da do amigo, por que não atribuímos ao
amor materno as virtudes que acabei de conferir ao amor infantil? Não é o amor
da mãe por seus filhos muito mais generoso e adulto que o de uma criança?
Não vale no terreno do amor o princípio da
generosidade segundo o qual “ama mais aquele que dá mais”. Neste terreno a
medida é a confiança e não a generosidade.
A criança confia cegamente na sinceridade dos adultos
porque ela mesma é totalmente sincera. Por isso seu amor é total. Total e
radical! Quando ama empenha neste seu gesto a totalidade da sua capacidade de
amar! Seu amor é sempre grande a seus olhos, enquanto o amor das pessoas
grandes não costuma ter em suas vidas a importância que uma criança costuma
atribuir a suas pequenas conquistas amorosas!
Quando o papa Pio XI canonizou a Teresinha de Lisieux
não faltou quem exclamasse: “mas o que ela fez para merecer a honra dos
altares”?
O papa João Paulo II completou o “escândalo” quando
proclamou Teresinha de Lisieux, uma freirinha que nunca pusera pé numa
Universidade, Doutora da Igreja.
No Reino de Deus a lei é esta: “Quem quer ser o maior
faça-se o menor de todos” (Lc 22,26). São as crianças que carregam em seus
ombros o futuro do Reino de Deus. Logo são elas as responsáveis pelo futuro da
Igreja de Cristo!
Ser criança no sentido
que Jesus atribui à metáfora, significa não trair a sua origem divina,
esquecendo a sua filiação divina! Verdadeiramente adulto é o filho grande que
ainda aceita o convite de sentar-se no colo do pai! Já se viu: um marmanjão
sentado no colo do Pai? “Se não vos tornardes como as crianças, de modo nenhum
entrareis no Reino de Deus” (Mt 18,3).
Padre Marcos Bach
A AUTÊNTICA COMUNIDADE CRISTÃ
A tentação de transformar uma Comunidade Cristã num
“terreiro” e num centro de curas é por demais insistente para que alguém
permaneça imune a ela. Igualmente grande é a tentação de usar a Comunidade
Cristã como palco destinado a tirar a fé cristã da obscuridade: o assim chamado
marketing religioso está se tornando
moda em grande número de Igrejas “cristãs”.
Quem mais sofre com este tipo de “apostolado” é a
verdade. Numa celebração destinada a empolgar multidões só pode haver espaço
para aplausos e slogans. Nelas a
dimensão crítica da fé cristã é sistematicamente excluída. Lá tudo é motivo de
exaltação emocional, como se o essencial da fé cristã consistisse em louvar a
Deus e em entoar aleluias em sua
honra.
Jesus não era frequentador assíduo do Templo, um
lugar santo onde era proibido contestar e criticar. Mas podia ser visto em
Sinagogas. Nelas era permitido questionar, discordar. Havia nelas lugar para a
voz do profeta. Por onde ia, Paulo incluía a Sinagoga em seu roteiro
apostólico.
A Sinagoga judaica é o espaço religioso mais próximo
do que o apóstolo Paulo entendia por Igreja ou Comunidade Cristã. Era e
continua sendo até hoje um centro aglutinador de um povo disperso e sem pátria.
A perseguição e o ostracismo social sempre fizeram parte da sua vida de povo
“errante”. A Sinagoga era o lugar onde a comunidade judaica reacendia sempre de
novo a sua esperança messiânica e sua fé nas promessas feitas por seu Deus.
Uma Igreja ou Comunidade Cristã é, no entanto, um
espaço religioso diferente. No centro da religiosidade cristã a esperança deixou de ser expectativa e
passou a ser sinônimo de posse e certeza. A palavra grega pleroma, isto é, plenitude, tão frequente nas cartas de Paulo,
caracteriza a diferença que existe entre uma Comunidade Judaica e uma Comunidade
Cristã. Entre uma Sinagoga e uma Igreja. O grande mérito de Paulo consiste em
ter sabido somar o que podia ser somado, em sintetizar o que podia ser
sintetizado. E em excluir e deixar de fora o que não se ajustava ao Espírito da
Nova Ordem inaugurada por Cristo.
O que para um judeu é motivo de saudade e de
expectativa, passou a ser no seio de uma Comunidade Cristã motivo de júbilo e
de gratidão. Para um judeu o essencial da História da Salvação ainda está por
acontecer. Embora admita que o essencial já tenha acontecido, o cristão
“progressista” sabe que sua fé não lhe garante um futuro tranquilo e sem
conflitos. Tem a consciência de que até a mais idílica das Comunidades Cristãs
não será um lugar apropriado para quem gosta de estar de bem com Deus e todo o
mundo.
A fé cristã não oferece soluções mágicas ou
definitivas. Numa Comunidade Cristã tudo é tão provisório, imperfeito e
inacabado quanto numa Sinagoga judaica.
No Concílio Vaticano I (1869-70) a Igreja católica
insistiu em se autodefinir como “Societas
Perfecta”. Quase um século mais tarde
o Concílio Vaticano II (1962-65) já fez questão de salientar o caráter
transitório das instituições eclesiásticas.
Grande parte do que é considerado definitivo e eterno
por canonistas e burocratas apressados, na realidade é tão relativo e
transitório quanto o é qualquer meio em relação ao fim. O fim é a instauração do Reino de Deus na Terra dos Homens. Igrejas e
instituições eclesiásticas nada mais são do que meios. É do fim que os meios
recebem a sua legitimidade.
Missão essencial de toda
Comunidade Cristã é tornar visível a presença do Amor Divino na vida dos
homens. Pregar a Cristo no conceito de Paulo é anunciar à humanidade o advento
de uma Nova Era nas relações do homem com Deus e dos homens entre si. Por isso
não merece ser considerada cristã uma comunidade que se comporta como se o
mundo ao redor dos seus templos não fizesse parte das responsabilidades de sua
missão apostólica.
Padre Marcos Bach
A VIDA EM PLANO SUPERIOR
Como alguém pode saber
que sua vida começou a se desenvolver num plano superior?
Critério básico é a
satisfação que ela lhe proporciona. Uma felicidade crescente e até certo ponto
desconhecida até então, torna-se companheira constante do seu dia a dia. Amar a
todos, suportar os seus defeitos, perdoar e compreendê-los, já não é mais um
fardo, mas fonte e motivo de alegria. Tudo o que antes era suportado como
sacrifício, agora é visto como bênção e graça de Deus. A pessoa sente a verdade
da promessa de Jesus: “Vinde a mim todos os que andais sobrecarregados e Eu vos
aliviarei”(Mt 11,28).
Aquele que se orienta em obediência aos planos mais
elevados da sua consciência encontra pela frente facilidades e apoios secretos
com que o escravo do vício não consegue sequer sonhar. É um preconceito dos
mais nefastos supor que Cristo veio para tornar a prática do bem e a vida
humana mais difíceis do que já são por si. Não foi o peso da cruz de Cristo que
fez dele o Salvador da humanidade, mas o amor
com que a abraçou. Sofrer por sofrer é masoquismo. O próprio sofrimento
pode ser fonte de alegria espiritual. O será na medida em que contribuir para
libertar a pessoa do apego aos pequenos e por vezes ridículos prazeres do
corpo.
O sofrimento, quando
aceito com amor, é libertador e abre na alma espaço para o gozo de prazeres
mais nobres. O aprimoramento da consciência espiritual que acompanha a ascensão
a planos mais elevados de consciência não elimina o sofrimento, mas confere-lhe
um sentido, um valor e uma dignidade que o distingue em tudo do sofrimento de
um animal.
Outro sinal de que se está a caminho de um novo modo
de conduzir a vida é a simplicidade interior. Esta, por sua vez, é fruto da
descoberta de que tudo o que acontece dentro e fora do homem forma um todo,
onde cada “parte” nada mais é do que o todo em escala menor. Esta concepção,
chamada de “holística” pelos físicos atuais, representa um passo decisivo no
campo da antropologia. Ela veio tomar o lugar da anterior, segundo a qual o homem
tanto quanto o universo é feito de fragmentos que se juntam para formar um todo (= holos, em grego).
A concepção holística
afirma o contrário. Vê o homem e o universo como totalidades inteiras e não
como pedaços de totalidades ainda maiores e mais completas.
“A Igreja é uma
sociedade perfeita”, dizia-se ainda cem anos atrás. Imperfeitos são os seus
membros, especialmente aqueles que constituem a base da pirâmide eclesial. A
unidade à qual me refiro é de natureza psicológica.
É no interior da consciência individual que as muitas
e variadas experiências da vida vão se arrumando em torno de um novo centro. A
situação anterior se parecia com a de uma casa abarrotada de coisas que nada
tinham em comum. Coisas que nada tinham a ver umas com as outras.
Quando falta um centro organizador da vida interior, o
indivíduo fica com a impressão de que sua vida não lhe pertence. De que sua
liberdade é uma piada de mau gosto. Sente-se perdido. Sai à procura de ajuda.
Consulta um diretor espiritual. Ou, então, vai à procura de um psiquiatra,
procurando fora o que poderia encontrar dentro de si mesmo.
O Jesus que curava
doentes e expulsava demônios já não vive mais na Palestina, mas encontra-se nos
planos superiores da consciência de cada ser humano. É preciso salientar com
toda a ênfase que Cristo é o Salvador da humanidade toda e que toda pessoa de
boa fé pode encontrar-se com Ele no íntimo da sua consciência.
Padre Marcos Bach
DIREITO À LIBERDADE
O que torna a prática da
caridade cristã tão difícil é que ela
exige uma disposição para o perdão e uma paciência que só poucos se dispõem a
abraçar. O processo de autolibertação começa no interior da consciência
individual e envolve primeiramente o relacionamento da pessoa consigo mesma.
Num segundo tempo esta
mudança se estende também ao campo do relacionamento social. No princípio
constituem áreas aparentemente separadas e antagônicas, mas aos poucos o
processo gera não só um novo tipo de relacionamento social, mas dá origem a um
novo círculo de amizades, onde o traço mais em evidência é o respeito pela
liberdade de cada um.
Só uma pessoa muito
livre está em condições de respeitar a liberdade do seu irmão na fé como Cristo
o fez. “Não julgueis”! (Lc 3,37).
Julgar e criticar não são a mesma coisa. Criticar é
passar ideias e comportamentos pelo crivo da verdade. Julgar é atitude que tem
por alvo pessoas. Quem é livre como Cristo o foi não sente a necessidade
doentia de se arvorar em juiz e em “palmatória” moral.
A liberdade da qual
estamos falando brota no interior da pessoa e de lá se estende para o ambiente
social. Não pode ser imposta, nem pode ser usada como bandeira. Não há forma de
escravidão que não tenha sido implantada em nome da liberdade.
Todos nós, que como eu falamos em nome da liberdade,
corremos o risco de expor o leitor ao perigo de trocar uma modalidade de
escravidão fora de moda, por outra, mais moderna. Grande parte da nossa tão
badalada modernidade é constituída de vícios transfigurados em virtudes. Comer
e beber além da medida era vício até pouco tempo atrás. Hoje é sinal de
prosperidade. O limite que separa a prodigalidade do desperdício tornou-se tão
impreciso e vago que só um pobre é capaz de lhe perceber a diferença.
Quando alguém se levanta
e diz que todo ser humano tem o direito à sua liberdade, imediatamente lhe
surge pela frente alguém revestido da aura do Grande Inquisidor.
Os homens, isto é, a grande massa de crentes, não
está em condições de arcar com as responsabilidades todas inerentes ao
exercício da liberdade plena. Na opinião do Grande Inquisidor de Dostoievski o
maior erro que Cristo cometeu foi o de propor um ideal de liberdade a massas
populares mais familiarizadas com o papel de escravos do que com o de homens
livres. Este ponto de vista continua sendo até hoje o mesmo dos que se sentem
responsáveis pelo destino religioso da humanidade.
Cristo concedeu a seus
seguidores o direito a uma liberdade que até hoje é vista como exagerada e
excessiva. “É preciso pôr diques à ânsia de liberdade”! É este o papel que as
Igrejas cristãs reservaram a seus burocratas e pastores.
Padre Marcos Bach
VIDA ESPIRITUAL SEM PEIAS
A desprogramação e
reprogramação da consciência como o entendemos aqui, afeta em primeiríssima
instância a vida cotidiana. Não começa com a implantação de uma nova filosofia
de vida, embora acarrete também mudanças radicais neste terreno. Como a palavra
desprogramação dá a entender, tudo começa com um abandono gradual de hábitos e
práticas, crenças e valores tidos até então como indispensáveis à vida cristã.
Pensamentos caros são abandonados. O resultado é um vazio, um caos interior e
uma dolorosa perda de identidade, pois o processo é arquetípico, diria Jung.
Mexe com estratos profundos e arcaicos da psique humana. Assemelha-se à
passagem do povo de Israel pelo deserto após a saída do Egito. É doloroso
porque priva a pessoa da segurança e do apoio de um tipo de fé religiosa que já
não consegue mais satisfazer as crescentes necessidades espirituais da alma.
Todos os místicos falam dele comparando-o a uma noite, a Noite Escura de São João da Cruz. Poder-se-ia compará-lo a
um terremoto violento que não deixa em pé quase nada.
A noite só é escura na
aparência e o aparente vazio está repleto de promessas de vida nova. Até os
físicos já não tratam mais o espaço que medeia entre os diversos corpos como
vácuo, mas como plenum. O que, em
nossa ignorância tratávamos como vazio, é na realidade tão repleto de vida
quanto o mais poderoso dos astros.
Existem duas categorias de luz: a numênica e a
fenomênica. A primeira é invisível aos olhos do corpo e só pode ser percebida
por aqueles que aprenderam a ver mais longe, para além do alcance dos grandes
telescópios espaciais. Quem sofre de miopia e de cataratas só enxerga o que
anda por perto. Felizmente já existe hoje em dia a possibilidade de restaurar o
poder de visão de uma pessoa de forma rápida e indolor. O raio laser facilitou a vida dos cirurgiões. O
que falta ainda é um raio laser capaz
de facilitar a vida dos formadores de consciência.
Deformadores da
consciência humana não faltam. Deformador é todo aquele que se sente na
obrigação de impor limites à liberdade da consciência individual em nome de uma
autoridade supostamente superior.
Uma das áreas que sofre mais que outras as
consequências do processo de desprogramação é a das relações com as
autoridades. A obediência de submissão cede lugar a uma forma de “obediência”
mais adulta de colaboração.
Num contexto comunitário
a presença de superiores torna-se não só desnecessária, mas contraproducente.
Onde todos sabem o que querem e agem de acordo com a sua consciência, a figura
do superior não faz falta. É antes um estorvo do que outra coisa. Não é por
acaso que a Mensa Communis é considerado como o símbolo
máximo da vida monástica.
Numa comunidade todos
são iguais. Não há nela lugar para diferenças hierárquicas. Numa Comunidade
Cristã todos são irmãos, filhos do mesmo Pai Celestial. Nela não há lugar para
pais e mães, pois o Pai de todos é um só, o Pai que está nos céus! “A ninguém
chameis de pai, pois um só é o vosso Pai” (Mt 23,9).
Para muitos religiosos pode ser esta a prova mais
difícil em seu processo de autolibertação espiritual. Mas tem que ser
enfrentado para o bem do indivíduo, como para o bem das próprias instituições
religiosas.
Os Institutos Religiosos
que mais se opõem a que seus membros assumam a sua vida espiritual por conta
própria, são os primeiros a desaparecer na voragem do tempo.
Padre Marcos Bach
LIBERTAR-SE DO DESNECESSÁRIO
Os filósofos do
“absurdo” não eram pobretões e, no entanto, foram eles que elevaram o fracasso
e o absurdo à condição de valor existencial. Nenhum deles, nem Camus, nem
Sartre tomou a iniciativa de dar um passo em direção a uma existência menos
absurda. Fizeram da consciência do absurdo a “droga” que os mantinha “vivos”.
A lista dos “escravos do
ego” e cultores do absurdo é muito maior hoje do que nos anos sessenta. Seu slogan é o velho refrão em vigor no
tempo do dilúvio: “Comamos, bebamos e nos inebriemos enquanto tivermos tempo,
porque amanhã morreremos!”.
Dum lado da procissão de vítimas da “síndrome do
absurdo” institucionalizada está a turma do “sabe com quem está falando?”
e no extremo oposto a legião incontável
dos miseráveis que a nossa gloriosa civilização “cristã” excluiu da
prosperidade e do acesso à fartura.
“É mais fácil um camelo
passar pelo fundo de uma agulha do que um rico converter-se”. A dificuldade é
dupla, pois é de natureza material e psicológica. Abrir mão das propriedades
adquiridas implica em perda de segurança numa área em que ela é extremamente
precária. É pouco convidativa a perspectiva de um futuro em que é preciso
contentar-se com o “pão nosso de cada dia”. “Não vos preocupeis com o dia de
amanhã: com o que ireis vestir. Olhai os lírios do campo: eles não tecem nem
fiam e, no entanto, nem Salomão se vestiu com tamanho esplendor” (Lc 12,17).
Parece insensato ao extremo entregar-se ao “Deus
dará” da forma como Jesus sugere. Robert Happé, no entanto, recomenda a seus
leitores e ouvintes atitude idêntica.
A preocupação neurótica pelo dia de amanhã em nada
contribui para torná-lo mais seguro. “Carpe
diem”, diziam os romanos: desfrute cada dia como se fosse o único da sua
vida! Cada dia bem vivido e cada oportunidade bem aproveitada aumenta a capacidade
de extrair de cada momento de vida o máximo que ele oferece. O dia de ontem
passou e o de amanhã ainda não chegou. O único espaço de tempo verdadeiramente
aproveitável é o presente. Pois é justamente este que as preocupações e
remorsos não nos permitem explorar a fundo e em toda a sua amplitude!
Um dos exercícios
recomendados pelos mestres espirituais consiste em libertar-se de cuidados
desnecessários e inúteis. Isto não se consegue através do confronto direto. As
preocupações neuróticas são o resultado de uma forma de medo profundamente
incrustado no subconsciente. É a espécie de “inimigo” bem entocado que não se
consegue atingir por via de agressão direta. Pensamentos obsessivos, cuidados
exagerados e atitudes compulsivas são frutos do medo.
Se quisermos livrar-nos
deles temos que ir até a sua raiz que é o medo. Não adianta grande coisa
descobrir a sua causa psicológica. Passar horas num divã tentando descobrir em
que momento da infância ou em que vida passada fomos vítimas de rejeição e
falta de amor. O que verdadeiramente importa e conta para efeito de cura é
tomar consciência de que só o amor é
capaz de desalojar do nosso inconsciente toda espécie de medos atávicos ali
inculcados. Só há um modo de eliminar o medo de nossas vidas: entregando-nos ao
Amor e deixando-nos dominar e
conduzir por ele. Nenhum perigo há em amar: é o único terreno em que é
impossível exagerar.
Boa parte da felicidade
consiste em poder fazer o que agrada e encontrar prazer em tudo o que se faz.
Ora, um grande Amor nos oferece esta oportunidade de ser feliz. Este Amor (com
maiúscula) não virá a nós partindo de fora. Ele já é nosso, pois existe no
íntimo de nossa alma como o fogo que se encontra no fundo de um vulcão. É só
estabelecer contato com ele e abandonar-se a seu irresistível poder de atração.
Padre Marcos Bach
A LIBERDADE NÃO RIVALIZA COM DEUS
A liberdade não faz do ser humano um rival de Deus.
São duas as maneiras de
abusar da liberdade e de usá-la em sentido contrário às intenções do Criador. O
primeiro consiste em se adonar da sua liberdade como se ela fosse propriedade
exclusivamente sua. Não é aquele que se nega a servir a Deus, como Lúcifer, que
comete este exagero, mas aquele que nega a sua condição de criatura e com ela
nega o laço indissolúvel que o liga a tudo o que existe no Universo.
Mas existe um abuso mais
sutil que consiste em devolver a Deus a sua liberdade. Não há em sociedade alguma
quem não considere ofensivo e desairoso o gesto de quem devolve um presente. Se
a liberdade é um dom de Deus, o melhor que alguém pode fazer é usá-la e
descobrir o que o Criador tinha em mente quando brindou o homem com o maravilhoso,
porém incômodo atributo!
A liberdade torna o
homem responsável por si mesmo numa medida que assusta a maioria das pessoas.
Tanto o indivíduo quanto os que o preferem submisso e dócil às suas ordens,
criaram o mito de que o homem foi criado por Deus para servi-lo e que o uso da
liberdade deve ser rigorosamente monitorado e controlado, recorrendo, se for
preciso, até ao emprego da violência.
O que levou Inácio de
Loyola a compor a oração: “Suscipe Domine
accipe omnem meam libertatem”,
não foi o medo da liberdade, mas o desejo de reforçá-la, unindo a frágil
liberdade humana à Soberana Liberdade de Deus! Da liberdade humana vale o que
Cristo afirma em relação à Vida: “quem quer salvar a sua vida tem que saber
como perdê-la” (Mt 10, 39).
A vida se “perde”
dando-a, e a liberdade se “perde” amando a alguém “como a si mesmo”.
O amor que uma pessoa
sente e nutre por si mesma não a impede de amar ao próximo, mas lhe fornece a
base de sustentação psicológica que lhe permite amar tão “perdidamente” quanto
alguns o fazem.
Só teme a morte e tem
medo dela os que não sabem que ela é o Portal de entrada para a Vida! Amar
“perdidamente” e com todas as fibras da sua alma constitui o melhor uso que
podemos fazer da nossa liberdade.
Padre Marcos Bach
TRANSFIGURAÇÃO DA FÉ INFANTIL EM ADULTA
Quem tem amor à vida,
ama o movimento, o intercâmbio e a novidade. A vida só se realiza onde
acontecem a reprodução e a mutação. É
exatamente isto que estou propondo ao benévolo e paciente leitor deste escrito:
“Não renegue o passado”! Não abandone a tradição, mas aprenda a fazer dela
ponto de partida e não termo de chegada! O futuro da Igreja depende da
capacidade do povo cristão de transfigurar um tipo mais infantil de fé em
outro, mais adulto. Toda vez que um católico transfere a solução dos seus
problemas de fé ou de moral a outros, está traindo a si próprio. Até certo
ponto é lícito afirmar que cada cristão é seu próprio papa.
É evidente que com gente que vive em cadeiras de rodas e que só sabe
movimentar-se quando movido por outros, não será possível construir outra
Igreja diferente daquelas que temos. Precisamos de outro tipo de cristão (pois
o problema não é exclusivo da Igreja católica). A maioria deles é composta de
pessoas que se dizem cristãos, mas na realidade não o são. A culpa é menos
deles do que dos que se contentaram com uma Igreja povoada por este tipo de
cristão “mal batizado e mal convertido”.
O primeiro passo a ser
dado por quem deseja participar da gênese de um novo modelo de Igreja consiste
em sair à procura de companheiros e comprometer-se juntamente com eles num
projeto comum, cujo objeto é a constituição de uma comunidade de irmãos
solidários uns com os outros, isto é, uma família de irmãos e irmãs em Cristo
da qual se possa dizer o que se dizia das primeiras comunidades cristãs: “Vede
como eles se amam”!
Só um amor tão solidário
e tão generoso como o de Jesus é capaz de manter coesa e unida uma família
espiritual cristã. Uma vez constituído este grupo, seus membros passam a viver
menos em função da sua salvação pessoal do que nos aspectos comunitários do
processo de salvação cristã, do qual
não se consideram mais apenas beneficiários, mas agentes ativos, cada qual tão
responsável pelo todo quanto os demais.
O que caracterizará este novo corpo eclesial (“igreja”, no sentido paulino) é seu
caráter apostólico, sua tendência a gerar novas “igrejas”, bem de acordo com a
tática dos primeiros apóstolos. A preocupação central de uma comunidade assim
constituída está voltada menos para o bem particular dos membros desta
comunidade do que para a missão que lhe cabe cumprir. Em outros termos: é da
essência de toda genuína comunidade cristã ser missionária!
Assim como as células de um corpo são diferentes e
não possuem funções iguais, do mesmo modo há lugar na Igreja universal para
tipos variados de igrejas e de comunidades locais. Esta diferenciação é tão
essencial quanto a unidade. Sem ela a unidade se transformaria rapidamente em uniformidade. Não há, portanto, na
Igreja lugar para um único modelo de microcomunidade eclesial. Consequentemente
é insensato pensar a Igreja em seu todo como um macroorganismo social pronto e
acabado.
O Concílio Vaticano II
já não apresenta mais a Igreja como sociedade perfeita nos termos aprovados no
Concílio Vaticano I, um século antes. Hoje já falamos da Igreja como federação
de igrejas, de pequenas comunidades locais. É neste sentido e nesta direção que
se dará no futuro a Renovação da Mãe Igreja.
Padre Marcos Bach
JESUS CRISTO E O DEUS DA VIDA
Um cristão familiarizado
com o pensamento de Jesus vê em Deus o Deus da Vida e não um melancólico
pregoeiro da morte. “Vim trazer vida e nada desejo tanto quanto vê-la
alastrar-se” (Jo 10,10). A morte não é uma criatura de Deus e não foi Ele, o
Criador e Senhor da Vida, que a inventou. A morte não se destina a pôr fim a
uma vida, mas lhe dá a oportunidade de se transformar. Exemplo é a larva que
acaba por se transformar em crisálida, mas apenas adormece aguardando o momento
em que poderá sair dali para iniciar uma nova etapa de sua curta existência. A
morte só é motivo de tristeza para quem a interpreta mal. Não fosse a “morte”
da larva, jamais teríamos o prazer de contemplar uma revoada de borboletas em
torno de um arbusto em flor.
Saiu da mente de
Einstein a ideia de associar entre si o infinito e o campo energético
vibratório que é o cosmos em sua
essência última.
Tudo o que vibra pode
vibrar ainda mais, tanto em frequência maior quanto em intensidade. O que torna
o ser humano tão parecido com seu Criador é o fato de ter sido dotado por Ele
de um potencial energético simplesmente inesgotável.
O terreno em que o homem pode continuar a evoluir sem
precisar-se preocupar com limites e fronteiras é o terreno do Amor! Lá, neste
campo, acontece o contrário do que costuma acontecer no mundo dos negócios onde
o crescimento de um costuma diminuir as chances de crescimento de outro.
O terreno do Amor é o
único em que não pode haver espaço para a competição. Lá o mais de cada um é
sempre acrescentado ao mais de todos os demais. Quem ama e cresce na arte de
amar eleva consigo a humanidade inteira. É da mística francesa Isabel Leseur a
frase: “Quem se eleva, eleva consigo o universo todo”!
Em vez de definir a
oração como elevação da alma a Deus, melhor seria reservar esta definição ao
Amor. É ele a única energia propulsora capaz de colocar a alma humana em sua
verdadeira órbita que é o convívio íntimo com seu Deus. Quem ama não deve
preocupar-se com outra coisa do que preservar intacta a sua maravilhosa
liberdade de amar como Deus ama. O apóstolo Paulo tem razão quando alerta os
gálatas contra “os que espreitam a nossa liberdade que temos em Cristo” (Gl
2,4).
Padre Marcos Bach
A ORAÇÃO CRISTÃ
A oração cristã sempre se dirige a Jesus Cristo
presente e vivo no íntimo de cada cristão verdadeiro. O objetivo de todo
esforço espiritual é a morte do eu individual e a identificação da pessoa do
cristão com a Pessoa Humano-Divina de Jesus Cristo.
O objetivo primeiro da meditação cristã é o encontro
com Jesus Cristo no íntimo da consciência. O objetivo não é tanto a sua
personalidade histórica, com os seus ensinamentos, seus gestos e suas obras,
embora possam constituir matéria para muita reflexão proveitosa. A meditação da
sua vida histórica é imprescindível como fonte de conhecimento de sua pessoa,
sem constituir, no entanto, objeto e objetivo imediato da oração cristã.
A finalidade do estudo
refletido e meditado dos Evangelhos é o conhecimento da personalidade de Jesus
Cristo, das suas intenções a respeito do homem e do seu modo peculiar de viver
a vida humana. Nesta primeira fase da meditação, Jesus Cristo, a figura dele,
se apresenta mais como exemplar e modelo de existência humana. A vontade de
segui-lo e o desejo de imitá-lo são os sentimentos dominantes.
A meditação dos sofrimentos de Jesus Cristo é muito
útil e proveitosa na fase de purificação espiritual. A passagem dolorosa pela
escuridão da noite espiritual tem muita semelhança com o que Cristo deve ter
experimentado no alto da cruz (“Pai, por que me abandonaste?”). Mas o Cristo
real e vivo não é mais o do Gólgota. É o Cristo da Páscoa. Vivo e real, acima
de tudo, no íntimo dos que nele creem e o amam (Jo 14,23).
Este Cristo vivo e
ressuscitado escolheu para moradia e centro de sua presença no mundo o recanto
mais íntimo e secreto da consciência de cada pessoa humana que nele põe a sua
fé, a sua esperança e o seu amor.
O objetivo da contemplação cristã é, portanto, a presença
pessoal, ativa e transfigurante de Cristo. Inserido na pessoa de Jesus Cristo o
homem passa para o centro da evolução e para o ápice da história universal. O
que acontecer aqui neste pequeno planeta no íntimo do homem cristão terá
repercussão ampla e insubstituível na mais longínqua galáxia, tanto quanto no
interior de qualquer átomo.
Aquele que aceitar esta
visão chegará a atinar com o mistério da história e com a essência do
cristianismo. Entrará num processo de cristificação que visa estreitar na
consciência os laços de união transfigurante com ressonância libertadora no
campo históricossocial.
Padre Marcos Bach
ENERGIA DE ATRAÇÃO
Este nosso mundo material e tridimensional é denso
demais e por isso não se presta para grandes voos do espírito. Qual é, então, o
sentido desta nossa passagem por este planeta?
Conhecê-lo e chegar por
este meio ao conhecimento do Criador. Aprender a amar é a tarefa principal.
Amar como Deus ama. É também de todas a mais difícil.
Aceitar as pessoas como
elas são, em lugar de querer moldá-las de acordo com exigências que lhes são
alheias; saber compartilhar, repartir, perdoar, dar de graça o que de graça se
recebeu, ter paciência com suas fraquezas, amar até os inimigos: tudo isso são
desafios que a vida nos oferece a cada instante.
Cada oportunidade perdida significa uma grande perda,
não só para o indivíduo, como para a humanidade toda. Os místicos vão mais
longe: incluem o cosmos todo na lista dos beneficiários do amor humano.
O amor é em sua essência
uma energia de atração, “a mais potente e ao mesmo tempo a mais humilde do
universo”, na opinião de Gandhi. O amor é tudo e onde não há amor nada mais
resta que mereça um segundo de atenção. Quanta energia perdida numa única
aventura sexual! Quanta energia malbaratada durante uma guerra! Tudo isso é
criminoso! Os grandes criminosos e inimigos da humanidade não são apenas os que
decretam o extermínio de um povo. São, acima de tudo, os que se servem do poder
para impor a outros a sua vontade em lugar de renunciar ao poder e substituir o
seu exercício pela prática generosa de um amor sem limites, como fez Jesus.
Padre Marcos Bach
ESPIRITUALIDADE AUTÊNTICA
O conhecimento que
atualmente temos da matéria nos permite acreditar que existe nela espaço para
formas de Vida Eterna.
No universo material nada é destruído, mas apenas
muda de forma e de estado. Não é a matéria que prende o espírito do homem e o
agrilhoa. Sem o concurso do cérebro a mente humana não estaria em condições de
operar. Este fato pode ser visto como limitação. Mas é perfeitamente admissível
vê-lo como chance e oportunidade de progresso. A imperfeição faz parte da
condição humana em seu estágio atual. O perfeccionismo, a preocupação exagerada
com a perfeição é um dos vícios capitais da ascese cristã tradicional. Uma
ascese libertadora não visa a eliminação pura e simples da imperfeição própria
de toda a obra inacabada. O objetivo de uma boa espiritualidade cristã é
ensinar-nos como servirmo-nos de nossas imperfeições de forma construtiva.
O que chamamos de imperfeição
é um espaço subjetivo que a graça redentora de Cristo e o amor incondicional
ainda não tiveram tempo e oportunidade de ocupar. Constitui o espaço-tempo
ainda não redimido da psique humana.
O fariseu perfeccionista rejeita suas imperfeições e
lamenta ter que conviver com elas em si e nos outros. Chega ao extremo de
transformá-las em virtudes. O que em outros seria autoritarismo e manifestação
de orgulho, nele passa a ser zelo pela causa de Deus. Substitui o conteúdo pela
forma. É extremamente meticuloso na observação da forma correta e ortodoxa de
cumprir a lei. Finge ser o que não é. Um fariseu lava as mão a cada momento.
Há no catálogo da Igreja católica “santos” que se
confessavam diariamente. Do ponto de vista psicológico a diferença entre ambos
não terá sido muito grande.
O burocrata é outro membro da poderosa confraria dos
que “coam as moscas, mas engolem camelos” (Mt 23,24). A própria história que se
ensina por aí nada mais é do que uma sucessão de fatos ideologicamente
filtrados e depurados, distorcidos e destilados. Até a história do cristianismo
tal como é contada em ambientes eclesiásticos é uma colcha de retalhos tecida
de mentiras e de fatos devidamente “interpretados”. Que valor e qual o grau de
confiabilidade que pode merecer um passado que só consegue chegar até nós
revestido com o manto da mentira?
Há uma fase na vida do indivíduo em que é
impulsionado por uma força interior a se desfazer do seu falso eu e a despir o
fantasioso manto tecido de mentiras, atrás do qual se tinha refugiado na época
da adolescência. É lá pelos quarenta anos, “in
mezzo al camin della vita”, diria Dante, que todo indivíduo humano normal e
suficientemente desperto para perceber a diferença entre o que é fato real e o
que é “notícia”, entre o que em seu interior nasce da Verdade e o que brota do
medo da Verdade.
Função primordial da
Verdade é libertar a mente e o espírito do homem. É basicamente falso todo
complexo de “verdades” que não conseguem impor-se por si e precisam de quem as
imponha e as torne obrigatórias. A Verdade é como a Beleza: possui encanto e
charme suficientes para se impor por si mesma.
Padre Marcos Bach
A VIDA HUMANA EM ESFERAS DISTINTAS
A vida humana se realiza concretamente em duas esferas bem distintas: a
esfera material e a esfera espiritual. As duas esferas são convergentes e se
complementam. Toda vez que uma pessoa passa a viver sua vida atendendo as
necessidades e exigências de apenas uma das duas esferas, esta pessoa se torna
problemática e entra em conflito consigo mesma.
A doença física é a
resposta que o corpo dá aos que rompem o equilíbrio entre o material e o
espiritual.
Sem certa dose de vida espiritual e interior, o corpo adoece. Com razão
consideramos como doente uma sociedade em que as pessoas não têm tempo para
pensar em cultivar aspectos essenciais da vida interior. Também aqui vale o
ditado: “Nem tanto para o mar nem tanto para a terra”! Não podemos passar o
tempo todo prestando atenção ao que se passa em nosso interior, mas também não
se pode considerar normal, equilibrada e saudável uma pessoa que nunca presta
atenção ao que se passa em seu interior.
Os antigos sábios da
Índia espalharam pelo país uma fabulosa quantidade de mosteiros, ashrams e centros de meditação. Não
estavam interessados em saber quem é o homem, mas queriam ser dirigidos e
governados por pessoas que tivessem um elevado nível de autoconhecimento.
O mestre mais sábio que
alguém pode ter é aquele que mora em seu próprio interior. Negligenciar os
conhecimentos que lá estão guardados só não é visto como crime de
lesa-humanidade e como pecado mortal ou até mesmo como pecado original de nossa
civilização por pessoas que ignoram que o ser humano é em sua essência um ser
espiritual. Se tem razão o físico Einstein quando constata que “a essência da
matéria é espiritual”, então a fortiori
temos que definir o ser humano como sendo essencialmente espiritual.
Padre Marcos Bach
SILÊNCIO VERSUS BARULHO
O melhor motor não é aquele que faz mais barulho, mas aquele que prefere
trabalhar em silêncio. O mesmo se pode afirmar em relação à consciência humana.
O barulho que faz um motor não é proporcional ao trabalho que realiza.
Tudo o que os seres humanos realizam impulsionados por informações que lhes
fornecem a razão e os sentidos não merece ser contabilizado como o que de mais
nobre a consciência humana está em condições de produzir.
Os sábios da antiga Índia e China descobriram e cultivaram um método de
penetrar até a fonte interior em que estão registradas e estocadas informações
a que os sentidos e a razão não têm acesso. A palavra meditação, samadhi, em
sânscrito, a língua sagrada da antiga Índia, passou a sintetizar as bem variadas
formas de introspecção que ultrapassam as fronteiras da simples reflexão
intelectual.
Autores há que fazem distinção entre meditação e contemplação.
A meditação
não leva a pessoa a sair de si, mas a leva a penetrar em si até atingir o seu
centro interior.
O contemplativo sabe
que todo ser humano tem que ir além de si se quiser descobrir quem realmente é.
A fé representa o primeiro estágio numa jornada que vai levar a pessoa do fiel
a se afastar cada vez mais de si mesmo. Teresa d’Ávila tinha na conta de grande
privilégio o fato de não se sentir apegada a si mesma. Contemplava-se a si mesma com o mesmo olhar com que contemplava os
outros. Nela o mandamento de Jesus recomendando a seus discípulos que
amem o seu próximo como a si mesmo deixou de ser teoria para se tornar
realidade existencial.
A fé está para a visão beatífica como a aurora está
para o novo dia que está nascendo. Jesus veio para nos anunciar o nascimento de
um Novo Dia. Assim como nos picos nevados das montanhas mais altas o novo dia
amanhece mais cedo do que nos vales, assim ou de modo parecido o Novo Capítulo
da história humana já se encontra em fase de implantação. Por ora é pequeno o
contingente das pessoas que despertaram para este Novo Dia. Das comunidades
cristãs de hoje se pode dizer o mesmo que o apóstolo Paulo afirmou de suas
comunidades: os verdadeiramente despertos são poucos, a maioria continua
dormindo. “Já é hora de vos despertardes” Rm 13,11 e Ef 5,14: “Desperta, ó tu,
que dormes”.
Padre Marcos Bach
A COMUNHÃO DOS SANTOS
A punição é o instrumento preferido pelos juristas. Ela não só compensa o
crime, mas serve também para repará-lo. O castigo tem como efeito anular o
crime e devolver ao criminoso a inocência perdida. “Se vossa justiça não for
maior que a dos fariseus, de jeito nenhum entrareis no reino dos céus” (Mt
5,20). A justiça dos fariseus era equitativa. “Dente por dente e olho por olho”
(Mt 5,38). A justiça de Deus dispensa cálculos sistemáticos. Perdoar no sentido
que Cristo conferiu à palavra perdão. O termo donare vem de dom, ser gratuito. Ninguém pode ser obrigado a
perdoar.
O perdão dignifica e engrandece a quem o pratica e oferece do que lhe é
próprio aos que o recebem. O fariseu tanto o do tempo de Jesus quanto o dos
dias de hoje faz questão de atribuir a si o mérito de tudo o que possui. Suas
virtudes todas (e não são poucas)
deve-as a si mesmo e a mais ninguém. Quem necessita da misericórdia de
Deus não é ele, mas o publicano postado no fundo da sinagoga.
Em vez de insistir na realização de um juízo, nossos teólogos e pregadores
quaresmais fariam coisa melhor se definissem como encontro amistoso o que
teimam em definir como julgamento. “Eu não julgo ninguém”, diz Jesus (Jo 8,15).
“O Pai a ninguém julga” (Jo 5,22). Neste jogo de empurra fica-se sem saber quem
é que vai julgar. Se não há ninguém para fazer e presidir um julgamento, quem
sabe, não há quem precisa dele. Quem já conhece a sua vida pretérita e sabe
quem realmente é, irá, sem demora, procurar a companhia de pessoas dotadas do
mesmo nível de consciência.
Nenhum julgamento é necessário para quem já assumiu a sua casa por conta
própria. Seria, no entanto, motivo de grande frustração se nenhuma espécie de
reencontro viesse a unir novamente os que a morte tinha separado. São as mães
que mais anelam por rever seus filhos.
Sem o dogma da Comunhão dos Santos a fé na ressurreição dos mortos seria
incompleta. Fala-se muito na lei do carma e nas consequências desastrosas de
uma existência dedicada à prática do mal, mas pouco se fala neste outro carma
positivo e consolador ao extremo que consiste na possibilidade de repartir com
outros o resultado de uma existência dedicada à prática do bem.
Não há quem não se sinta incomodado com a ideia de que os corpos dos
ressuscitados serão todos iguais. Não há quem não se sinta mais orgulhoso das
diferenças que o distinguem dos demais do que das semelhanças que possui em
comum com outros. Ninguém está interessado em perder seu Eu, trocando-o por
outro Eu. Há gente que não simpatiza com a teoria da reencarnação porque esta teoria
o leva a suspeitar de que cada nova reencarnação implica na a perda do Eu
anterior.
A crença de que a morte iguala a todos não fazia parte das opiniões
teológicas do apóstolo Paulo, pois na Primeira Carta aos Coríntios instrui seus
leitores, dizendo: “As estrelas diferem umas das outras tanto em tamanho quanto
em brilho, assim também acontecerá na ressurreição dos corpos” (I Cor 15,42).
Com esta comparação Paulo desfaz a crença de que na vida eterna seremos todos
reduzidos a um denominador comum, perdendo assim grande parte das diferenças
estabelecidas em vida e com elas também boa parte da identidade e do Eu.
Aprendendo a conviver pacífica e construtivamente com pessoas diferentes
de nós é que nos estamos preparando para a vida eterna e para ricas perspectivas
de uma vida vivida em comunhão com os representantes mais belos que o gênero
humano conseguiu produzir.
Padre Marcos Bach
UM MÍSTICO ADMIRA E CONTEMPLA
Um cientista não procura confinar o fruto de suas descobertas em fórmulas.
Contenta-se com apresentar hipóteses. Na melhor das hipóteses formula uma
teoria. Feito isto, dá por encerrada a sua contribuição para o progresso das
ciências.
Um místico procede do mesmo modo: fala de Deus como quem não sabe o que
está dizendo. Um mestre Eckhart sabia que todo discurso teológico não merece
mais fé do que o balbuciar de uma criança.
“Quem quer compreender o
Reino de Deus deve tornar-se como uma criança” (Mc 10,15). Quem quer ter uma
ideia da grandiosidade do universo tem que ser capaz de contemplá-lo posto de
joelhos. O universo se revela a quem sabe admirá-lo. Espanto e admiração
representam atitudes típicas de todo místico autêntico.
Os melhores cientistas modernos mais se parecem com místicos
contemplativos do que com ratos de gabinete. Já descobriram que para entender o
universo material não basta retaliá-lo e transformá-lo em fragmentos.
No campo religioso sempre existiu a figura do mestre da fé encarregado da
tarefa de esmiuçar os conteúdos da fé com o intuito de transformar o ato de fé
numa forma superior de compreensão dos seus conteúdos.
Todo teólogo parte da
premissa de que é preciso entender o mais que for possível o que constitui o
objeto da fé. O místico, ao contrário, prefere prestar ao mistério a homenagem
silenciosa do respeito e da veneração. Crer não significa entender uma verdade.
Significa aceitá-la sem restrições. Até um Stephen Hawking não exclui Deus.
Apenas o colocou momentaneamente de lado, como ele mesmo afirma.
In: Manuscrito.
A CONDIÇÃO ESPIRITUAL DA PESSOA HUMANA
O cérebro é o centro coordenador do corpo. Mas não é o centro da pessoa
humana. O cérebro é um instrumento a serviço da mente humana. Não é o cérebro
que é sábio, inteligente e perspicaz. É a mente que possui estes predicados. O
cérebro é uma invenção da mente. Não é um fenômeno biológico. Pertence a uma
categoria de intenções. Há os que afirmam que a evolução das espécies cedo ou
tarde iria culminar no aparecimento do homem. “Ao sabor e por obra do acaso”,
diria Monod.
O homem, em virtude da sua condição espiritual, transcende os estreitos
limites da biosfera, que é a esfera da vida. Sua natureza racional e seu
destino último fazem dele um ser de outro mundo ao qual Teilhard de Chardin dá
o nome de noosfera, a esfera do pensamento, da racionalidade e do espírito.
É uma outra forma de vida, a do homem, de outra ordem de ser e de
categoria superior. É a esta vida que Jesus se refere quando disse: “Eu vim
trazer a vida e quero que todos a possuam plenamente” (Jo10,10). Ela é graça do
Cristo Redentor e inclui o acesso à imortalidade e à Vida Eterna. Não é
subordinada a limites. É vida sem fim. É a vida que Jesus prometeu aos que por
meio da fé aderirem a seu Projeto de Salvação. Está fora do alcance do mais
heroico e bem intencionado esforço puramente humano. “Sem mim nada podeis
fazer”. “Não tendes vida em vós mesmos”.
O Evangelho de São João está repleto de palavras em que Jesus insiste em
definir o seu Projeto como a aurora de um novo
tempo e como momento inicial de um novo capítulo da história humana.
Não é por acaso que adotamos o Nascimento de Jesus como data inicial desta
nova maneira de interpretar a história. Jesus é o Primogênito de uma nova Raça
humana. Jesus não veio acrescentar mais um capítulo à história dos homens. A
história que teve início com o nascimento de Cristo é uma Outra História. Uma História da qual Deus participa como Parceiro.
Como Parceiro Maior, pois são dele as iniciativas principais deste novo modo de
fazer História.
O modo como Deus dirigirá daqui para frente a humanidade será muito
parecido com a maneira com a qual Javé dirigiu o povo de Israel ao longo de sua
história. Em vez do chicote e do recurso a decretos, emprega meios pedagógicos
mais discretos. “Sois o meu povo, a esposa eleita do meu coração”. Os profetas
não se cansaram de proclamar a fidelidade do Deus de Israel, tentando, por este
meio, persuadir o povo a lhe permanecer fiel da sua parte.
“O Espírito Santo vos ensinará tudo o que for necessário à vossa Salvação”
(Lc 12,12). O meio predileto do Divino Mestre é a inspiração, a sugestão, o
conselho. Toda verdade necessária à Salvação vem de Cristo através da ação
inspiradora do seu Espírito e traz em si mesma o poder de se impor. Toda alma
unida a Cristo pelo laço da fé e do amor não necessita mais de outros mestres.
“Não chameis a ninguém de mestre, pois um só é o vosso Mestre” (Mt 23,7-8). O
homem que pode contar com a parceria de Deus é o indivíduo. É o indivíduo que
através da fé assumiu um compromisso de parceria com Cristo.
Jesus não teve a intenção de coletivizar a sociedade humana. Jesus sempre
demonstrou pouca simpatia por demonstrações de massa. A individualização é uma
parte do processo de socialização, tão importante e fundamental quanto o da
coletivização. Não admira que Marx não tenha entendido esta relação íntima
entre indivíduo e sociedade, pois as próprias instituições religiosas não a
levam em conta. O fundamento ontogenético de toda relação entre homens será
para sempre o amor com que Deus ama. O Amor de Deus, do qual Jesus é a fonte
sagrada, não é apenas um ideal distante e inacessível, mas é a essência de toda e qualquer outra forma
de amor.
In: “A Igreja que eu
Amo” – Livro de Pe. Marcos Bach, sj – Ed. própria.
SOMOS SERES DE LUZ
Jesus se definiu a si próprio como “Ser de Luz”: “Eu sou a luz do mundo”
(Jo 8,12). A palavra Luz representa um conceito chave no pensamento de Cristo.
Em Lucas capítulo 11,33 Jesus define também o cristão como um “Ser de Luz”: faz
parte da vocação de um cristão ser “luz para os outros”! “Ninguém acende uma
luz para colocá-la no fundo de um porão. Lugar destinado a uma lâmpada é o alto
de um candelabro” (Lc 11,33). Hoje Jesus provavelmente proporia a mesma verdade
em outras palavras. Diria, quem sabe: “Lugar de cristão não é na sacristia nem
no átrio silencioso de um convento ou mosteiro". Nem é mais o deserto como
nos tempos de São Pafúncio ou o abrigo de uma montanha como nos tempos de São
Bento. A vocação de um cristão é ser luz para os outros. É impressionante a
frequência com que pessoas que passaram pela “Experiência de Quase Morte” (EQM)
se referem a um encontro com “Seres de Luz”, destacando o encontro que tiveram
com um Ser de Luz especial, que alguns deles identificaram como Jesus. A luz
que os recebeu no além e que os envolveu era uma luz extremamente brilhante e
extraordinariamente intensa, sem que seu brilho viesse a ferir o olhar. Era uma
luminosidade amiga e dava a impressão de que a alma humana fora feita para ela.
Ou, para ser mais exato: “a alma
humana parecia ser feita da mesma luz".
Se é verdade que Jesus é a Luz do mundo e o cristão é chamado a ser um “alter Christus”, então dá para entender porque tão poucos
dentre os que passaram por uma (EQM) se conformaram com a ideia de ter que
retornar ao corpo que tinham acabado de abandonar. Entende-se também um pouco
melhor as palavras com que Jesus define a vocação fundamental do homem cristão
como fonte portadora de luz.
“Ninguém acende uma lâmpada e a põe num canto escondido nem debaixo de uma
lata, mas sobre um candelabro para os que entram verem a luz. O olho é a
lâmpada do corpo. Se o olho for são, todo o corpo estará iluminado, se for
doente, também o corpo estará nas trevas. Cuida, pois, que a luz que está em ti
não seja trevas, porque se todo o corpo for luminoso e não tiver parte escura,
todo ele resplandecerá como uma lâmpada quando se ilumina de vivo esplendor”
(Lc 11,33-36).
A luz com a qual Jesus se identifica a si e a seus discípulos não é uma
luz que vem de fora, mas uma luz que ilumina a partir de dentro. É, portanto,
uma luminosidade que faz parte do ser de quem a emite. Não é uma luminosidade
destinada a acrescentar algo a quem dela necessita, mas uma luminosidade que
revela e manifesta o que se encontra oculto no interior tanto das pessoas como
dos objetos que compõem o nosso universo.
Os americanos gastaram alguns milhões de dólares num projeto destinado a
provocar num cometa uma explosão capaz de trazer à superfície o que o cometa
mantinha oculto em seu interior. Todo ser humano, até mesmo aquele que morre
antes de nascer, possui uma interioridade e com ela uma profundidade que não
cabe em estatísticas e em análises científicas.
O ser humano é por
natureza um mistério e como tal faz parte de um mistério ainda maior que é o universo.
A esta compreensão do homem Jesus veio acrescentar esta outra: “O homem faz
parte da natureza do próprio Deus”. Para compreendê-lo é preciso compreender a
Deus. A recíproca é também verdadeira: “Quem quer compreender a Deus tem que
compreender primeiro o homem. Foi esta
convicção que levou Santo Agostinho a dizer: “Conheça eu a mim para poder
conhecer-te a ti, meu Deus”!
In: Manuscrito de Pe. José Marcos
Bach, sj
LIBERDADE SOBERANA
Tanto Cristo como o
apóstolo Paulo acabaram perdendo a vida por se terem colocado do lado dos
pobres e dos fracos. “Quando sou fraco é que sou forte” (II Cor 12,10). O que
levou a elite judaica a descrer de Jesus foi o fato de Ele não ser dado a
demonstrações de força. Zombavam da sua fraqueza: “Se és o Filho de Deus, então
desce da cruz” (Mc 15,30).
A liberdade dos filhos de Deus que Cristo veio prometer como dom divino a
seus discípulos, é a mesma liberdade soberana que motivou todas as ações de sua
vida aqui na terra. Nada impressiona mais a um observador honesto da vida de
Jesus do que a incrível liberdade com que procedeu em todos os momentos da sua
vida. “Minha vida ninguém m’a tira, mas eu a posso dar, se assim o quiser, e
posso retomá-la, quando me apraz” (Jo 10,17). O Pai Celeste é Deus porque
“possui a Vida em si mesmo” (Jo 5,26).
A vida que temos não a devemos a nós mesmos: “Vós não tendes vida por vós
mesmos” (Jo 6,53). Jesus viveu a sua vida em perfeita liberdade, pois nunca
encaminhou ao Sinédrio um pedido de licença para pregar. Viveu a sua curta,
porém sofrida vida terrena da maneira como quis. Sempre “bebendo do próprio
poço”, diria Gustavo Gutierrez.
Ser livre como Cristo o foi significa “não depender de ninguém e não precisar
de ninguém”. Nem sequer de Deus podemos depender se quisermos ser tão livres
como Jesus o foi.
Ninguém ingressa numa autêntica Comunidade Cristã porque tem necessidades
que só um outro melhor e mais sábio pode atender. Quanto mais necessitado alguém
é da ajuda de terceiros, tanto menos livre é. Livre só pode considerar-se
aquele que basta por completo a si mesmo. Gustavo Gutierrez diria que “livre de
todo só é aquele que encontra em seu próprio poço as águas de que necessita”.
Livre, segundo a liberdade
dos filhos de Deus, é aquele ao qual o Pai Celeste tornou participante da sua
própria liberdade sem limites. A alma verdadeiramente soberana e livre é aquela
que “tudo julga, mas por ninguém é julgada”, como afirma São João da Cruz.
Faz parte da condição de
escravo da lei ter que justificar o que faz. Verdadeiramente soberano como Deus
é aquele que “está em condições de se julgar a si mesmo sem necessitar que
terceiros o façam por ele”. Quando Jesus afirmou: “Todo o poder me foi dado no
céu e na terra”, completa esta afirmação com outra, tão categórica quanto a
primeira: “O Filho do Homem não veio para julgar”. “Eu não vim para julgar o
mundo” (Jo 12,47). “Eu a ninguém julgo” (Jo 8,15).
In: Manuscrito de Pe.
José Marcos Bach, sj.
A IMPORTÂNCIA DO DESAPEGO
Nada corrompe tanto o espírito do homem do que o apego aos
bens materiais. “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que
um rico entrar no reino dos céus” (Mt 19,24). “Coais os mosquitos, mas engolis
os elefantes” (Mt 23,24).
Ganância e avareza são vícios a que um cristão se encontra
tão exposto quanto o banqueiro mais avarento. Ao morrer, cada qual, seja ele
quem for, poderá colher apenas o que semeou. Não há indulgência plenária capaz
de suprir eventuais falhas de natureza administrativa. De nada adianta ter em
vista fins elevados se os meios empregados para alcançá-los não são adequados.
Para ser adequado um meio tem que ser, acima de tudo, eficiente.
Nada impede tanto a eficiência espiritual de uma pessoa
quanto o apego aos bens materiais. Não são os bens em si que dificultam a
maratona espiritual de uma pessoa, mas o fato de ter-se identificado com eles.
Quando bens materiais são promovidos à condição de objetos
de um culto idolátrico, quando a ausência de Deus já não é mais sentida como
vício e como doença, as condições sociais de um povo estão atingindo um nível
de degradação simplesmente irrecuperável. No campo religioso já atingimos este
nível de degradação.
Como no campo da aviação, também no campo religioso existe
a figura do controlador de voo. O controlador de voo é responsável pela
segurança dos aviões em voo, nada mais que isso. Quem tem que cuidar dos aviões
estacionados no aeroporto não são eles, os controladores. Se um avião parte em
boas ou más condições de voo, verificar isto já não faz mais parte dos seus
deveres profissionais.
A Igreja católica é a que mais se dedica a tarefas
relacionadas com a morte e o destino que aguarda os que estão para se despedir
da vida mortal. O escritor inglês Aldous Huxley lhe dá este elogio.
Ao enterrar um morto tiramos de circulação tão somente o
seu cadáver, nada mais do que o invólucro mortal é entregue à destruição. Tudo
o que faz parte de seu Eu Superior o falecido levou consigo. O que acontece
depois é tema de especulação, pois são escassas as informações que possuímos.
Ainda alguns decênios atrás se podia dizer: “Nada sabemos,
pois ninguém voltou para contar”. Mas hoje aumentou significativamente a
possibilidade de trazer de volta à vida pessoas que os médicos já tinham
declarado mortas. A morte clínica não encerra o processo de morrer. Isto só
ocorre quando o cérebro deixa de funcionar. A verdadeira morte é a morte
cerebral. E esta geralmente só ocorre após a morte clínica. Deste modo o
moribundo tem tempo para fazer uma avaliação da sua vida toda, e caso lhe for
aconselhado por misteriosos seres de luz, poderá retornar ao corpo que acabara
de abandonar. Este retorno é penoso e sofrido. A morte continua sendo um enigma
e seus estágios derradeiros continuam sendo uma incógnita.
Viver para
os romanos era o mesmo que estar entre os homens, “inter homines esse”. Morrer significava para eles deixar o convívio
humano. No entanto, faz parte das verdades básicas da fé cristã a crença na
comunhão dos santos. A morte abre espaço para novas e inusitadas formas de
convívio e de comunicação.
Para que
duas pessoas possam se comunicar desembaraçadamente entre si é preciso que
possuam em comum o mesmo nível de consciência. “Simile simili gaudet” diziam os romanos, “igual atrai igual”,
dizemos nós.
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
A FÉ VINCULADA À CIÊNCIA
A Ciência Moderna nos está fornecendo hoje insights e pistas teologicamente muito
mais confiáveis e aproveitáveis do que tudo o que o Magistério Eclesiástico tem
para oferecer. Foi Einstein quem nos informou de que “a essência da matéria é
espiritual”. Foi outro cientista, o físico David Bohm, quem descobriu que “a
suprema natureza do universo é uma energia de amor”! Foram biólogos que
descobriram que o corpo humano adulto é composto de cem trilhões de células e
que cada uma delas tem conhecimento do que se passa com cada uma das outras. A
teoria da biocomunicação nos diz que “todos os seres vivos formam um Todo holístico”
e que cada entidade “individual” vive em comunicação permanente com as demais.
Até alguns anos atrás eram apenas os “místicos” e os “swamis” do Oriente que falavam estas
coisas. Hoje é quase impossível encontrar um cientista de renome que faça pouco
caso do que os “sábios” do antigo Oriente nos legaram como herança cultural.
Einstein se dizia “crente” e admitia que a “fé” podia fornecer a um homem
conhecimentos que a ciência sem fé não estava em condições de lhe conceder!
Uma fé
religiosa que desconfia da ciência é tão míope e caolha quanto uma ciência que
menospreza a fé. A fé, qualquer que seja o seu objeto, nasce numa esfera da
mente humana que autores como Deepak Chopra definem como “não-local”. David
Bohm a denomina de “insight” ou
“mente superior”. O resultado de sua atividade é a inspiração, uma forma de conhecimento
instintivo e supra-racional. Supra-racional e metacientífico, isto sim, mas não
irracional.
A fé religiosa necessita da ciência tanto quanto esta
necessita das luzes da fé. Chegou a hora de colocar um fim à inglória luta
entre Ciência e Fé. Chegou o momento de elevar Teilhard de Chardin à honra de
Doutor da Igreja!
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
NOVA CRIATURA HUMANA
É com razão que se pode afirmar que o futuro da humanidade
foi entregue a uma “Nova Raça” humana. A raça que atualmente domina o cenário
histórico da nossa espécie já provou que não possui o necessário grau de
consciência para tarefa tão complexa. Num mundo em que cada cidadão é
incentivado a priorizar o seu próprio eu e a cuidar, antes de mais nada, do seu
próprio interesse, só pode ser visto como radicalmente impermeável à Lei do
Amor. Isso só não percebe quem não tem olhos para ver!
Uma sociedade capitalista e competitiva só pode tolerar uma
faixa bem reduzida de amor. Uma sociedade organizada segundo princípios
autocráticos só consegue produzir um tipo de cidadão e de fiel do qual nada se
pode esperar além de conformidade e de submissão.
O futuro da
humanidade, como o do universo todo, depende essencialmente da capacidade
criativa dos seus responsáveis. Tanto cientistas como teólogos estão começando
a perceber que o futuro do universo não pode ser dissociado e separado do
futuro da humanidade. A “Nova Criatura Humana”, da qual Cristo é o protótipo,
já está começando a tomar o seu lugar no processo evolutivo geral através da
consciência de que é cidadão do universo todo, e não apenas habitante casual de
um planeta perdido na imensidão do espaço! A palavra “consciência cósmica”
exprime este fenômeno.
Será que
quem não é capaz de perder-se na imensidão dos espaços exteriores terá
condições de compreender o que ainda resta a ser feito em seu próprio interior?
A sua natureza espiritual torna o homem tão infinito e insondável quanto o
universo. É evidente que o homem, criado no Jardim do Éden, não saiu da mão do
Criador aparelhado para o desempenho de tarefa tão gigantesca. A vida e a
pessoa de Jesus devem ser vistos como momento inaugural de uma Nova Era e de um
novo tipo de homem e de mulher!
A “gratia elevans”
é obra do mesmo Criador, mas pertence a uma outra categoria na ordem da
Criação. A pessoa redimida por Cristo é uma Nova Criatura.
In: Manuscrito de
José Marcos Bach, sj
A PERFEIÇÃO NAS SUAS LIMITAÇÕES
O
cristão autêntico não representa a última palavra. Seu cristianismo ainda
carece de um complemento, que é a perfeição. “Sede perfeitos como vosso Pai
Celeste é perfeito” (Mt 5,48). O cristão perfeito só pode ser definido como tal
com base nos mesmos critérios usados para definir a perfeição de Deus. Como em
Deus tudo é indescritível, também a perfeição cristã se furta a qualquer
tentativa de descrição. A ideia de que um monge ou uma freira encarnam o ideal
da perfeição cristã resulta de um equívoco. Quem o cometeu não foram teólogos,
mas juristas. O “estado de perfeição” não pode ser identificado com um
determinado modo de viver a sua fé em Cristo. Não pode ser associado a regras
ou a um modo peculiar de se vestir.
O mundo
criado por Deus é perfeito, mas esta perfeição permanece oculta e só se
manifesta sob a roupagem da imperfeição. O místico cristão possui a capacidade
de perceber o lado perfeito da realidade, mesmo quando este lado coexiste com o
lado imperfeito das coisas. Para o perfeccionista a imperfeição é um mal. Não
sabe como enquadrá-la em sua “Weltanschaung”,
em sua “cosmovisão”.
Um
místico cristão, como Teilhard de Chardin, não se escandaliza com a presença de
tanta imperfeição no mundo. Para ele a imperfeição faz parte de um esboço de um
mundo a caminho de se tornar perfeito. A perfeição representa um ponto final
absoluto, além do qual não é possível ir. O que ainda pode ser mais perfeito é
porque é imperfeito. O cristão perfeito não é alguém que não pode ser mais
perfeito do que já é.
Uma larva é perfeita quando possui todas as qualidades
necessárias à sua condição de boa larva. Mas falta-lhe muito para chegar a ser
um dia a borboleta que traz dentro de si. Assim como a larva já traz em si a
borboleta que irá ser um dia, do mesmo modo, cada ser humano traz, em seu
íntimo mais íntimo, uma “centelha divina”, como a denomina o filósofo Platão.
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
A CENTELHA DIVINA
A crença na existência de um órgão espiritual destinado a
pôr o espírito do homem em contato com o divino é anterior a Jesus Cristo. Já o
filósofo grego Platão, que viveu três séculos antes de Jesus, fala da
existência de uma “centelha divina” presente no interior de toda pessoa humana.
Jesus apenas regou com as águas abundantes da sua Graça o que Platão e outros
pensadores gregos tinham semeado.
A ideia de que o interior do homem é terreno devastado pela
ação de um hipotético pecado original é incompatível com a mensagem otimista de
Jesus. “Se alguém me ama e crê em mim, Eu e o Pai viremos a ele e nele faremos
nossa morada” (Jo 14,23). Para que isto venha a acontecer só há um único
requisito a preencher: abraçar, sem reservas, a causa de Cristo. Além do Amor
que Deus nos oferece não existe mais nada que se possa classificar como
exigência.
O amor é gratuito e incondicional, por isso ele é
inegociável. Quando após uma briga um casal volta a fazer as pazes, isto não
quer dizer que voltou a se amar novamente como antes ou até mais do que antes.
Não há no terreno afetivo briga que não deixe sequelas.
Quem atingiu
no terreno afetivo o nível de um amor perfeito como é perfeito o amor
incondicional de Deus, pode fazer o que bem entende. O amor é o limite que separa
o que é inegociável do que pode ser objeto de negociação. Deus não castiga
ninguém. Menos ainda pensa em privar alguém do seu amor e da sua amizade.
In: “O Despertar do Eu
Divino” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
O REINO DE DEUS, UM IDEAL.
O Reino Messiânico não era para ele (povo judeu) um ideal a
ser posto em execução imediata, mas uma medida, um paradigma (diríamos hoje),
um critério de avaliação moral e política. Toda vez que o povo se afastava de
Deus e sempre que o rei se distanciava tanto de Deus como do povo, surgia o
profeta para recolocar o sistema nos seus devidos eixos.
O Reino Messiânico dos profetas não fazia parte do mundo
das realidades escatológicas. Não era, portanto, um sonho destinado a encontrar
sua plena realização numa outra vida. O judeu, via de regra, pouco se preocupava
com o que vinha depois da morte. Para ele o Reino Messiânico era uma promessa
de Deus destinada a se cumprir em tempo histórico.
Aos poucos os profetas foram rareando e o último do qual se
tem notícia viveu no século VI a.C. O sonho do Reino foi se apagando, ou então
passou a ser usado por aventureiros políticos, pouco escrupulosos. Depois do
ano de 133 d.C. os romanos se encarregaram de esvaziar, em caráter definitivo,
de qualquer chance política o sonho messiânico do povo judeu. Foram dispersos pelo
mundo inteiro e, contudo, permaneceram unidos, alimentando em suas sinagogas a
esperança de um reencontro com o ideal messiânico.
A ideia de um reino ideal se apoia em três pressupostos:
-
Primeiro, uma realidade presente, se não intolerável de todo, ao menos distante
do que qualquer cidadão consciente e civilizado considera como requisitos
mínimos de uma sociedade humana justa, digna de seres racionais.
- Segundo,
por trás desta esperança de dias melhores deve haver uma certeza, pois sem ela,
a esperança deixaria de existir e seu lugar seria ocupado pela ilusão.
- Terceiro
requisito: deve haver um modelo a partir do qual é possível dimensionar os
contornos fundamentais do Reino Messiânico.
O povo
judeu sempre foi um povo sofrido. Sempre teve que lutar duramente por tudo o
que conseguiu conquistar e realizar. É só pensar na Terra Prometida, sua
pátria, onde o “leite” e o “mel” eram, na época de Moisés, tão escassos quanto
hoje.
Onde o judeu põe o pé, a perseguição se lhe gruda no calcanhar. Mas uma certeza
o judeu sempre tinha: “Deus está do meu lado!”. Deus (isto é, Javé) precisa de
nós como nós precisamos dele! A relação de um judeu com seu Deus é tudo, menos
servil. Um judeu religioso não se sente diminuído pelo fato de estar às ordens
de seu Deus. Pelo contrário, sente-se dignificado pelo fato de poder obedecer a
tão excelso Senhor.
É possível que em nossos dias seja difícil encontrar um
judeu que deposite em Deus a mesma fé que desde séculos se acostumou a
depositar no poderio financeiro e militar. Toda vez que o povo de Israel
cometeu o mesmo erro, acabou pagando por ele um alto preço. Recebeu por ele um
castigo correspondente ao de “Alta Traição”.
Resta uma pergunta que merece atenção: “Donde o povo de
Israel tirou a ideia de um Reino Messiânico Ideal?”. Faz parte do credo
religioso do judaísmo a crença num estado inicial em tudo oposto à situação do
momento histórico atual. O homem primordial foi criado por Deus em primeira mão
(e não por intermédio de terceiros). Depois de tê-lo criado, Deus viu que tudo
o que tinha feito era bom, incluído o homem. Das páginas iniciais da história
humana fazem parte o Jardim do Éden (ou Paraíso), a mulher, sua extraordinária
intimidade com Deus e uma forma invejável de viver em harmonia com a natureza.
Tudo isso se perdeu. Mas ficou no Inconsciente Coletivo de
cada ser humano a saudade e o desejo de um reencontro com este estado de
comunhão íntima com Deus e com a natureza. Foi provavelmente sob a influência
dessa nostalgia do Paraíso perdido que Isaías escreveu essas palavras
enigmáticas e aparentemente pouco dignas de figurar num escrito tido como
sagrado e inspirado por Deus: “Habitarão juntos o lobo e o cordeiro, e o
leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão
juntos... A vaca e o urso comerão na mesma pastagem... O leão e o boi comerão
igualmente palha...” (Is 11, 6-7).
In: “O Reino de Deus” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach,
sj
DA ANTROPOLOGIA À TANATOLOGIA
Um dos ramos mais recentes da Antropologia tem o nome de
tanatologia. A palavra tanathos é
grega e significa morte.
O progresso da medicina permite reanimar e devolver a vida
a pessoas consideradas mortas. Um médico moderno sabe que a morte é um processo
complexo e que ocorre aos poucos. A chamada morte clínica representa apenas um
estágio de um processo que necessita de certo tempo para ser concluído. O
processo todo só se torna irreversível após um determinado tempo. Pessoas que
passaram pela assim chamada “Experiência de Quase Morte” (EQM) afirmam ter se
defrontado com uma espécie de barreira que as impedia de ir adiante. Algumas
afirmam terem sido aconselhadas a voltar atrás, de retorno à vida. Foi lhes
dito que sua hora de morrer ainda não chegara.
Todos os que após a morte clínica voltaram à vida confessam
que o fizeram a contragosto. Admitem que havia muito mais, além daquilo que
lhes foi permitido experienciar. Declararam que em momento algum se sentiam
como “mortos”. Mas que em toda a sua vida nunca se tinham sentido mais cheias
de vida, mais lúcidas e mais autoconscientes do que naquele curto lapso de
tempo de sua passagem pelo tão mal compreendido mundo dos mortos.
A morte não existe. Ao menos já não pode mais ser vista
como castigo e como fim de vida. A moderna tanatologia aconselha-nos a não
tratar o assunto como antes. Uma quantidade considerável de experimentos
científicos confirmam a tese de que a morte é uma forma de metamorfose
semelhante a que faz de uma crisálida uma borboleta.
Todos os que passaram pela “Experiência de Quase Morte”
descrevem a sua experiência, ao menos a sua fase inicial, como de separação do
corpo físico. Viam o próprio corpo deitado numa mesa de operações, ou no meio
dos ferros retorcidos de um carro acidentado, enquanto outra parte de sua
personalidade flutuava no alto sem a menor ligação com “aquela coisa estranha”,
cuja sobrevivência tanto preocupava os médicos.
O corpo físico parecia não fazer parte da sua
autoconsciência. O fato de se verem separados do corpo físico não era sentido
como falta ou como ausência ou como perda. Antes, pelo contrário, tudo era
sentido como parte de um processo de libertação. É, sem dúvida, causa de
estranheza a indiferença do “quase morto” pela sorte do seu corpo físico. Ao
ler seus relatos, tem-se a impressão que para eles o corpo não faz parte
substancial da personalidade humana. O corpo físico mais se parece com uma
gaiola, cuja finalidade principal consiste em manter a alma prisioneira dos sentidos.
É crença comum que é ao seu cérebro que o homem deve sua maravilhosa capacidade
de produzir pensamentos, de criar imagens e de raciocinar. Mas os que
retornaram à vida após sua breve passagem pelo mundo dos mortos, não dispunham
de um cérebro e, contudo, continuavam a manter uma atividade mental
verdadeiramente assombrosa.
In: “RUMO AO INFINITO” – Manuscrito de Pe. José Marcos
Bach, sj
MUNDO PERFEITO
O mundo em que vivemos é perfeito. É o que
nos atestam tanto cientistas como pessoas que passaram pela “Experiência de
Quase Morte” (EQM) ou Morte Clínica. Livros como o do americano Kenneth Ring
“Rumo ao Ponto Ômega” – Ed Rocco – tratam deste assunto com base em depoimentos
de pessoas que tiveram morte clínica, mas acabaram retornando à vida. Nem todos
voltaram de lá impressionados com a beleza indescritível e a perfeição do mundo
que tinham tido a ventura de ver. A imperfeição só existe lá onde o amor divino
é impedido de penetrar. Por isso pode-se afirmar que o “pecado mortal”, por
excelência, consiste em trocar o “primado da caridade” pelas tímidas seguranças
de um regime disciplinar.
Evidentemente ainda não atingimos um
estágio evolutivo que nos permita um grau muito elaborado de originalidade e de
expansão mais ampla dos planos superiores e mais personalizados da nossa
autoconsciência. Não temos o direito de excluir os retardatários do futuro da
nossa espécie, mas também não estamos obrigados a emparelhar o nosso passo com
o deles.
Numa sociedade organizada segundo
princípios totalitários, cabe aos donos de poder determinar os limites dentro
dos quais cada indivíduo pode exercer a sua liberdade. Numa sociedade liberal,
este direito cabe a cada indivíduo em particular. Numa sociedade mais afinada
com as tendências do processo evolutivo, esta tarefa caberá nem a um nem a
outro dos dois contendores, mas a um personagem novo. Este personagem utópico
chama-se Comunidade!
A comunidade é um organismo social
constituído por pessoas. Isto é, por indivíduos que entraram na posse plena de
suas potencialidades. O psicólogo suíço Carl Gustav Jung os define como
indivíduos que moram em si mesmos, ocupando todos os espaços habitáveis do seu
interior. O psicólogo italiano Roberto Assagioli os define como indivíduos
plenamente identificados com o seu Eu Superior.
Pessoa é, portanto, um indivíduo capaz de
se governar a si mesmo. Não tendo mais necessidade de se identificar com o que
faz, pode identificar-se com o que é. Só depende de si mesmo. O único poder
perante o qual se curva é a voz de sua própria consciência.
In: “Do ‘Bom Selvagem’ ao ‘Homem Noético’”
- Artigo de Pe. José Marcos Bach,SJ em www.padrejosemarcosbach.blogspot.com.br – ARQUIVOS
DIVERSOS.
A ENERGIA DO AMOR
O pão que nos alimenta
já foi grão e já passou antes pela aventura da vida. Ao mastigar com carinho e
amor a nossa fatia de pão, incorporamos em nosso ser tudo o que faz parte da
experiência de vida de um grão de trigo. Transformamos o que era simples massa
em energia. Espiritualizamos esta energia transformando-a em amor. Pensamentos,
sentimentos e emoções sobem de categoria quando passam a fazer parte de um
movimento de amor. Daí nasce a prioridade absoluta da Lei do Amor sobre todas as
outras leis.
Todas as formas de
energia do universo podem ser resumidas numa só energia que é a energia do
amor. “A suprema natureza do universo é uma energia de amor”. Quem afirma isto
é o físico David Bohm. Einstein achou que todas as quatro energias básicas, a
nuclear forte, a nuclear fraca, a eletromagnética e a gravitacional poderiam
ser apenas variações de uma única energia fundamental. Morreu sem ter chegado a
nenhuma conclusão. Mas hoje existe neste campo a tendência de atribuir à
energia gravitacional este papel.
Se esta tese for
verdadeira, só existe uma única forma básica de energia. E esta seria, no caso,
a energia gravitacional. Transpondo esta energia do plano físico para o plano
espiritual, teríamos como conclusão que o amor é basicamente uma forma
sublimada de energia gravitacional.
Ao assimilar um alimento não apenas o estamos
incorporando ao nosso corpo físico, mas o estamos incorporando à nossa pessoa.
E mais ainda: o estamos incorporando a um plano cósmico mais elevado.
Jesus soube, como
poucos, dar valor a uma refeição em comum. Compara o Reino dos Céus a um
“banquete” (Lc 22,30). Despediu-se dos seus amigos mais chegados
oferecendo-lhes uma Ceia. Associou o sacramento da Eucaristia ao Pão e ao
Vinho. Até entre animais o ato de alimentar possui uma espécie de sacralidade
ritual.
In: “Rumo ao Infinito”
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ
SANTIFICAÇÃO
O fato de ter sido
reconhecido oficialmente como santo, pouco diz a respeito do efetivo grau de
santidade do agraciado. A verdadeira santificação acontece no íntimo mais
íntimo da alma. Por sorte ou infelicidade não temos como chegar até lá e
assistir ao que está se passando. Não possuímos câmera que nos permita filmar o
que Deus e a alma estão fazendo. Nem a alma tem consciência do que está
acontecendo em seu íntimo. O Amor de Deus, como todo amor genuíno, é muito
discreto, humilde e cheio de “pudores”!
Nada mais deprimente do que manifestações de amor indiscretas, espalhafatosas e
destemperadas! O fato de ser tão misterioso e oculto, transforma a vida íntima
da alma com seu Bem-Amado numa dura prova de paciência. A palavra paciência vem
do verbo latino pati que significa
sofrer e suportar. Todo amante apaixonado sabe o quanto o amor é capaz de fazer sofrer. Quando o “amante” se envolve
em silêncios misteriosos e teima em permanecer distante do “teatro de
operações”, o “amado” só pode sentir isso como “abandono”, como rejeição. Tudo
fica ainda mais penoso quando se toma em consideração que a santificação é obra
exclusiva do Espírito Santo. Dele partem as iniciativas todas e é dele o mérito
todo! À “pobre” alma só lhe resta “contabilizar” os fracassos, pois estes, sim,
correm todos eles por conta da sua falta de generosidade!
Passar a vida
sobrecarregado de dívidas, e muitas delas impagáveis; ver como os louros sempre
terminam por ornar outras frontes, Deus, a Santa Madre Igreja, a Venerável
Companhia de Jesus, por exemplo, é dose de paciência para muitos “Jós”! Ninguém
se torna santo por mérito próprio! Todo santo é um “eleito” de Deus, e deve a
Ele tudo o que é!
In: “Santidade” -
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ
O FENÔMENO DA EXPERIÊNCIA DE QUASE MORTE (EQM)
“Agora sei o que é amor! Agora sei o que é importante”! É com
esta exclamação que muitos dos sobreviventes de uma EQM saúdam seu retorno à
vida anterior. Implicitamente presente nesta exclamação está a confissão de que
a vida como a tinham vivido até então era equivocada e ilusória. A EQM os tinha
despertado para a apreciação de valores para os quais não tinham sido
programados anteriormente. Estudos sobre os efeitos de uma EQM davam a
impressão de que ela só ocorria em caso de perigo de vida e em pessoas que se
encontravam na iminência da morte.
Estudos recentes, como os de Kenneth Ring, levantam a suspeita
de que o fenômeno citado não é causado pela iminência da morte física, mas que
é preciso ir à procura de outro fator capaz de determinar mudanças tão
profundas nos aspectos valorativos da vida. A “Experiência de Quase Morte”,
melhor seria associá-la à vida, e ver nela o renascer para uma nova vida.
Quem sai desta experiência mais morto que vivo é o ego. “Eu era
uma pessoa mundana, materialista e superficial” são termos com os quais muitos
dos sobreviventes descrevem o modo como viviam antes de sua EQM. Confessam que
em algum patamar remoto da sua consciência ocorreu um violento “Tsunami”, um maremoto que abalou as
bases mais profundas da sua “Consciência Total”. Impressiona, no entanto, o
caráter espontâneo com que estas mudanças se impõem!
Não se trata de pôr em prática lições que a proximidade da morte
despertou. O que parece ter acontecido é um despertar de níveis mais sutis da
consciência. A psicologia moderna não se contentou com o “mapa psíquico” de
Freud cujas descobertas não foram “além do ego”. Termos como “Eu Superior”
(Assagioli), como “Self” (Jung), “Eu Transpessoal” (Grof) começam a ser empregados
para descrever níveis e planos da “Consciência Total” para ao quais Freud e
Adler ainda não tinham encontrado espaço.
Devemos a Khalil Gibran a definição dos planos superiores da
consciência como Eu Divino. De acordo com esta concepção da consciência cada
pessoa possui em seu íntimo não mais um aparelho, mas um órgão psíquico que o
põe em comunicação direta com Deus.
As igrejas estão ficando vazias e as sacristias estão ficando
desertas. Cresce a impressão alvissareira de que Deus está mudando de
residência. Numa catedral cabem milhares de pessoas. Ainda hoje há quem mede a
vitalidade da fé religiosa tomando como base da sua avaliação o número de fiéis
reunidos num templo.
A alma humana é um templo, é verdade, mas um templo sui generis, pois é obra do amor divino.
A natureza espiritual da alma humana não permite que alguém a trate como
propriedade sua. O “Deus de amanhã” insiste em se autodefinir não mais como
Senhor, mas como servo e servidor dos homens (Mt 20,28). “Já não vos chamo
servos, mas amigos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor” (Jo 15,15).
Lendo o testemunho de sobreviventes de uma EQM tem-se a
impressão de que Deus está batendo à porta (Ap 3,20), pedindo para entrar na
vida dos homens de uma maneira totalmente nova.
Do
manuscrito “O DESPERTAR DO EU DIVINO” de Pe. José Marcos Bach, SJ
ORAÇÃO EM ESPÍRITO – NO S E R
Como o meu intento
não é o de ajudar banqueiros e empresários a ganhar mais dinheiro, contento-me,
por ora, com a constatação que em seu tempo Jesus já fizera: “Os filhos das
trevas são mais inteligentes e lúcidos do que os filhos da luz” (Lc 16,8).
Ao escrever este
texto o faço com o pensamento voltado para os que se dizem “filhos da luz”, mas
se comportam como toupeiras, como representantes de uma Igreja que a história e
a consciência dos homens mais livres já não se dispõem mais a aceitar como obra
da Vontade Salvífica de Deus. Mais do que de uma Teologia da Libertação a
humanidade começa a sentir a urgente necessidade de passar de um sistema moral
legalista para uma Ética da Libertação. À mania de regulamentar tudo é preciso
opor uma Nova Ética, baseada no mais absoluto respeito pela liberdade de
consciência de cada pessoa humana, em particular. É dentro deste contexto
evolutivo extremamente dinâmico e imprevisível que quero colocar a oração.
Do lado de fora das
pessoas nada mudou. Se alguma coisa mudou, então foi para pior. Quem está
evoluindo não são as estruturas sociais ou políticas. A evolução é um processo
seletivo. Ora, qual é o animal mais propenso a fazer escolhas, a criar
alternativas? Quer levar um ser humano ao desespero total, condene-o a
permanecer sempre igual a si mesmo!
Assim como Davi
jogou fora a couraça e a lança de Saul e escolheu enfrentar o gigante Golias de
tanga e de funda na mão, do mesmo modo o ser humano só poderá evoluir se for
capaz de jogar fora todos os dispositivos de segurança que lhe são oferecidos.
A segurança do homem
espiritual lhe vem do seu próprio interior. Assim como a vida de um casal se
realiza no mais absoluto segredo, da mesma forma a união da alma com seu Deus
se realiza no silêncio e na obscuridade de longas e dolorosas noites. É dentro
desta perspectiva evolutivo-dinâmica que devemos analisar a oração se quisermos
ter uma ideia do seu verdadeiro significado.
A oração é, em sua
essência, uma forma de captar e transmitir energia. Esta energia, objeto da
oração, é de origem divina. É uma forma de se comunicar com o Senhor Supremo do
Universo, fonte de todo o ser, de todo o conhecimento. Pela oração o espírito
do homem volta a tomar contato com a Fonte Suprema e Última do seu próprio ser.
A oração leva a alma humana a se encontrar com as raízes interiores e
subjetivas do seu ser.
Os antigos egípcios
não adoravam o Sol como afirmam historiadores mal informados. O sol era para
eles apenas um símbolo religioso, uma imagem do Supremo Senhor do Universo.
Sabiam que o nosso sol não é a única fonte de luz, de energia e calor do
cosmos. Sabiam muito bem que o universo era povoado por um número muito maior
de sóis e que o nosso é apenas um entre muitos outros.
Para nós, habitantes
deste pequeno e modesto planeta chamado Terra, este relativamente pequeno astro
a que damos o nome de sol, é, no entanto, tudo, pois sem ele nem eu estaria
aqui, conversando com você, caro leitor, nem você teria condições de ler o que
estou escrevendo.
Onde não há luz e
calor, nenhuma forma superior de vida consegue medrar. A vida na Terra é
possível porque o sol nos proporciona luz, calor e energia em superabundância.
Nossos astrofísicos
estão descobrindo que no universo não existe espaço vazio. Comparadas com o
universo, as crises energéticas provocadas pelo homem são ridículas. Energia é
que não falta. Falta ao homem a capacidade de captá-la e de servir-se dela.
Pois bem: é isto o que a oração lhe poderia proporcionar se não a tivesse
excluído da lista dos instrumentos destinados a promover o progresso da
humanidade, consubstanciado no progresso espiritual da sua própria alma. Quem
ora em “espírito e verdade” como Jesus, eleva-se e “elevando-se, eleva o mundo
todo”, na bela expressão da mística francesa Isabel Leseur.
Tudo o que os homens
mais afoitos procuram conseguir escalando montanhas e abordando planetas
distantes, um “homem de oração” procura alcançar em seus contatos íntimos com
seu Criador.
Do manuscrito “TRABALHO,
ORAÇÃO E LAZER” de Pe. José Marcos Bach, sj
CONHECIMENTO MÍSTICO
O místico não
persegue a verdade à procura de provas. Sua visão da realidade se contenta com
rastear pistas.
A distância que separa o teólogo do místico é brutal! O teólogo
quer apanhar Deus na rede dos seus raciocínios! O místico se contenta com
saborear o aroma que permanece no ar depois que Deus passou!
Um místico e um teólogo não falam a mesma língua. Assim como a
linguagem do nariz não é a mesma dos olhos. Ambos os sentidos fornecem, no
entanto, ao homem a mesma mensagem estética.
O Deus de Teilhard é o mesmo de Karl Rahner. Só que o de
Teilhard tem “cheiro de terra” e o de Rahner carece de “cheiro”.
Durante séculos teólogos e cientistas faziam questão de
sublinhar a pretensa incompatibilidade entre Ciência e Fé. Nos últimos cem anos
foram dados passos gigantescos no sentido de pôr fim a esta guerra inglória.
Quando dizemos que o cristão não se apega a regras e que não
necessita de outro poder além daquele que sua fé em Cristo lhe proporciona,
estamos mexendo em “vespeiro”, pois é inútil ir à procura de uma religião que
dispensa seus fiéis de alguma forma de obediência. E de alguma forma de
disciplina imposta.
O místico é alguém que adquiriu grande familiaridade com os
planos superiores da sua consciência.
Com o seu Self, diria Jung. Com a sua
consciência espiritual, diria
Assagioli.
Os conhecimentos que o Supraconsciente lhe fornece não são
iguais aos que sua razão e seus sentidos lhe proporcionam, pois são de natureza
intuitiva. Por intuição se entende
uma espécie de conhecimento em que o sujeito entra em contato direto e imediato
com a verdade, a qual se lhe revela
sem o concurso de intermediários.
O conhecimento místico é essencialmente visionário. É por isto que os místicos preferem servir-se de
imagens e de símbolos, de comparações e de extrapolações e hipérboles para
descrever suas experiências. O falso
místico se apega às imagens como se elas fossem a verdade, assim como o mau
teólogo se prende a dogmas e o mau cientista se escraviza a uma visão teórica
da realidade.
Pe. José Marcos Bach, sj
LIBERDADE DO MÍSTICO
Uma das
características do comportamento místico é a grande liberdade com que pensa, age, ama e atua no mundo em que vive.
Esta sua independência lhe causa problemas quando
o meio social em que atua não permite que alguém faça as coisas sem pedir licença.
Para um cavalo liberdade é uma coisa. Para um
passarinho ela é outra, bem diferente. O primeiro se sente livre quando pode
correr à vontade por onde quer! Para um pássaro ser livre significa poder voar
por onde quiser!
A liberdade do asceta é horizontal, como a do
cavalo: só lhe é permitido correr dentro de um território fechado, limitado por
cercas.
A liberdade do místico
é essencialmente vertical e tão ampla
e irrestrita quanto o firmamento.
O que pode complicar a vida de um místico é o modo
extremamente generoso com que concebe e pratica esta liberdade espiritual.
São João da Cruz a define como soberana. Em “Obras Completas de são João da Cruz” p.853,
ele diz: “A ditosa alma que tem a ventura de ser tocada pelo Amor Divino tudo
saboreia, tudo experimenta e faz tudo quanto quer com grande prosperidade, sem
que alguém possa prevalecer diante dela, nem coisa alguma venha atingi-la,
porque a essa alma se aplicam as palavras do Apóstolo:
‘O Espiritual julga todas as coisas e por ninguém é julgado’(I
Cor 2,15).”
Pe. José Marcos Bach, SJ
PODER E HUMILDADE
Quem
já viveu muito fica desnorteado com a quantidade de problemas diferentes, de
conflitos, de doenças e de crises que podem complicar a vida de uma pessoa ao
longo dos anos. Os sintomas são tantos e a confusão entre eles é tamanha que chegamos
ao ponto de oferecer no mercado farmacológico mais de 40.000 remédios
patenteados. Mas o pobre “doente” que sente dores espalhadas pelo corpo todo,
ao entrar numa farmácia, ao escutar a cantilena costumeira do balconista,
ficaria feliz se este lhe dissesse:
- Temos um remédio que cura todos os
males, do corpo, da alma e do espírito! É este aqui! É infalível, é barato, mas
exige que você tome parte num curso de filosofia!
- Um curso de filosofia?
- É isto mesmo: você vai ter que
mudar por completo o seu modo de vida! A maior parte dos remédios que você está
tomando só serve para agravar as suas “doenças”. A sociedade em que você vive
está ainda mais doente do que você. Mas é a ela que você confiou o cuidado por
sua saúde! As instituições mais representativas desta sociedade nada têm a lhe
ensinar em matéria de saúde!
Doente, quando
muito, sabe o que é “estar doente”. A respeito de saúde só pode falar de modo
convincente aquele que a possui. O oposto da saúde não é a doença em si, mas o
modo como ela é tratada.
Do ponto de vista metafísico pode-se conceber
o fenômeno chamado “doença” como mal, como algo que não deveria acontecer. E
que, portanto, é preciso eliminar, combater e erradicar, se possível. Mas é
também possível percebê-la como “bem”, como meio de passar de um nível inferior
de saúde para outro de nível superior.
O termo “saúde de
ferro” é usado para caracterizar uma saúde inabalável, uma saúde que se pode
permitir o luxo de zombar da doença e dos seus agentes causadores.
A doença não é um
flagelo. Menos ainda o são os micróbios aos quais atribuímos a culpa. Há lições
de vida que só aprendemos num leito de hospital. E muitas lições, que carnaval
algum conseguiu nos dar, vamos aprendê-las no leito da morte! Melhor tarde do
que nunca!
Seria maravilhoso
(para os doentes) se fosse possível reduzir todos os fármacos a um só. Quanto
possível barato e infalível. No entanto, isto só seria possível caso
conseguíssemos reduzir todas as doenças a uma só.
Dethlefsen, autor
esotérico alemão, tenta fazê-lo. Segundo ele, existe uma relação íntima entre
doença e ânsia de poder.
Doente é
basicamente todo aquele que diz: “Eu quero, eu desejo, eu fiz”! Todo aquele que
se instala no alto de um trono ou de uma cátedra e diz: “Aqui quem manda sou
eu” – é um doente! E aqueles que se lhe submetem, tornam-se tão doentes quanto
ele.
Do livro “NO OLHO
DO FURACÃO” Um testemunho de vida –
de Pe. José Marcos Bach, SJ
ORAÇÃO DO SILÊNCIO
“Nas
vossas orações não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam
que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles” (Mt
6,7-8).
Há mais que uma única maneira de
se dirigir a Deus e de tomar consciência da sua presença e do seu Amor. A mais
primitiva e rudimentar é a chamada “oração vocal”. Nela nos comunicamos com
Deus por meio de palavras. Fazem parte dela a oração de petição e de
intercessão. Em ambas pedimos a Deus benefícios e favores para nós e para
outros. É a modalidade de oração que o povo humilde costuma praticar por não
ter conhecimento de outras formas de oração. Entre estas merece destaque a
“oração contemplativa”. A palavra contemplação vem do termo latino “templum” templo. Quem contempla
dirige-se à natureza como quem entra num templo, num santuário, com a intenção
de descobrir nela os vestígios da presença amorosa do Criador. O fruto mais
imediato deste modo de orar é a consciência de que no Universo criado por Deus
tudo está interligado e que o elo que liga as coisas e pessoas todas entre si é
o Amor Divino. Daí brota a consciência de fazer parte deste Universo como
agente ativo e criador, e não como mero expectador passivo.
Uma das modalidades da oração
contemplativa é a que com o apóstolo Paulo poderíamos chamar de “oração mental”
(I Cor 14,15). Por meio dela procuramos entender os seus desígnios e
compreender a complexidade da sua obra. É a forma de oração que mais se
aproxima dos objetivos de um pesquisador científico. Ela tem por finalidade
aprimorar o intelecto do homem através da inteligência do Universo visível. “Per visibilia ad invisibilia”.
Não é fechando os olhos ao mundo
que nos cerca e nos envolve em seus braços que vamos descobrir Deus. É isto que
Santo Inácio nos quer ensinar em sua “Contemplatio
ad Amorem obtinendum”: ver Deus
em tudo e tudo em Deus!
Já no Antigo Testamento
encontramos passagens em que
Deus se queixa da maneira como a oração era praticada nos
santuários de Israel. “Este povo me honra com os seus lábios, mas o seu coração
está longe de mim” (Is 29,13). Em Jeremias deparamos com a mesma queixa: “Eles
me tem em seus lábios, mas longe do coração” (Jr 12,2). É do coração e não dos
lábios que parte a oração que Deus prefere! Esta maneira de orar “com o coração”
é chamada, nos tratados de espiritualidade cristã, de “oração afetiva”. Seu
valor supera, em todos os aspectos, o da oração “vocal” e “mental”. Ela possui
um grau de interioridade que as outras modalidades não oferecem. Nela e através
dela é Deus que fala à alma a partir do seu interior mais íntimo e profundo.
Palavras e pensamentos já não são mais necessários. As emoções se aquietam e os
sentimentos se juntam todos para formar um só: o da feliz união com o Amor
Absoluto. Também é chamada de “oração do silêncio”, pois aquele que ora “em
silêncio” concentra toda a sua atenção no que Deus lhe tem para dizer! Quer
ouvir, escutar e aprender! É a alma que se põe em silêncio para que Deus possa
ser ouvido.
Pe. José Marcos Bach, sj
O DESPERTAR
O
caminho que conduz do pessoal ao transpessoal
é chamado também de processo de iniciação.
Toda vida mística pode ser
inscrita num processo deste tipo, pois ela começa por um retorno às fontes primigênias da sua psique
situadas num plano do inconsciente que Freud denominou de Id e que outros
autores chamam de Eu Inferior. E que Jung chama de Inconsciente Coletivo.
“Na base da alma do homem está a própria alma da humanidade, porém
uma divina, transcendente alma, liderando dos limites para a liberação, do
encantamento para o despertar, do tempo para a eternidade, da morte para a
imortalidade” (Jung).
A vivência mística e tudo o que
leva a ela pode ser inscrito como parte de um projeto evolutivo mais
amplo que Jung chama de “processo de individuação”.
“O processo de individuação consiste na integração dos aspectos
conscientes e inconscientes da nossa psique, o que envolverá encontros com os
arquétipos do inconsciente coletivo e resultará, idealmente, na experiência de
um novo centro de personalidade a que Jung chamou de Self” (Cf. Gilda Moura em
sua obra Transformadores de Consciência p.98). Este processo marca a passagem da infância à maturidade e a partir
dele “pode se distinguir a personalidade madura da infantil” (Ibid.).
As forças que este processo desencadeia, Jung as define como
“numinosas”. “O elemento responsável por esta transformação é o símbolo”,
afirma Jung. E o símbolo arquetípico por excelência é o Mandala, o disco sagrado.
A linguagem simbólica difere de cultura para cultura e sua eloquência
ou potencial “numinoso” passa por transformações ao longo do processo de
desenvolvimento espiritual. O mesmo símbolo não “diz” sempre para todos a mesma
coisa! Até no decorrer da vida de uma pessoa pode acontecer que um símbolo
perca o seu valor!
É o arquétipo que confere a um
símbolo o seu significado mais profundo. A cruz
era considerada pelos habitantes do Continente de Mu como símbolo do homem muito antes que os fenícios a
transformassem em instrumento de martírio! Um ambiente pode ser construtivo ou
destrutivo: isso depende em boa parte da sua “carga simbólica”.
Texto do manuscrito “MÍSTICA E MISTICISMO” de Pe. J. Marcos Bach, sj
UNIDADE NA DIVERSIDADE
O Movimento Ecumênico Cristão é
formado por pessoas que se deram conta de que o maior inimigo do cristianismo
não são as divisões de Stalin ou Hitler, mas a divisão das Igrejas. O Papa João
XXIII percebeu isto como poucos.
O Concílio Vaticano II não
conseguiu convencer os setores mais ativos da Igreja católica que chegara a
hora de saber morrer para poder ressuscitar. Sou católico e a mim me interessa
o futuro da minha Igreja. Na minha vida a fé em Cristo é essencial. Minha fé na
Igreja católica é condicionada à capacidade de seus “pastores” de se adaptar às
exigências de uma sociedade sujeita a violentas transformações. Incondicional é
a fé em Cristo, mas a fé numa determinada Igreja só pode ser condicional. A
mais cristã das Igrejas é tão imperfeita quanto o são as estruturas da
sociedade à qual se integrou.
Tanto a Igreja católica quanto as
de rito oriental incorporaram em seus regimes de governo vícios do antigo
Império Romano. Citemos um exemplo que fala por todos os demais: o poder de
governar a Igreja está concentrado na vontade soberana de um único homem, o
Papa. É ele a única pessoa que só é responsável perante Deus e à sua
consciência. Além dele não há mais nenhum católico que tenha tamanha liberdade.
Quem acha que tamanha concentração
de poder favorece a salvação das almas engana-se, tanto quanto aquele tipo de
empresário da era industrial que ainda podia permitir-se o luxo de tratar sua
empresa como propriedade pessoal.
Por toda parte começam a surgir
movimentos políticos destinados a unificar determinados setores da vida humana.
Fronteiras começam a desaparecer ou perder seu caráter de trincheira. Tudo isto
é altamente positivo e desejável do ponto de vista cristão, desde que não se
faça confusão entre unidade e uniformidade.
A uniformidade resulta de um
processo em que só uma única medida se torna obrigatória. A palavra ideologia
expressa muito bem o que os regimes totalitários têm em vista.
Idion é uma palavra grega e significa o mesmo. Daí vem o termo idiota:
o homem de uma só ideia. Daí vem também o termo ideologia que representa a
redução da multiplicidade de ideias e formas de organização social a um único
denominador comum.
“Ein Volk, ein Reich, ein Führer”
proclamavam os epígonos do pesadelo nazista.
Uniformidade é unidade mutilada. Existe uma diferença fundamental
entre a unidade que é imposta de cima para baixo e de fora para dentro e a que
resulta de algo que se poderia definir como consenso interior.
A unidade orgânica e ecossistêmica
que a natureza adotou é uma unidade consentida e livre, e se impõe por si
mesma. Criar e organizar unidades sempre mais complexas: é este o objetivo
último de todo processo evolutivo. Este objetivo o perseguem tanto os
componentes da biosfera quanto os da noosfera. A natureza pode servir muito bem
de modelo já que nela todo progresso resulta de uma síntese mais complexa do
uno com o múltiplo.
Eliminar as diferenças é o mesmo
que enfraquecer o elo de união que mantém vivo um corpo, seja ele biofísico ou
social.
Sistemas sociais inspirados no
conceito totalitário e autocrático de unidade são por natureza inimigos
declarados da liberdade por serem hostis por princípio ao direito que cada
entidade individual tem de ser diferente das demais. É este o lado fraco de qualquer
religião, ao qual a Igreja católica sucumbiu tanto quanto o Islamismo.
Quem vai escrever daqui para
frente a história da humanidade vai ser o homem. Quem vai escrever a história
futura da Igreja de Cristo serão aqueles que descobrirem, por conta própria,
que o cristianismo é em sua essência um modo desmesuradamente generoso e ousado
de viver a vida sem peias nem restrições. O autêntico discípulo de Cristo
dispensa leis, currais protetores e qualquer tipo de tutor. Quem é
verdadeiramente livre como Cristo o era, mede a sua liberdade e o direito de
vivê-la, tomando como critério sua própria liberdade. O verdadeiramente livre
não precisa justificar sua liberdade. Ele obedece em tudo o que faz de certa
forma a si mesmo, segundo impulsos que lhe vêm do íntimo da sua consciência livre.
Texto do livro “A IGREJA QUE EU AMO” de Pe. J. Marcos Bach, SJ - Edição própria.
O AMOR QUE É...
Também no campo do amor vale o
axioma latino que reza assim: “non multa,
sed multum”. Não é a quantidade
que importa, mas a qualidade. E esta é, no caso do amor, uma questão de
intensidade. Intensidade vibratória, como acontece no campo atômico.
Um amor demasiadamente bem
comportado é como uma roupa demasiadamente justa. Tão justa que acaba
incomodando.
O amor não se dá bem com regras,
prescrições e proibições.
O amor de amizade tem sobre o amor
erótico a vantagem de não nascer de uma necessidade e de não reclamar para si
outro mérito que não seja o de existir por mérito próprio.
O amor de amizade só acontece em
ambientes em que é proibido proibir, em que é maravilhoso ser e permanecer pequeno!
A grandiloquência não faz parte de uma
declaração de amor entre amigos! Amores muito declarados e apregoados costumam
ser mais falsos que autênticos!
O oxigênio que respiramos, e ao
qual devemos o fato de podermos continuar vivos, não tem o hábito de se
autopromover como teria todo o direito de fazer. Tão discreta como a presença
do oxigênio em nossas vidas é a presença do amor!
Jesus não aproveitou a última hora
de sua vida mortal para fazer um discurso ou para lançar um manifesto. Morreu
cercado de trevas. “Chegada a hora sexta houve trevas em toda a terra” (Mc
15,33). A sexta hora (três da tarde) é a hora da morte de Jesus!
O amor adulto, o da sexta hora,
não é aquele pelo qual Romeus e Julietas se dispõem a morrer! Não faz parte do
nosso discurso sobre o amor a ideia de morte! Ninguém quer comprometer-se com
um amor que inclua a morte como consequência. “Amigo, amigo de verdade, é
aquele que dá a vida por seu amigo” (Jo 15,13).
Texto do manuscrito “AMOR DE AMIZADE” de Pe. J.
Marcos Bach, SJ.
MÍSTICA DA
EUCARISTIA
“Onde as pessoas se amam Deus está presente”!
Pe. J. Marcos Bach, sj
Depois que Jesus Cristo lavou os pés dos
seus discípulos, tomou o pão, partiu-o e deu-o para que fosse partilhado,
dizendo: “Tomai e comei todos vós, este é o meu corpo que será entregue por
vós”. “Do mesmo modo, no fim da Ceia, tomou o cálice com vinho em suas mãos e
disse: Tomai e bebei todos vós, este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova
e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos em remissão dos
pecados. Fazei isto para celebrar a minha memória”.
Pergunto: o que tem a ver estes gestos de Jesus com o dar uma
hóstia branca na boca de uma pessoa ajoelhada? Não foi um gesto de irmanação de
todos os presentes este partir e partilhar o pão e o vinho, tornando-os
símbolos do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, o “Pão Vivo descido do céu?”,
sua Pessoa presente em “espírito e vida”? “Fazei isto em minha memória” não evoca postura de relacionamento, gestos de fraternidade, de
participação e de amor?
Dar a
hóstia na boca da pessoa ajoelhada bem pode representar um gesto que evoca
submissão e minoridade. É um gesto de quem se coloca acima de todos e todas e
decreta o que é verdade, o que deve ser obedecido.
Não se coloca de igual para igual como o
fez Jesus lavando os pés de seus seguidores;
Não convida à quem pretende distribuir o “Pão Vivo descido do céu”
para sentar-se ao redor de uma mesa para partilhar deste Pão.
Jesus partiu o pão e o distribuiu. Apenas deu-o na boca de
Judas, o traidor.
Receber o pão na boca é declarar incapacidade de distinguir quem
é quem;
É ser passivo sem a menor ideia do que
representa ser participante de uma Comunidade Cristã;
É trair Jesus e seu projeto de vida para todos e todas em
abundância, conquistado pelas pessoas que atuam numa comunidade e se relacionam
nela com total doação, desprendimento e amor!
Dar a hóstia na boca de alguém é submetê-lo a ser inferior, a
receber tudo pronto e a não precisar fazer esforço em conjunto para conquistar
os bens que nos esperam e nos fazem viver melhor.
Por que é tão dramática a falta de pão na mesa de alguém? É
porque o pão nosso de cada dia em cima de nossas mesas alimenta também o nosso
espírito. A Eucaristia é plena e completa se
incluir o pão nas nossas mesas!
Os primeiros cristãos se reuniam e tomavam as refeições em
comum. Celebravam, desta forma, o partir e o partilhar do pão em memória de
Jesus, a Eucaristia (Atos 2,42...). Será que o mesmo não podemos começar a
fazer em nossas famílias, em nossas pequenas comunidades para nos lembrar da
importância do alimento para nossa vida, para nossas almas, para nosso
espírito? Numa época de inversão de valores, onde cultuamos o automóvel e a
indústria de combustíveis em detrimento dos alimentos, não é oportuno lembrar o
pão como alimento humano e espiritual indispensável?
Que o partir e o
partilhar do Pão da Eucaristia nos lembre a falta de pão na mesa de muitos de
nossos irmãos e irmãs e nos leve a sermos solidários com aqueles e aquelas que
não dispõem do pão de cada dia! - Agosto
de 2008.
DEUS
ESTÁ PRESENTE
Quando um místico cristão fala da
“ação do Espírito Santo” está se referindo à mesma inspiração a que Bohm dá o
nome de Insight. Bohm não o diz
porque não quer invadir seara alheia, pois é de opinião que a resposta a este
tipo de interrogação ultrapassa a competência de um cientista. Embora admita o
caráter atemporal deste processo todo, ainda o define como material. Ao fazer
esta afirmação, Bohm não descarta a relação do homem como passageira. É o mesmo que afirmar
que o espírito do homem será sempre um espírito encarnado e que esta vinculação
não o empobrece nem o diminui!
Se a “essência da matéria é
espiritual”, como sustentava Einstein, então a “essência do espírito é
material”. Sendo assim, é preciso descartar como falsa qualquer forma de
antagonismo, opondo espírito e matéria. Em sua dimensão mais profunda
espírito e matéria convergem e se completam. Ao assumir a
natureza humana na Pessoa Divina de Cristo, o próprio Deus entrou ativamente
neste processo, que podemos definir como sendo de espiritualização do universo
material.
Amorização é a palavra que Teilhard de Chardin emprega
para definir este projeto monumental e de dimensões cósmicas. O nível de
consciência que lhe corresponde é a consciência cósmica, pela qual uma pessoa
toma consciência de si como parte integrante de uma totalidade tão ampla quanto
o universo todo.
A consciência de um cristão
autêntico é essencialmente cósmica, pois o Deus em que deposita sua fé se
manifesta a ele através do universo material. O grande Livro da Natureza,
desde o átomo até a galáxia, está repleto de informações, dizendo-nos quem é
Deus. Para o apóstolo Paulo “quem não crê em Jesus, ainda pode ser
desculpado, mas quem, ao contemplar o firmamento e os mistérios da natureza não
crê em Deus, este não tem desculpa” (Rm 1,20).
Durante séculos o número de
estrelas conhecidas não ultrapassava 6.000. Neste curto espaço de tempo o nosso
conhecimento do universo cresceu “ad
infinitum”, tanto em quantidade quanto em qualidade. Devemos este
maravilhoso progresso a cientistas. A pesquisa teológica praticamente ignorou solenemente o que os
cientistas iam descobrindo. Esta é uma situação deplorável pela
qual os responsáveis principais não são os cientistas, mas os profissionais da
“Doutrina da Fé” encastelados em suas fortalezas inexpugnáveis.
A presença de Deus na
vida dos homens é elemento fundamental da fé em Cristo. O Evangelho de Tomé
cita uma palavra de Jesus que realça a importância desta tese. “Levanta uma
pedra e debaixo dela me encontrarás”.
Quem não aprendeu a encontrar Deus
nos pequenos detalhes da vida cotidiana, também não vai encontrá-lo na Basílica
de São Pedro. O mundo que nos cerca está repleto de maravilhas que na sua
simplicidade nos falam do Amor de Deus de forma mais convincente do que o mais
eloquente sermão.
Texto do manuscrito “RETIRO DE
SANTO INÁCIO – À Luz da Ciência” de Pe. J.Marcos Bach, SJ.
PROGRESSO ESPIRITUAL
O que significa progredir? Significa avançar, caminhar
para frente. Significa sair do lugar, mudar de espaço. Significa mais:
significa mudar o espaço em que se vive. Tanto o espaço exterior, quanto o
interior. Mudar tanto os seus relacionamentos quanto o modo de se relacionar.
Decisivo é o grau de intimidade.
Como vejo o outro? Como
estranho que preciso transformar em próximo? Ou como um próximo que preciso
transformar em alter ego meu?
É impossível progredir sem sair de um tempo e passar
para outro. Há no caminho do progresso espiritual momentos de calmaria, de paz
e tranquilidade e momentos de tempestade. Períodos de tranquilidade têm o mesmo
sentido que o espaço de tempo entre duas batalhas ou duas ofensivas. Quem
atravessa um oceano sempre está mais perto do perigo do que da segurança. “Tudo
o que vale a pena é difícil” (Platão).
A paz que Cristo veio
trazer não é a mesma que o mundo promete. “Militia
est vita hominis”, diz a Escritura. “Combati o bom combate” (II Tm 4,7).
“Combate o bom combate da fé” (I Tm 6,12). O povo de Israel, protótipo do Povo
de Deus da Nova Aliança, só conheceu raros momentos de verdadeira paz. “Não vim
trazer a paz, mas, sim, a espada” (Mt 10,34).
Jesus não excluiu a
violência, isto é, a força, do seu projeto de desenvolvimento espiritual da
humanidade. O emprego da força (= violência) não é condenável, desde que não
venha a ferir a liberdade da pessoa humana. O amor e a beleza são forças que
arrebatam, cativam e conquistam! É a elas que Jesus se refere quando diz que o
acesso ao Reino de Deus é reservado aos que se dispõem a lutar por ele. Lutar
não significa tanto tentar arrebatar o Reino dos Céus, quanto deixar-se
arrebatar por sua beleza.
O progresso espiritual representa mais do que um
simples avanço horizontal e linear. Progredir tem aqui o mesmo sentido que
subir, ascender. Subir significa partir de um plano inferior e mais baixo para
um outro mais alto. O que é mais alto e o que é mais baixo? Do ponto de vista
topográfico, mais alto é o que só se consegue perceber erguendo a cabeça. Subir
uma montanha sempre exige mais esforço do que descer a um vale. A lei da
gravidade favorece os que descem e dificulta a vida dos que pretendem subir. O
mesmo princípio é válido para o campo do progresso espiritual. As dificuldades
que encontramos pela frente em nossa caminhada para a perfeição espiritual são
a prova de que estamos indo no rumo certo e de que estamos em condições de
progredir.
“Céu de brigadeiro”, todo azul e sem nuvens, é ótimo para
quem quer voar sem correr riscos. Mas a vida humana não foi feita para passeios
e para a distração de “brigadeiros”! Conhece coisa mais arriscada e perigosa do
que a vida de um antílope? A vida de um ser humano conhece perigos que um
animal desconhece. Aos perigos e ameaças que rondam sua saúde e segurança
física, o homem deve acrescentar uma lista de perigos de ordem psicológica,
ética e espiritual. Infeliz daquele que se dá por salvo antes do tempo. Mesmo o
cristão mais identificado com sua fé em Cristo não tem o direito de se colocar
do lado dos que já estão definitivamente salvos. Também para um cristão a
salvação é um horizonte. A humildade cristã consiste precisamente na aceitação
desta realidade. Até o apóstolo Paulo confessa que não sabe se pode ter-se na
conta de amigo ou inimigo de Deus!
Texto do manuscrito “A PERFEIÇÃO CRISTÔ de Pe. Marcos Bach, SJ.
MEDITAR
O instrumento destinado
a desbloquear o caminho que leva do eu ao interior do inconsciente é a meditação, uma forma de reflexão
consciente sobre o inconsciente. Ela parte da crença de que o inconsciente tem a tendência de se revelar a quem o deseja.
No entanto, o desejo
por si só não basta. É necessário empregar para tanto o método de introspecção
apropriado e a disposição de ânimo adequado. A mera curiosidade pode levar a desvios e devaneios perigosos. Nem a
simples boa vontade é suficiente.
Constância e
perseverança são indispensáveis, mas o mais devotado esforço é inútil quando
falta o essencial. E o essencial é a vontade de crescer e o correspondente impulso
interno. Quanto mais poderosa for a sensação de estar em débito com a lei da evolução, tanto mais frutífera
será a meditação.
O primeiro passo
consiste em esvaziar o eu consciente
de tudo o que habitualmente o povoa: pensamentos, imagens, preocupações,
conflitos emocionais, etc. Mais que tudo é necessário expulsar de dentro de si
o maior inimigo do progresso espiritual humano, que é o medo. Nesta primeira fase até pensar em Deus deve ser evitado.
Parece perda de tempo
ficar assim, “sem fazer nada”, na expectativa de escutar um dia uma “Voz” que
teima em permanecer silenciosa, e em ver algum dia uma “luz” que treva alguma
do mundo parece ser capaz de gerar. Mais que tudo, parece absurdo esperar que
daquela “noite escura” possa surgir um dia um rosto,
o “rosto” divino de Deus!
No entanto, é isto que
aguarda o contemplativo caso tiver a paciência de aguardar a “chegada do
Altíssimo”.
Esta primeira fase da
passagem pelo vazio é a mais
problemática de todas. É como vasculhar meses a fio uma floresta sem topar
sequer com o mais leve indício de caça! Só aos poucos o contemplativo começa a
descobrir que o problema não era falta de “caça”, mas a sua própria
incapacidade de “ver no escuro”.
Se você quer aprender a
meditar deve tornar-se capaz de passar ao menos meia hora por dia neste “dolce far niente” que é a atividade
contemplativa!
(Texto do artigo Mística e Misticismo de Pe. Marcos Bach, Sj – in memoriam).
A RESSURREIÇÃO DE JESUS
Após a sua morte Jesus ainda ficou com os seus durante 40
dias. A intenção era clara: além de prepará-los para viverem sem a sua presença
física, as aparições tinham a finalidade de eliminar de sua fé qualquer dúvida
referente à sua ressurreição dentre os mortos. “Irei adiante e preceder-vos-ei
na Galileia” (Mc 14,28). Foi na Galileia dos gentios que Jesus iniciou sua vida
pública e é lá que queria encerrá-la. Longe de Jerusalém e de tudo o que a
Cidade Santa simbolizava no imaginário popular. No meio da natureza, à beira de
um lago com o Monte Hermon, a montanha mais alta da região à vista, é ali que
Jesus se sentia verdadeiramente em casa.
O apóstolo Paulo
atribui à Ressurreição de Jesus um caráter primicial. “Ressurgindo dos mortos
Jesus tornou-se o primogênito de uma nova humanidade. Ele, Cristo, é o
primogênito dentre os mortos” Cl 1,18).A Ressurreição de Cristo é uma das verdades angulares da fé
cristã. O apóstolo Paulo não se cansa de associar à ressurreição de Cristo a
ressurreição de todos aqueles que nele depositaram a sua fé. O apóstolo Paulo
chega a afirmar que se Cristo não ressurgiu dos mortos, também nós não vamos
ressuscitar (I Cor 19,16). Chega a inverter o raciocínio ao afirmar: “Se os
mortos não vão ressurgir, então Cristo também não ressuscitou” (I Cor 15,16).
Para o apóstolo Paulo Cristo seria o maior impostor que a
história conheceu “se não tivesse ressuscitado dos mortos, pois toda a nossa fé
seria vã no caso de ele não ter ressuscitado” (I Cor 15,17). Tão vã como a
nossa fé seria a ressurreição de Cristo, caso o universo todo não tivesse
ressuscitado com ele. Foi Santo Ambrósio que carimbou a expressão segundo a
qual o universo inteiro deixou de ser o mesmo depois que Cristo ressuscitou. “In eo surrexit mundus”, diz Ambrósio.
A dimensão cósmica da ressurreição de Jesus, envolvendo por
igual místicos e cientistas, poetas e historiadores, antropólogos e teólogos é
tão fundamental, que qualquer concepção antropológica bairrista deve ser
descartada a “limine” como defeituosa
e viciada. Não é somente o teólogo que precisa tratar o cientista com mais
respeito. É também o cientista que precisa de mais humildade. O “Cogito, ergo sum” de René Descartes, só
expressa a metade de uma verdade maior. O místico se põe em combate com esta
verdade maior através de oração. Pois é além das fronteiras determinadas pelo
pensamento que o Logos Divino se encontra à espera da consciência do homem.
A palavra mortificação
não encontrou espaço no vocabulário científico. Só encontrou espaço no
vocabulário teológico. A morte faz parte da vida. Ela não ocorre só uma única
vez, como acontece com o nascimento. Ela, a morte, acompanha a vida desde que
esta teve início. Morte e vida não são antônimas, são sinônimos. A morte sempre
foi interpretada e vista como inimiga da vida e como fim de vida. Mas quem
familiarizou seu pensamento com o de Cristo e do apóstolo Paulo, concebe a
morte como um avanço na vida. A morte não põe fim a nada, exceto a um
cativeiro, que com o passar do tempo, ia se tornando cada vez mais
insuportável.
A moderna tanatologia científica ainda patina em terreno
escorregadio porque continua vendo a morte como a viam Sócrates e Platão,
Sêneca e Cícero. Se alguém tivesse perguntado a Sigmund Freud o que Deus pensa
a respeito de um assunto qualquer, provavelmente teria ouvido que “não
interessa saber qual a opinião de Deus, se é que existe um Deus preocupado com
os mesmos assuntos que nos preocupam a nós”.Tão inaceitável quanto a crença de que a morte é um castigo
infligido por Deus à humanidade porque esta tentou apossar-se da imortalidade
do seu Criador, é esta outra crença de que a morte não fazia parte do plano
original do Criador. A morte não é uma calamidade, uma praga e como tal carece
de qualquer sentido biológico. A morte não é nenhuma desgraça. As lágrimas que
a morte de um ente querido nos leva a derramar, seriam com toda a certeza
melhor empregadas se em vez de serem manifestação de tristeza, fossem
manifestação de alegria. Certamente não foi uma inspiração divina que levou o
Ocidente cristão a escolher o preto como a cor de luto. A figura da carpideira
é anterior ao cristianismo, pois num enterro cristão ela destoaria por
completo. Se trato nestas páginas a morte como a grande amiga e
benfeitora da humanidade, o motivo que me leva a fazê-lo com tamanha
insistência é a constatação de que tanto a ciência como a religião ainda
continuam subsidiárias de uma tanatologia teoricamente superada e obsoleta, mas
que na prática ainda continua em pleno vigor.
O apóstolo que mais se
empenhou em esclarecer o conceito de ressurreição dos mortos foi Paulo. É ele
que na Carta aos Coríntios formula a pergunta: “Como ressuscitam os mortos?” (I
Cor 15,35). Só pode ressuscitar o que morreu. Ora, o que morreu não foi a
Pessoa, mas apenas o corpo. Logo, quem vai ressurgir dos mortos é o corpo, já
que a alma nunca tinha morrido. É extremamente infeliz a ideia de dividir o
homem em duas partes, uma incorruptível, o espírito, e a outra corruptível, o
corpo. Ressuscitando dos mortos, Cristo devolveu ao corpo humano um privilégio
que o espírito do homem nunca tinha perdido: a incorruptibilidade. “Semeia-se o
corpo na corrupção e ele ressurge na incorrupção” (I Cor 15,42). O corpo com que nossos pais nos revestiram é sem a menor
dúvida uma bela obra de arte, mas seu destino final é a corrupção. À
perspectiva de ver também o nosso corpo apodrecer no fundo de uma cova o
apóstolo Paulo vem contrapor a perspectiva luminosa da ressurreição. Cientistas
costumam fazer pouco caso do que é afirmado em Livros Sagrados.
Tratam como não científico o que é afirmado na Bíblia e em
textos da antiga Índia como os Upanishades. Se tem razão Nietzsche quando diz
que é oblíqua (Schief) a atitude do
teólogo quando se põe a tratar aspectos da realidade concreta, então nada nos
impede de estender esta afirmação também ao mundo científico. Conceitos como
objetividade, imparcialidade, neutralidade podem ser empregados para camuflar e
para dourar uma verdade ideologicamente determinada.
Há séculos que a história humana é determinada por pessoas
que só se servem do hemisfério esquerdo do seu cérebro. Há quanto tempo a
história é registrada da esquerda para a direita? Povos que escrevem partindo
da direita e do alto, como os hebreus, parece que estão com os dias contados. O falecido cientista americano David Bohm acusou o mundo
científico de estar sendo vítima de uma colossal autofraude, achando que o
mundo real coincide com o mundo formal do cientista. Que não existe mais nada
além do horizonte determinado pela mente do observador científico. É do mesmo
autor a tese de que além da realidade formal existe uma outra realidade que
ainda não teve tempo nem sequer foi solicitada a se manifestar.
A crença de que a nossa razão e nossos sentidos nos colocam
em condições de nos manifestar o universo por inteiro deve ser descartada como
infantil. A ciência nunca nos vai revelar tudo o que ainda não sabemos. Até
hoje o pensamento científico ainda não encontrou um lugar para Deus. A fé que
nos leva até Deus é tão confiável quanto a razão. Einstein não se envergonhou
da sua condição de crente. O apóstolo Paulo, que
tanto se orgulhava da sua condição gloriosa de ressuscitado em Cristo e com
Cristo, mencionou a ressurreição, a nossa ressurreição, como fato já consumado:
a “ressurreição já se realizou” (2 Tim 2,18). Já nos podemos considerar
ressuscitados dos mortos. A morte já não tem mais poder algum sobre os que
depositaram toda a sua fé em Cristo. “A morte não tem domínio sobre ele” (Rm
6,9).
DROGAS OU MEDITAÇÃO?
Drogas
alucinógenas estão sendo empregadas em grande escala para suprir a falta de
introspeção meditativa. Tribos indígenas do Oeste Americano costumavam usar o
peiote, uma espécie de cactos da região, em seus ritos religiosos. Um vigoroso
controle impedia a proliferação de abusos.
Existe uma diferença fundamental
entre uma “viagem” provocada por alucinógenos e um êxtase místico. A
experiência mística não gera dependência nem dificulta o desempenho
profissional.
Para um toxicômano ou viciado em
drogas o retorno à normalidade se torna cada vez mais difícil, ao passo que o
místico autêntico não se defronta com este tipo de problema. Merece o nome de
droga tudo o que cria dependência. Até a religião pode ser usada como droga,
assim como o trabalho e o sexo.
A droga tem o poder de despertar no homem o que no inconsciente existe de mais primitivo que é sua instintividade. A experiência mística, pelo contrário, desperta o que nele existe de mais espiritual e de mais divino.
Ofereceram a um monge hinduísta uma
dose de heroína. Ele a tomou, mas continuou como se tivesse acabado de comer um
sorvete. Quadruplicaram a dose e mesmo assim ele continuou normal. Quando lhe
pediram uma explicação, sua resposta foi esta: “Meditação é muito melhor!”.
Ou substituímos a droga por algo bem mais simples e barato do que o crack, ou acabamos perdendo mais esta guerra, como já perdemos outras muitas.
Quem não consegue perceber que
estamos todos à beira de uma derrota total? Os sobreviventes do Dilúvio saíram
das florestas e desceram das montanhas para dar início a esta nossa
civilização. É do alto das montanhas que partem os criadores de uma nova
civilização. Certamente não é em casas noturnas que esta nova geração está
nascendo!
Uma experiência mística é uma
experiência de pico, ao passo que o máximo que uma dose de cocaína pode
proporcionar é meia hora de euforia, seguida de algumas horas de inferno. Muito
desapego é necessário quando se tem a intenção de sair ileso de uma viagem pelo
interior da sua própria consciência.
Não fosse o inconsciente lugar de
encontro da alma com seus piores demônios, Jesus não teria se empenhado tanto
em “expulsar demônios”!
De que adianta, no entanto,
contratar os serviços profissionais de um exorcista quando este homem é
possuído por demônios ainda piores do que os do pobre possesso? E os piores de
todos são os demônios que conseguem disfarçar-se melhor!
Da expulsão dos seus demônios cada
qual deve encarregar-se por iniciativa e conta própria. Também nossos demônios
sabem muito bem como cativar incautos e capturar ingênuos! “Vigiai para não
cairdes em tentação” (Mt 26,41).
Penetrar no seu inconsciente é
sempre o mesmo que “entrar em tentação”! Por isso a Igreja sempre foi tão
cautelosa no trato com experiências e manifestações de natureza mística!
Se existem demônios postados ao pé
do portal de entrada que conduz aos “andares” superiores da alma humana, também
é verdade que lá é possível encontrar a presença de guias espirituais mais
experimentados e infinitamente mais sábios do que o mais erudito dos teólogos.
Lá se encontram à sua espera os que você tiver convidado! Só intervirão caso
você assim o quiser. Nada do que acontece numa sessão espírita tem algo em
comum com o tipo de ajuda que um autêntico guia espiritual se dispõe a prestar.
Ele não atende você porque você o convocou! Ele não se comunica com você porque
você é medium e possui o dom da mediunidade. Ele não lhe diz o que você
gostaria de ouvir! Ele não exige de você o que você não está em condições
psicológicas de executar! Ele sabe esperar! De mais a mais, não é do seu feitio
fazer exigências e impor tarefas. Contenta-se com sugerir, inspirar,
esclarecer. Será para você muito difícil encontrar por aqui outro diretor
espiritual tão respeitador da sua liberdade quanto ele! “Se
alguém crer em mim e me amar, Eu e o Pai viremos a ele e faremos nele a nossa
morada” (Jo 14,23).
O
cristão que tem medo de entrar em seu interior mais íntimo é o mesmo que tem
medo de que Deus venha a diminuí-lo aos seus próprios olhos! Quem não quer
entrar em luta com Deus disposto a sair dela “diminuído”, coxo e derrotado, o
melhor que pode fazer é desistir dela de antemão!
O místico continua sendo um
homem de fé. Alimenta-se da fé em Deus e não empresta muita importância a
visões e vozes interiores. Crê em Deus não porque o tenha
visto. Entreviu a sua presença, isto sim. Mas é suficientemente lúcido para
perceber que o que viu não foi Deus, mas apenas uma imagem sua. Leva a vida
como a leva qualquer pessoa comum. Evita chamar a atenção sobre sua pessoa. Não
se tem na conta de pessoa especial, de agraciado ou coisa parecida. Estigmas, êxtases, levitações não
provam que alguém é santo canonizável. Santa Teresa considerava tais fenômenos
mais como fraquezas da carne do que como manifestações divinas.
Em virtude do seu elevado nível de
conscientização o místico dispõe de energias poderosas e incomuns que só aos
poucos aprende a canalizar de forma construtiva. Os maiores místicos eram
sempre homens ou mulheres de muita ação. É no campo prático que se pode
verificar a diferença que distingue o falso místico do autêntico! O
pseudo-místico vive fora de si e do ambiente que o cerca. O autêntico místico
foi à frente e foi morar além de si e do mundo em que vivia antes. Não é um
alienado, um sonhador ou imprestável!
Texto
do artigo: “MÍSTICA OU MISTICISMO” de Pe. José Marcos Bach, SJ
ELEVAÇÃO ESPIRITUAL
“Quem se eleva, eleva o mundo”.
Isabel Leseur
O místico
vê tudo numa perspectiva dinâmica, ascendente e
convergente. Nada há no universo que se encontre parado. Tudo se move! Para
um místico Deus não pode ser comparado a um “motor”. Menos ainda a um “motor
imóvel”. A diferença atinge também a imagem de Cristo.
São João da
Cruz, Teilhard de Chardin possuem de Cristo uma imagem totalmente diversa da de
um hierarca eclesiástico.
O Cristo de
Teilhard não é um Senhor sentado num trono dirigindo o universo e a história de longe e sem se envolver emocionalmente
com o que está acontecendo. Pelo contrário. Cristo, o Cristo de Teilhard, não é
apenas “fornecedor de energias”, fonte energética. Ele é a “alma” do universo.
Ele é esta energia misteriosa que os
físicos não conseguem explicar. “Eu sou a luz do mundo”, disse Jesus. Eu
sou: foi o que Ele disse!
Se Cristo é
a Luz do mundo, então não se pode separar o Criador do universo por Ele criado.
Se Cristo é o “Redemptor Mundi” como
afirma Santo Ambrósio, então o universo todo já foi redimido. Nele não há mais
conta a pagar e nada a cobrar!
Se Cristo
ressuscitou e “partiu para o futuro”, então levou consigo o universo todo. É
esta a visão que de Cristo tem um místico.
O “Bem
Amado” do Cântico dos Cânticos encarna muito mais apropriadamente a figura do Cristo Cósmico do que a figura do
Legislador Supremo, tão cara aos devotos do poder absoluto!
Se “a suprema natureza do Universo é uma energia de amor”, como quer o físico David Bohm, então o melhor que podemos fazer é tirar a Cristo da lista dos “cobradores de impostos”!
Quem quer
entender as diversas etapas de uma viagem deve ter em mente aonde o viandante
quer chegar. O que motiva a vida toda e o esforço de um místico é o desejo de união com Deus.
Todo
ourives sabe que ouro puro só se obtém derretendo numa crisol o produto que
resultou do processo de mineração. Assim como o aço, também o ouro se obtém
submetendo-o à ação purificadora do fogo.
O fogo obriga a ganga a separar-se do ouro. Por ser mais leve, a ganga flutua.
O processo
de purificação mística obedece à lei
semelhante! Não fosse a ação desagregadora do fogo, a ganga jamais viria à tona e jamais o ouro se iria separar
dos detritos que o envolviam e protegiam até certo ponto da cobiça de olhares
gananciosos.
Ao derreter
o ouro ou o ferro, o fogo nada mais faz do que libertá-los de toda e qualquer forma anteriormente adquirida. Ao liquidá-los, o fogo lhes devolve a
plasticidade original.
A palavra transfiguração é talvez a que melhor se
presta a descrever este processo de mutação
todo. Palavras como fogo, chama e labareda são usadas com frequência por místicos, como João da Cruz.
Aparecem sempre associadas ao Amor Divino e identificadas com ele. É lhe
atribuído sempre o poder de purificar,
de transformar, de iluminar e de aquecer.
Assim como
o ferro em brasa e o fogo que o penetra se tornam uma coisa só, do mesmo modo
Deus e a alma por Ele abrasada tornam-se um.
Esta alma “torna-se uma só coisa com Ele e, portanto, de certo modo torna-se Deus
por participação” (S. João da Cruz, o.c.p.918).
Em seus
“encontros (com a alma) o amor penetra sempre mais na alma, endeusando-se em
sua íntima substância e tornando-a divina” (o.c.p.850). “Neste estado a alma
não pode fazer atos, é o Espírito Santo que os produz todos, movendo-a a agir;
por isso todos os atos dela são divinos, pois a alma é divinizada e toda movida
por Deus” (o.c.p.830). “É elevada à operação de Deus em Deus” (o.c.p.830). O
objetivo último da vida mística não é apenas a união com Deus, mas a transformação da alma em Deus.
A um
teólogo bem pensante tal ideia pode parecer ousada demais, mas um místico não
tem medo de tomar a Palavra de Deus e o seu Amor ao pé da letra!
Texto
do artigo: “MÍSTICA OU MISTICISMO” de Pe. José Marcos Bach, SJ
ORAÇÃO: RESPIRAÇÃO DA ALMA
“... Se não confessarmos Jesus Cristo, a coisa não anda. Nos
tornaremos uma ONG beneficente, mas não Igreja” (Francisco – Papa, bispo de
Roma).
1. Por que rezar? E como fazê-lo?
A Bíblia
nos conta que ao cair da tarde Adão e Eva se entretinham conversando com seu
Senhor, passeando pelo Jardim Botânico em que passavam o dia trabalhando. Daí
surgiu o conceito que define a oração como diálogo do homem com Deus.
Orar é
conversar com Deus, dizem os catecismos.
A oração pertence à categoria dos atos
religiosos. Por ato religioso entendemos todos os atos humanos (e angélicos
também) que colocam o espírito do homem em comunhão com a fonte originária do
seu ser. Mais que um ato isolado e esporádico, distinto dos demais, a oração é
uma postura existencial, um estado de consciência pelo qual o espírito humano
toma conhecimento da sua “união indissolúvel com o Todo: com seu Criador e
Senhor, com a natureza toda, com seus semelhantes (vivos e falecidos) e consigo
mesmo. É, pois, um estado de espírito pelo qual o homem completa o seu ser e a
sua presença no mundo. Por isso tudo se deve concluir que a oração é uma
atividade eminentemente espiritual”.
A oração
coloca a alma e o espírito de quem ora em contato com Deus. Mais do que isso:
torna o homem (ou qualquer outra criatura de natureza espiritual) em certo
sentido “igual a Deus”, seu Criador.
Deus
também ora. “Jesus ia para o deserto para orar” (Mc 1,35). “Passou a noite
orando a Deus” (Lc 6,12).
“Enviar-vos-ei
o Espírito Santo e Ele vos ensinará o que tendes para aprender” (Jo 14,26). A
oração é com certeza uma das lições mais importantes! “Senhor, ensina-nos a
rezar” (Lc 11,1).
As
primeiras Comunidades Cristãs se reuniam, acima de tudo, para orar (Cf. Atos
12,12). Paulo e Pedro eram homens de oração (Cf. Atos 9,11 e 10,9).
“Não
sabemos orar como convém” (Rm 8,26). Esta queixa de Paulo quem dentre nós não a
pode aplicar a si? “O próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis”
(Rm 8,26).
Se há uma
verdade que podemos haurir do testemunho de Jesus e dos Apóstolos é a
importância da oração! A importância e o valor da oração é comparável ao ato de
respirar.
A
respiração tem por finalidade eliminar resíduos inaproveitáveis e abastecer
nosso organismo com energia nova. A inspiração nos fornece o oxigênio e a
expiração serve para expelir o carbono, uma substância que nos seria
prejudicial caso não fosse eliminada. A oração preenche a mesma função. É
portanto justo defini-la como “respiração da alma”.
Quem não reza
prejudica a sua saúde espiritual por duas razões: por não se abastecer de
energia; e porque não se livra de resíduos tóxicos.
Se
quisermos ser bem exatos, teríamos que distinguir a oração em dois tipos ou
momentos: a oração energizadora e a oração purificadora. Ela nos energiza na
medida em que nos fornece a mais poderosa das energias do Universo, a energia
do Amor.
Haurimos
esta energia do contato com a natureza e com nossos semelhantes, através da
contemplação e da comunhão. Mas só em parte, pois há uma fonte de energia tão rica e poderosa quanto
toda e qualquer outra. É a nossa consciência, em especial o nosso inconsciente,
esta fonte inexaurível. E o meio de chegar até lá, é a meditação.
Lá, neste
Santuário mais íntimo da alma, Jesus está à espera caso tivermos feito do seu
Amor objeto de nossa “Opção Fundamental”.
O poder energizador da oração vem
acompanhado por outro poder igualmente importante, que é o seu poder purificador. Quem é que não sabe que
até o mais belo e sólido edifício espiritual do nosso mundo interior se apoia
em grande parte nas areias movediças do sentimento e das emoções? Sobre elas só
conseguimos exercer um domínio bastante precário e indireto. Chama-se a este
domínio de político porque exige diplomacia e habilidade!
É quando
“oramos como convém” que exercemos a arte de lidar politicamente com o mundo
instável e movediço de nossas emoções e sentimentos. É quando os apaziguamos
que conseguimos tirar proveito de sua turbulência.
Jesus,
quando atormentado no Horto das Oliveiras pela antevisão dos sofrimentos que o
aguardavam, “retirou-se para orar”. Não foi comprar coragem numa taberna, nem
fugiu do medo, mas enfrentou-o.
Texo do manuscrito “SANTIDADE” de Pe.
José Marcos Bach, SJ.
SOMOS ECOLÓGICOS?
O desastre ecológico que se avizinha a passos rápidos não é uma
fatalidade inexorável, nem faz parte de um destino cego. Não é um castigo de
Deus, mas é o fruto dos inúmeros erros. Não passaremos de hipócritas enquanto
não admitirmos que a destruição dos ecossistemas do nosso planeta é fruto de
uma mentalidade mórbida, irracional e imoral, encarnada tanto nas estruturas do
capitalismo liberal quanto no capitalismo de Estado marxista. Quem olha para a
natureza como se não fosse mais que fonte de matéria prima, passível de ser
transformada em fonte de lucro, é culpado pelo que a humanidade está fazendo
com o seu planeta Terra. Todos somos culpados: uns por ação, outros por omissão
e condescendência.
A
crise ecologia está exigindo da humanidade muito mais do que uma solução
política. O que está sendo posto em jogo com a deterioração das condições sanitárias
do planeta não é apenas o direito dos indivíduos a uma vida confortável. O que
está em jogo é o futuro ético e religioso da humanidade. É triste constatá-lo,
mas é um fato: a crise ecológica não está sendo avaliada em toda a sua extensão
e amplitude! A luta pela sobrevivência da biosfera de nosso planeta ainda não ultrapassou
a fase do diletantismo. A Ciência, o Estado e a Religião ainda não atinaram com
a gravidade da situação. Preferem, por ora, “deixar como está para ver como
fica”!
BELEZA, PERFUME,
ALEGRIA, VIDA!
“Fica sempre um
pouco de perfume, nas mãos que oferecem rosas,
nas mãos que
sabem ser generosas”!
Como não poderia ser
diferente, ao recordarmos Pe. Marcos Bach,SJ de saudosa memória, fazendo este
Blog para partilhar algumas reflexões dele, bem como valiosos escritos que nos
deixou, usar como símbolo rosas que ele amava. Soube cultivá-las, preparando
sempre com muito cuidado o terreno onde as plantava com muita dedicação e amor.
Ele mesmo fazia todo processo, desde colher as estacas, prepará-las e
fincando-as na terra. Após terem brotado e crescido as folhas, esperava a época
e o tempo favorável ao enxerto. Escolhia as qualidades e as cores. Fazia o
enxerto e transplantava depois as roseiras quando as queria em outros lugares e
espaços. Sempre embelezava a frente da casa onde morava com suas lindas e
perfumadas rosas.
Já no tempo de
Professor Universitário enxugava algum canto de pântano e fazia dele um belo
canteiro de rosas. Colhia uma ou outra rosa para presentear pessoas queridas
mais chegadas. Assim era Pe. Marcos Bach. Unia prazer, alegria, amor, partilha
e higiene mental.
Como fazem as abelhas, buscando o mel nas flores e
retribuindo com o pólen para fecundá-las, temos, como seres humanos, um belo e
lindo arsenal interior para partilhar: é a alegria e o perfume que nos vão na
alma! É só cultivá-los! Uma rosa com um sorriso pode fazer a diferença!
Paz e bem
ResponderExcluirNão conhecia esse autor. Por acaso fazendo uma pesquisa o encontrei em um artigo da revista Vida Pastoral. Parabéns pelo Blog e obrigada por nos presentear com essas pérolas. Quanta sabedoria, que cristianismo lindo! Que ele interceda or nós. Márcia Helena