CAMINHO DO BEM E DO MAL
“O caminho do céu é íngreme e estreito”, diz Cristo, “e
poucos são os que se animam a trilhá-lo” (Mt 7,l4). Desta passagem muitos
ascetas se servem para sustentar a tese segundo a qual o difícil é que é bom. O
fácil é sempre suspeito para eles. Não alimentariam este tipo de preconceito se
tivessem em mente que a finalidade da virtude é facilitar a prática do bem. Uma
das virtudes típicas do gato é a elegância com que caminha e a facilidade com
que se movimenta. Creio que seríamos bem mais inteligentes se deixássemos de
associar pesadume e falta de elasticidade com o conceito de virtude. São
Francisco de Sales era especialista em “espiritualidade feminina”, já que eram
mulheres as que mais o solicitavam como Diretor Espiritual. Ele mesmo, oriundo
de uma estirpe de nobres franceses, fazia questão que suas filhas e filhos
espirituais fossem os mais bem vestidos em qualquer ambiente social. Lamentava
o pouco caso que os monges da sua época e da sua terra faziam da limpeza e da
boa educação. “São mais sujos do que santos”, dizia.
Procurar o caminho mais fácil não é necessariamente sinal
de preguiça. Pode ser também prova de inteligência. Se a vida fosse um mar de
facilidades, até poderia ser aconselhável acrescentar-lhe vez por outra uma
dose de wermuth. Como a vida da
maioria é tudo menos isso, o excesso de rigor pode servir para entornar de vez
um caldo mal equilibrado. É bom notar que o Mare
Tranquillitatis só existe na Lua. Aqui na Terra até o Oceano Pacífico não
consegue honrar o nome que lhe deram. Temos que fazer o possível e o razoável
para facilitar a vida das pessoas. Tanto do ponto de vista material, quanto sob
os aspectos psicológico, moral e social.
Quando Cristo comparou o caminho do bem com o do mal, um
estreito, outro amplo e folgado, descreveu apenas uma realidade social. Falou
dos homens do seu tempo acostumados às facilidades de um moralismo hipócrita. O
que Jesus quis dizer provavelmente foi o seguinte: sem esforço não se chega ao
céu! Dessa premissa não se pode concluir que “o que não custa, não presta”! Se
a natureza fosse má só teríamos como alternativa válida opor-nos a seus desejos
e impulsos. Mas como ela não é má em si, temos que aprender a distinguir o que
em seus movimentos favorece o nosso desenvolvimento espiritual do que tende a
nos arrastar para o mal. Remar sempre e em tudo contra a corrente não é a
maneira mais segura de não se desviar do rumo da virtude, já que existe em cada
um de nós uma tendência para o bem. Seria loucura desperdiçar essas energias preciosas.
Elas são tão naturais quanto as que nos impelem para o vício. Podemos contar,
portanto, com a natureza, tanto com a nossa quanto a que nos cerca, para o bem,
assim como para o mal. A natureza não é a culpada quando cedemos à tentação.
Dizer que a natureza é fraca é apenas meia verdade. Existe nela também um lado
forte que naturalmente irá perdendo sua força na medida em que não for
utilizado. Quando o cumprimento da lei moral se torna pesado, isso não se deve
à lei em si, mas a uma postura errada, ou da parte do legislador ou da parte
daquele sobre o qual recai a obrigação de pô-la em prática. Tanto o rigor e o
excesso de leis podem constituir-se em peso e sobrecarga intolerável quanto a
falta de motivação adequada da parte do súdito. Renúncia é atitude que não se
pode impor ou exigir de alguém, a menos que se lhe ofereça, em contrapartida,
um benefício capaz de compensá-la. Onde não há lugar para benefícios, também
não há lugar para sacrifícios.
“O meu jugo é suave e o meu fardo é leve”, disse Jesus (Mt
17,30). E, voltando-se para os fariseus e sacerdotes, acrescenta: “Ai também de
vós, doutores da lei, que lançais pesadas cargas sobre os homens, enquanto vós
mesmos nem com um dedo as tocais”! (Lc 11,46). “Cada um tem de carregar a sua
própria carga”, diz Paulo (Gl 6,5). Cristo não encarregou ninguém com a tarefa
de impor a seus semelhantes mais cargas do que cada um deles já tem para
carregar. Precisamos, isso sim, de companheiros de jornada dispostos a dar-nos
uma mão na hora em que precisamos de ajuda. “Carregai os fardos uns dos outros
e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2).
O perigo maior em todo este terreno não é o pecado, mas o
desânimo. Perder o ânimo é muito mais prejudicial do ponto de vista
ético-pedagógico do que eventuais deslizes morais de menor gravidade. Para
levar uma pessoa ao desânimo basta sobrecarregá-la com exigências. Ou então
exigir e impor sem oferecer em contrapartida nada a não ser promessas vagas de
recompensa numa outra vida.
Aos pais Paulo recomenda moderação para que os filhos não
venham a perder o ânimo (Ef 6,4). Pedro foi encarregado por Cristo com a missão
de animar e confortar os seus companheiros. A palavra confirmação ocorre
seguidamente nas cartas de São Paulo. Confirmar na Fé em Jesus a seus irmãos é
tarefa tão essencial na atividade de um Apóstolo de Cristo quanto pregar o
Evangelho.
Pedro, que fora chefe de um grupo de pescadores, sabia que
a pesca é uma atividade sujeita a muito imprevisto. Exige paciência e a
tentação de desânimo se introduz com demasiada facilidade na alma de um
pescador. Pedro nunca foi pastor (ao que se sabe). Mas foi pescador
profissional antes de largar as redes e seguir a Jesus. “Far-vos-ei pescadores
de homens”! (Mc 1,l7; Lc 5,l0). É com estas palavras que Cristo os atraiu à sua
causa. Prender ovelhas não é a mesma coisa que apanhar peixes. Seria bom se nossos
superiores eclesiásticos se comportassem mais como pescadores de almas e menos
como pastores de um rebanho que já não aceita mais ser tratado como tal.
Padre Marcos Bach
GOVERNAR COM JUSTIÇA
O pecado mortal da maioria dos políticos, inclusive
dos políticos cristãos, é o imediatismo, o hermetismo ideológico que leva os
setores religiosos da sociedade a se contentarem com o que o passado lhes legou
como herança. A justificativa pelo que está acontecendo hoje não faz parte do
que já passou. O passado explica, mas não justifica coisa alguma. As
justificativas pertencem à parte da História global que ainda está por
acontecer. Só o futuro está em condições de justificar o presente.
Partindo desta premissa e tomando-a por base,
chega-se à conclusão de que é prematuro pronunciar julgamentos. Cristo tem toda
a razão quando diz: “Não julgueis para não serdes julgados. Com a medida com
que medirdes, sereis medidos também vós” (Mc 4,24).
Não são precisamente os homens encarregados de zelar
pela justiça os mais propensos à corrupção? Se quisermos organizar uma
sociedade justa não basta que tenhamos um Judiciário forte ou um Legislativo
atento. Nenhum sistema jurídico é autossustentável. A justiça é uma virtude
moral, de alcance limitado. Como os ovos de um pássaro, ela necessita do calor
de uma mãe e do abrigo de um ninho. O ninho no caso é a comunidade e a mãe é o
amor. Onde não há espírito comunitário, nem amor, também não há lugar para
estruturas verdadeiramente justas. A justiça corre o perigo de tornar-se
inimiga de si própria. “Summum jus, summa
injuria”, dizem os romanos.
O amor cria relações livres do perigo de se
transformar em seu oposto. O único risco que ronda a quem ama é o pouco
conhecimento que temos da verdadeira natureza do amor. Se Deus é Amor, então é
preciso compreender, ao menos um pouco, quem é Deus, para ter uma ideia do que
significa “Amar, como Deus ama”!
Dois são os grandes inimigos do primado do Amor. Dum
lado estão as tendências que podemos classificar como reducionistas. Do outro
lado estão os que têm mais medo do amor do que das mais perversas formas de
servilismo.
No pensamento de Freud o amor assume a forma de
libido. Nos Compêndios de Moral católica o amor é tratado como se fosse uma
obrigação moral, igual a muitas outras. Ao reducionismo ético-moral dos
Tratados de Moral Freud veio acrescentar outra forma de reducionismo, o
reducionismo biopsicológico.
Nem a Moral católica, nem Freud vieram acrescentar
algo de essencialmente novo ao pensamento de Platão. Platão foi o último
filósofo a falar do amor com a liberdade que o assunto exige e com o respeito
que merece. Para Platão Eros é a expressão de amor mais próxima do homem e de
Deus, ao mesmo tempo. Definindo Eros como centelha divina, disse duas verdades
essenciais: 1. Todo amor humano vem de Deus, fonte absoluta de todo amor; 2. Todo
amor leva a Deus, estuário último de tudo o que costumamos associar à palavra
Amor!
A ideia de incorporar o amor à atividade política não
ocorreu nem a Aristóteles, nem aos “pais” do moderno pensamento liberal. Dois
erros colossais respondem pela situação político-social pré-falimentar em que
nos encontramos.
Primeiro erro: pretender construir sociedades justas
com base em “leis”, ignorando que a verdadeira fonte de toda a justiça é o Amor
e não a Lei.
Segundo erro: imaginar que a humanidade, isto é, os
habitantes deste planeta já atingiram um estágio evolutivo que os capacita a
resolver por si mesmos problemas que eles mesmos criaram.
Sob este último aspecto o cristianismo é bem claro e
preciso: “Só a Graça e o Amor de Deus podem salvar a humanidade”! “Sem mim nada
podeis fazer” (Jo 15,5). Essa palavra de Jesus nada tem de pretensioso. Pelo
contrário, ela é tão realista e sincera quanto à da mãe que diz ao filho: “Sem
mim e sem meu amor, tu não existirias”! Paulo de Tarso, homem brioso e pouco
propenso a rapapés e salamaleques, entendeu muito bem a palavra de Jesus: “Tudo
posso naquele que me fortalece” (Fl 4,13).
Humilde não é aquele que se rebaixa, mas aquele que
se exalta. A diferença entre o humilde e o orgulhoso não é a mesma que separa o
grande do pequeno, a fraqueza da força ou o poder da impotência. O humilde sabe
como o sabe a criança que é na sua fraqueza que está a sua força. “Quando sou
fraco é que sou forte” (2 Cor 12,10).
O orgulhoso não admite ser ou passar por fraco. O
humilde sabe que é forte, mas sabe também que toda sua força lhe vem do
Todo-Poderoso. O orgulhoso rejeita qualquer espécie de dependência. Julga-se
capaz de ser por si mesmo tudo o que ambiciona ser. Confunde interdependência
com dependência e com privação. Supõe que para ser absolutamente livre é
preciso ser absolutamente independente. Nutre acerca da liberdade como de si
mesmo um conceito totalmente falso. O pior ateu não é aquele que nega a
existência de Deus, mas aquele que tem a pretensão de poder substituí-lo e
tomar o seu lugar.
Padre Marcos Bach
DESPERTAR EXIGE ATENÇÃO E AÇÃO
Comparada com o que poderia ser, a Igreja católica de
hoje é um embrião. Seus membros são “crianças” e seu nível de consciência é
rudimentar, quando comparado com o de um Gandhi ou de um Mandela, por exemplo.
Um sistema democrático de governo pressupõe a atuação de líderes e cidadãos
radicalmente diferentes do que a Igreja católica tem a oferecer. Democracia não
se faz com “pastores” e “ovelhas”.
A democracia é o pior de todos os sistemas de
governo, dizia Churchil, mas, mesmo assim, ainda é o melhor de todos. Dá muito
mais trabalho e exige muito mais paciência, sabedoria e inteligência, amor e
compreensão da parte de um povo do que de tudo aquilo que um ditador, um
déspota, um dono absoluto da faca e do queijo necessita para manter um povo
dócil e submisso.
Futuro político só tem um regime de governo baseado
no mais profundo respeito pela liberdade de todo cidadão verdadeiramente livre.
Dentro de uma sociedade democrática há espaço para prisões e centros de
reeducação. Quem não valoriza de forma criativa a liberdade, não a merece.
O libertino não tem direito ao mesmo grau de
liberdade social que os demais. O esquizofrênico não pode ser tratado como se
tivesse o direito de ser tratado como os outros. Um homossexual não tem o
direito de impor aos demais membros da família humana o orgulho gay de que tanto se vangloria. Mais
importante e crucial para o futuro político da humanidade que o direito à
liberdade é o uso que dela vierem a fazer as gerações futuras.
O homem, como o leão e a gazela, é um “animal” criado
para viver em liberdade. Jaulas e jardins zoológicos foram inventados por
“mercadores”, interessados em facilitar a vida de turistas preguiçosos e sem
coragem de pôr o pé no habitat
natural de um leão ou de um rinoceronte. Que futuro pode ter uma cidade que
perdeu o contato com a natureza viva e livre e dela só toma conhecimento
através de jardins zoológicos ou botânicos? Tirar um animal do seu habitat natural significa adulterar por
completo sua identidade. Como poderá sentir-se “rei dos animais” um leão metido
numa jaula? Onde fica a sua dignidade quando submetido ao chicote de um domador
de circo?
O ambiente natural em que somos obrigados a viver não
é mais o mesmo de 100 anos atrás. O ar que somos forçados a respirar não é mais
o mesmo, a água não é mais a mesma, o alimento já não possui o mesmo sabor e o
mesmo valor nutritivo de antes. Bem mais calamitosa é a situação do ambiente
social. Somos obrigados a aceitar absurdos como a crença de que pesticidas só
prejudicam insetos. Que herbicidas só matam ervas daninhas.
O universo é um todo. Prejudicar a um dos seus
componentes é o mesmo que prejudicar a todos. O bebê que a mãe tem nos braços
gozaria de saúde bem melhor se a mãe não fosse uma fumante inveterada. O futuro
da humanidade não depende apenas do que os homens fazem, mas também de tudo o
que estão deixando de fazer.
A política é uma arte e consiste essencialmente em
“sair à frente”, em antecipar-se, em fazer acontecer, já e agora, o que sem ela
só iria acontecer sabe Deus quando. Fazer política é fazer história.
Messianismo e profetismo são pilares que nenhum político digno do nome pode
ignorar. O povo hebreu foi sempre e continua sendo até hoje um povo
eminentemente político: tinha um rumo e sabia que o tempo iria trabalhar sempre
em seu favor. Tinha fé e tinha esperança. Faltava-lhe a terceira alavanca, a
mais poderosa de todas, o Amor.
O seu conceito de amor ao próximo era pobre comparado
com o que Cristo veio pregar e pôr em prática. Nada atrapalha mais a vida de um
político pragmático e “realista” do que as exigências do amor e da liberdade!
Não sabe como tratar com pessoas livres e apaixonadas! Também não sabe o que
fazer com pessoas felizes! Aos infelizes promete dias melhores. Aos que se dizem
felizes não sabe como responder. “Quem foi que inventou esta: para progredir na
vida e realizar-se como ser humano é preciso ser feliz?”. Foi Aristóteles,
antes de Cristo. Depois dele, foi Jesus.
A felicidade não é mera consequência de uma vida bem
vivida. Ela é pré-requisito e elemento fontal e constitutivo do humano. O
infeliz é alguém que já deixou de ser humano. A infelicidade é mais do que um
acidente, uma simples desgraça. É sempre “culposa”, pois quando não nasce de um
modo errôneo de valorizar a vida humana, gera atitudes destrutivas e
antissociais. Geralmente são pessoas extremamente infelizes, insatisfeitas
consigo, com Deus e com o seu ambiente que costumam cometer os piores crimes. O
povo alemão apoiou o nazismo porque estava passando por um dos piores momentos
da sua história.
Padre Marcos Bach
COMO É O HOMEM NOVO
O cristianismo é a
religião que anuncia ao mundo o advento deste novo homem, com o qual não é
lícito confundir o cristão comum de nossos dias. O “homo christianus” de amanhã terá bem pouca semelhança e pouco
parentesco com a figura tradicional do cristão praticante de hoje, mais
dualista e maniqueísta do que cristão. A consciência de sua condição divina
transformará o “homo christianus” de
amanhã em agente privilegiado de todo e qualquer progresso humano autêntico.
Erram os que consideram a religião cristã superada, assim como se enganam os
cristãos que restringem a repercussão do desenvolvimento tecnológico à esfera
exclusiva do profano.
A superação das
tradicionais categorias de sagrado e profano é consequência lógica da nova concepção
evolutiva. Se tudo o que é e existe deve o ser e a existência em última
instância ao Criador, isto é, ao Ser fonte de todo o ser, tudo é sagrado,
onticamente impregnado da marca divina de sua origem. A esta dimensão essencial
de todo ser seria mais indicado aplicar outra denominação a que o pensamento
tradicional reservou um conteúdo demasiadamente restrito e limitado. É a
categoria do sacramental a que me refiro.
Enquanto a concepção
dualista, pessimista e estática não ceder o espaço espiritual que ocupa
indevidamente a uma concepção monista, dinâmica e evolutiva, o cristianismo não
deixará a luz mortiça das “catacumbas espirituais” a que se refugia sem tentar
o risco de se defrontar com a realidade da existência humana concreta, onde a
luta entre o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, o Pecado e a Virtude se transforma
num corpo a corpo cruel e implacável.
A piedade devota e
sentimental das assembleias litúrgicas e o choque frontal com sistemas
opressivos no ramerrão cotidiano da vida profissional marcam os extremos de
duas concepções da vida cristã. A paz idílica das igrejas parece oferecer à fé
o terreno ideal, na opinião da grande maioria. Ao passo que a brutalidade que
circunda a vida profissional e política parece pertencer em definitivo ao domínio
de Satanás, onde um cristão autêntico não tem sequer condições de sobrevivência
moral.
A nova concepção define
a fé cristã como atividade de vanguarda. E leva esta concepção a sério, a ponto
de questionar a sua própria fé, no que ela ainda abriga e oculta de covardia
prudencial e omissão política. Tira o cristão da penumbra tranquila das igrejas
e o lança na luta de trincheiras, onde só sobrevivem os que vencem. Onde só
vencem os melhores. Os melhores não são os truculentos agitadores, os
tecnocratas frios, os calculistas e equilibristas espertos. A respeito deste
aparato de poder alguém já proferiu uma sentença peremptória: “Eu venci o
mundo”! O cristão sabe que está do lado do Vencedor. Por isto está tranquilo,
mesmo quando mede forças com as mais poderosas e implacáveis máquinas de poder,
como foi o Império Romano. A vitória, embora escrita em letras de sangue,
sempre acabará por lhe sorrir no término da jornada.
Padre Marcos Bach
QUEM É O MÍSTICO
O místico é alguém que adquiriu grande familiaridade
com os planos superiores da sua consciência.
Com o seu Self, diria Jung. Com a sua
consciência espiritual, diria
Assagioli.
Os conhecimentos que o Supraconsciente lhe fornece
não são iguais aos que sua razão e seus sentidos lhe proporcionam, pois são de
natureza intuitiva. Por intuição se
entende uma espécie de conhecimento em que o sujeito entra em contato direto e
imediato com a verdade, a qual se lhe
revela sem o concurso de intermediários.
O conhecimento místico é essencialmente visionário. É por isto que os místicos
preferem servir-se de imagens e de símbolos, de comparações e de extrapolações
e hipérboles para descrever suas experiências. O falso místico se apega às imagens como se elas fossem a verdade,
assim como o mau teólogo se prende a dogmas e o mau cientista se escraviza a
uma visão teórica da realidade.
O que caracteriza a mente visionária de um místico é
sua extraordinária abertura mental e
elasticidade intelectual e moral. Um místico sempre está disposto a aceitar mudanças, caso elas se imponham.
A teologia mística é essencialmente negativa: não descreve Deus, mas dá
apenas o que deve ser excluído da sua Imagem.
Um místico autêntico, como São João da Cruz, sabe
distinguir muito bem o que é de Deus e o que faz parte da tentativa humana de
se apoderar de Deus. E de usar uma imagem sua com o fito de tirar proveito
da sua familiaridade com Deus. O que se dá neste caso é que alguém se ajoelha
diante de uma “imagem” que ele mesmo criou, em lugar de se ajoelhar perante
Deus.
O místico sabe que Deus é infinitamente maior do que
o poder da imaginação do homem. É
como quando alguém vai a Roma e se ajoelha diante do papa imaginando se
encontrar com Deus.
Deus não cabe em ícones,
em imagens e conceitos teológicos. Menos ainda em dispositivos canônicos!
Motivo de sofrimento é para um místico sentir-se
condenado a viver num mundo que além de não ser o seu, é em tudo o oposto do
seu.
O instrumento de pesquisa preferido do místico é a fé!
Einstein já admitiu que
o melhor das suas descobertas científicas devia-o à fé e não à pesquisa
propriamente dita. Como cientista sabia que “quem não procura, não acha”! Como
“religioso” ele sabia que não basta procurar, que é preciso procurar no lugar
certo, com os meios certos e no tempo certo! Tudo isto ultrapassa a
racionalidade do esforço científico e lhe acrescenta algo de essencial.
A atitude de fé se baseia na certeza de que o
universo tem um sentido e que a história da humanidade obedece a um plano. Sem esta fé é inútil tentar
compreender o homem e o mundo em que vive.
A inglória luta entre fé e ciência está com os dias
contados. Não fosse a quantidade de interesses e vaidades investida nesta luta,
ciência e fé já teriam realizado, há muito, o “matrimônio sagrado”, o “Hierós Gamós” dos alquimistas. Decretar
a separação entre fé e ciência é o mesmo que condenar tanto o homem de fé como
o cientista a viver divorciado de si
mesmo. Há aspectos da verdade humana
que só a fé nos pode revelar! Mas há outros aspectos da verdade que só a ciência consegue desvendar.
A fé não supre a razão. Sobrepõe-se a ela e lhe dá
“asas”. Asas mais poderosas que a capacitam a voar mais alto.
A fé de que falo não é a fé teológica que se baseia
em “verdades reveladas” e pode ser controlada por autoridades eclesiásticas.
Não é sobrenatural, pois embora venha do “Alto”, não representa um dom
acrescentado à capacidade natural da consciência humana. O sobrenatural
pressupõe a existência de uma base natural.
A experiência mística é
um ato de fé na sabedoria do universo material e na natureza antes de ser um
ato de fé sobrenatural. Sem esta fé natural a fé sobrenatural apoiada em
“verdades reveladas” e na Palavra de Deus carece de apoio que toda planta
encontra em suas raízes.
Padre Marcos Bach
A FONTE DE TODA DOUTRINA CRISTÃ
A mentira começa a tomar corpo e forma quando se passa a identificar a verdade com um corpo de doutrinas ou com um sistema ideológico. Toda formulação doutrinária é um leito de Procusto: nela só cabe uma parte da verdade total.
A formulação teórica do conhecimento é necessária para a ação. O que mais importa, porém, é a ação, pois é nela que a verdade se torna vida. Toda teoria é relativa em vista da ação. A fonte reveladora de toda verdade é sempre alguma espécie de ação. A fonte de toda a doutrina cristã é a vida e são as obras de Cristo. Sem o testemunho de sua vida e sem a eloquência de suas obras a palavra de Cristo seria hoje tão morta quanto as palavras de Napoleão.
A fé cristã se dirige de forma direta e imediata à Pessoa de Cristo e só de modo mediato à sua palavra. E esta não é discurso, sermão, doutrina ou fabulação teórica. De um mensageiro do Amor Divino se espera mais do que sermões, milagres, pronunciamentos, sentenças. Cristo é o Messias, porque veio trazer aos homens uma energia nova, um novo poder. Veio acrescentar às faculdades humanas uma faculdade nova. Veio enriquecer o espaço social com uma dimensão nova.
Na Igreja católica, quando seus chefes falam em verdade, sempre se referem em primeiro lugar a um corpo de doutrinas. A salvação dos homens coincide sempre de modo tão hermético com a Sã Doutrina elaborada no Vaticano que Cristo já passou a não ser mais necessário. O lugar dele foi tomado por mestres e inquisidores. Sua palavra cheia de vida cedeu o lugar à Sã Doutrina, tão árida quanto a mente de seus patrocinadores.
Reduzindo o conteúdo da fé cristã a um corpo de doutrinas, os mestres da Igreja tornaram as coisas mais claras e até mais cômodas para o fiel comum. Ao mesmo tempo desviaram a fé do plano subjetivo e pessoal para o plano intelectual. O objeto da fé passou a situar-se fora do contexto subjetivo e pessoal. Deste modo cavou-se um fosso entre a fé e o seu conteúdo. A preocupação pelos artigos de fé absorveu quase por completo as atenções do Magistério Eclesiástico. A própria fé enquanto atitude subjetiva e existencial não mereceu maiores cuidados. Promover a vida de fé tornou-se preocupação da iniciativa privada. É neste terreno que deve ocorrer uma inversão de sentido. Padres, bispos e papas têm por missão primeira servir à promoção da fé. A promoção da justiça é coisa que podem deixar a cargo do leigo cristão. Saberá fazer isto muito melhor que eles.
Crer é um modo de se pôr em contato com uma fonte de energia vital e espiritual. A verdade e as verdades da fé não são fórmulas abstratas. Também não é o que chamamos simplesmente de realidade. A verdade que abraçamos pelo ato de fé é sempre uma realidade trabalhada, modificada por um pensamento e uma intenção. Em suma, a realidade elaborada em vista de um propósito. Crer na vida significa crer no sentido da vida.
Crer no amor e na liberdade é estar certo de que não pode haver crescimento humano onde ambos não estiverem presentes. Crer em Deus significa estar certo de que sem Ele a existência humana deixa de ter qualquer sentido transcendente. Não crer em Deus é o mesmo que declarar o homem prisioneiro do tempo cósmico. Um homem preso aos ciclos de eventos que sempre voltam a se repetir: é este o homem sem Deus. Mas este não é o homem que mora no íntimo de cada um de nós. Crer em Jesus Cristo significa viver na certeza de que o tempo cíclico foi substituído por um novo tempo humano, o tempo escatológico. A verdade é, portanto, sempre o aspecto promissor da realidade.
Padre Marcos Bach
CONVIDADOS A NOS CONSTRUIR
Nada corrompe tanto o
espírito do homem do que o apego aos bens materiais. “É mais fácil um camelo
passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” (Mt
19,24). “Coais os mosquitos, mas engolis os elefantes” (Mt 23,24).
Ganância e avareza são
vícios a que um cristão se encontra tão exposto quanto o banqueiro mais
avarento. Ao morrer, cada qual, seja ele quem for, poderá colher apenas o que
semeou. Não há indulgência plenária capaz de suprir eventuais falhas de
natureza administrativa. De nada adianta ter em vista fins elevados se os meios
empregados para alcançá-los não são adequados. Para ser adequado um meio tem
que ser, acima de tudo, eficiente.
Nada impede tanto a
eficiência espiritual de uma pessoa quanto o apego aos bens materiais. Não são
os bens em si que dificultam a maratona espiritual de uma pessoa, mas o fato de
ter-se identificado com eles.
Quando bens materiais
são promovidos à condição de objetos de um culto idolátrico, quando a ausência
de Deus já não é mais sentida como vício e como doença, as condições sociais de
um povo estão atingindo um nível de degradação simplesmente irrecuperável. No
campo religioso já atingimos este nível de degradação.
Como no campo da
aviação, também no campo religioso existe a figura do controlador de voo. O
controlador de voo é responsável pela segurança dos aviões em voo, nada mais
que isso. Quem tem que cuidar dos aviões estacionados no aeroporto não são
eles, os controladores. Se um avião parte em boas ou más condições de voo,
verificar isto já não faz mais parte dos seus deveres profissionais.
A Igreja católica é a
que mais se dedica a tarefas relacionadas com a morte e o destino que aguarda
os que estão para se despedir da vida mortal. O escritor inglês Aldous Huxley
lhe dá este elogio.
Em muitas igrejas, ditas
cristãs, ensina-se que a morte é o termo final de um processo irreversível: “Assim
como alguém vive, assim será sua morte. E assim como foi sua morte, será também
sua eternidade”. É o que um pregador pentecostal provavelmente lhe dirá ao ser
solicitado a dar uma resposta.
O reencarnacionista lhe
diria o contrário, pois é possível viver muitas outras vidas iguais a esta
depois da primeira morte. Que muitas mortes são necessárias antes de se
encontrar devidamente preparado para a vida eterna.
O apocalipse menciona em
três passagens a possibilidade de uma “segunda morte” (Ap 21,8). Menciona
também a possibilidade de uma “segunda ressurreição” após a “primeira
ressurreição” (Ap 20,5). Não conheço teólogo que tenha dedicado alguma atenção
a esse aspecto da escatologia cristã. Depois da morte o que aguarda a alma do
falecido é um julgamento severo. Primeiro será submetido a um juízo particular.
Muito depois, no limiar do fim dos tempos, será submetido com os demais membros
do gênero humano a um julgamento coletivo que na bíblia recebeu o nome de juízo
final.
Pessoas que tiveram
morte clínica e passaram pela “Experiência de Quase Morte” narram que tiveram
que responder à pergunta feita por um Ser de Luz: “Que Fizeste da Tua Vida?”
Responder a esta pergunta fora fácil porque tinham acabado de ver sua vida
inteira numa espécie de filme o que lhes permitiu distinguir, sem possibilidade
de engano ou erro o que nela fora positivo e o que não o fora. Ninguém
mencionou algo que se pudesse definir como julgamento. Parece que na hora final
cada qual é convidado a fazer seu próprio julgamento.
Ao iniciar sua vida todo
ser vivo é incumbido da tarefa de construir-se a si mesmo. Dois biólogos
chilenos, Maturana e Varela, deram a esta tarefa o nome de autopoiese. Assim
como um poeta usa palavras para construir sua poesia, do mesmo modo cada ser
vivo usa células para edificar um novo representante de sua espécie, semelhante
a si mesmo. Como, porém, pode um punhado de células embrionárias ter uma ideia
do que é preciso inventar para edificar um ser tão complexo, com órgãos tão
diversificados, como é todo ser vivo?
Um engenheiro trabalha
com um olho na obra em andamento e o outro na planta. Bom arquiteto é aquele
que obedece a uma planta que consegue visualizar antecipadamente o que está por
nascer como fruto do seu trabalho. Bom arquiteto é aquele que sabe usar pedras
e tábuas como o poeta usa palavras e rimas. A curvatura de um arco é tão
importante quanto à cadência de um verso.
Padre Marcos Bach
“A única coisa que nos deveria deixar tristes é não
sermos santos”!
Esta frase é de Léon Bloy, jornalista francês do
início do século XX.
As linhas deste pequeno ensaio que estou entregando à
curiosidade do leitor ou leitora brotou do desejo do autor de repartir com seus
irmãos e irmãs de fé as infinitas riquezas espirituais que a fé em Cristo é
capaz de despertar no íntimo da alma dos que se dispõem a cultivar o seu Jardim
Interior.
“Meu Pai é Agricultor” (Jo 15,1). E o Espírito Santo
é o jardineiro divino. Todos os prazeres que o jardineiro colhe em seu jardim
Deus os encontra no cultivo das Almas. Assim como a gleba se entrega à
solicitude do jardineiro, do mesmo modo a alma sábia se entrega à ação
santificadora do Espírito Santo. Como um bloco de mármore se abandona ao cinzel
do artista, a alma que tem sede de perfeição se entrega à mão amorosa do
artista divino.
“Omne carum,
rarum”, diziam os romanos. “Tudo o que é caro é raro”! Esta é uma verdade
que até os homens de negócios respeitam. Inundar o mercado de dólares seria o
mesmo que privá-lo de qualquer valor econômico.
Não há dúvida: a santidade é um fenômeno raro!
Parece, no entanto, não ter o valor que habitualmente se atribui ao que é raro.
Numa de suas parábolas Jesus descreve a atitude de um
homem que encontrou um tesouro enterrado num campo. “Voltou para casa, vendeu
tudo o que tinha e comprou o campo”. Quantos são os que têm a sorte de
descobrir o tesouro que é a santidade? E quantos têm a coragem de vender tudo o
que tem para poder comprá-la?
Por que os santos são raros? “Porque tudo o que vale
a pena de ser perseguido, é difícil” (Platão). O caminho que conduz à santidade
culmina no alto do Gólgota e no alto de uma Cruz.
Quando o Papa canoniza alguém fá-lo cercado de pompa.
A vida de um santo costuma ser, em geral, a coisa mais despretensiosa que se
pode imaginar.
O ambiente brutal em que São Pedro Claver,
SJ, o apóstolo dos escravos viveu, desapareceu por completo da imagem do homem
sofredor a quem o Vaticano concedeu a honra dos altares.
É possível que os
verdadeiros santos nunca venham a ser alvo da devoção popular. Para ser
canonizado pelo Papa, o candidato tem que fazer ao menos um milagre para provar
que é santo. Pesam muito na balança do processo de beatificação ou de
canonização as obras que o candidato a beato ou santo de Igreja realizou. Todo
este procedimento juridicoprocessual contribui para dar ao simples fiel
católico a ideia de que ser santo só podem ser padres, frades, bispos e freiras.
Em outras palavras: para ser santo é preciso manter alguma relação amistosa com
a Igreja hierárquica. Os que criticam o papa e sua Igreja jamais serão
canonizados. Basta uma dose modesta de discernimento para perceber que estamos
a caminho de um mundo crescentemente laicizado.
O Físico David Bohm era judeu, mas adquiriu em vida a
fama de ser um autêntico santo, um santo secular. Um santo de casaca, em
substituição ao santo de batina.
Padre Marcos Bach
FÉ ADULTA
A base psicológica da fé em Cristo não é nem racional
nem matemática. É no próprio inconsciente de cada pessoa que se encontra a raiz
arquetípica da fé em Cristo. O Cristo da fé cristã não é o personagem histórico
que os Evangelhos descrevem. Nem é o Cristo que continua presente na história
dos homens na pessoa de representantes credenciados. Não é um Cristo que subiu
ao céu. É o mesmo que sempre esteve presente na alma humana. É o mesmo de que
fala Platão quando define sua presença na alma humana como “centelha divina”.
Foi este conhecimento que levou Tertuliano a definir a alma humana como “naturaliter christiana”.
Freud ainda achou que
era possível definir o homem sem Deus. Carl Gustav Jung foi mais inteligente e
também mais honesto que Freud. Viu que sem a presença do divino o humano
descamba para o infra-humano, quando não chega a descambar para o infra-animal.
Adulta é a fé que saiu do talvez e partiu para um
novo “sim”. A diferença entre a fé infantil com que o catequista se dá por satisfeito
e a fé adulta está em que esta última pressupõe a liquidação de tudo o que
pertence à superestrutura político-ideológica que as Igrejas costumam
identificar como artigos de fé.
Muito daquilo que é apregoado nas Igrejas como artigo
de fé nada mais é, na realidade, do que crença, crendice, superstição. São
frutos da uma fé que ainda não ultrapassou o terreno da credulidade infantil.
Os que ao ver o papa desmaiam de emoção ou entram em delírio, fornecem a medida
do que se deve interpretar como fé infantil. E todos aqueles que acolhem como
autêntica manifestação de fé este fanatismo religioso demonstram com seu gesto
que sua fé é tão infantil quanto a dos que os estão aplaudindo. A criança quer
ser aplaudida. Detesta ser criticada.
Para tornar-se adulta uma criança deve deixar de ser
criança, passar pela adolescência. Só depois de passar por um violento
quebra-quebra é que o adolescente pode pensar em tornar-se adulto.
Comportar-se como criança é uma coisa e comportar-se
como adulto na fé é outra coisa radicalmente diferente. Quem diz isto é o
apóstolo Paulo (I Cor 3,2). A criança é crédula, o adulto é crítico. A criança
prefere o leite ao feijão com arroz. Como ainda não possui dentes, a criança
prefere o que pode engolir sem mastigar.
Não há crime em ser criança. Nem é necessário
expulsar a criança que mora em cada ser humano. O adulto que já não sabe mais o
que é ser criança, sentir como criança, ainda não é adulto ou deixou de ser
adulto. O mundo ideal não é aquele em que não há mais lugar para crianças.
Conventos e mosteiros são lugares impróprios para quem aspira tornar-se adulto
em Cristo. O alimento espiritual com que pastores cristãos costumam saciar a
fome de suas ovelhas é pouco nutritivo.
O pão eucarístico e a palavra de Deus são meios
insuficientes para alimentar a fé, a esperança e a caridade de quem vive num
mundo tão competitivo e socialmente tão dividido e insensível quanto o nosso.
Essencial sob o aspecto religioso é o que se passa no
interior das pessoas. Assim como o hábito não faz o monge, também não são
práticas exteriores que fazem o religioso. Todo conhecimento científico resulta
de uma experiência interior. A constatação é de Einstein.
A razão é a síntese que resulta do confronto
dialético entre inteligência e sentimento. O ato verdadeiramente racional é só
aquele que inclui a sabedoria do instinto e a contribuição dos sentidos.
O que caracteriza a experiência religiosa cristã de
outras é seu cunho personalizado. Para um cristão Deus não é mais um objeto,
mas um parceiro com o qual pode dialogar.
Crer em Deus e crer em Cristo tornaram-se sinônimos.
A fé nos torna filhos de Deus e não meros servidores seus na medida em que
aceitamos a Jesus como nosso irmão e amigo íntimo.
A salvação que Cristo veio oferecer inclui uma grande
intimidade com Deus totalmente desconhecida tanto por judeus quanto por pagãos.
Crer em Cristo significa crer em Deus de um modo totalmente novo. Significa
também crer no homem e depositar em cada irmão uma fé que o mais elementar
raciocínio político desaconselha.
Um cristão sabe que não pode renegar a Deus sem
renegar-se a si mesmo. Sabe também que tudo o que fizer de bom ou de mau a seus
irmãos será considerado como feito a Deus. Jesus veio valorizar a condição
humana como ninguém o fizera antes dele. Tinha um coração sensível, atento ao
pequenino e ao humilde.
Padre Marcos Bach
PROGRESSO ESPIRITUAL
É impossível progredir sem sair de um tempo e passar
para outro. Há no caminho do progresso espiritual momentos de calmaria, de paz
e tranquilidade e momentos de tempestade. Períodos de tranquilidade têm o mesmo
sentido que o espaço de tempo entre duas batalhas ou duas ofensivas. Quem
atravessa um oceano sempre está mais perto do perigo do que da segurança. “Tudo
o que vale a pena é difícil” (Platão).
A paz que Cristo veio trazer não é a mesma que o
mundo promete. “Militia est vita hominis”,
diz a Escritura. “Combati o bom combate” (II Tm 4,7). “Combate o bom combate da
fé” (I Tm 6,12). O povo de Israel, protótipo do Povo de Deus da Nova Aliança,
só conheceu raros momentos de verdadeira paz. “Não vim trazer a paz, mas, sim,
a espada” (Mt 10,34).
Jesus não excluiu a violência, isto é, a força, do
seu projeto de desenvolvimento espiritual da humanidade. O emprego da força (=
violência) não é condenável desde que não venha a ferir a liberdade da pessoa
humana. O amor e a beleza são forças que arrebatam, cativam e conquistam! É a
elas que Jesus se refere quando diz que o acesso ao Reino de Deus é reservado
aos que se dispõem a lutar por ele.
Lutar não significa tanto tentar arrebatar o Reino
dos Céus, quanto deixar-se arrebatar por sua beleza.
O progresso espiritual representa mais do que um
simples avanço horizontal e linear. Progredir tem aqui o mesmo sentido que
subir, ascender.
Subir significa partir de um plano inferior e mais
baixo para outro mais alto. O que é mais alto e o que é mais baixo? Do ponto de
vista topográfico mais alto é o que só se consegue perceber erguendo a cabeça.
Subir uma montanha sempre exige mais esforço do que descer a um vale. A lei da
gravidade favorece os que descem e dificulta a vida dos que pretendem subir. O
mesmo princípio é válido para o campo do progresso espiritual. As dificuldades
que encontramos pela frente em nossa caminhada para a perfeição espiritual são
a prova de que estamos indo no rumo certo e de que estamos em condições de
progredir.
“Céu de brigadeiro”, todo azul e sem nuvens, é ótimo
para quem quer voar sem correr riscos. Mas a vida humana não foi feita para
passeios e para a distração de “brigadeiros”!
Conhece coisa mais arriscada e perigosa do que a vida
de um antílope? A vida de um ser humano conhece perigos que um animal
desconhece. Aos perigos e ameaças que rondam sua saúde e segurança física o
homem deve acrescentar uma lista de perigos de ordem psicológica, ética e
espiritual. Infeliz daquele que se dá por salvo antes do tempo.
Mesmo o cristão
mais identificado com sua fé em Cristo não tem o direito de se colocar do lado
dos que já estão definitivamente salvos. Também para um cristão a salvação é um
horizonte. A humildade cristã consiste precisamente na aceitação desta realidade.
Até o apóstolo Paulo confessa que não sabe se pode ter-se na conta de amigo ou
inimigo de Deus!
Padre Marcos Bach
PHILIA, AMOR DE AMIZADE
Em suas considerações sobre o amor, Aristóteles não
permanece fiel às lições do seu mestre Platão. Mais político do que Platão e
mais cientista que filósofo, Aristóteles tirou o amor do nebuloso mundo ideal
de Platão e o trouxe de volta ao terreno das realidades físicas. Suas
experiências sexuais hauridas de contatos homossexuais o capacitaram a
compreender que o amor para ser belo, generoso e autêntico não precisa ser
erótico como supunha Platão. A esta outra forma de amor ele a chamou de Philia, isto é, de amor de amizade!
Philia não possui o caráter
arrebatador, irrequieto e possessivo do amor erótico. Dispensa intimidades de
natureza sexual.
O amor erótico depende de atrativos físico-corporais
que a amizade dispensa. Ambos possuem uma dimensão estética, pois se alimentam
da beleza do bem-amado! Num caso esta beleza é vista como objeto de conquista e
de posse.
No caso da amizade o
objetivo não é a posse ou a fruição erótica, mas a mera contemplação e fruição
estética. O que caracteriza o amor de amizade é a tranquila serenidade com que
dois amigos se amam um ao outro.
Dois amigos se admiram mutuamente e se adoram, mas
não fazem o menor alarde deste seu sentimento. Dois amigos raramente dizem um
ao outro o quanto ele, o outro, significa para ele. Existe no relacionamento
entre amigos algo de secreto e de misterioso totalmente intraduzível e que
retórica nenhuma é capaz de honrar. É deste amor que falam Erich Fromm, Rollo
May e Viktor Frankl quando dizem que a amizade é uma forma de amor muito rara
em nosso ambiente social. Mais difícil do que topar com dois amigos de verdade
é topar com um Grande Amor. Um casal
verdadeiramente unido pelo que consideramos um Grande Amor é uma raridade! O
escritor francês Albert Camus acusa o cristianismo de ser o responsável
principal por este lamentável estado de coisas!
O cristianismo comercializou a prática do amor! “Ama
o teu próximo, a tua esposa e teus filhos porque, se assim o fizeres, terás
como recompensa o fabuloso lucro de cem por um”!
Camus tem razão. E eu
acrescentaria a suas críticas esta outra: “O cristianismo oficial rebaixou a
sublimidade do amor ao transformá-lo em obrigação moral”.
O que você responderia a alguém que lhe dissesse: “Eu
amo a quem quero, porque quero e como quero! Não admito que alguém venha a
intrometer-se neste assunto com a intenção de me fazer prescrições”! O que
Camus quer afirmar é que nós, cristãos, por culpa de marqueteiros religiosos,
perdemos de vista a mais característica de suas riquezas que é a gratuidade.
Quem ama não ganha nada,
mas perde tudo o que não é essencial! O amor enriquece a quem ama e ao que é
amado! O amor dispensa acréscimos e compensações. Assim como o valor intrínseco
do ouro nada tem a ver com a cotação que possui no mercado, do mesmo modo o
amor independe da cotação moral ou religiosa.
Padre Marcos Bach
SOMOS FORMADOS POR MAIS QUE UM CORPO
O que chama a atenção na carta de São Paulo aos
Coríntios é a insistência com que ele atribui o fenômeno da ressurreição ao
corpo. São três os corpos a que ele se refere: o corpo material, o corpo
psíquico e o corpo espiritual. Sempre haverá um corpo fazendo parte da dimensão
espiritual da natureza humana. Esta não subsiste separada do espírito como este
não faz parte de um mundo superior. Os sábios do Antigo Oriente admitiam como
comprovada a existência de vários corpos, além do corpo físico. À semelhança
das várias camadas sobrepostas que formam uma “cebola”, o homem é formado por
mais que um corpo.
Parece que Paulo tinha conhecimento destas teorias,
todas elas muito antigas e bem mais dignas de fé do que nossa maneira simplória
de dividir o homem em duas metades que não se harmonizam entre si, o espírito e
a matéria. Possuímos atualmente conhecimento científico bastante para saber que
os átomos e elétrons do nosso corpo não desaparecem com a morte. Todos eles
continuam existindo e temos razões de peso para supor que continuem levando em
sua consciência a memória de cada uma das experiências por que passaram.
Um elétron ou um fóton que já fez parte de uma célula
viva do meu corpo deve guardar uma grata lembrança do tempo em que tivera o
privilégio de fazer parte não só do meu corpo físico, mas da minha pessoa toda.
“Dois elétrons que estiveram alguma vez juntos, fazendo parte de um todo comum,
guardam a lembrança do fato e mesmo que se encontrem anos-luz distantes um do
outro, continuam se comunicando entre si”. É o que nos afirmam cientistas de
respeito.
Se é assim, podemos
imaginar a ressurreição dos corpos como o reencontro entre si de todas as
partículas que já fizeram alguma vez parte da nossa pessoa.
A ressurreição não consiste no retorno à
vida de um corpo morto. Deve ser interpretada como a passagem de um corpo vivo
a uma outra forma de viver a vida, uma forma de vida essencialmente superior.
Esta superioridade a expressamos dizendo que o corpo
ressuscitado é espiritual, como faz o apóstolo Paulo. Melhor seria defini-lo
como corpo energético. É perfeitamente admissível imaginar um corpo de luz.
Muitos dos sobreviventes a uma experiência de morte clínica definem como “seres
de luz” as pessoas com as quais se encontraram no além.
Os Evangelhos descrevem a Transfiguração de Jesus no
Monte Tabor como uma espécie de manifestação luminosa: “Sua face se alterou e
sua veste tornou-se refulgente” (Lc 9,29). Transfigurando-se, Jesus deu uma
demonstração antecipada do que iria acontecer com Ele dentro em breve!
A ressurreição é também
uma forma de transfiguração, um fenômeno luminoso, acima de tudo. Não é um
morto que ressuscita, como não é um cadáver que é transformado. É um corpo vivo
que passa por este processo de transformação. A palavra transformação diz tudo,
pois ela significa que se mudanças houve, elas atingem tão somente a forma e
que no terreno do ser não houve nem mudança nem troca de identidade.
Se fôssemos perguntar à borboleta se ela é ainda o
mesmo ser que fora antes, ela com certeza diria que sim. “Apenas mudei de
roupagem”, diria, “mas continuo sendo essencialmente o mesmo ser que sempre
fui”. O mesmo se pode afirmar do ser humano. O ser que sobrevive à morte é a
mesma pessoa cujo corpo acabou de ser enterrado. O fato de agora poder dispor
de um corpo mais sutil, não significa que ela não possui mais nenhuma
vinculação com o mundo material. A energia que leva dois átomos a se atraírem
mutuamente também é material.
A Física moderna não nos
permite mais tratar energia e matéria como entidades separadas. O físico
americano (já falecido) David Bohm chegou à conclusão de que todo o universo
poderia ser reduzido a uma “única forma de energia”, que ele definiu como
“energia de amor”.
Depois que Einstein
chegou à conclusão de que “a essência da matéria é espiritual”, não podemos
mais pensar espírito e matéria como realidades excludentes, ou até como
inimigas. Fugir da matéria é o mesmo que renegar o espírito. Se penetrarmos
mais a fundo no interior da matéria vamos encontrar o seu espírito, um mundo do
qual o nosso espírito faz parte.
Padre Marcos Bach
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO INTERIOR
É uma lástima que hoje
Marx e Freud sejam mais ouvidos e acatados do que Jesus de Nazaré!
O Jesus que as Igrejas
pregam realmente não pode competir com Marx e Freud, apesar de ser judeu como
eles. É muito manso e por demais distante da realidade social do mundo em que
vivemos.
Parte nobre da nossa vocação cristã consiste em
trazer Cristo para mais perto dos homens, dos seus problemas, das suas
angústias e sofrimentos.
Como pode, porém, trazer a Cristo de volta ao centro
dos acontecimentos historicamente relevantes, alguém que não traz a Cristo no
centro de sua própria vida de fé?
Com Marx e com ele erram
todos os que depositam no homem a mesma fé que negam a Deus. O método empregado
por Marx para interpretar a história é o exato oposto do método que Cristo
empregou. Para Marx a sociedade justa é aquela que corresponde perfeitamente às
exigências da justiça.
Cristo foi muito além:
para Ele a sociedade humana perfeita é a que se organiza de acordo com a Lei do
Amor e os princípios da Liberdade dos Filhos de Deus.
É difícil imaginar dois mundos mais antagônicos do
que o mundo sonhado por Freud e Marx e o mundo prometido por Jesus. Não são
poucos os cristãos para quem crer em Cristo é o mesmo que não mexer na
tradição. Para eles o passado é sagrado por conter o essencial da História da
Salvação. É pequeno o número de cristãos que se preocupam mais com o futuro do
cristianismo do que com o seu lugar no mundo atual.
Muitos dos que passaram pela “Experiência de Quase
Morte” (EQM) mudaram completamente de vida tomando como fonte inspiradora uma
das lições aprendidas no período em que estiveram quase mortos. “Agora sei o
que é importante!”, diziam.
No processo de
transformação interior a que nos estamos referindo acontece o mesmo, embora de
forma mais lenta. Ao longo do seu desenrolar a pessoa começa a distinguir cada
vez melhor o que é verdadeiramente importante do que não o é. Descobre
paulatinamente e para grande pesar seu que perdeu boa parte, senão o melhor do
seu tempo, por não saber distinguir o verdadeiramente significativo e precioso
do que é de valor fictício. Melhorando seu poder de discernimento passa a
aproveitar melhor o seu tempo.
João Batista passou sua curta vida de precursor do
Messias pregando no deserto. Os que o iam procurar lá eram pessoas dispostas a
ouvi-lo, pois ninguém se mete num deserto só para matar a curiosidade.
Ainda hoje é assim: quem
quer converter-se precisa, antes de tudo, reconhecer que necessita de
conversão, isto é, de uma mudança radical em seu modo de viver. Num momento
posterior deve desligar rádio, TV, e fechar o jornal da sua predileção. Deve
deixar de escutar toda e qualquer voz que não seja a da sua própria
consciência. Até mesmo a voz da Igreja. Escutar a si próprio em silêncio
respeitoso e com muito amor é pré-condição indispensável. O processo todo, para
ser correto e positivo, não pode parecer-se com um julgamento. É de natureza
psicológica e não moral. Visa a compreensão mais correta de uma realidade
subjetiva. Seu objeto último é a verdade, porque só a partir do encontro com a
verdade a libertação se tornará possível. Máscaras, véus e tudo o que obscurece
a verdade interior deve ser arrancado. Tudo o que Jung definiu como sombra,
isto é, o lado negativo da psique não reconhecido nem admitido, deve ser
despido de sua fantasia. Em poucas palavras: é preciso parar de se culpar e de
se desculpar. Nem falsa humildade ajuda neste caso, nem hipocrisia.
A destruição da culpa real só se alcança assim:
admitindo-a, arrependendo-se dela e reparando o mal praticado.
Tudo isso não se
consegue numa confissão de meia hora. O processo todo pode levar anos ou meses,
dependendo do esforço e da vontade da pessoa.
Padre Marcos Bach
DIFERENÇAS ENTRE LOUCURA E SANTIDADE
Na psicologia moderna este fenômeno que São João da
Cruz define como Noite Escura, é tratado mais como distúrbio psíquico do que
como fase positiva e saudável dentro de um processo normal. É visto mais como
ponto de ruptura do que como início de uma nova fase de desenvolvimento
espiritual. O doente é tratado como alguém que fugiu do mundo real, indo a se
internar num universo de fantasia. É considerado um alienado social, um
psicopata. A cura consiste em trazê-lo de volta ao mundo real e à vida
“normal”.
Jung foi o primeiro a
salientar os aspectos positivos do processo. Viu a esquizofrenia como parte de
um processo “religioso”, de natureza mais espiritual do que psicossomático. No
fim de sua carreira até Freud reconheceu que o psicótico é alguém que está à
procura de algo que a vida “normal” não lhe oferece. Não é, por isso, justo
tratá-lo como alienado e doente mental. Onde Jung falhou foi na determinação
dos limites que fazem a diferença entre a psicose e a experiência mística.
Assagioli, entre outros, encarregou-se de fechar um pouco esta lacuna,
fornecendo-nos critérios mais confiáveis acerca da diferença entre loucura e
santidade.
Um dos critérios mais
confiáveis é o que se refere ao modo como um e outro, o louco e o santo, se
relacionam com o mundo real em que vivem. O louco rompe qualquer ligação ou
compromisso com o seu ambiente. O santo continua comprometido com as exigências
da sociedade em que vive. Se for cristão, fará do amor ao próximo a pedra de
toque da sua santidade.
Aqueles que, como Freud, consideram como normal e
psiquicamente saudável toda pessoa harmonicamente adaptada ao seu ambiente
social, acabarão por descobrir um dia que este critério é insatisfatório. Para
ser feliz não basta dar-se bem com todo o mundo. É ótimo, mas não basta.
Precisamos de um
critério que seja simples e fácil de ser entendido. E critério algum responde a
tal exigência melhor do que este que Jesus Cristo nos propõe: “Nisto conhecerão
que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei” (Jo
13,35). Que sinal de normalidade mais claro e eloquente do que este? É este
“pormenor” que faz a diferença entre a psicanálise de Freud e a pedagogia
social de Jesus!
Existe, sem dúvida, uma diferença radical entre o
conceito de saúde de Jesus e o da medicina convencional do seu tempo. Para
Jesus a doença sempre tem algo a ver com pecado, isto é, com um modo errado de
viver a vida. Toda doença envolve, em grau maior ou menor, a alma e a condição
espiritual do respectivo doente.
Quem quer obter a cura
tem que ir até a raiz do seu mal, erradicá-lo e partir para uma nova filosofia
de vida.
As Igrejas cristãs
sempre trataram mal os místicos, enquanto viviam. Seu lugar no index dos candidatos à fogueira ficava
próximo do dos inimigos da fé e das bruxas.
Os psicólogos sempre
trataram como loucos, anormais e doentes mentais todos aqueles cujo
comportamento não correspondia a seus critérios de normalidade.
Padre Marcos Bach
EXPERIÊNCIA DE AMOR
Fenômeno que a mim
pessoalmente impressiona e deixa muito confuso para não dizer escandalizado, é
a displicência com que classificamos como amor e como caridade o que na
realidade permanece anos-luz abaixo do que Jesus entendia quando empregava
estes termos.
Não é só o papa que se
considera mestre divinamente credenciado a falar ex cathedra sobre este e outros assuntos em que a experiência
pessoal é mais importante que o dogma! Muitos dos que passaram pela assim
chamada “Experiência de Quase Morte” ou morte clínica, saíram dela com a
consciência de terem feito uma descoberta nova. “Agora sei o que é
amor”! Atribuíram esta descoberta a uma
visão: “Vi um Ser de Luz! Ele
me sorriu e seu sorriso era amor, amor puro e incondicional! Senti que ele me
amava com um amor que excedia tudo o que até então eu tivera na conta de amor”!
Pessoalmente não passei por esta experiência. Mesmo
assim me animo a falar do assunto por julgá-lo de capital importância. Vou
restringir-me ao amor de amizade a respeito do qual se fala muito pouco. Um dos
defeitos mais alarmantes da nossa cultura é a mania de associar entre si amor e
sexo.
Admitimos que existem outras formas de manifestar
amor, mas amor por excelência é o amor erótico que une num sentimento comum um
homem e uma mulher. Na mitologia grega o deus do amor é Eros, um menino armado
com um arco e uma aljava repleta de flechas, o que salienta o caráter infantil
inerente às manifestações do amor erótico e seu cunho agressivo.
O amor platônico é
essencialmente erótico, possessivo e agressivo. Resulta de um movimento de
conquista. À semelhança da mariposa atraída pela luz, amante e amado sucumbem
ao poder de atração de uma força misteriosa maior que eles!
A teoria segundo a qual existem almas gêmeas destinadas
a viver um amor ao qual não podem fugir, repisa o conceito fatalista do amor
como destino (moira, em grego). O
aspecto trágico do amor como o concebiam os pensadores gregos é o fato de não
ser o resultado de uma opção pessoal livremente assumida.
Em sua obra “A Condição
Humana” a autora Hannah Arendt aponta Platão como o último filósofo a falar do
amor de forma verdadeiramente criativa e original. Por não ser cristã, a autora
ignorou o que Jesus ensinou a respeito do tema. Como também passou ao largo do
que sobre o assunto disseram Santo Agostinho e os místicos cristãos em geral.
As obras de Santa Teresa, São João da Cruz são de leitura obrigatória para quem
quer compreender mais a fundo a natureza desta energia tão misteriosa.
Padre Marcos Bach
NOVA FASE DE DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL
Na psicologia moderna
este fenômeno que São João da Cruz define como Noite Escura, é tratado mais
como distúrbio psíquico do que como fase positiva e saudável dentro de um
processo normal. É visto mais como ponto de ruptura do que como início de uma
nova fase de desenvolvimento espiritual. O doente é tratado como alguém que
fugiu do mundo real, indo a se internar num universo de fantasia. É considerado
um alienado social, um psicopata. A cura consiste em trazê-lo de volta ao mundo
real e à vida “normal”.
Jung foi o primeiro a salientar os aspectos positivos
do processo. Viu a esquizofrenia como parte de um processo “religioso”, de
natureza mais espiritual do que psicossomático. No fim de sua carreira até
Freud reconheceu que o psicótico é alguém que está à procura de algo que a vida
“normal” não lhe oferece. Não é, por isso, justo tratá-lo como alienado e
doente mental. Onde Jung falhou foi na determinação dos limites que fazem a
diferença entre a psicose e a experiência mística. Assagioli, entre outros, encarregou-se
de fechar um pouco esta lacuna, fornecendo-nos critérios mais confiáveis acerca
da diferença entre loucura e santidade.
Um dos critérios mais
confiáveis é o que se refere ao modo como um e outro, o louco e o santo, se
relacionam com o mundo real em que vivem. O louco rompe qualquer ligação ou
compromisso com o seu ambiente. O santo continua comprometido com as exigências
da sociedade em que vive. Se for cristão, fará do amor ao próximo a pedra de
toque da sua santidade.
Aqueles que, como Freud, consideram como normal e
psiquicamente saudável toda pessoa harmonicamente adaptada ao seu ambiente
social, acabarão por descobrir um dia que este critério é insatisfatório. Para
ser feliz não basta dar-se bem com todo o mundo. É ótimo, mas não basta.
Precisamos de um
critério que seja simples e fácil de ser entendido. E critério algum responde a
tal exigência melhor do que este que Cristo nos propõe: “Nisto conhecerão que
sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,35).
Que sinal de normalidade mais claro e eloquente do que este? É este “pormenor”
que faz a diferença entre a psicanálise de Freud e a pedagogia social de Jesus!
Existe, sem dúvida, uma
diferença radical entre o conceito de saúde de Jesus e o da medicina
convencional do seu tempo. Para Jesus a doença sempre tem algo a ver com
pecado, isto é, com um modo errado de viver a vida. Toda doença envolve, em
grau maior ou menor, a alma e a condição espiritual do respectivo doente.
Quem quer obter a cura
tem que ir até a raiz do seu mal, erradicá-lo e partir para uma nova filosofia
de vida.
As Igrejas cristãs sempre trataram mal os místicos
enquanto viviam. Seu lugar no index
dos candidatos à fogueira ficava próximo do dos inimigos da fé e das bruxas.
Os psicólogos sempre
trataram como loucos, anormais e doentes mentais todos aqueles cujo
comportamento não correspondia a seus critérios de normalidade.
Os sistemas morais de todos os tempos tiveram sempre
por objetivo assegurar à sociedade o máximo de controle sobre a consciência
individual de cada um dos seus membros.
Se queremos uma
sociedade radicalmente diferente da atual, temos que inverter o esquema e
passar de uma moral deontológica (de obrigações) para uma moral de
responsabilidade. Um sistema deontológico é composto de normas e o outro
compõe-se de oportunidades e desafios. O primeiro é fruto de vontades alheias a
da pessoa a quem estes preceitos se dirigem. O outro é fruto de consciências
individuais irmanadas entre si, constituindo um prolongamento do inconsciente
coletivo de cada membro de uma comunidade. Resulta da comunhão de consciências
pessoais que desta forma se unem para formar algo que se poderia denominar como
supraconsciência coletiva. Desta forma o controle da ordem moral passa da alçada
de superiores para a do próprio corpo comunitário.
Padre Marcos Bach
O AMOR EM SUA ESSÊNCIA
O amor é em sua essência
uma energia de atração, “a mais potente e ao mesmo tempo a mais humilde do
universo”, na opinião de Gandhi. O amor é tudo e onde não há amor nada mais
resta que mereça um segundo de atenção. Quanta energia perdida numa única
aventura sexual! Quanta energia malbaratada durante uma guerra! Tudo isso é
criminoso! Os grandes criminosos e inimigos da humanidade não são apenas os que
decretam o extermínio de um povo. São, acima de tudo, os que se servem do poder
para impor a outros a sua vontade em lugar de renunciar ao poder e substituir o
seu exercício pela prática generosa de um amor sem limites, como fez Jesus.
A capacidade de amar não depende nem de riqueza nem
de instrução. Até uma criança pode amar. Por ser “a mais humilde de todas as
energias”, o amor se dá bem no meio dos que Jesus chama de “pequeninos” e de
“pobres de espírito”. A verdadeira
felicidade não está em ter, mas em saber repartir o que se tem. Para chegar a
esta conclusão é preciso descobrir que os verdadeiros tesouros não são os que a
terra nos oferece, mas os que se encontram em nosso próprio interior.
Quem quer aprender a
repartir de forma inteligente tem que aprender a tirar de dentro de si o que
pretende compartilhar com outros. Os bens espirituais e os tesouros da alma não
sofrem quebra ou diminuição pelo fato de serem repartidos. A capacidade de amar
é um tesouro inesgotável, porque sua fonte é o próprio Amor Divino. Para
despertá-la não basta ficar à espera de alguém que nos acorde e nos ensine como
fazê-lo. O “despertador” se encontra dentro de cada um. Quem quer ouvi-lo tem
que fazer duas coisas: desligar-se dos ruídos insistentes do mundo exterior e
entrar no silêncio do seu próprio interior. Feito isso, é praticamente
impossível não mudar de vida, pois o amor, uma vez descoberto e ativado, tende
a assumir o comando. Seu poder de atração é tão avassalador, que com o passar
do tempo, se torna impossível resistir-lhe.
É difícil encontrar uma pessoa que não se tenha na
conta de perito e especialista na arte de amar. É quase impossível convencer um
adolescente apaixonado de que nada sabe a respeito desta tão nobre arte.
Muitas pessoas que passaram pela “Experiência de
Quase Morte” ou morte clínica, mas voltaram à vida, contam que uma das lições
que aprenderam está relacionada com amor. “Agora sei o que é amor!”, disseram
muitas delas.
Poucos de nós sabem o
que é amor. Contentamo-nos com muito pouco! Agimos como o garimpeiro: ciscamos
a superfície na ilusão de que abaixo dela não existe mais ouro que valha a pena
trazer à tona.
Mais ricas do que as
reservas de ouro do nosso planeta são as reservas de amor ocultas na alma de
cada ser humano, pobre ou rico, bom ou mau, religioso ou não. Na verdade, não
passamos de “faiscadores” e de escaravelhos, empenhados mais em explorar a
superfície de nossas vidas e a casca de nossas personalidades!
Padre Marcos Bach
LEMBRANÇAS DE UMA AVENTURA
Boa parte da nossa autoconsciência está ligada a
propriedades do nosso corpo físico. O sexo, a idade e até mesmo a cor da pele
tem seu peso específico na hora de determinar o valor social de uma pessoa. Até
a roupa que uma pessoa usa serve para realçar e às vezes até para determinar o
seu valor como membro da sociedade em que vive. Tire a farda a um militar e a
batina a um padre se quiser destruir parte substancial da sua autoimagem.
Com a morte uma pessoa se despede do seu corpo
físico, é verdade, mas seria totalmente falso interpretar esta separação como
ruptura total com qualquer vínculo do seu espírito com o mundo material. O
corpo físico se decompõe, mas cada átomo que um dia fazia parte dele continua
sendo o que já era antes. Através da sua
passagem pelo corpo humano cada átomo que já foi um dia parte de uma célula
viva, adquire uma identidade nova.
Desde que passou a fazer parte viva do corpo de uma
pessoa este átomo deixou de ser a partícula “plebeia” que era antes. Adquiriu
um novo status hierárquico. Deixou de
ser apenas matéria ao adquirir um componente espiritual. Este componente
espiritual lhe vem, à partícula, da sua passagem pelo corpo humano. Sua
condição espiritual é da mesma natureza que a do homem.
Algo que sempre intrigou os biólogos é a grande
quantidade de alimentos de que até um animal necessita para se manter vivo. “A
cada sete anos o corpo físico se renova completamente”. É o que nos dizem os
mais modernos compêndios de Biologia. Nada há que nos impeça de admitir que
cada partícula material, ao abandonar o corpo, leve consigo e em sua
consciência uma lembrança desta sua aventura. Podemos admitir que ela se tenha
tornado mais espiritual. Se Einstein tinha razão ao afirmar que “a essência da
matéria é espiritual”, então é a própria matéria que pede esta passagem por um
corpo humano. A fruta madura pede para ser comida.
Ao assimilar um alimento
não apenas o estamos incorporando ao nosso corpo físico, mas o estamos
incorporando à nossa pessoa. E mais ainda: o estamos incorporando a um plano
cósmico mais elevado.
Jesus soube, como poucos, dar valor a uma refeição em
comum. Compara o Reino dos Céus a um “banquete” (Lc 22,30). Despediu-se dos
seus amigos mais chegados oferecendo-lhes uma Ceia. Associou o sacramento da
Eucaristia ao Pão e ao Vinho.
Padre Marcos Bach
PRINCÍPIO DA NATUREZA LIVRE
Todos os que passaram pela “Experiência de Quase
Morte” (EQM) descrevem a sua experiência, ao menos a sua fase inicial, como de
separação do corpo físico. Viam o próprio corpo deitado numa mesa de operações,
ou no meio dos ferros retorcidos de um carro acidentado, enquanto uma outra
parte de sua personalidade flutuava no alto sem a menor ligação com “aquela
coisa estranha” cuja sobrevivência tanto preocupava os médicos.
O corpo físico parecia não fazer parte da sua
autoconsciência. O fato de se verem separados do corpo físico não era sentido
como falta ou como ausência ou como perda. Antes, pelo contrário, tudo era
sentido como parte de um processo de libertação. É sem dúvida causa de
estranheza a indiferença do “quase morto” pela sorte do seu corpo físico. Ao
ler seus relatos tem-se a impressão que para eles o corpo não faz parte
substancial da personalidade humana. O corpo físico mais se parece com uma
gaiola cuja finalidade principal consiste em manter a alma prisioneira dos
sentidos. É crença comum que é ao seu cérebro que o homem deve sua maravilhosa
capacidade de produzir pensamentos, de criar imagens e de raciocinar. Mas os
que retornaram à vida após sua breve passagem pelo mundo dos mortos não
dispunham de um cérebro e, contudo, continuavam a manter uma atividade mental
verdadeiramente assombrosa.
A telepatia, a arte de ler o pensamento de outros,
era o meio de que dispunham para se comunicar entre si, mas tinham juntamente
com esta faculdade a de bloquear o pensamento, impedindo deste modo que
estranhos e pessoas indesejadas penetrassem em seu interior e se apoderassem
dos poderes da sua mente. Lá, diziam alguns, existe uma liberdade bem maior do
que a que conseguimos atingir nos dias de nossa existência temporal. A única
decisão que alguns consideraram obrigatória foi a que os condenou a ter que
retornar à vida que tinham deixado pouco antes. No mais cada qual faz o que
quer sem que alguém o force a fazer o que não quer fazer. Em outras palavras: a
ordem moral, tal como a conhecemos, deixa de vigorar e uma nova forma de
realizar o bem e de definir a verdade ocupam o seu lugar. Um novo princípio,
mais consentâneo com a natureza livre do homem, passa a vigorar em substituição
ao princípio da obrigatoriedade moral.
Ninguém descreve algo que pudéssemos definir como
remorso ou sentimento de culpa. Ninguém se sentiu repreendido ou acusado de não
ter procedido como era da sua obrigação. Até mesmo o Ser de Luz contentou-se
com a pergunta: “O que fizeste da tua vida?”.
Parece que após a morte
a pessoa fica mais entregue a si mesma do que nunca. Cabe a ela determinar o
rumo da sua nova vida nos mundos invisíveis. É ela mesma que deve tomar a
iniciativa de pôr ordem na sua casa.
Quem não aproveitou os dias da sua existência terrena
para fazer amigos, naquela hora se deve sentir só como nunca antes. Também lá,
nos planos inferiores do mundo astral, não há falta de bons e experimentados
mestres espirituais. Mas por lá deve ser igualmente grande o número de
estagnantes, isto é, de pessoas que não procuram progredir.
Padre Marcos Bach
A MORTE NÃO EXISTE
Morre bem aquele que morre na hora certa. Como se
pode saber que alguém já está pronto e preparado para morrer?
O modo como uma pessoa termina a sua vida e as
condições em que se encontra são fatores decisivos. A qualidade da vida inclui
a qualidade da morte.
Passado o tempo da gravidez, o feto no seio da mãe
descobre que para ele chegou a hora de nascer. Cabe a ele tomar uma série de
medidas destinadas a facilitar o trabalho da mãe.
De que adianta uma gravidez tranquila e sem problemas
se na hora de nascer o feto se vê às voltas com problemas? Pode parecer absurdo
admiti-lo, mas há fetos que não sabem nascer e que terminam por vir ao mundo na
condição de natimortos.
Metade dos óvulos fecundados não consegue anidar-se
no útero da mãe. Algo semelhante pode estar acontecendo com as pessoas. Mesmo
dos que morrem em idade adulta ou até provecta, pode-se afirmar que
aproveitaram o seu tempo de vida para crescer e desenvolver as qualidades que
distinguem um primata de um ser humano?
Encontrar um lugar
apropriado ao seu desenvolvimento ulterior é para um feto uma questão de vida
ou morte. De todo ser humano pode-se dizer o mesmo: ou ele encontra no seu
ambiente sociocultural um lugar que o ajude a crescer e a desenvolver-se como
ser humano, ou então morre antes de nascer.
O processo de desenvolvimento a que um ser humano é
destinado a percorrer é de natureza espiritual. Não é automático e não termina
quando uma pessoa morre.
Um dos ramos mais recentes da Antropologia tem o nome
de tanatologia. A palavra tanathos é
grega e significa morte.
O progresso da medicina permite reanimar e devolver a
vida a pessoas consideradas mortas.
Um médico moderno sabe que a morte é um processo
complexo e que ocorre aos poucos. A chamada morte clínica representa apenas um
estágio de um processo que necessita de certo tempo para ser concluído. O
processo todo só se torna irreversível após um determinado tempo. Pessoas que
passaram pela assim chamada “Experiência de Quase Morte” (EQM) afirmam ter se
defrontado com uma espécie de barreira que as impedia de ir adiante. Algumas
afirmam terem sido aconselhadas a voltar atrás, de retorno à vida. Foi lhes
dito que sua hora de morrer ainda não chegara.
Todos os que após a
morte clínica voltaram à vida confessam que o fizeram a contragosto. Admitem
que havia muito mais, além daquilo que lhes foi permitido experienciar.
Declaram que em momento algum se sentiam como “mortos”. Mas que em toda a sua
vida nunca se tinham sentido mais cheias de vida, mais lúcidas e mais
autoconscientes do que naquele curto lapso de tempo de sua passagem pelo tão
mal compreendido mundo dos mortos.
A morte não existe. Ao
menos já não pode mais ser vista como castigo e como fim de vida. A moderna
tanatologia aconselha-nos a não tratar o assunto como antes. Uma quantidade
considerável de experimentos científicos confirmam a tese de que a morte é uma
forma de metamorfose semelhante a que faz de uma crisálida uma borboleta.
Padre Marcos Bach
O VOLTAR-SE PARA O IMPORTANTE
“Agora sei o que é amor! Agora sei o que é importante”! É com esta
exclamação que muitos dos sobreviventes de uma EQM saúdam seu retorno à vida
anterior. Implicitamente presente nesta exclamação está a confissão de que a vida
como a tinham vivido até então era equivocada e ilusória. A EQM os tinha
despertado para a apreciação de valores para os quais não tinham sido
programados anteriormente. Estudos sobre os efeitos de uma EQM davam a
impressão de que ela só ocorria em caso de perigo de vida e em pessoas que se
encontravam na iminência da morte.
Estudos recentes, como os de Kenneth Ring, levantam a suspeita de que o
fenômeno citado não é causado pela iminência da morte física, mas que é preciso
ir à procura de um outro fator, capaz de determinar mudanças tão profundas nos
aspectos valorativos da vida. A “Experiência de Quase Morte”, melhor seria
associá-la à vida, e ver nela o renascer para uma nova vida.
Quem sai desta experiência mais morto que vivo é o ego. “Eu era uma pessoa
mundana, materialista e superficial” são termos com os quais muitos dos
sobreviventes descrevem o modo como viviam antes de sua EQM. Confessam que em
algum patamar remoto da sua consciência ocorreu um violento “Tsunami”, um maremoto que abalou as bases
mais profundas da sua “Consciência Total”. Impressiona, no entanto, o caráter
espontâneo com que estas mudanças se impõem!
Não se trata de pôr em prática lições que a proximidade da morte
despertou. O que parece ter acontecido é um despertar de níveis mais sutis da
consciência. A psicologia moderna não se contentou com o “mapa psíquico” de
Freud cujas descobertas não foram “além do ego”. Termos como “Eu Superior”
(Assagioli), como “Self” (Jung), “Eu Transpessoal” (Grof) começam a ser
empregados para descrever níveis e planos da “Consciência Total” para os quais
Freud e Adler ainda não tinham encontrado espaço.
Padre Marcos Bach
A DEMOCRACIA AINDA NÃO CHEGOU NA IGREJA
Existe uma defasagem escandalosa entre o que definimos como consciência
política, como consciência de cidadania e o que apregoamos como quintessência
do que convencionamos definir como consciência cristã. Achamos normal e natural
que mais de um bilhão de católicos sejam ainda submetidos a um regime de
governo absolutista. Se a democracia é realmente a melhor forma de governo, por
que a Igreja Católica demora tanto em adotá-la?
Para não poucos católicos politicamente ativos, esta pergunta coloca-os
numa situação de constrangimento do qual só conseguem sair mediante alegações
pouco convincentes.
Não é pequeno o número de cristãos católicos para os quais o fato de ver
como sua Igreja recorre a dois discursos distintos e contraditórios é motivo de
estranheza quando o assunto e regime de governo deixam de ser ponto pacífico. A
consciência política de um militante cristão não pode prestar-se a essa espécie
de “jogo duplo” sem descambar para um discurso político ambíguo e suspeito.
Não será esta razão que leva a maioria a entrar em Crise de Emergência
Espiritual? Mas é possível e até mesmo provável que seu número venha a crescer
na proporção em que a consciência política dos povos mais cultos e civilizados
evoluir em direção a formas de governo mais participativas e democráticas.
Padre Marcos Bach
ATRÁS DO PORTAL DA ETERNIDADE
Quem dedica ao menos parte do seu tempo de vida a perguntas como esta:
“Que será que me está esperando quando tiver cruzado o portal da eternidade?” A
opinião mais benigna que vão ter desta pessoa é de sonhador inútil. “Pouco ou
quase nada sabemos a respeito deste futuro enigmático”. Dizendo isso, dão por
encerrado o assunto. Pessoas que passaram pela “Experiência de Quase Morte” EQM
afirmam que foram aconselhadas por mestres espirituais a retornar à vida
terrena. Foi lhes dito que não estavam preparadas para trocar de vida. Foi lhes
dado a entender que havia em suas existências pretéritas muitas potencialidades
e chances de crescimento e desenvolvimento que não tinham sido aproveitadas.
O que me levou a escrever estas considerações sobre a morte foi o desejo
de ajudar eventuais leitores a se prepararem melhor para a grande jornada.
O falecido físico americano David Bohm divide a realidade em duas partes:
a realidade manifesta e a não-manifesta. Conforme a lógica vigente no cosmos,
afirma Bohm, os eventos do mundo real manifesto são determinados pela ação
invisível do universo não-manifesto. Projetar-se em espírito para este universo
que de acordo com os ensinamentos de Jesus está sendo preparado por Ele para
nos acolher um dia é tão importante quanto fincar os pés no chão em que se
caminha. Por ora ainda não usamos o voo como meio de locomoção. A velocidade da
luz é por demais lenta para nos permitir percorrer este universo tão grande de
um extremo ao outro. Velocidades muito superiores à da luz são requeridas para
viabilizar a comunicação entre os que já desfrutam das benesses da liberdade
dos filhos de Deus.
O passarinho enquanto
filhote bate as asinhas em formação. Também ele tem que aprender a voar. O
mesmo se dá com o espírito do homem. Também ele precisa aprender a voar.
Uma das descobertas mais sensacionais e instrutivas da ciência foi a
constatação de que durante o sono o espírito abandona o corpo físico. Este
fenômeno pode ocorrer também em pessoas acordadas ou semiacordadas. Tem a
denominação de projeciologia o ramo da parapsicologia que se dedica estudar
este novo ramo do saber humano.
Projetar-se para fora do corpo físico não implica em ruptura dos laços que
unem o espírito do homem ao mundo material. A morte só ocorre quando o assim
chamado cordão de prata vier a romper-se.
Padre Marcos Bach, sj
O FUTURO RELIGIOSO
Quem acha que o futuro religioso da humanidade vai ser igual ao que
judeus, cristãos e muçulmanos têm a oferecer, engana-se rotundamente. O destino
religioso da humanidade seria profundamente lamentável se assim fosse.
Um difuso sentimento de mal-estar está tomando conta do espírito de um
número crescente de católicos. A síndrome atinge de preferência homens e
mulheres que tiveram uma educação religiosa e moral muito rígida. Emergência
Espiritual: é este o nome que Stanislav Groff dá ao fenômeno.
O problema não gira em torno de verdades da fé, mas é o modo como a Igreja
atende as necessidades espirituais, morais e religiosas de seus fiéis. Por
outra: o pasto que é oferecido ao rebanho não satisfaz mais ao apetite da
maioria dos católicos. O linguajar arcaico dos seus pastores e o mundo em que
estes vivem destoa por completo do que pode ser visto na televisão. A culpa não
é do povo nem do mundo secular. O mundo continua o mesmo de sempre. O povo
também não mudou muito dos tempos de Cristo para cá. Continua tão crente e
crédulo como foi nas épocas mais obscuras da história. Não fosse assim, o
Nazismo não poderia ter feito o que fez.
O que as Igrejas cristãs fizeram no sentido de implementar transformações
sociais verdadeiramente significativas? Como iriam fazê-lo com alguma chance de
sucesso se elas próprias representam nichos sociais privilegiados? E qual delas
está disposta a mudar de rumo?
Jesus não depositou a menor confiança no judaísmo religioso do seu tempo.
Não pactuou nem com os representantes do Império Romano, nem com os senhores do
templo. Dedicou-se à tarefa de esboçar o perfil de um novo tipo de
religiosidade cujo corolário mais “revolucionário” é a formação de um Novo
Homem. Um Homem que tanto poderá ser homem quanto mulher. O objetivo principal
de Jesus não foi o de fundar uma nova religião, mas o de criar um Novo Homem.
Uma Igreja só merece o nome de cristã se for um lugar em que este Novo Homem
poderá nascer e desabrochar!
Padre Marcos Bach
PENETRAR “NO REINO DA LUZ”
O que as pessoas comumente não tomam em consideração é o princípio segundo
o qual a qualidade psicomoral da morte depende da qualidade da vida que
levaram. A hora da morte é um momento destinado a se fazer o resumo da existência
toda. Resumir significa separar o essencial do que nunca foi mais que
aparência. Resumir significa contabilizar os ganhos e amargar os prejuízos.
Quem morre está começando a acordar para a realidade. Morrer é penetrar no
“Reino da Luz”. A penumbra distorce a face da realidade. A treva a oculta de
todo. Só a luz tem o poder de revelar a verdade. E o que é a verdade? É a
realidade sem retoques!
Aquele que inventou a morte é o mesmo arquiteto genial que inventou a
vida. Quem é ele? Não creio que faça muito sentido discutir a autoria da ideia
que conjuga vida e morte num único binômio existencial. Mais importante, sob
todos os aspectos práticos, é tirar de tudo isto as devidas consequências. Se a
qualidade da morte depende exclusivamente do modo como se viveu a vida, então a
pergunta: “Que fizeste da tua vida?” é realmente essencial. O importante mesmo
não é saber “o que fizeste em tua vida?”, mas “o que fizeste de tua vida”? A
existência humana não deve ser tratada como se trata um banco de investimentos.
Ela é um capital, um talento, uma soma de talentos. Ela não se destina a dar
lucros, mas a multiplicar-se.
A hora de morrer não é o momento de conferir lucros e dividendos. É a hora
destinada a verificar o montante do capital acumulado. No dia do juízo cada
qual será avaliado não de acordo com os lucros obtidos, mas de acordo com o
capital que é capaz de colocar em circulação. Um bom capitalista não é aquele
que procura reter para si a fatia maior do produto de sua empresa, mas é aquele
outro que se preocupa em manter em circulação produtiva o máximo de talentos
acumulados. Em outras palavras: o bom empresário não é aquele que pensa a sua
empresa em termos de instrumento potencial de investimentos. Na hora da morte
vamos ter a oportunidade de fazer um “Check-up
econômico” de nossa vida. A pergunta crucial não terá nenhuma relação com
lucro, mas com o seu nível potencial de investimento. Os fiéis cristãos com que
padres e pastores se defrontam na hora do culto dominical compõem-se de pessoas
dedicadas à tarefa de amealhar méritos e boas obras com intenção de trocá-los
lá adiante por uma cadeira no céu. A minoria dos cristãos que possuem
mentalidade empresarial não costuma frequentar os templos cristãos.
In: Livro “Que fizeste de tua Vida?” –
Pe. Marcos Bach, sj – Ed. própria.
VOLTAR DO FUTURO
Embora seja teólogo (melhor: ex-professor de teologia) não vou tratar o
tema em pauta sob o aspecto teológico. Não me importo grandes coisas com o que
se ensina sobre este assunto. Prefiro inspirar-me em testemunhos e depoimentos
de pessoas que tiveram alguma espécie de experiência de morte. Gente simplória
e mal informada acha que “ninguém voltou para contar”! Mas esta afirmação está
sendo contraditada de uns decênios para cá com centenas de depoimentos feitos
por pessoas clinicamente mortas, mas que retornaram à vida. Hoje a medicina
está em condições de reanimar um paciente vítima de infarto ou parada cardíaca.
É possível ressuscitar uma pessoa aparentemente morta.
Possuímos, hoje, centenas de relatos de pessoas que viram o outro lado da
vida. Procurarei extrair da montanha de testemunhos de que tenho conhecimento
através de leitura, (e de relatos em conversas) não uma teoria ou a confirmação
de um dogma religioso. Não estou interessado em confirmar ou desmentir esta ou
aquela doutrina. O que me interessa é explicitar e ressaltar os ensinamentos e
as lições de vida contidas nos relatos destas “Experiências de Quase Morte”.
Tudo o que pretendo
deduzir legitimamente dessas experiências não tem por objetivo dizer o que é a
morte, mas relacioná-la com o sentido global da vida. A morte faz parte da vida
do mesmo modo como a morte da semente faz parte do nascimento de uma nova
planta, como a ação da entropia é necessária para que haja evolução.
Será que a morte é realmente tão misteriosa, tão indescritível quanto
parece? É a morte um acontecimento tão trágico que justifica o caráter fúnebre
das cerimônias de sepultamento? É doloroso morrer ou ter que morrer? Tenho para
mim que a liturgia cristã contribui para distorcer alguns dos aspectos essenciais
deste fenômeno biopsicológico a que damos o nome de morte. O ato de morrer não é sentido e experimentado como desgraça a não
ser pelos que ficam. Quando associamos a dor e a tristeza ao fenômeno
da morte estamos projetando nossos sentimentos e emoções que na quase
totalidade dos casos não têm a menor relação com o que se passa no interior da
consciência daquele que está por colher o fruto de sua existência. O resultado
desta visão projetiva da morte só serve para amesquinhar o momento mais belo da
existência humana. A morte é o fim da existência temporal e terrena, não é o
fim da vida de uma pessoa. Por isso
coloco a morte no extremo terminal da existência e não da vida. Com a
morte termina a existência de um ser humano. Sua vida, porém, continua. O
primeiro momento crucial da nossa trajetória através do espaço-tempo
existencial coincidiu com o momento em que se deu a nossa concepção. Tudo o que
antecedeu e envolveu nosso primeiro momento existencial continua presente em
nosso inconsciente influindo de modo decisivo na formação de nossa
autoconsciência. O momento de nascer foi o segundo na escala dos momentos
cruciais da nossa existência. O modo como fomos gestados e como nascemos paira
sobre nossa existência como uma espécie de hipoteca invisível. Aquele que foi
gerado com amor, gestado com alegria e nasceu sem complicações é um felizardo.
Não tem o menor direito de se queixar da vida. É a única pessoa que não precisa
ter medo da morte. Aquele que soube conferir à sua entrada no mundo um caráter
festivo, também saberá sair dele do mesmo modo como entrou.
O que as pessoas
comumente não tomam em consideração é o princípio segundo o qual a qualidade
psicomoral da morte depende da qualidade da vida que levaram. A
hora da morte é um momento destinado a se fazer o resumo da existência toda.
Resumir significa separar o essencial do que nunca foi mais que aparência.
Resumir significa contabilizar os ganhos e amargar os prejuízos. Quem morre
está começando a acordar para a realidade. Morrer é penetrar no “Reino da Luz”.
A penumbra distorce a face da realidade. A treva a oculta de todo. Só a luz tem
o poder de revelar a verdade. E o que é a verdade? É a realidade sem retoques!
In: “Que fizeste da tua
Vida?” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj - Ed. Celimar.
MENTE SUTIL
O indivíduo separado dos
demais indivíduos e isolado em seu ego deixa de ser uma pessoa e passa a ser
apenas uma abstração, um número que se pode dividir, multiplicar e adicionar a
outros indivíduos.
O Inconsciente Coletivo da humanidade não é idêntico a uma coleção de
consciência. Com uma multidão de consciências fragmentadas, o máximo que se
pode conseguir, é multiplicar o processo de fragmentação, dando espaço aos que
confundem unidade com uniformidade.
O que impressiona mais a
quem toma conhecimento do pensamento científico de David Bohm é a pequena
distância que separa a sua cosmovisão de um místico cristão. Um bom professor
de teologia não dirá em aula o que pode custar-lhe o emprego. Há um modo
conveniente de dizer o que se pensa, mas há outros muitos que não são
convenientes.
Conveniente é todo pensamento que se junta (cum venire, em latim) a outro. Numa sociedade conservadora,
pensamentos já pensados no passado têm a preferência sobre o pensamento
pensante. O hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pela produção de
ideias, predomina sobre o hemisfério direito, responsável pelos aspectos
intuitivos da atividade mental.
David Bohm atribui a uma espécie de
Razão Superior, a que dá o nome de Insight,
a função de pôr em ordem a atividade intelectível de uma pessoa. Em vez de
produzir pensamentos melhores, a mente desiste da tarefa de produzir
pensamentos, dando assim a chance de aproveitar inspirações e com elas o meio
de outras em contato direto e imediato com o Insight, isto é, com os planos superiores e mais sutis da mente
individual, que por sua vez recebe suas informações de uma mente ainda mais
sutil.
Quando um místico cristão fala da “ação do Espírito Santo” está se
referindo à mesma inspiração a que Bohm dá o nome de Insight. Bohm não o diz, porque não quer invadir seara alheia, pois
é de opinião que a resposta a este tipo de interrogação ultrapassa a
competência de um cientista. Embora admita o caráter atemporal deste processo
todo, ainda o define como material. Ao fazer esta afirmação, Bohm não descarta
a relação do homem como passageira. É o mesmo que afirmar que o espírito do
homem será sempre um espírito encarnado e que esta vinculação não o empobrece
nem o diminui!
In: Manuscrito de Pe. José
Marcos Bach, sj.
O HORMÔNIO QUE ELIMINA A DOR DA MORTE
“Madura e preparada para
morrer está a alma que morre de saudade de Deus, que morre por não poder
morrer” (S. João da Cruz).
Quando dizemos que Jesus redimiu a morte libertando-a da maldição que
sobre ela pesava desde os tempos do Paraíso, não queremos sustentar que Cristo
veio fornecer a seus discípulos e seguidores uma espécie de anestésico ou dopping que os priva da necessidade de
ter que enfrentar a morte em estado de plena consciência. “Jesus mesmo morreu
dando um grande brado”, como consta em Marcos 15,37. Quem morre “dando um
grande brado” deve ter permanecido plenamente consciente até o fim.
No campo médico existe a
tendência de ministrar ao moribundo analgésicos e sedativos. Não é recomendável
privar o moribundo da sua capacidade de participar ativa e criativamente da sua
morte. Poder morrer é um privilégio. Poder morrer de forma consciente é um
direito natural de toda pessoa humana. Médico algum tem o direito de privar o
seu paciente deste direito sob o pretexto de aliviar-lhe o sofrimento. Pode
haver casos em que o recurso a sedativos seja indicado, mas é falsa a suposição
de que toda morte é dolorosa e não corresponde à verdade. A própria natureza
ajuda o moribundo a morrer em paz. Na iminência do desenlace final o
organismo do moribundo segrega e injeta no sangue um hormônio, definido por uns
como “hormônio letal”. Este hormônio elimina a dor. Não provoca nem apressa
a morte, apenas a torna indolor. Por isso o adjetivo “letal” é impróprio.
Mais correto é defini-lo como “anestésico”.
Quando é natural a morte não causa sofrimento. A própria natureza favorece
a morte sem dor. O sorriso de felicidade estampado no rosto de pessoas
recentemente falecidas demonstra o que foram os últimos momentos da sua vida. A
felicidade eterna não aparece apenas depois da morte, mas a acompanha e a
impregna desde o início.
Um cristão não
pode lamentar a morte como o fazem os que não creem em Cristo. Não pode
registrá-la como fonte de perdas, pois a morte bem-aventurada de um discípulo
de Jesus é tudo menos motivo de lamentações.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos
Bach, sj
NECESSÁRIA TRANSFORMAÇÃO
Há na vida humana uma época em que a larva começa a se
transformar em crisálida. O psicólogo suíço Jung dá a este estado de alteração
da consciência o nome de “Crise de Individuação”. O psicólogo italiano
Assagioli a ela se refere como “Crise de Emergência espiritual”. Ela se
manifesta entre os 35 e 50 anos. Via de regra passa despercebida ou é mal
diagnosticada.
O renomado
professor de Universidade se sente insatisfeito consigo mesmo. O bem sucedido
homem de negócios não consegue mais adormecer tranquilo sobre sua fortuna. Uma
insatisfação sorrateira começa a solapar a solidez de um edifício destinado a
durar para sempre.
O que tem início com a Crise de Individuação bem merecia o
nome de morte, pois a morte física faz parte do mesmo processo psicológico
quando esta morte é natural.
É natural e normal quando ocorre no tempo certo e no modo
certo.
A morte violenta não é nem natural nem normal.
A morte
natural é a normal. A morte natural é a morte tranquila de quem viveu a vida
intensamente, mas agora está cansado dela e sente a necessidade de partir para
uma outra vida e um outro mundo. Dá-se com ele o mesmo que a crisálida
experimenta no período final da sua metamorfose. O mundo que lhe deu abrigo até
então, tornou-se por demais estreito e acanhado. A borboleta dentro dela quer
mais liberdade, quer voar, quer dançar e bailar à luz do sol e ao sabor do
vento. Pressente o deleite que o néctar das flores lhe pode proporcionar.
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj.
A EQM COMO “SALTO QUÂNTICO”
Tudo leva a crer que a (EQM) “Experiência de Quase Morte”
visa a morte, não a morte física, mas quem sabe, a morte do ego e com ele a
morte de toda uma constelação de falsos valores.
Quando um sobrevivente afirma, agora sei o que é Amor,
agora sei o que é importante na vida, estamos nos defrontando com uma
declaração verdadeiramente revolucionária. Cientistas que tentam explicar a
“Experiência de Quase Morte” como parte e manifestação de um processo meramente
evolucionário não conseguem mais convencer os ouvintes de suas palestras que a
EQM não possui a profundidade e a radicalidade que muitos dos que a conhecem,
por experiência própria, lhe atribuem.
As mudanças que a EQM introduz na vida de seus
beneficiários é definitiva e o passar do tempo não consegue apagá-las. O
caráter revolucionário desta experiência levou estudiosos a identificá-la como
“Salto Quântico”.
“Não sou mais a mesma pessoa que era antes”! Quase todos os
sobreviventes confessam que não só a vida deles mudou, mas que esta mudança
radical atingiu em cheio a sua pessoa toda!
A crença na existência de um órgão espiritual destinado a
pôr o espírito do homem em contato com o divino é anterior a Jesus Cristo. Já o
filósofo grego Platão, que viveu três séculos antes de Jesus, fala da
existência de uma “centelha divina” presente no interior de toda pessoa humana.
Jesus apenas regou com as águas abundantes da sua Graça o que Platão e outros
pensadores gregos tinham semeado.
A ideia de
que o interior do homem é terreno devastado pela ação de um hipotético pecado
original é incompatível com a mensagem otimista de Jesus. “Se alguém me ama e
crê em mim, Eu e o Pai viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14,23).
Para que isto venha a acontecer só há um único requisito a preencher: abraçar,
sem reservas, a causa de Cristo. Além do Amor que Deus nos oferece, não existe
mais nada que se possa classificar como exigência.
O amor é gratuito e incondicional, por isso ele é
inegociável. Quando após uma briga um casal volta a fazer as pazes, isto não
quer dizer que voltou a se amar novamente como antes ou até mais do que antes.
Não há, no terreno afetivo, briga que não deixe sequelas.
Quem atingiu no terreno afetivo o nível de um amor perfeito
como é perfeito o amor incondicional de Deus, pode fazer o que bem entende. O
amor é o limite que separa o que é inegociável do que pode ser objeto de
negociação. Deus não castiga ninguém. Menos ainda pensa em privar alguém do seu
amor e da sua amizade.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
O MISTÉRIO QUE ESTÁ À NOSSA FRENTE
Muito mais misterioso do que tudo o que deixamos para trás
é o que se encontra à nossa frente. São eons e mais eons, tempo incrivelmente
longo de que podemos dispor para completar o que iniciamos, seja nesta vida mortal,
seja na outra. A eternidade pode ser concebida como unidade compacta, mas
também se pode concebê-la como composta de unidades menores. Neste caso faria
sentido falar em eternidades (no plural). O futuro que nos aguarda não é
uniforme, é antes policromo. Vamos passar (se assim o quisermos) por muitas
“eternidades”, crescentemente mais amplas e abrangentes. Passaremos ainda por
muitas metamorfoses antes de atingir a estatura de Cristo, o primeiro ser
humano plenamente evoluído. A história da humanidade não vai acabar em extinção
da espécie. É isto que Jesus nos veio assegurar, como ninguém até hoje o fez.
O convite de Jesus deixa claro que é muito tímido tudo o
que conseguimos encarnar em nossas descrições de cristão ideal. Tudo o que
juntamos para definir o “estado de perfeição” chega a ser ridículo quando
comparado com o esplendor da majestade de Deus tal como no-lo descrevem
místicos como Teresa de Ávila. Até mesmo algumas das descrições feitas por
pessoas que tiveram morte clínica falam do deslumbramento que sentiram no
decurso da sua passagem por esta experiência. Pessoas que já prelibaram e
pregustaram em vida as delícias que as aguardam no além, trocam o seu
costumeiro modo de vida por outro, radicalmente diferente. Para que isso
aconteça, não é necessário passar por uma “Experiência de Quase Morte”. O
apóstolo Paulo não esteve perto de morrer quando Cristo lhe apareceu às portas
de Damasco. Inácio de Loyola só mudou de vida depois que viu encerrada a sua
carreira militar e seu sonho de glórias mundanas.
A perfeição
cristã não consiste em ser perfeito, mas antes em ser perfectível. O cristão
conservador nega-se a destruir o que já foi construído. É como a crisálida que
considera o seu casulo como lar definitivo. Uma crisálida que não sabe o que é ser
borboleta e teima em permanecer sempre no mesmo estado, jamais estará em
condições de sair do casulo. É ela que deve sair, ninguém irá tirá-la de lá.
Bem nascida é a criança que saiu do seio da mãe por conta própria. Mãe e
parteira nada tinham a fazer do que assistir.
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
TOMAR CONSCIÊNCIA DO AMOR QUE NOS ENVOLVE
O núcleo gerador de uma autêntica fé em Cristo é a
consciência de ser amado por Deus com um Amor que excede todos os limites
imagináveis.
- “Cristo nos amou quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8).
O apóstolo Paulo foi atingido pela graça de Deus quando se encontrava empenhado
em destruir a obra de Cristo. Pior e mais perigosa do que a sua maldade é a
ignorância dos homens. Ignorância aqui é sinônimo de inconsciência, é
desconhecimento de sua verdadeira natureza.
- “Anima humana
naturaliter christiana est”, dizia Tertuliano, um dos primeiros “Pais da
Igreja”. Se é verdade que “a alma humana é cristã por natureza”, não faz
sentido tratar como se fossem opostos irreconciliáveis a graça e a natureza. O
homem não é apenas um animal mais evoluído. Menos ainda é um “Anjo Decaído”. O
que ele é, então? Um “anjo” em formação? Mais do que isto: é um “Deus” em
formação. Jesus nos convida a sermos perfeitos: “Sede perfeitos como vosso Pai
Celeste é perfeito” (Mt 5,48). Ser perfeito como Deus é muito mais do que
tornar-se parecido com Ele. Envolve uma identificação com Deus tão íntima que
tudo o que nos atinge, atinge diretamente a Deus (Cf. Mt 25,40).
O filho possui em comum com o pai a mesma natureza. Se
somos verdadeiramente filhos de Deus, então nada mais lógico do que a conclusão
de que participamos com Ele da mesma natureza. Somos chamados para sermos
“participantes da santidade de Deus” (Carta aos Hebreus 12,10). Presta, por
isso, um péssimo serviço à causa de Cristo todo aquele pseudo-mestre espiritual
que insiste em tratar as suas “ovelhas” como um bando de pecadores
incorrigíveis.
“Christiane,
recognosce dignitatem tuam”, dizia Tertuliano. É isso mesmo: está na hora
de despertar nos cristãos um senso de dignidade que séculos de moralismo
doentio levaram à beira da extinção. Da presença do “Ser de Luz” ninguém saiu
humilhado ou com a sua autoestima diminuída. Arrependido, sim, mas não
derrotado. Desestruturado, mas não esquizofrênico ou antissocial. Pelo
contrário: muitos deles retornaram com a consciência de que ainda tinham uma
missão a cumprir, aqui e agora.
In: “Do
‘Homem Selvagem’ ao ‘Homem Noético’” – Artigo de Pe. Bach, sj
AUTOGÊNESE E AUTOPOIESE
A atividade de um feto no ventre da mãe pode toda ela ser
resumida numa palavra: autogênese! A mãe muitas vezes nem tem tempo para pensar
que está grávida. O feto sozinho dá conta do recado. À mãe cabe apenas a tarefa
de se alimentar bem para que ao feto não lhe venham a faltar os nutrientes de
que necessita para se construir a si próprio. As informações de que necessita
para a tarefa, ele já as sabe de cor. Ninguém lhe precisa dizer como proceder
para fabricar uma célula-tronco, como armazená-las e como transformar cada uma
delas numa célula com função específica.
Todas as transformações e metamorfoses por que passa um ser
humano durante os primeiros nove meses de sua existência são autogenéticas,
pois o autor de todas elas é o próprio feto. À mãe só cabe fornecer ao feto os
nutrientes materiais e psicológicos de que este precisa para se desenvolver.
Por nutriente psicológico entende-se o amor com que a mãe acompanha o milagre
que está acontecendo dentro dela. Uma gravidez não desejada possui a mesma
gravidade psicomoral de uma tentativa de aborto.
A palavra autopoiese é empregada por alguns autores para
designar a continuação do processo autogenético ao longo da vida pessoal de
cada ser humano. Grande parte do desenvolvimento ulterior do seu projeto o
Criador o confiou a terceiros. A terceirização não é apenas uma invenção de
administradores espertos. Há muito tempo que a reprodução da espécie passou da
competência do Criador para a dos membros da espécie. Se o feto possui todas as
instruções e todo o conhecimento necessário para se autogerar, por que o
indivíduo humano não continua dispondo de um privilégio análogo pelo resto dos
seus dias?
A ideia de que o homem é um ser entregue a si mesmo e com a
tarefa de se autoconstruir é por demais escandalosa e revolucionária para ser
aceita, sem discussão, e por um número significativo de pessoas. (Continua na
próxima postagem).
In:
“Autogênese Comunitária” – Artigo de Pe. José Marcos Bach, sj
TROCAR A FÉ HERDADA
O número de cristãos autênticos deve ser pequeno, pois é
difícil encontrar numa Igreja um cristão disposto a trocar sua fé herdada dos
antepassados por outra menos tradicional. Quem leva a sério o aviso de Jesus:
“Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á”? (Lc 9,24). Cristão autêntico, digno
de ser chamado assim, é alguém que morreu para si e já não vive mais em função
de interesses próprios. “Só não morre ao morrer quem já morreu em vida”. Este é
um ditado que os monges da Idade Média costumavam repetir.
Cristão autêntico é aquele que já morreu antes, pois só
pode ressuscitar quem já morreu. O ressuscitado é um morto que voltou à vida.
Não é, no entanto, um simples redivivo, já que a nova vida que o acolhe em seu
seio é radicalmente diferente da anterior. Muitos daqueles que experimentaram
mais de perto uma forma completamente diferente de vida não conseguiram mais
viver como o tinham feito antes. Passaram por um processo de desestruturação
psicológica semelhante a do apóstolo Paulo às portas de Damasco.
Não conseguem
mais encarar a vida como antes. Já tiveram oportunidade de perceber o quanto
era insensato o modo de vida que tinham levado antes. Descobriram que é
possível viver a mesma vida de maneira muito mais inteligente, muito mais
sensata. Embora não tenham saído da (EQM) mais religiosos, mais piedosos ou
melhores que antes, saíram dela mais certos de que são amados por Deus assim
como são, independentemente do que tiverem feito e aprontado em vida. Em vez de
se verem julgados, saíram do encontro com o Supremo Juiz iluminados e dotados
de um discernimento que os torna capazes de substituir a confissão por uma autoavaliação; e a direção espiritual por um encontro pessoal mais profundo com a sua própria
dimensão divina.
Só Deus pode ressuscitar mortos. Só Cristo ressuscitou dos
mortos por iniciativa própria, por ser o Filho de Deus. Ninguém consegue sair
de um buraco ou de um atoleiro puxando-se pelos próprios cabelos. Nisto até o
ateu Sigmund Freud foi honesto ao reconhecer que não é o analista, mas o
paciente, o autor do processo de cura psicanalítico.
Saúde e
doença são apenas o resultado de um modo infeliz de organizar o campo das
relações humanas. Freud achava que saudável é o indivíduo que “está em dia com
as exigências do ambiente sociocultural em que vive”. Jung era de opinião que
saudável é o indivíduo que “está de bem consigo mesmo”. São João da Cruz, antes deles, deixou claro que só merece ser
considerada saudável a pessoa que descobriu o “Deus que vive em seu íntimo mais
íntimo”. O homem é um ser espiritual destinado a compartilhar com o seu Criador
a mesma vida e o mesmo grau de intimidade com que um filho participa da vida de
seu pai.
In: “Do Bom Selvagem ao Homem Noético” – Artigo de Pe. José
Marcos Bach, sj
NATUREZA E DISTINÇÃO DE UMA COMUNIDADE
No estágio atual da
evolução, nós, humanos, temos a tendência de nos identificar mais com
sub-personalidades, isto é, com aspectos laterais e funcionais da nossa
personalidade total. Somos seres em formação, portanto, incompletos, isso sim,
mas não imperfeitos. O que nos falta não representa um defeito. Não somos
deficientes, como o soldado que perdeu um braço ou uma perna em combate. O
ideal seria ter consciência plena do que ainda falta para sermos completos.
Pessoas que passaram pelo crivo de uma “Experiência de Quase Morte” são
praticamente unânimes em confessar: “Agora sei o que é importante!”. “Dar e
receber amor: isso é importante”, dizem muitos deles. “Desapegar-se das coisas
desta vida, isso é importante”. “Usar as coisas, mas sem se deixar escravizar
por elas, isso é importante”. As coisas verdadeiramente dignas de serem
ambicionadas se encontram num outro mundo.
A pobreza do rico não
está em ter muito, mas em contentar-se com tão pouco. Condenável não é o desejo
como tal, mas o apego. O que torna mau um desejo é o fato de ele abraçar como
absoluto o que é relativo. O mal não está em querer sempre mais. Inácio de
Loyola descreve o verdadeiro discípulo do Divino Mestre como alguém que sempre
deseja mais, não se contentando com o que já alcançou. Existe, por isso, uma
diferença fundamental entre um mosteiro budista e uma comunidade jesuítica. Lá
onde o tempo é obrigado a parar, não há espaço para um genuíno discípulo de
Inácio de Loyola.
O que determina a
natureza de uma comunidade e a distingue das demais formas de organização
social é a qualidade dos membros que a constituem. São pessoas livres, tão
livres quanto é possível sê-lo. Esta liberdade não é usada como pretexto para
se isolar dos demais, mas serve para criar formas cada vez mais ricas e generosas
de relacionamento interpessoal. São pessoas felizes e satisfeitas que não
sentem a menor inveja ao ver que algum companheiro de jornada corre mais que
elas, pois descobriram que a sua comunidade toda avança, cresce e se eleva
através do progresso individual de cada um dos seus membros. Possuem uma
concepção holística da vida em comunidade, diríamos hoje, porque veem o Todo
presente em cada manifestação particular. São otimistas, pois sua fé inclui um
voto sistemático de confiança na bondade inata da natureza humana. Acreditam
firmemente que um ser humano entregue a si mesmo e cercado de amor acabará
infalivelmente sendo melhor do que era.
As energias que atuam no
interior da consciência de cada indivíduo são positivas e o impelem a ser
sempre mais o que já é. A natureza evolutiva dessas energias transparece
claramente do relato de pessoas que passaram por uma “Experiência de Quase
Morte”. A condição pecadora da natureza humana quase nunca é mencionada nestes
relatos. É verdade que as pessoas, a quem devemos estes depoimentos, não eram
pessoa más, membros de alguma Confraria do Crime Organizado. Muitas delas, no
entanto, confessam que antes da sua (EQM) quase nunca se preocuparam com
valores espirituais. Viviam para o trabalho e para a família. O acidente que
quase lhes tirou a vida serviu para despertá-las da sua letargia. Nenhuma delas
se converteu por ter visto a morte de perto. Não foi a morte ou a ameaça de
morte que as assustou e levou a encarar a vida com outros olhos.
Na presença de maravilhosos “seres de luz” ninguém se
sente culpado, mas todos se sentem amados, irrestritamente acolhidos por um
Amor totalmente diferente de tudo o que até então tinham experimentado. “Agora
sei o que é amor”! São poucos os depoimentos em que esta expressão não aparecesse.
No seio de uma autêntica comunidade humana as leis e
regras são poucas e se vão tornando cada vez mais desnecessárias à medida que
cresce e aumenta o amor com que todos se amam uns aos outros! “Nisto conhecerão
que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo15,12). O que
distingue uma comunidade das demais formas de organização social é o amor que
circula em seu interior.
In: “Do Bom Selvagem ao
Homem Noético” – Artigo de Pe. José Marcos Bach,SJ.
UM ACRÉSCIMO DE LUMINOSIDADE
O Deus de Ontem
fizera o homem livre, mas não queria que seus fiéis servos fizessem da
liberdade um uso por demais generoso. Qual a religião que não oferece a seus
fiéis seguidores muito mais espaço para a prática de submissão do que para
exercícios de voo livre? Quem quer saborear as delícias de um voo sem
barreiras, onde é permitido permanecer voando o tempo que se quiser e na
velocidade que se quiser, só pode optar por um ambiente social desafogado. As
igrejas que estão ficando vazias, há tempo que deveriam ter sido entregues às
moscas e às baratas.
Templos não são
lugares apropriados para quem deseja adorar Deus em Espírito e Verdade. O
futuro espiritual e religioso da humanidade exige uma mudança do terreno formal
das obras e práticas para o terreno interior do sentimento e da experiência
subjetiva.
Muitos dentre os
sobreviventes de uma EQM admitem que saíram dela com uma visão completamente
diferente de Deus. Deus passou a ser a Luz Interior. Duvidar da sua existência
e do seu Amor seria mais absurdo do que duvidar da existência do Sol. Um
acréscimo de luminosidade em suas vidas é o que muitos deles experimentaram.
Não só experimentaram, mas continuam experimentando. Esta luminosidade
instalou-se em seu interior e lá permanece. O tempo não consegue apagá-la ou
diminuir a intensidade do seu brilho. A visão desta luz interior quem a
proporciona não são os olhos do corpo, pois estes não foram feitos para
suportar tanta luz. Logo, o responsável por esta visão, deve ser um outro
órgão, mais sutil e mais apto a ver o que os olhos do corpo não conseguem
captar.
Existe no universo
muito mais luminosidade do que o pouco que dela os nossos olhos nos revelam.
Grande parte dessa luminosidade é composta do que os físicos definem como “luz
escura”. A forma de luminosidade que é definida como sendo escura, não é
considerada escura por não ter brilho, mas porque o seu brilho não chega até
nós. “Não se coloca um candeeiro debaixo de um alqueire. Não se pode esconder
uma cidade construída sobre uma montanha. Vós sois a luz do mundo. Que a vossa
luz brilhe diante dos homens” (Mt 5,14-16).
Do manuscrito “O
DESPERTAR DO EU DIVINO” de Pe. José Marcos Bach, SJ
OBRA DO ESPÍRITO
Se o médico é propenso a reduzir o despertar de
uma crise de natureza espiritual às dimensões de uma situação patológica, o
padre corre o risco de interpretar a mesma crise com base em critérios morais e
religiosos, transformando em tentação do maligno ou em sinal de perda de fé um
fenômeno que nada ou pouco tem a ver com pecado ou perda de fé. Bem mais
correto é atribuir a Crise de Emergência Espiritual a um estado de saturação
moral e religiosa, indicando que um tipo de vida moral e religiosa esgotou suas
potencialidades. Um novo modelo está reclamando para si o lugar do modelo
esgotado e superado. O espírito reclama para si mais espaço, mais liberdade de
movimentos. Como o modelo anterior já não consegue mais atender ao acréscimo de
necessidades espirituais da nova fase evolutiva, o próprio espírito se
encarrega de sacudir os fundamentos da velha casa, impondo, por este meio, a
mudança para uma casa nova. É o próprio espírito que gera a Crise de Emergência
Espiritual.
O psicótico opta, quando posto ante um dilema
análogo, pela fuga, indo estabelecer-se num mundo visionário totalmente
separado do mundo real com o qual entrou em conflito. Tratamo-lo, por isso,
como doente mental e como anormal. Classificamos como normais e saudáveis aqueles
que optam pela integração no mundo real, o mundo que a maioria aprova e
aproveita e que nos acostumamos a considerar o único modo normal de viver a
vida. Há na loucura algo do caráter sagrado próprio da experiência mística. Em
ambos os casos ocorre um distanciamento radical em relação a uma realidade que
um e outro consideram mais louca e mais alienada do que a própria loucura.
Texto do livro “Crise de Emergência Espiritual” de Pe. José Marcos Bach, SJ
A EMERGÊNCIA ESPIRITUAL
Aumenta de ano para
ano o número de pessoas envolvidas num tipo de crise, cuja origem e sentido
lhes é totalmente incompreensível. O médico fala em stress, o psicólogo em
depressão e assim por diante. Quando os sintomas da crise são mais
pronunciados, a pessoa é tratada como neurótica. Em casos extremos, ela acha
que está ficando louca. Se vier a cair nas mãos de um psiquiatra do tipo
convencional, este a enche de sedativos, estimulantes químicos, quando não a
encaminha para uma clínica psiquiátrica. Lá o infeliz é tratado como se fosse
louco ou estivesse na iminência de perder o juízo.
A psiquiatria
tradicional não distingue entre o que é patológico e o que nada mais é do que
sintoma de Crise de Emergência Espiritual. Como alguns dos sinais são
parecidos, parte-se da premissa de que o fenômeno é o mesmo. Os sintomas que
conduzem à implosão psicótica são em certos aspectos parecidos aos que
prenunciam a eclosão de uma Crise de Emergência Espiritual. Note bem: são
semelhantes, mas não idênticos. A psicose é um fenômeno patológico, anormal e
desagregador da personalidade. Por outra: um psicótico é um doente. Stanislav
Grof e Roberto Assagioli, entre outros, consideram a Crise de Emergência
Espiritual como normal e positiva. Para eles é um despropósito total tratar, a
quem está às voltas com uma Crise de Emergência Espiritual, como se estivesse na
iminência de perder o uso da razão.
Os que receberam a
incumbência de zelar pela saúde, seja qual for a sua área de competência,
física, psíquica ou espiritual, deveriam ter um mínimo de discernimento
profissional para saberem o que é da sua alçada, evitando intrometerem-se em
áreas que não são da sua competência profissional. Existem limites de
competência que é preciso aprender a respeitar. Um médico não deve meter-se a
psicoterapeuta. Um padre só fará estragos se vier a exorbitar de sua função que
é a de ser guia espiritual. E assim por diante.
In: "EMERGÊNCIA ESPIRITUAL" Livro de Pe.
José Marcos Bach, sj
Uau, é bom estar de volta com meu ex novamente, obrigado Dr. Ekpen pela ajuda, eu só quero que você saiba que está lendo este post, caso você esteja tendo problemas com seu amante e esteja levando ao divórcio e você não quer o divórcio, o Dr. Ekpen é a resposta para o seu problema. Ou você já está divorciado e ainda deseja que ele entre em contato com o Dr. Ekpen, o lançador de feitiços agora (ekpentemple@gmail.com) e ficará feliz por ter feito isso
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