A CONSCIÊNCIA COMO INSTÂNCIA MORAL SUPREMA
A lei moral não obriga ninguém a fazer o impossível. É
axioma assente e tranquilo. Os documentos pontifícios o ignoram no entanto,
pois em parte alguma o mencionam. É princípio ético tão fundamental quanto
outro qualquer. Tudo o que envolve planejamento familiar pode parecer fácil a
quem estuda tão somente o aspecto moral do processo. Normas claras e precisas
podem ser úteis, mas o seu conhecimento não possui o poder de gerar na pessoa a
energia necessária para a sua execução.
Para pôr em prática o que é certo, uma pessoa necessita de
razões que justifiquem a ação. Pois nem tudo o que é teoricamente certo e bom o
é também no terreno concreto da ação. Há além da lei tantos outros fatores
envolvidos na escolha, que seria simplesmente imoral agir como se a melhor
resposta à lei moral fosse a obediência cega. A aplicação de um preceito moral
deve passar pelo crivo da consciência racional. A supremacia da consciência
subjetiva sobre os ditames da lei exterior é peça fundamental da ordem moral
cristã. A encíclica Veritatis Splendor,
tão restritiva em outros aspectos, não deixa de insistir novamente neste ponto.
À consciência é que cabe a função de instância moral suprema. Acima dela só o
juiz supremo, Deus.
Dizer que um papa não se orienta jamais de acordo com
critérios políticos é ingenuidade. Vivemos num mundo em que só conseguem
sobreviver os que sabem adaptar-se. O frio é mais forte do que o calor. Esse
princípio não se aplica apenas ao campo físico. Vale também para o plano moral.
Para manter a temperatura de um corpo quente é preciso encontrar um modo de
produzir calor. Um corpo frio permanece frio por conta própria. É só eliminar o
calor que o frio aparece por si.
Uma moral alinhada de acordo com razões de conveniência não
tem condições de fornecer a seus usuários a energia espiritual indispensável.
Não basta saber o que se deve fazer ou o que é proibido. É preciso ter condições
de fazê-lo. Dizer quem tem condições ou não, já não é mais da alçada do
moralista ou da autoridade eclesiástica, pois é problema psicológico e como tal
escapa da competência de autoridades. A única autoridade que se pode invocar
nesta matéria é a do psicólogo competente. Uma das falhas mais lamentáveis dos
ensinamentos da Igreja é a falta de qualquer preocupação séria e responsável
com os pressupostos psicológicos, sem os quais a execução do preceito teórico
se torna impossível.
O emprego do método da abstinência durante o período fértil
da mulher, aparentemente tão próximo do ideal, pode transformar-se, ao longo
dos anos, numa verdadeira bomba de efeito retardado, já que no terreno do
comportamento sexual representa uma autêntica anomalia por contrariar
frontalmente uma tendência que a natureza costuma respeitar como sagrada.
Os autores de tratados de moral quando abordam o assunto
que nos ocupa no momento distinguem uns dos outros os diversos graus de
impossibilidades. Umas são absolutas e outras são relativas. A impossibilidade
absoluta é a que não admite exceção. Para ilustrar esta espécie de
impossibilidade pega-se o conceito de um círculo quadrado. É a impossibilidade
metafísica, como a chamam. Depois, um grau abaixo da anterior, está a impossibilidade
física. Uma pedra atirada para o alto volta a cair, a menos que se lhe imprima
uma energia mais forte que aquela produzida pela gravidade da Terra. Além da
força inicial de propulsão, só há lugar para o milagre. A terceira modalidade
se refere a que chamam de impossibilidade moral.
A impossibilidade moral ou psicológica (diríamos hoje!) é o
resultado de um processo que poderíamos chamar de paralisação da vontade,
atrofia do elã vital e falta de um sentido para o que se está fazendo. Suas
formas de manifestação incluem a vontade de morrer, a tentação do suicídio, a
angústia da depressão, e por ai afora. Estanislav Grof resume os sintomas todos
numa única expressão: “Emergência Espiritual”! De alguém que está prestes a
morrer afogado não se deve esperar que salve outros.
Padre Marcos Bach
CONSCIÊNCIA PESSOAL E SUPERCONSCIÊNCIA COLETIVA
Todo conhecimento
científico representa um encontro com a realidade em outro nível. O ato de fé
significa um encontro com a verdade em nível superior, mais abrangente, ao
contrário do que pretende o iluminismo racionalista.
A expressão plena deste
encontro com a verdade encontramo-la no ato de fé religioso. A afirmação de
Deus como Centro de todo o Ser não pode entrar legitimamente em conflito com a
razão humana, a não ser que lhe falte algum elemento essencial. A fé religiosa
não ameaça a legítima autonomia da ciência.
A grande vítima da luta
inglória entre Ciência e Fé é o homem. A Ciência esquece a estrutura normativa
do agir humano. E as Igrejas cristãs ficam à distância demasiada dos acontecimentos
subordinando os fato à Norma e à Palavra revelada ou não-revelada, abrindo
deste modo um espaço por demais escancarado a formas sutis e veladas de
alienação moral e religiosa.
O cristianismo deve
integrar em seu depósito dois artigos de fé a mais: a fé na evolução e a fé no
homem. Feito isso, o caminho para o diálogo da Fé com a Ciência se tornará
novamente possível. Só então chegará ao fim um dos capítulos mais escandalosos
da história da cultura ocidental.
Este diálogo terá que
percorrer duas fases:
- A fase do entendimento
e da compreensão mútua, o que já está ocorrendo, se não estiver enganado.
- A fase seguinte terá
que ser dedicada à elaboração de uma grande síntese, abrangendo numa visão
única e total o resultado de todas as pesquisas realizadas tanto no terreno
científico, como no campo teológico.
Toda síntese se realiza
no plano da consciência. Será, portanto, o resultado de um esforço consciente
cujo objetivo social é a formação de uma espécie de superconsciência coletiva.
Será um processo em que se visa alcançar um estágio novo, de nível superior no
plano evolutivo. O diálogo entre Ciência e Fé, Arte e Mística, Técnica e
Política exige um máximo de imaginação e de amor. Da síntese que daí vier a
surgir dependerá o futuro da nossa civilização e sua sobrevivência.
As condições para a
realização deste esforço coletivo de síntese já existem. O estudo aprofundado
da natureza humana revela a existência de uma sintonia entre consciência
profunda e a intencionalidade divina original. Existe, por conseguinte, uma
sintonia das consciências, pondo-as a vibrar em uníssono ou em harmonia toda
vez que uma corda essencial for tocada.
Esta sintonia profunda
tem sua origem em Deus, de quem todos procedem. Por isso, o anseio generalizado
de harmonia e paz é de natureza religiosa. O avanço em direção a este objetivo
representa um avanço no campo religioso da Fé, mais que um avanço no campo
moral e social. Significa um novo estágio religioso, cujos reflexos serão
sentidos por ressonância no campo ético-social.
Sentimos todos na
própria carne as consequências de uma ordem religiosa, moral e social que só
permite às grandes multidões anônimas um mínimo de participação ativa. Uma
ordem moral, religiosa e socialmente adulta é incompatível com a permanência de
multidões anônimas e massificadas. Isto é, a maioria silenciosa. Ela cria e
alimenta em seu bojo uma margem de irresponsabilidade demasiadamente perigosa
para ser admitida sem consternação. Demasiadamente vergonhosa para ser tolerada
por mais tempo.
Liberdade e
responsabilidade moral correm paralelamente. Diminuir uma é diminuir a outra.
Encaramos a liberdade como um convite para a irresponsabilidade. Isso vale para
a liberdade tal qual a concebem o libertino e o liberal, o déspota e o grande
Inquisidor. Não se aplica, porém, à liberdade como a entende o Evangelho.
A liberdade puramente
externa pouco valor tem sem a liberdade interior. Esta gera a responsabilidade
moral e religiosa, base de todo e qualquer compromisso social. Responsabilidade
moral significa compromisso com a própria consciência. Responsabilidade
religiosa quer dizer compromisso com Deus, sintonia com as intenções de Deus.
Compromisso com algum
tipo de hiperconsciência em formação. Senso de responsabilidade ou vem da
consciência ou então é farsa. Onde não há lastro pessoal social, moral e
religioso nada mais resta senão o estado policial.
Padre Marcos Bach
É PRECISO AMPLIAR OS HORIZONTES DO ESPAÇO FÍSICO
Passamos quase todo o tempo da nossa existência
confinados no estreito espaço do mundo tridimensional.
Nos situamos dentro dele. O que não está no alto, fica embaixo. O que não fica
nem no alto nem embaixo fica do lado. Os lados são dois: o da direita e o
esquerdo. A terceira dimensão é delimitada pelo que se encontra atrás de nós ou
à nossa frente.
Este é o mundo que conhecemos desde pequenos. Nele
nos movimentamos. Nele nos situamos. Ele nos oferece campo de ação,
oportunidades e desafios. Ele desafia a nossa criatividade, pois nele não
existe espaço para soluções prontas. A criatura tem que aprender a situar-se
dentro dele. Ele é fonte de problemas: 1) Obriga a fazer escolhas. 2) Impõe
limites. Ao mesmo tempo não os fornece claros e definidos.
A tecnologia tem por finalidade ampliar os horizontes
do espaço físico. Poder ir mais longe! E mais depressa! Paralelo a este
objetivo há outro, igualmente imprescindível: o de ampliar o alcance dos
sentidos do corpo. Telescópios, microscópios, telefones, etc. servem para
aprimorar a acuidade dos sentidos. O computador contribui, como poucas outras
invenções do homem, para imprimir novo ritmo à atividade mental. Sem a ajuda do
computador, quanto tempo útil e precioso se perderia somando, dividindo e
subtraindo à moda antiga.
Atribuir ao progresso tecnológico alguma forma de
“culpa” pelos muitos problemas da sociedade atual é recurso ideológico de
moralistas atrasados. Todo progresso tecnológico é uma bênção do céu, inclusive
o que permite ao homem interferir no processo da reprodução. Se é permitido
transplantar órgãos, executar criminosos e matar soldados na guerra, então só
nos resta uma única alternativa honrosa: trocar o discurso vigente acerca da
dignidade do homem e o caráter sagrado da vida por outro, mais coerente, mais
honesto e menos hipócrita.
Uma sociedade civilizada de verdade não pode tolerar
sequer que uns poucos ricos continuem enriquecendo, enquanto a grande maioria
da população mundial é composta de pessoas que a cada ano vão ficando mais
pobres. A riqueza global cresce na mesma proporção em que aumenta o número de
miseráveis. A culpa que leva tanta gente a descrer da humanidade e na sua
capacidade política de resolver os problemas que estão se acumulando, não é do
progresso material, científico e tecnológico.
Típica da cosmovisão tridimensional é a concepção dualista da realidade. Energia e
movimento são inseparáveis. Não existe no universo algo que se pudesse definir
como energia parada ou estática. Se há um movimento, há também um fluxo. Para
onde fluem elas? Como se relacionam entre si as diversas correntes? O sentido
global de tudo o que se move é um grande mistério. Por mais que os mestres
religiosos se tenham esforçado para explicar o enigma, a verdade é que o
universo continua tão misterioso como foi milhares de anos atrás.
Num primeiro momento tem-se a impressão de que a tão
falada harmonia do universo é mais ilusória do que real. Corpos celestes se
esborracham de encontro uns dos outros. Estrelas explodem, galáxias se chocam
entre si. Tudo isso dá a impressão de que há no universo mais desordem e caos
do que se deveria esperar da obra de um Criador inteligente e sábio.
O universo
de Leibniz era perfeito e pontual como um relógio. Mas o universo dos pais da
Teoria Quântica pouco se parece com um relógio. Há nele demais incertezas e
comportamentos aleatórios que a mente disciplinada de um Einstein não conseguiu
aceitar. Como descrever a “vida” e o comportamento de um átomo se não é possível
prever, com exatidão matemática, o modo como irá reagir? No entanto, é
precisamente esta a conclusão a que chegaram os físicos atômicos. Como
programar a trajetória de um átomo quando não se pode saber de antemão como irá
reagir? Se o átomo já se permite a liberdade de ter opinião própria, o que se
vai dizer do homem cuja liberdade é infinitamente mais ampla do que a de um
átomo?
Padre Marcos Bach
O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA
A chave que abriu o Portal do Paraíso chama-se
consciência, conhecimento. O primeiro fruto desta nova consciência adquirida
através de um gesto de rebeldia contra o Criador foi a desilusão e o
arrependimento. Ao romper com Deus o primeiro casal humano descobriu que traíra
pela base não só o Plano do Criador, mas também o futuro de toda a humanidade.
A lembrança de um Paraíso Perdido faz ainda hoje
parte das representações arquetípicas do Inconsciente Coletivo de judeus e
cristãos. A restauração deste Paraíso é uma das atribuições do tão esperado
Messias e Salvador dos homens. O restabelecimento das condições sociais e
ambientais do Jardim do Éden é parte essencial do processo de instauração do
Reino Messiânico.
A descrição dos primórdios da história da humanidade
se refere ao aparecimento de um espécime humano muito mais evoluído do que o
habitante das estepes africanas de dois milhões de anos atrás. O casal humano
com o qual Deus se entretinha em amena conversa ao cair da tarde não pode ter
sido um Australopithecus qualquer. Só
pode ter sido alguém capaz de falar e de compreender a língua de Deus. Todos
esses aspectos nos levam a crer que a narrativa do Gênesis, baseada em
narrativas sumérias bem mais antigas, não se refere ao primeiro espécime humano
dotado de um lampejo rudimentar de inteligência racional. De acordo com o poema
cosmogônico sumério do qual o autor ou autores do Gênesis extraíram a sua
narrativa, os fatos narrados ocorreram lá por volta de 300.000 (trezentos mil)
anos a.C.
Suponhamos que a narrativa do Primeiro Livro da
Bíblia se refira ao casal que deu origem ao Homo
Sapiens e não aos representantes da espécie Homo que o precederam, qual o impacto que tal afirmação poderia ter
em relação ao conjunto de artigos de fé que consideramos como “Verdades
Reveladas por Deus”?
É evidente que na esteira de raciocínios teológicos
tão distantes da maneira habitual de interpretar a Palavra de Deus irão ocorrer
terremotos e maremotos de intensidade maior ou menor. Toda e qualquer reação se
dará de acordo com a distância entre o modo de pensar e de crer e o modo
tradicional de interpretar o Pensamento de Deus.
Uma leitura bem diferente da habitual pode parecer à
primeira vista um atentado à ortodoxia, ou, no mínimo, um gesto de presunção.
Uma leitura profana dos Livros Sagrados? A ideia só pode chocar a quem não toma
em consideração que boa parte dos fatos narrados fazem parte de eventos
político-militares que nada têm de sagrado. Os acontecimentos narrados na
Bíblia fazem parte de uma história que é simultaneamente sagrada e profana.
Muito do que é narrado na Bíblia aconteceu não por vontade de Deus, mas em
oposição a ela. O sujeito da História da Salvação é Deus. Mas os sujeitos que
atuam no palco dessa história são muitos. O fato de fazerem parte da História
Sagrada não apaga nem diminui a sua dimensão profana. Boa parte do que
atribuímos piamente às intenções e à autoria de Deus, pode ser compreendido e
explicado à luz de critérios meramente profanos. Quem afirma que os autores dos
Livros Sagrados não tinham a intenção de escrever história, mas de ensinar, não
tem como defender-se da acusação de que a História da Salvação não é, a rigor,
uma história, mas uma coletânea de lendas piedosas e outras, menos piedosas. É
a Bíblia confiável do ponto de vista científico-histórico?
De um estudioso profano, interessado na veracidade
dos fatos narrados, não podemos esperar que recorra ao critério da fé na ação
de Deus. Isto não significa que ele não seja capaz de analisar corretamente e
de forma objetiva os acontecimentos narrados nos textos sagrados. A primeira
coisa com que um historiador se preocupa é situar os fatos no contexto mais
amplo do qual são parte.
A história do povo de Israel não foi escrita
exclusivamente por ele. Mesmo a participação de Javé não foi exclusiva. Os
faraós do Egito, os reis da Babilônia, da Assíria e da Pérsia contribuíram para
que a história do Povo de Deus fosse o que foi: um tremendo fracasso político.
Atribuir à infidelidade do povo tudo o que de ruim lhe aconteceu é certamente
um modo precipitado, preconceituoso e bem pouco científico de interpretar a sua
história. O que de ruim aconteceu ao povo judeu não pode ser rotulado
unilateralmente como castigo de Deus. Boa parte desse castigo não foi tão somente
fruto de pecados contra Javé, mas também deve ser atribuído a erros políticos e
cálculos estratégicos mal feitos.
Creio que o leitor já se deu conta de duas coisas:
- Primeiro, a de que uma leitura profana da Bíblia é
tão legítima quanto qualquer outra.
- Segundo, a de que uma leitura não religiosa da
Bíblia não invalida nem contradiz o resultado de uma leitura religiosa. Há nos
textos sagrados tanta coisa que aconteceu, mais porque Deus esteve ausente do
que em razão de uma intervenção direta sua. Temos que aprender a distinguir
para compreender melhor. Não podemos contentar-nos com ler a Bíblia e os fatos
da História da Salvação com o recurso de uma única “grade de leitura”.
Padre Marcos Bach
CONSCIÊNCIA DA RESPONSABILIDADE ÉTICA
Cristo teve a coragem de assumir a responsabilidade
pelos pecados dos homens como se fossem seus. Pagou por eles o preço que poucos
homens se dispõem a pagar nem por seus próprios pecados, menos ainda pelos de
seus irmãos pecadores. “Eu nada tenho a ver com o que outros fazem”. Só um
hipócrita rematado é capaz de proferir uma frase como esta. Todo aquele que
peca aumenta o teor de poluição moral e espiritual da humanidade toda. A
insistência com que nossos moralistas definem o homem como ser essencialmente
pecador e a facilidade com que em nossos “confessionários” distribuímos o
perdão tem contribuído grandemente para reduzir o pecado a algo parecido com um
acidente de trânsito.
Se o pecado não fosse mais que isto, Jesus não
precisava levá-lo tão a sério, como o fez. A essência do pecado é o gesto de
traição que representa. Todo pecado envolve menosprezo da liberalidade generosa
de Deus. Deus sempre oferece muitíssimo mais do que aquilo que somos capazes de
aproveitar. Nunca há de faltar a quem quer que seja a graça de Deus. Se
possuíssemos a milionésima parte da generosidade de Deus já estaríamos a salvo
do receio de ter que dar mais do que estamos dispostos a dar. Gostamos de dar a
quem tem condições e disposição de retribuir em dobro. Nossa disposição de dar
é condicional: “do, ut des”. Dou para
receber. “É dando, que se recebe”. Atribuímos esta frase a Francisco de Assis,
mas sabe-se hoje que não foi o Poverello
que a inventou.
O pensador francês Albert Camus acusa os cristãos de
serem mercantilistas, que seu amor é todo ele falso porque andam sempre e em
tudo de olho na recompensa. O ateu, diz ele, ama sabendo de antemão que seu
amor jamais será recompensado, nem nesta e menos ainda numa outra vida além-túmulo.
Segundo Camus, o amor só é possível de ser praticado longe de Deus. Longe do
Deus cristão, um Deus tão calculista e mercantilista quanto seus adeptos
humanos.
É cômodo e fácil condenar um ateu. Um pouco mais de
humildade e de amor pela Verdade bastaria para nos convencer de que o ateísmo
militante de hoje merece um lugar de destaque na lista dos grandes e mais
eloquentes Sinais do nosso tempo.
Se é verdade que o Espírito de Deus sopra onde quer e
da maneira que melhor lhe apraz, então é perfeitamente admissível que
reservemos para Nietzsche, Marx, Freud e Camus um lugar de honra na lista dos
grandes profetas do mundo moderno. O grande mérito de todos eles é terem tido a
coragem de dizer o que os bem acomodados teólogos e defensores da sagrada doutrina
da fé não se animavam a pôr em palavras. O segundo dentre os dez maiores
mandamentos da Lei Mosaica condena o mau uso do Nome de Deus. “Não tomarás o
nome de Deus em vão”. Mas é o que fazemos toda vez que comprometemos o
prestígio do Criador envolvendo o seu Nome Sagrado em negociatas. Quando
fazemos algo com a intenção de agradar a Deus assumimos a mesma atitude dos
cortesãos das antigas cortes reais. O amor com que Deus nos ama não se baseia
em méritos, pois é absolutamente gratuito, gracioso, livre e incondicional!
Padre Marcos Bach
PLASMAR SEU PRÓPRIO PERFIL
Numa pequena comunidade, suficientemente autônoma
para plasmar o seu próprio perfil, torna-se possível o que em contexto social
mais amplo é simplesmente impossível.
Num ambiente onde todos se conhecem é mais fácil
sentir-se valorizado como pessoa, e não apenas visto como número. Bom pastor é
aquele que caminha à frente de suas ovelhas e conhece a todas pelo nome (Jo
cap. 10).
Pastores não nos faltam. Faltam-nos, porém, pastores
que avancem mais e mais depressa que suas ovelhas. Maus pastores já os havia
muito antes. O mau pastor é aquele que se interessa mais pela lã delas do que
por suas ovelhas. Mau pastor é aquele que obriga suas ovelhas a se contentar
com pastagens rapadas. Ele, o mau pastor, obriga suas ovelhas a rapar sempre de
novo o mesmo pasto porque tem medo de levá-las a se afastarem da cerca
protetora do redil.
Sob a alegação de que está cuidando da segurança de
suas ovelhas, o mau pastor as mantém distantes de pastagens que considera
perigosas. É ele que decide sobre o que é bom para as ovelhas ou não. Estas,
justamente por serem ovelhas, não sabem, nem podem saber o que é melhor para
elas. As ovelhas são inteligentes e sabem distinguir muito bem a voz de um
autêntico pastor da de um estranho.
Bom pastor é aquele que adota cada ovelha como se
fosse filha sua. Suas ovelhas todas têm nome. Se existem maus pastores, também
é verdade que existem más ovelhas. O fato do número delas ser muito maior do
que o dos maus pastores, não prova nada, a não ser a inviabilidade de um
sistema religioso-eclesial incapaz de admitir que continua vivo por obra de
mentiras e incoerências.
A Igreja católica já teria desaparecido não fosse a
capacidade política de seus dirigentes de vender gato por lebre. O papa faz
questão de se apresentar sempre como sucessor de Pedro e representante de
Cristo na terra. Cristo, porém, nunca manifestou a intenção de dar um sucessor
a Pedro. Representante de Cristo na terra é toda Comunidade de Fé, onde todos
se amam como Jesus amou.
Comunidades fracas, compostas de membros privados de
poder e sem iniciativa, dirigidas, porém, por homens dotados de poder absoluto:
este é o quadro que a Igreja católica oferece ao mundo contemporâneo.
Para ser verdadeiro discípulo de Cristo não basta
pertencer a uma Igreja cristã. Quem se contenta com satisfazer as exigências
mínimas de uma Igreja, não merece que o chamem de cristão. Também não merece o
título quem se contenta com submeter sua conduta exterior às exigências desta
Igreja.
Há exigências associadas à fé em Cristo que não podem
ser regulamentadas e impostas por lei, à maneira de jugo ou de fardo. A fé em
Cristo encarna uma forma de liberdade espiritual que o homem sem esta fé não
possui. O “homem carnal” (como o chama Paulo) terá que converter-se da sua condição
de escravo da carne e dos desejos dela, se quiser pertencer a uma Comunidade
Cristã.
Carnal e escrava de seus próprios desejos mais
rasteiros é a pessoa que passa mais tempo preocupada com suas necessidades
materiais do que com as da sua alma. Aquele que só se lembra da sua alma quando
consegue um “tempinho” para isso, não merece lugar no seio de uma Comunidade
que queira coisa bem diferente do que aparentar o que na realidade não é.
Uma Comunidade Cristã autêntica é composta de pessoas
que destoam por completo do modo de pensar e de agir das pessoas que povoam o
chamado mundo dos negócios.
Do “Santo” budista, o Arhat, se pode dizer que ele é
simplesmente impossível, tal é o nível de consciência que dele é exigido. O
mesmo se pode afirmar a respeito do cristão verdadeiramente perfeito. Na
prática só existe como “ideal” e não como pessoa “real”.
Padre Marcos Bach
CONSCIÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO
Uma Empresa também
necessita do apoio da sociedade toda e não apenas de seus funcionários e
operários. Para merecer este apoio ela precisa de optar pela transparência.
Transparência política, psicológica e, acima de tudo, ética. Transparência é o
oposto da anonimia e do anonimato. Um empresário não pode continuar a ser uma
das poucas pessoas legalmente autorizadas a se esconder. A falta de
transparência representa a “pá de cal” para todas as instituições que continuam
a negar-se à prestação de contas por parte de seus dirigentes.
Ninguém pode aderir
honesta e responsavelmente a uma instituição se não sabe o que está acontecendo
em seu interior. Instituições que cultivam o segredo e o anonimato não merecem
fé. Isto não vale somente para as instituições políticas e religiosas. Vale
também para a empresa. Um funcionário tem o direito de poder crer e ter fé em
sua empresa. Deve saber com quem está lidando e para onde vão os recursos que
ajuda a produzir. Os “de cima” agem de modo pouco racional se nutrirem a ideia
de que os “de baixo” não precisam, nem têm o direito de saber o que acontece na
empresa. Num corpo sadio todas as células (e são trilhões) sabem o que está
acontecendo em qualquer parte do corpo. Por que tantos dirigentes teimam em
envolver a sua atuação com o manto do silêncio e do segredo?
Uma empresa de elevado
nível ético difere das que não o são pelo modo como estrutura o conjunto de
relações humanas. A saúde moral e ética é uma questão de estrutura. Assim como o
esqueleto e a estrutura fibrosa dos músculos são essenciais para a saúde
física, do mesmo modo é na base da consistência estrutural que se devem
procurar os sinais de saúde ética de uma empresa. A mais vistosa coleção de
rótulos não supre as deficiências de uma instituição estruturalmente viciada. E
onde está a instituição que não apresente vícios e falhas estruturais
praticamente insanáveis?
Quanto mais nos
convencermos que o futuro vai ser uma continuação linear do passado, tanto pior
para o AMANHÃ DA HUMANIDADE. Quem
medita sobre o que escreveram Toffler, Ouchi, Capra, entre outros, chega a uma
conclusão muito simples (até mesmo simplória): ou refazemos tudo a partir dos
fundamentos, ou seremos os derradeiros representantes de uma civilização fadada
à extinção. A grande pergunta a ser feita refere-se à capacidade de reação da
atual geração.
Não devemos esperar que
as massas (as multidões e as frentes populares) façam o que precisa ser feito
para reverter o quadro involutivo do momento histórico atual. Uma multidão
nunca está em condições de ir além do papel de instrumento. O que caracteriza o
agente de mudanças sociais (o líder) é o elevado nível de consciência pessoal e
histórica. Ora, o que caracteriza as multidões em qualquer parte do mundo é a falta
de consciência pessoal. Tire um homem da massa de “fiéis” e você terá um
primata um pouco melhor do que seu congênere das selvas. A multidão pressiona o
indivíduo em sentido oposto ao da conscientização. A massa pressiona no sentido
de baixar o nível ético individual. Mergulhados na multidão, os indivíduos
perdem o senso de responsabilidade pessoal. No seio de uma massa não há lugar
nem espaço para o exercício criativo da liberdade.
Quem pretende implantar
em sua empresa reformas de natureza estrutural, deve voltar a sua atenção em
primeiro lugar para as pessoas que compõem a Família Empresarial. O primeiro
passo é a elevação do nível de consciência individual e grupal. O segundo passo
consiste na transformação da empresa em comunidade
de trabalho, onde as diferenças sociais são reduzidas a um mínimo.
Quem torna a ética parte
da filosofia política de sua empresa provocará inevitavelmente ondas de choque
de grande ressonância. A menos que sua intenção seja meramente decorativa, algo
parecido com o gesto de pendurar um crucifixo na parede de um tribunal. Também
a ética está sujeita a servir de fator de manipulação das consciências em lugar
de constituir-se em meio de conscientização.
O empresário que julga
ser mais fácil lidar com funcionários conscientizados, se engana. É bem mais
difícil, mas é mais seguro e infinitamente mais gratificante do que pôr em
movimento uma massa de robôs obtusos.
Padre Marcos Bach
A INTROJEÇÃO DOS VALORES CULTURAIS
Ao introjetar em nossa consciência os valores
culturais da sociedade em que fomos criados, é preciso ter em mente que um dos
traços mais destacados do nosso mundo atual é o que se pode definir como
mentalidade capitalista. Consiste em servir-se do dinheiro para ganhar
dinheiro, sem investir no processo mais do que dinheiro.
O investidor ou empresário de mentalidade capitalista
costuma praticar dois tipos de roubo: apodera-se de boa parte do fruto do
trabalho de outros e explora os recursos da natureza como se fossem propriedade
sua! Por outra: vilipendia e avilta a dignidade sacrossanta do trabalho.
Aviltando o trabalho, avilta o trabalhador, que da função de criador de
progresso é rebaixado a de empregado descartável!
O que o neoliberalismo prega é isto:
- Segurança é privilégio com que só o capital pode
contar!
- O grande benfeitor social é o dono do capital, pois
é ele que cria e dá emprego!
- A chamada livre iniciativa consiste praticamente em
assaltar a natureza desprotegida e desamparada por lei e em tirar proveito da
fome alheia.
Karl Marx viu o problema, mas cometeu o erro de
“despir um santo para vestir outro”! Seu socialismo nada mais é, em última
análise, do que um capitalismo de Estado, tão brutal como qualquer outro. Não
existe fome apenas lá onde falta comida no prato!
Durante os últimos dois milhões de anos a humanidade
passou mais tempo procurando comida do que em outra atividade qualquer. Ainda
hoje é assim. A atividade econômica é tratada como se fosse a locomotiva de
todo o progresso humano.
Já que o trabalho consome as melhores horas de um
dia, é fundamental verificar qual o seu valor cultural. Em que medida a
atividade profissional e a laboriosa luta pelo pão nosso de cada dia contribuiu
para enobrecer e a tornar mais humano aquele que o executa. Um trabalho
realizado em comum é do ponto de vista cultural muito mais vantajoso que o
trabalho individual.
Trabalho em comum não é qualquer atividade realizada
por mais que uma pessoa ao mesmo tempo e num esforço comum. Uma dúzia de mulas
puxando a mesma carroça ainda não formam uma comunidade de trabalho. Uma
fazenda coletiva pode ser mantida à custa de trabalho escravo. Numa comunidade
de trabalho não há lugar para escravos!
O que caracteriza a dignidade do trabalho humano não
é a sua produtividade ou o seu nível técnico, mas a satisfação que proporciona
aos que o realizam.
Um trabalho do qual o espírito sai mais cansado que o
corpo é desumano. Um trabalho que provoca mais aborrecimentos do que alegrias é
duplamente desumano.
Fizemos do trabalho uma necessidade, um dever, um
castigo. Quem, quando trabalha, está fazendo o que realmente gostaria de fazer?
Para muita gente o trabalho é uma necessidade psicológica: precisam de
ocupação. Não tendo trabalho, sentem-se inúteis!
Acontece que o trabalho, a atividade remunerada, é
apenas uma entre muitas outras formas da atividade humana. Temos o lazer, o
esporte, a atividade literária, a vida comunitária, o cultivo da música e não
por último, o prazer que resulta das mais variadas formas de contato com o
Absoluto!
Deus, o Deus de Jesus, só se manifesta como Amor e a
quem se dispõe a retribuir amor com amor!
O projeto messiânico de Marx fracassou porque seu
autor não soube onde colocar o amor e o que fazer com a liberdade humana!
Se é verdade que “a essência da matéria é
espiritual”, também só pode ser verdadeira a sentença de quem diz que “a
essência da vida é espiritual”!
Fritjof Capra, um estudioso das ciências como do
misticismo oriental, chegou à conclusão surpreendente de que o equilíbrio
ecológico é uma realização espiritual da natureza. Vê o universo como uma totalidade holística em que cada parte
representa o Todo a seu modo.
Quando um conjunto de plantas e animais se unem para formar
um nicho ecológico, o espírito que os anima e os impele a fazê-lo só pode ser
interpretado e compreendido se for entendido como manifestação de amor. Talvez
seja esta a mais primitiva e elementar manifestação de amor no universo.
Quando átomos se juntam para formar a molécula, e
quando moléculas se unem para formar células vivas, o que estamos presenciando
é o Amor em ação!
O cosmos todo se encaminha para estágios mais evoluídos de ser, de
agir e de se relacionar. Se o cosmos
se nos apresenta hoje não mais como máquina ou como edifício, mas como
organismo vivo e como realidade essencialmente espiritual, é a cientistas e não
a teólogos ou a filósofos que devemos esta reviravolta copernicana, devemo-la a
humildes homens de laboratório. Foram homens e mulheres debruçados sobre as
maravilhas e os enigmas do universo material que nos levaram à compreensão de
que é falso todo empreendimento filosófico em que espírito e matéria são
tratados como entidades separadas e como compartimentos estanques.
“Para entender o espírito não é preciso compreender a
matéria”, dizia Platão. “Para entender a matéria não é necessário entender o
espírito”, ensinava Marx. “O espírito é uma abstração ideológica, um
epifenômeno da matéria”, ensinavam Marx e Engels.
No mundo de um crente materialista e ateu não há
lugar para espíritos puros. Os que expulsaram Deus da sua compreensão do mundo,
da sua Weltanschaung ou cosmovisão, o
fizeram sempre em nome da primazia da matéria sobre o espírito.
Errou Marx quando definiu o espírito como epifenômeno
da matéria. Erro igualmente desastroso cometem-no os que tratam a realidade
material como inferior e como epifenômeno de um universo constituído
essencialmente, quando não exclusivamente, de entidades espirituais.
No mundo que os físicos
nos estão revelando não há mais espaço para lutas e cruzadas envolvendo
espírito e matéria. No mundo criado por Deus o que predomina é o espírito de
cooperação e de solidariedade. A base de todo o processo evolutivo não é a
competição, como queria Darwin.
O nosso planeta ainda continua a ser um lugar
habitável e favorável à vida porque nele ainda existe uma reserva de amor, um
impulso de solidariedade praticamente ignorado e inexplorado!
Padre Marcos Bach
A CONSCIÊNCIA É ANTERIOR AO CÉREBRO
A evolução moral da
humanidade parte do instinto, passa pela razão e desemboca na consciência
reflexa. Como o corpo físico é para o homem o ponto de partida e a base de
apoio para a ação do espírito, do mesmo modo é preciso conferir papel idêntico
ao instinto em relação à evolução de consciência. Todo ser vivo sabe por si
mesmo quem é, onde está e o que deve fazer. Por instinto se deve entender todo
o conjunto de informações que um ser vivo recebe por via genética. Afirmar que
o homem não possui instinto é desconhecer sua verdadeira natureza. A razão não
elimina o que há no homem de instinto, assim como a consciência reflexa não
apaga as luzes da razão.
O processo evolutivo não
se dá por eliminação, mas por via de superposição. Quando o sol aparece, a luz
das estrelas não é apagada, mas apenas ofuscada. Os níveis inferiores e mais
primitivos da consciência não são descartados e postos fora de ação em virtude
da evolução, mas são integrados num conjunto maior, mais elevado e eficiente
que o anterior. A passagem de um nível para outro acarreta uma transformação
total de personalidade desde o físico até o mental. Células, órgãos, sistema
nervoso e cérebro, este acima de tudo, passam por um processo de modificação e
de aprimoramento cujo objetivo é adaptá-lo ao desempenho das funções
correspondentes ao novo nível de consciência.
O surgimento da
consciência reflexa certamente terá influído de forma decisiva na determinação
do perfil somático do Homo Sapiens,
notoriamente diverso do de seus antecessores. A posição ereta faculta ao Homo Sapiens olhar mais longe, mais
longe do chão e mais longe no espaço e tempo. A capacidade de dirigir o olhar
para além e para o alto depende da postura física e do andar. O corpo diz
coisas essenciais acerca do nível evolutivo de um ser humano.
Durante séculos foram
cometidos dois pecados capitais: o de conferir à razão a primazia sobre a
consciência e o de menosprezar a relação de dependência entre consciência e
cérebro. Graças a Deus, estão aparecendo sempre mais cientistas interessados em
estudar a consciência. Mais e mais pesquisadores estão se dedicando ao estudo
do cérebro. Mais do que 90% dos recursos potenciais do cérebro humano ainda não
foram explorados por falta de conhecimento. O futuro moral da humanidade não
depende só de um sistema ético de alto nível. Depende talvez, mais do que se
costuma pensar, da qualidade do cérebro encarregado de instrumentalizar os
recursos da consciência.
O cérebro é, acima de
tudo, um instrumento da consciência, em especial da consciência reflexa. Os
recursos do cérebro são indispensáveis à construção da personalidade humana. Da
qualidade do cérebro depende a qualidade da consciência. E vice-versa. Quem
tende a adaptar-se é o cérebro, e não a consciência. A consciência, à medida
que evolui, cria o cérebro que lhe convém. Não é o cérebro que produz
consciência. Ao contrário, é a consciência que produz o cérebro de acordo com o
nível de suas exigências.
Quanto mais evoluída a
consciência, tanto mais desenvolvido será o cérebro. Os estudiosos ainda não
conseguiram descobrir o que faz a diferença entre o cérebro de um gênio, como
Einstein, e o de um homem comum. A quantidade de neurônios ou sinapses não
fornece critério confiável, pois costuma ser a mesma em ambos os casos. É num
plano mais sutil que ocorrem as mudanças. Por ora não existem instrumentos de
observação capazes de detectá-las. Fora da pessoa mesma não há como saber o que
aconteceu. Manifesta-se como experiência, como um acontecimento psíquico,
impossível de ser descrito em palavras.
A um aumento do nível de
consciência corresponde um gasto maior de energia. Que energia é esta que
alimenta o cérebro humano e que é ao menos indiretamente responsável pela
atividade da consciência humana? Freud a chama de libido, Wilhelm Reich lhe dá
o nome de orgônio, os yoguis a denominam de prana (sopro). A fonte desta
energia recebe da parte dos últimos o nome de Kundalini. Situam-na próxima à
extremidade inferior da coluna vertebral. É vista pelos yoguis como órgão de
forma espiralada, cuja finalidade é produzir a energia de que necessitam tanto
os órgãos genitais como o cérebro e o sistema nervoso geral. Não é um órgão no
sentido físico do termo, pois é impossível detectá-lo por observação direta, ao
menos por ora. Segundo a yoga, a energia da kundalini é a mesma que constitui a
essência do Universo Material. As fontes que abastecem de energia a consciência
do homem encontram-se em parte dentro e em parte fora dele. O cérebro e o
sistema nervoso captam esta energia e a transformam em consciência.
Isto não significa
defender a tese de que a consciência e o pensamento são um produto do cérebro.
A consciência é anterior ao cérebro, pois é ela que o constrói segundo padrões
que transcendem as leis da biologia.
Padre Marcos Bach
O MESMO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA
Ao enterrar um morto
tiramos de circulação tão somente o seu cadáver, nada mais do que o invólucro
mortal é entregue à destruição. Tudo o que faz parte de seu Eu Superior o
falecido levou consigo. O que acontece depois é tema de especulação, pois são
escassas as informações que possuímos.
Ainda alguns decênios
atrás se podia dizer: “Nada sabemos, pois ninguém voltou para contar”. Mas hoje
aumentou significativamente a possibilidade de trazer de volta à vida pessoas
que os médicos já tinham declarado mortas. A morte clínica não encerra o
processo de morrer. Isto só ocorre quando o cérebro deixa de funcionar. A
verdadeira morte é a morte cerebral. E esta geralmente só ocorre após a morte
clínica. Deste modo o moribundo tem tempo para fazer uma avaliação da sua vida
toda, e caso lhe for aconselhado por misteriosos seres de luz, poderá retornar
ao corpo que acabara de abandonar. Este retorno é penoso e sofrido. A morte
continua sendo um enigma e seus estágios derradeiros continuam sendo uma
incógnita.
Viver para os romanos
era o mesmo que estar entre os homens, “inter
homines esse”. Morrer significava para eles deixar o convívio humano. No
entanto, faz parte das verdades básicas da fé cristã a crença na comunhão dos
santos. A morte abre espaço para novas e inusitadas formas de convívio e de
comunicação.
Para que duas pessoas
possam se comunicar desembaraçadamente entre si é preciso que possuam em comum
o mesmo nível de consciência. “Simile
simili gaudet” diziam os romanos, “igual atrai igual”, dizemos nós.
Entre as teses mais
enigmáticas defendidas por Teilhard de Chardin encontra-se uma que raramente é
levada a sério por teólogos e cientistas. Segundo esta tese a união
diversifica.
Uma comunidade de iguais
não é necessariamente um conjunto de pessoas uniformizadas. Poucas perspectivas
conseguem perturbar tanto o espírito de uma pessoa do que a ameaça de perder a
sua identidade. O grande sofrimento de um louco está em não saber mais quem ele
já foi. Por pior e detestável que tenha sido este passado, ele faz parte da
autoconsciência de uma pessoa normal.
Sem certa dose de
identificação com o seu passado, nenhuma conversão é possível. Converter-se
significa assumir sua culpa e com ela a responsabilidade pelo que aconteceu.
Atribuir a culpa toda a outros é a modalidade mais comum de tirar o corpo fora,
como se diz. Por mais elevada que seja a montanha de pecados, basta
reconhecer-se culpado por ela para iniciar a sua desmontagem. “Se vossos
pecados forem mais rubros que escarlate, arrependidos e perdoados eles se
tornarão mais brancos que neve” (Isaías 1,18).
O americano Walsch
publicou um livro intitulado Conversando com Deus em que “Deus lhe afirma que
Hitler já se encontra no céu”. Por uma declaração muito menos escandalosa do
que esta os rabinos decidiram romper relações com o Vaticano. Para os justos de
plantão na época de Cristo, o amor misericordioso de Deus foi motivo de
escândalo, pois substituir a justiça pelo perdão é a maneira mais eficaz de
promover a injustiça.
A punição é o
instrumento preferido pelos juristas. Ela não só compensa o crime, mas serve
também para repará-lo. O castigo tem como efeito anular o crime e devolver ao
criminoso a inocência perdida. “Se vossa justiça não for maior que a dos
fariseus, de jeito nenhum entrareis no reino dos céus” (Mt 5,20). A justiça dos
fariseus era equitativa. “Dente por dente e olho por olho” (Mt 5,38). A justiça
de Deus dispensa cálculos sistemáticos. Perdoar no sentido que Cristo conferiu
à palavra perdão. O termo donare vem
de dom, ser gratuito. Ninguém pode ser obrigado a perdoar.
O perdão dignifica e
engrandece a quem o pratica e oferece do que lhe é próprio aos que o recebem. O
fariseu tanto o do tempo de Jesus quanto o dos dias de hoje faz questão de
atribuir a si o mérito de tudo o que possui. Suas virtudes todas (e não são
poucas) deve-as a si mesmo e a mais
ninguém. Quem necessita da misericórdia de Deus não é ele, mas o publicano
postado no fundo da sinagoga.
Padre Marcos Bach
O CERTO E O ERRADO
Verdade fundamental que
todas as grandes religiões já não ensinam mais a seus fiéis é a seguinte: “Não
vos preocupeis com o certo e o errado”.
Uma parte da nossa vida
a definimos como certa, mas a outra parte a vemos como errada. O papa João
Paulo II fazia questão de salientar o caráter intrínseco da maldade de certas
ações. Esta maldade intrínseca impregnava de preferência a atividade sexual
humana. Afirmar que um ato humano é intrinsecamente mau é o mesmo que defini-lo
como absolutamente mau. Mas como justificar tal afirmação se o mal absoluto não
existe, e se todo o mal é relativo?
“O bem e o mal não
existem! O Amor é tudo o que existe” (Walsch, Volume III, p. 198).
Só o amor é absoluto. A
fé e a esperança vão ceder lugar ao amor.
O autor de Conversando
com Deus define a unicidade como característica e objetivo final do processo
evolutivo todo. Nisto ele, ou melhor, o seu Deus concorda com Jesus quando
tomou a defesa de Maria de Betânia dizendo que ela escolheu o melhor por ter
escolhido o “Único Necessário”!
Durante milênios a
humanidade foi ensinada a procurar fora de si, fora do seu interior subjetivo,
o conhecimento da verdade. Só em data recente os cientistas abandonaram a
exigência segundo a qual uma teoria científica para ser verdadeira tinha que
ser objetiva.
Como o interior
subjetivo do homem é um território pouco conhecido, segue-se que tudo o que
afirmamos a respeito do homem e de sua natureza é provisório e só tem validade
relativa. A validade de uma teoria científica qualquer acaba no momento em que
aparece outra teoria melhor. E melhor é a teoria que explica mais. Cientistas
evitam conferir este grau maior de confiabilidade a uma teoria que amplia o
horizonte axiológico da existência humana. Por outra: o conhecimento que amplia
as faculdades significativas da vida humana merece ser tomado como
cientificamente válido.
O físico americano (já
falecido) David Bohm acusa o mundo científico de estar a serviço de uma
monumental autofraude, já que confundem forma com conteúdo. Apresentam como
sendo a realidade última o que na verdade é apenas parte da “Realidade Total”.
Por detrás da dimensão manifesta existe todo um universo que David Bohm chama
de “Não-Manifesto”. É do não-manifesto que partem os impulsos que determinam o
que irá acontecer no terreno da realidade manifesta.
O mesmo David Bohm
postula a existência de uma “Ordem” além daquela que os cientistas costumam
invocar como sendo a fonte organizadora suprema do universo. A esta ordem Bohm
dá o nome de Ordem Implicada. É esta ordem oculta que determina todas as outras
formas de ordem. É ela que responde pela harmonia do universo.
Se tivéssemos acesso
desimpedido a esta fonte suprema de todas as formas de ordem, a evolução, não
só da raça humana, mas a do universo todo iria entrar em ritmo acelerado de
desenvolvimento. Este acesso existe, mas ele foi mantido em segredo por
milhares de anos. Até mesmo em nossos dias as religiões são as que se opõem a
esta interiorização de fé em Deus. Até o católico mais culto acha que para se
encontrar com Deus é preciso entrar numa igreja. Ajoelhar-se diante de um
tabernáculo e adorar uma hóstia.
O que as pessoas, tanto
o religioso como o ateu querem saber é isto: o tempo está trabalhando a favor
da evolução integral da raça humana, ou não. Em termos mais pragmáticos:
estamos indo de mal a pior ou há espaço para otimismo?
O mérito maior dos
livros como os do Sr. Walsch, Conversando com Deus, reside no fato de
realimentarem boa parte da esperança perdida.
Padre Marcos Bach
A CONSCIÊNCIA DE FAZER HISTÓRIA
Há pessoas que sabem esperar e há as que não o sabem.
A paciência é a virtude dos que sabem esperar. Mas ela só é virtuosa e positiva
quando visa dar tempo a algo que está amadurecendo. Onde não há nada plantado e
nada para ser colhido também não há lugar para a prática da paciência nem para
a esperança.
Muito do que está maturando em nossa época foi
semeado e plantado por outros. Pode haver na vida algo que não lembre
fertilidade? Até a folha que cai da árvore se transforma em humus, em alimento para as suas raízes.
Com que cara pode apresentar-se ao Senhor da Vida aquele que passou a vida sem
deixar nada que outros possam colher?
Não é o tempo como tal que tem a propriedade de durar
mais ou menos, mas é o modo como o experimentamos. A noção de tempo é
inseparável da noção de consciência. E onde não há memória não há espaço nem
para a noção de tempo nem para o funcionamento de uma consciência histórica.
Onde não é possível distinguir entre um antes, um agora e um depois a história
deixa de ser história e só consegue manifestar-se como novelo emaranhado de
fatos aleatórios.
Se fosse verdade que os acontecimentos que marcam a
trajetória da humanidade através dos tempos não têm explicação nem levam a
lugar nenhum, então não faz sentido chamar o que já passou de história. Se a
vida humana não tem sentido, então a da humanidade também não tem sentido.
Tem sentido todo esforço
humano que leva o homem a progredir, a ir mais longe, a sair do lugar por mais
agradável que seja. Reis não costumam progredir, pois se pensassem em ir mais
longe, teriam que descer do trono. E onde se pode encontrar este tipo de
monarca?
Se a história tem um sentido, então é o caso de
perguntar: existe no homem um talento que o torna capaz de perceber este
sentido?
Faz parte de cada pessoa humana a capacidade de
distinguir o que vale a pena de ser apreciado, valorizado e posto em prática do
que não merece este esforço.
O falecido padre jesuíta Henrique de Lima Vaz chama a
este departamento da consciência humana de consciência histórica,
distinguindo-a da consciência ontológica. A consciência ontológica nos diz onde
estamos e quem somos. A consciência histórica nos indica o rumo e nos aponta o
destino. A consciência ontológica nos impede de perder contato com o passado e
nos convida a colher o que já foi plantado. Ela nos prende na medida em que nos
impede de pensar no futuro. Quem olha muito para trás acaba perdendo o rumo.
Bom lavrador é aquele que passa mais tempo olhando para frente do que olhando
para trás. E que sente mais prazer em semear e plantar do que em colher.
A palavra história tem a mesma raiz etimológica que a
palavra histológica. A histologia é o ramo da biologia que estuda o sistema
nervoso de plantas e animais. É através do seu sistema nervoso que as
diferentes partes de um corpo se comunicam entre si e com o cérebro. O sistema
nervoso é um sistema de comunicação. Matéria prima do processo de comunicação é
a informação, que por sua vez diz o que significa: dar forma ao que ainda não a
tem. Tornar real ao que ainda é puramente virtual.
Quando deita a primeira raizinha a semente sai do
virtual e do mundo meramente possível. Deixa de ser apenas semente e passa para
outra categoria biológica: torna-se planta.
A ideia de interpretar a história como sistema
nervoso de um organismo social não é tão absurda como pode parecer a quem vê o
passado com o mesmo olhar frio com que o estudante de medicina contempla um
cadáver. Para quem estudar a história da humanidade é o mesmo que para o
estudante de medicina é entrar num necrotério. É muito pobre a ideia de que
estudar história é o mesmo que trazer à lembrança fatos passados.
A matéria prima da vida social é a comunicação. E
comunicação é sempre troca de informação, entre dois sujeitos. É diálogo.
Filosofar em câmara escura, a sós com os seus “botões”, é o mesmo que querer
fotografar o escuro. Quem quer dialogar não deve ir a Roma ou a Meca, onde é
mais fácil encontrar respostas prontas do que perguntas inteligentes e
interessantes. Não há religião que não se pareça mais com um corpo bem
embalsamado do que com um corpo vivo. Onde a comunicação é fraca a vida é ainda
mais pobre do que a capacidade de comunicação dos membros que constituem o
respectivo corpo social.
Há pessoas que vivem mais de lembranças da vida
passada que da esperança de um futuro melhor. E para muitas delas a palavra
futuro se refere apenas ao tempo de vida que lhes resta. A morte física não
está incluída em sua visão de um futuro melhor. Muito pelo contrário: só serve
para azedar a alegria de viver.
Marx definiu como alienado aquele que se preocupa
mais com o que vem depois da morte do que com os problemas e desafios da vida
presente.
A história da humanidade é mais do que a súmula dos
acontecimentos de épocas passadas. Inclui o presente e o tempo todo que separa
a espécie humana de seu desaparecimento da face do planeta. A morte faz parte
do destino de qualquer espécie biológica. Também o homem traz em sua
consciência a certeza da morte. Sabe que vai morrer, mas gostaria que não fosse
necessário.
Padre Marcos Bach
AUTOCONSCIÊNCIA E AUTOCONHECIMENTO
Durante milênios sem fim o “bicho homem” vivia à
mercê do ambiente natural. Hoje nos orgulhamos de ter dominado as forças da
natureza. No entanto, não sabemos muito bem como colocá-las a serviço do futuro
da nossa espécie. Gastamos tempo e dinheiro na tentativa de desvendar os
segredos da natureza. Pouco sobra para a tarefa de aprofundar e de aprimorar o
conhecimento que a Humanidade tem de si própria.
Autoconhecimento e autoconsciência não fazem em nosso
mundo universitário parte das disciplinas curriculares. Achamos que a respeito
do homem já sabemos tudo o que é possível saber. Dissecamos a psique humana e
damos a esta tarefa o nome de psicologia. Dissecamos o passado da Humanidade e
ao resultado deste procedimento damos o nome de História. Não sabemos sequer o
que é história, fato que limita perigosamente nossa capacidade de fazer
História. O passado não nos ensina como fazer história.
Este é um conhecimento que devemos procurar em outra
fonte. Não podemos contentar-nos com analisar o homem a partir do que ele foi
no passado e é no presente. Nem este e menos ainda aquele nos fornecem o
protótipo do homem plenamente realizado. O homem em que tudo o que era
esperança, promessa e sonho passou a ser realidade pertence a um futuro que só
poucas personalidades excepcionais conseguem incorporar em seu presente
biográfico.
Se queremos saber quem é o homem, devemos dirigir
nosso olhar para o que ele bem poderia ser, mas ainda não é.
“Homo Viator”
é o título de um livro de Gabriel Marcel, existencialista cristão francês. O Homo Sapiens da atualidade sente-se
muito mais à vontade no papel de viajante (viator)
e de passageiro do tempo do que no de cidadão firmemente radicado no
espaço-tempo de uma história em que já não há mais lugar para o novo e para o
imprevisto. Talvez não houve no passado época tão marcadamente irrequieta
quanto a nossa. Somas fabulosas de dinheiro são gastas em programas espaciais.
Já se descobriu que o nosso planetinha não é o centro do Universo e que sequer
é o centro do seu sistema solar.
O homem não vai precisar de muito tempo até descobrir
que não é o único ser inteligente do Universo. E que sequer é o mais
inteligente. Todas estas descobertas vão obrigá-lo a descer do pedestal em que
se instalara.
O homem que vai fazer história daqui para frente não
é o Pithecanthropos Erectus, nem o Homo Habilis, pois estes já
desapareceram do cenário evolutivo há centenas de milhares de anos.
A humanidade atual é composta em sua totalidade por
um ramo antropológico muito mais evoluído, a que os cientistas deram o nome de Homo Sapiens. O Homo Sapiens possui como característica própria a capacidade de
planejar a si, as condições do seu ambiente e o seu próprio futuro.
O passado pouco tem a nos ensinar. Mas o presente,
quem sabe, nos pode oferecer insights
mais aproveitáveis. Podemos encarar o presente como sendo o último degrau de
uma civilização. Temos razões de sobra para isso, pois os sintomas de
decadência sociocultural são evidentes. Visíveis a olho nu.
Padre Marcos Bach
QUAL O RETRATO DE NOSSA CONSCIÊNCIA
Aproveitaste o tempo de vida para elevar o teu nível
de consciência? Isto é: aproveitaste as experiências da tua vida para aprimorar
o poder de percepção da tua consciência? Sabes hoje melhor do que ao nascer o
que significa ser bom ou mau, autêntico ou falso e mentiroso? Qual o retrato de
ti que tua consciência te fornece? Ela te endeusa ou ela te condena? Ela te dá
força e te estimula a melhorar? A melhorar não o mundo e aos outros, mas a ti
mesmo?
O mundo que nos aguarda
não será favorável a pessoas que não sabem cuidar de si mesmas e que se
sobrecarregam com cuidados e compromissos desnecessários e que em nada
contribuem para a sua autoeducação e seu desenvolvimento espiritual. Perde-se
tempo precioso quando se perde de vista um atributo típico do tempo histórico
que é a sua plasticidade. A aceleração do tempo é um fenômeno típico do momento
evolutivo atual. O tempo passa mais depressa. E passando mais depressa permite
que se façam mais coisas em menos tempo.
O atarefado homem de negócios aproveita a situação
para acrescentar mais compromissos à sua agenda. O sábio aproveita esta
oportunidade para acrescentar qualidade ao que está fazendo. Em vez de fazer
mais, procura fazer melhor. Redescobre uma verdade muito antiga: “é devagar que
se vai ao longe”.
A chance de fazer cada vez mais em menos tempo é
limitada, ao passo que é ilimitada a possibilidade de fazer cada vez melhor o
que se está fazendo. Quem sabe como melhorar a qualidade do que faz pode
permitir-se o luxo de fazer menos. Diminuindo a quantidade e o ritmo da sua
atividade você torna possível melhorar-lhe a qualidade.
“Non multa sed
multum”, reza um ditado latino. Assim como existe o bom dinheiro e o ruim,
existe também a boa ação e a de má qualidade.
O dinheiro falso se parece em muitos casos tanto com
o legítimo que só um perito consegue notar a diferença. Na vida humana acontece
o mesmo. É fácil cair no logro e tomar moeda falsa por verdadeira.
A pessoa que confia a outros a tarefa de fiscalizar o
valor de suas ações e de estabelecer critérios de avaliação, corre o risco de
chegar ao fim da sua vida sem ter em seu depósito bancário mais que dinheiro
sem valor. Neste assunto toda a cautela é pouca.
Não há instituição religiosa que possa dispensar uma
pessoa de seu compromisso moral com a sua própria consciência. Seremos julgados
cedo ou tarde, em vida e depois dela. Isto é inevitável, pois quem é livre não
pode ser tratado como autômato. Ser livre significa poder escolher. E mais que
isto: significa ter que escolher.
Ao criá-lo livre o Criador confiou ao homem a tarefa
de escolher o que pretende fazer de sua vida, de si mesmo e da sua eternidade.
Não é Deus que vai escolher por nós e em nosso nome o lugar que vamos ocupar
tanto aqui em vida quanto no além. Cada qual é o seu próprio juiz. Foi para
isto que o Criador lhe deu a consciência e com ela a capacidade de se conhecer
a si mesmo. Na consciência de cada um estão registradas todas as informações de
que vai necessitar para viver a sua vida, não só por um breve período de tempo.
A vida que Jesus veio oferecer é a Vida Eterna, a
vida sem limites de espécie alguma. Um Deus que é capaz de criar um universo
tão maravilhoso como o nosso, deve ter em relação ao homem um projeto
igualmente grandioso e generoso.
“Homem algum é capaz de imaginar o que Deus reservou
aos que o amam e nele depositam a sua confiança”. Com esta afirmação o apóstolo
Paulo diz algo que nossos planejadores do futuro e profetas de um mundo melhor
costumam escamotear.
A figura do homem, tal como nossos antropólogos e
teólogos a apresentam, além de não corresponder à grandeza do Amor Divino, se
baseia num conhecimento extremamente parcial e limitado. Definimos a natureza e
a estatura do homem, não só o de hoje, mas também a do homem do futuro, tomando
como base o seu passado histórico. Partimos da suposição que já sabemos quem é
o homem, do que é capaz e o que dele se pode esperar. Ledo engano.
O homem é um mistério muito mais enigmático do que o
interior de um Buraco Negro. O homem ainda não demonstrou tudo do que é capaz e
tudo o que dele se pode esperar. Se fôssemos contentar-nos com o que aprovou
até hoje, teríamos motivos de sobra para desanimar logo de saída. Teríamos tudo
para afirmar que o homem é um “caso perdido”. Que o melhor que se pode fazer em
relação a ele é confiná-lo em jaulas. Por ser um bicho que só respeita a força,
é preciso mantê-lo sob controle. Só a lei é capaz de pôr um freio a seus
instintos. É assim que pensam todos os grandes e pequenos inquisidores. “É
preciso enquadrá-lo num conjunto de restrições e de leis, pois ele, por si
mesmo, nem sequer está em condições de descobrir por onde começar e para onde
ir”.
“Sabemos que somos filhos de Deus”, diz o apóstolo
São João, “mas ainda não se manifestou o que havemos de ser” (I Jo 3,2). Uma
coisa é certa: “Havemos de ser como Deus, participaremos da sua natureza e da
sua glória”, diz o mesmo apóstolo.
A consciência que os homens têm de si mesmos é,
portanto, incompleta e o será tanto mais rudimentar quanto menos se preocupam
com o que o homem “ainda não é”. A vida humana possui uma dimensão escatológica
a que a projeta para além do tempo-espaço existencial. O que filósofos modernos
chamam de “angústia existencial” brota da consciência de pessoas que perceberam
ou começam a tomar conhecimento da distância astronômica que separa o que o
homem conseguiu ser até hoje do que poderia ser e do que será um dia se vier a
abraçar com fé o Projeto de Cristo.
Quem acha que a humanidade atual representa o máximo
em termos evolutivos, que este é o Homo
Sapiens dos sonhos do Criador do universo, deveria retornar à escola e
tomar algumas boas lições de humildade.
Jesus revelou coisas maravilhosas, todas elas
relacionadas com o nosso futuro, só não nos descreveu em detalhes o que seremos
um dia. Ainda temos muito tempo pela frente e no termo final do processo
evolutivo global vamos encontrar-nos com uma humanidade redimida e
transfigurada, tão diferente de um bloco carnavalesco, que vamos precisar de
tempo para perceber que a humanidade gloriosa é a mesma que um dia não sabia
sequer como divertir-se decentemente.
Padre Marcos Bach
O OCEANO DA CONSCIÊNCIA
O motor que impele o
homem a ir sempre mais longe e a evoluir sem parar é a sua consciência, e o
produto mais nobre desta sua consciência não é o pensamento, mas o amor. É o
amor que o faz crescer, evoluir e avançar em direção ao infinito até perder-se
de vista.
“Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á” (Mc 8,35).
Aquele que sabe o que é amar sabe o que significa a palavra perder neste
contexto. Perde sua vida aquele que coloca um outro no espaço mais nobre da sua
alma como o fez o apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim”, escreveu ele aos Filipenses (Fl 1,21).
Amar significa colocar
um outro no centro da sua vida. Para que isto se torne possível é preciso
destronar-se a si próprio. Quando afirmamos que o homem é um ser excêntrico por
natureza, é exatamente isto que queremos dizer!
Quando Carl Gustav Jung afirma que o homem plena e
perfeitamente normal é aquele que consegue ocupar todo o seu espaço interior de
forma construtiva, não está pensando no individualista orgulhoso e
autossuficiente que se vangloria de não precisar de ninguém.
A consciência que cada qual traz em si é um oceano
sem fundo e sem fim. É propriedade de todo ser dotado da capacidade e do poder
de autonomia e de autorregulação. O cosmo é um todo autorregulado e cada
subunidade deste universo possui autonomia na medida em que sabe como proceder
e dispõe do poder de transformar pensamento em intenção e intenção em ação.
Autônoma é toda entidade
que é governada e dirigida por forças internas a ela. Heterônoma é a entidade
que necessita de terceiros e deles depende para seu funcionamento correto.
Nosso conceito de ordem
social e/ou moral inclui o conceito de submissão e de obediência numa proporção
que a natureza desconhece por completo. Não há nem planta nem sequer átomo que
não saiba o que fazer e como proceder.
Se o átomo pode
permitir-se o luxo de proceder com a liberdade de quem pode decidir por conta
própria, por que só o homem é obrigado a obedecer a leis e a submeter-se às
exigências de uma moral heterônoma? Por que, então, é livre? Não é a liberdade
o atributo que toda consciência tem de ser a sua própria lei? Não é o excesso
de normas e regulamentos sinal evidente de que a liberdade não está sendo
respeitada como deveria ser?
Padre Marcos Bach
CONSCIÊNCIA DO AMOR EM NÓS
O amor é tudo. E só há um modo de lhe ser fiel: sendo fiel a si
mesmo! E quem quer saber algo de essencial a respeito de si mesmo, deve
perguntar a Deus. Não o Deus que mora em templos e fala através de sacerdotes e
ministros, mas o Deus que habita no íntimo de cada um de seus filhos. Um dos
sinais de que o processo de autolibertação do qual estamos tratando está bem
encaminhado, consiste no desejo crescente de espalhar amor.
À semelhança do Sol, que não consegue segurar toda a
sua energia, o discípulo de Cristo, como de Buda, enfrentaria problemas
psicológicos graves se não pudesse irradiar para fora o excedente de energias
que está começando a produzir.
Grande parte dos
problemas psicossociais é gerada por pessoas que não têm para onde canalizar
seu amor. As maiores conquistas que a humanidade deve a Cristo estão
relacionadas com a liberdade de amar.
Sempre foram poucos os
cristãos que tomaram consciência deste fato. Prevalecem e continuam
prevalecendo até hoje os que tratam o amor não como dom divino, isento de
fiscalização e como virtude teologal, mas como atividade moral sujeita a
regras.
Cristo elevou o amor, este impulso misterioso que
leva o amigo e o irmão a dar a vida pelos que ama. O impulso amoroso não pode
ser colocado no mesmo plano que o impulso sexual e tratado como Freud trata a
libido ou como a moral cristã trata o debitum
conjugale, o dever conjugal.
Quem descobriu a Cristo descobriu o amor e quem
descobriu o amor descobriu o verdadeiro significado da liberdade. Para a
consciência de um cristão autêntico não existe outra lei mais sacrossanta do
que a “Lex Libertatis et Charitatis” tal como a entende e descreve Santo Tomás de
Aquino.
Todo aquele que consegue romper a barreira que separa
o moralista do místico adquire uma capacidade nova de vivenciar a liberdade e o
amor. Por nada no mundo aceitará voltar atrás. Tem a certeza absoluta de se
encontrar em estado de graça perante seu Criador. Seu raciocínio é simples:
- Se
Deus é Amor e se “o amor é a energia mais potente do universo” (como admitia
Gandhi), então crer em Deus é o mesmo que crer no Amor!
- Se Deus é absolutamente
livre e se esta liberdade é essencial à sua natureza divina, então a liberdade
humana, que segundo a Bíblia é reflexo e participação da liberdade divina, é
preciso dar um basta à maneira criminosa e sacrílega com que ela é tratada até
hoje, tanto por Imperadores quanto por Papas.
Até uns trinta anos atrás o jovem era formado na
crença de que o caminho que conduz à liberdade é o do autodomínio. Hoje é perda
de tempo tentar convencer um jovem de que seu desejo de liberdade possa ser
atendido por este meio.
Uma das características do pensamento pós-moderno é a
importância dada ao prazer como sinal e como meio de autolibertação. “Para
tornar-se livre é preciso soltar todos os freios e não se prender a nada”. É
nestes termos que se poderia expressar a substância do conceito hippie de libertação. É evidente que
este não é o sentido do conceito de autolibertação que estou propondo. Mas o
perigo de confundir liberdade com permissivismo e libertinagem existe. Basta um
pouco de má vontade para confundir uma com a outra.
Quem se familiarizou com o pensamento de Antony de
Mello, de Jung e de Assagioli sabe da diferença que separa o seu pensamento do
dos Beatles. Espero que o leitor
consiga perceber de que lado me coloco.
Um outro sinal que costuma acompanhar o processo de
autolibertação é o que os mestres espirituais chamam de paz interior. Paz quer dizer ausência de conflitos e de lutas.
A paz interior de que falo não é o resultado de uma
ausência qualquer de conflitos interiores. Não nasce em consequência de um
processo de supressão de conflitos, mas é o resultado de uma guerra vitoriosa.
Resulta, portanto, do esforço de quem descobriu que a liberdade definitiva só é
assegurada aos que souberam vencer-se a si próprios. É, pois, fruto de um
processo de superação.
O apóstolo Paulo
descreve esta guerra como a luta do homem carnal contra o homem espiritual. O
resultado desta guerra atinge não só a vida do indivíduo que a trava, mas terá
forçosamente repercussão profunda no corpo social todo. Ninguém se eleva a
níveis mais elevados de consciência sem que a sociedade toda venha a se
beneficiar com esta sua vitória do homem
novo (como o chama Paulo) sobre o homem velho, escravo dos seus próprios
desejos.
Padre Marcos Bach
CARACTERÍSTICAS DA PSEUDOCONSCIÊNCIA
A educação moral e religiosa de um cristão se baseia
na crença em verdades absolutas e em normas igualmente absolutas. O cristão
(como outros crentes, religiosos ou não) é condicionado a conformar sua mente,
sua vontade e seus sentimentos com um conjunto de ensinamentos e mandamentos
que não lhe é permitido discutir ou pôr em dúvida.
Todo este conjunto de doutrinas, depois de
introjetado, constitui uma espécie de superestrutura psicológica análoga ao
superego freudiano. É a pseudoconsciência de Erich Fromm, ou “consciência
alienada”, como se poderia defini-la. Alienada porque representa uma parcela da
consciência total, sobre a qual o indivíduo não tem o domínio. Constitui a área
da consciência que deixou de ser patrimônio pessoal ou nunca pôde sê-lo. É a
área em que não há lugar para a liberdade, menos ainda há nela espaço para
amar.
A pseudoconsciência é
tirânica, impessoal, implacável. Por desconhecer o que é amor, desconhece
também a justiça. Seu rigor, em lugar de favorecer a justiça, favorece a
opressão e o terror. Nela o lugar do amor foi tomado pelo medo. O da liberdade
pela abdicação da mesma. Por isso são falsas as virtudes que gera. Sua
obediência é falsa. Falsa a sua humildade e hipócrita sua religiosidade.
A figura do escrupuloso é simbólica, pois ela diz
tudo o que de destrutivo existe neste superego que tantos cristãos carregam
consigo, confundindo-o com a legítima consciência moral. Quem se aproveita
desta confusão toda são os que se poderia chamar genericamente como
“manipuladores sociais”. São todos os que preferem o “servidor submisso” ao
colaborador consciente e livre. Todos os que fizeram do poder a sua base de
projeção social precisam de servos, de muitos servos. Homens livres não lhes servem!
“O homem foi criado para servir a Deus!”- rezavam os
catecismos. Servir significava fazer a vontade de Deus. Jesus, porém, não se
expressou nestes termos. “Eu vim para servir e não para ser servido” (Mt
20,28).
Servir é fazer a vontade
de um outro. Mas há duas maneiras diferentes de fazê-lo. Uma consiste em
submeter sua vontade à de um outro. Ora, a obediência de Jesus consistiu
exclusivamente na submissão da sua vontade à do Pai Celeste. O serviço que
Jesus prestou a seus conterrâneos consistiu em ajudá-los a fazerem por si o que
tinham condições de fazer. Para Jesus servir e cooperar são sinônimos.
No gesto de submissão a
liberdade perde seu caráter criativo. No gesto de cooperação a liberdade
criativa permanece intata. “Se quiseres...” é uma expressão que aparece a cada
passo nas Palavras de Jesus.
O medo do inferno era
usado como instrumento preferido na luta contra o pecado.
Todo este medo constitui ainda hoje o background da consciência moral de
grande parte dos cristãos. Enfrentar toda esta superestrutura pseudo-moral
exige coragem invulgar. E não é com meia hora de sermão que se vai conseguir
algum resultado encorajador. A tarefa transcende a área de competência de psicólogos,
psicanalistas e psiquiatras. Ultrapassa igualmente a competência do moralista e
do diretor de consciência. A quem, então, recorrer?
O processo em discussão
é chamado por alguns autores como autolibertação. Seu objetivo é trazer de
volta para o domínio da vontade livre áreas da consciência que até então tinham
permanecido fora de controle. Isso não se alcança metendo-se numa guerra de
conquista. Não há nada a conquistar, nem inimigo contra o qual seja preciso
lutar. Trata-se de enfrentar um problema e um problema não se resolve lutando
contra ele. O problema em questão tem muito a ver com bloqueio, obstrução.
Padre Marcos Bach
CONSCIÊNCIA DA PRÓPRIA LIBERDADE
Qual a Igreja em que a
Pessoa de Jesus é mais importante e cercada de homenagens do que a figura de um
papa, cardeal ou patriarca? O esplendor de um ato de culto está para a glória
de Deus como a manga para o colete. Quem precisa de ritos pomposos não é o
Altíssimo, mas o Sumo Sacerdote que preside a cerimônia.
Com uma religiosidade
atrelada a ritos nenhuma Igreja cristã faz por merecer uma posição na fila de
largada da corrida por um Terceiro Milênio melhor que os anteriores.
O esboço da nova ordem já existe em substância: é a
Ordem do Amor e da Liberdade proclamada por Jesus. É a Ordem Implicada de David
Bohm. Seus princípios fundamentais estão aí. Falta elaborá-los e passar depois
da teoria para a prática. Mas antes de pôr em prática os requisitos básicos
deste novo modelo de organização social, é preciso reunir num propósito comum
um número representativo de pessoas convertidas às exigências desta nova ordem.
Um por cento da
população pensante já seria um número satisfatório. No meio de uma multidão de
autômatos uma única pessoa capaz de criar ideias novas está em condições de exercer
nela mais influência (positiva ou negativa) do que toda uma legião de
combatentes. A Igreja católica se autodefine como Igreja militante, dando a
entender que não percebeu a diferença que existe entre a espada e a cruz, entre
a palavra que amordaça a verdade e a que se presta aos voos do Espírito de
Deus.
Não é de gente disposta a brigar que a humanidade vai
precisar daqui para frente. Não é a volta à Grande Disciplina que vai fazer da
Igreja dos papas um instrumento idôneo e capaz de liderar a passagem da antiga
para a nova ordem. Tudo o que queremos que aconteça um dia no plano coletivo
deve acontecer antes no plano individual.
O núcleo ordenador da
nova ordem só pode ser a consciência individual. Nenhuma academia científica ou
teológica será capaz de fornecer à humanidade as luzes e os insights de que ela vai precisar para
não se afogar atolada em seu próprio passado. Onde todos os amantes da
disciplina e do conceito tradicional de ordem colocam uma fé que a história não
justifica, devemos colocar toda a nossa fé no poder do Amor e da Liberdade dos
filhos de Deus.
Um primeiro passo consiste em resgatar a própria
liberdade do acúmulo de detritos ideológicos e pseudo-teológicos.
Um cristão começa a
trair a sua fé no momento em que se julga dispensado da obrigação de progredir
e de ir mais longe. A crença de que a rocha de Pedro é o fundamento sobre o
qual Jesus edificou a sua Igreja não possui respaldo bíblico. É um arranjo ideológico
posterior.
O fundamento básico da
Igreja de Cristo é a fé com que os membros de uma comunidade cristã fazem de
suas vidas um prolongamento da Vida e da Missão de Cristo na Terra. Um cristão
consciente é aquele que trocou a atitude de submissão pela de solidariedade.
Cristão é aquele que se sente solidário com as alegrias e os sofrimentos da
humanidade toda.
Padre Marcos Bach
CONHECIMENTO E AUTOCONSCIÊNCIA
O problema criado pela
má distribuição dos bens materiais verifica-se também no campo religioso. Vale
com relação às instituições o que se pode observar no plano socioeconômico: as
“igrejas” são ricas, mas os fiéis mais pobres passam fome porque o alimento
espiritual não chega até suas casas. A reta compreensão da Palavra de Deus e o
modo correto de pô-la em prática é privilégio reservado aos membros da Igreja
docente, um pequeno grupo de “iniciados” no conhecimento dos mistérios da fé. O
bom vinho quem o bebe, são eles. E os que podem pagar por ele. “Aqua datur fratribus”.
É no campo do
conhecimento e da autoconsciência que aparece a diferença. Saber é poder! A
ignorância do povo pouco preocupa, via de regra, os chefes religiosos. De
“ovelhas” não se espera que sejam muito inteligentes, empreendedoras e
imaginativas. Basta que sejam dóceis e submissas. Também não é desejável que
sejam muito corajosas. A fraqueza e a pouca inteligência das “ovelhas” favorece
a ação do “pastor” e fortalece sua posição junto ao rebanho. A massificação não
é um fenômeno especificamente religioso, mas como todas as religiões se servem
do exercício do poder e da dominação como instrumento favorito de “salvação”,
terminam por relegar a consciência individual a um plano secundário, de
categoria inferior.
Qual das muitas religiões existentes não tem o vezo
de rebaixar a função da consciência particular a de “avalista” das decisões da
autoridade sagrada de seus chefes? No momento em que uma cultura começa a
realçar o valor do indivíduo, tentando libertá-lo do abraço sufocante de
coletivos massificados, ela entra em conflito com os porta-vozes do pensamento
religioso. Foi o que ocorreu no mundo ocidental desde a época da Renascença. Na
Índia foi Buda que mais contribuiu para a libertação religiosa do povo.
Que a religião,
devidamente manipulada, pode transformar-se em poderoso instrumento de opressão
moral, de exploração social e de tirania implacável, isto só não percebe quem
não quer. À legião dos adeptos da “política do avestruz” é preciso acrescentar
a dos adeptos da “ignorância desejada”, como a define São Jerônimo. A esta
última classe de inimigos da consciência livre pertencem todos aqueles que
fazem do “não sei, nem quero saber”, justificativa moral para seu absentismo
social.
Todos os sistemas
totalitários e autocráticos têm em comum o mesmo vício original: ignoram um dos
traços essenciais da condição humana que é a sua singularidade ontológica.
O instinto gregário é
fenômeno tipicamente animal. Em sociedades humanas ele só se manifesta sob a
forma de remanescente bioevolutivo. Numa sociedade gregária (bando, quadrilha,
seita, etc.) o indivíduo vem somar-se a outros. Um medo comum a todos é o
responsável principal pela coesão de um bando. O resto fica por conta de
punições e de eventuais recompensas.
Padre Marcos Bach
CONSCIÊNCIA PARA INICIAR A CONVERSÃO CRISTÃ
A grande massa de
cristãos não sente a menor necessidade de mudar a sua maneira de viver a fé em
Cristo. Uns poucos, mais perspicazes, chegaram à conclusão de que é a Igreja
que deve mudar primeiro. Só depois a conversão individual terá chances de ser
bem sucedida.
É verdade, mas só pela
metade. Um filho pode mudar de casa sem que a família toda faça o mesmo. É mais
fácil mudar de vida na companhia de outros que também estão arrumando as malas.
Mas não é impossível fazê-lo por conta própria. O risco de errar diminui na
proporção em que é compartilhado com outros. Mas cresce na medida em que é
enfrentado na companhia de pessoas que temem o risco e o perigo de perder a sua
alma mais que ao diabo.
A maior parte dos cristãos praticantes é composta de
pessoas para as quais a obediência e a fidelidade à Igreja é mais importante do
que o crescimento espiritual da sua própria alma. Quanto mais perto da Igreja
institucionalizada, tanto mais distante do Reino de Deus. São os que aplaudem
com mais fervor o papa os que menos sentem a necessidade de viver a fé em
Cristo.
É entre os que já não frequentam mais uma igreja que
é possível encontrar ouvidos atentos a um discurso inovador que não seja apenas
o eco de tudo o que já foi dito. É difícil imaginar um mundo mais fechado e
obtuso do que aquele em que Jesus iniciou a sua pregação. E, no entanto, o
conteúdo da sua mensagem continua tão vivo hoje como então.
João Batista passou sua
curta vida de precursor do Messias pregando no deserto. Os que o iam procurar
lá eram pessoas dispostas a ouvi-lo, pois ninguém se mete num deserto só para
matar a curiosidade.
Ainda hoje é assim: quem
quer converter-se precisa antes de tudo reconhecer que necessita de conversão,
isto é, de uma mudança radical em seu modo de viver. Num momento posterior deve
desligar rádio, TV, e fechar o jornal da sua predileção. Deve deixar de escutar
toda e qualquer voz que não seja a da sua própria consciência.
Escutar a si próprio em silêncio respeitoso e com
muito amor, é pré-condição indispensável. O processo todo, para ser correto e
positivo, não pode parecer-se com um julgamento. É de natureza psicológica e
não moral. Visa a compreensão mais correta de uma realidade subjetiva. Seu
objeto último é a verdade, porque só a partir do encontro com a verdade a
libertação se tornará possível. Máscaras, véus e tudo o que obscurece a verdade
interior deve ser arrancado. Tudo o que Jung definiu como sombra, isto é, o
lado negativo da psique não reconhecido nem admitido, deve ser despido de sua
fantasia. Em poucas palavras: é preciso parar de se culpar e de se desculpar.
Nem falsa humildade ajuda neste caso, nem hipocrisia.
A destruição da culpa
real só se alcança assim: admitindo-a, arrependendo-se dela e reparando o mal
praticado.
Padre Marcos Bach
REPROGRAMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
Uma instituição
religiosa que não persegue como prioridade a abertura de espaços novos e de
facilitar à consciência de seus filiados o acesso a planos mais elaborados de
fé e de experiência de Deus, faria bem em declarar falência.
Em toda parte os líderes mais responsáveis estão se
unindo na procura de soluções. Quanto mais “fiel” for à sua Igreja, tanto mais
dificuldade encontrará pela frente o católico que não quiser “fugir à
história”. Sua formação religiosa e moral não lhe permitirão passos muito
ousados. Terá muita dificuldade na hora de romper com hábitos contraídos ao
longo de lustros de lavagem cerebral. E de domesticação moral. Mas os piores
obstáculos são os que se encontram em seu próprio interior. A tirania do
superego, aliada ao medo de perder sua alma caso não permanecer fiel ao que lhe
foi ensinado, são dois dos fatores que mais se opõem ao processo de
reestruturação e reprogramação dos conteúdos da consciência.
Antes de partir para a
reprogramação da consciência é preciso partir para a sua desprogramação, pois
tanto o novo código de valores quanto a sua “tradução” da teoria para a prática
pertencem a categorias diferentes e até certo ponto contraditórias. Quem usa
duas réguas diferentes, acabará obtendo como resultado duas medidas diferentes.
A consciência humana é uma totalidade heterogênea e
seus diversos “departamentos” ou planos não falam a mesma linguagem. Desprogramar
a consciência implica na necessidade de aprender a se expressar numa nova
língua. Um místico, como São João da Cruz ou Mestre Eckhart, não se expressa do
mesmo modo e nos mesmos termos com que o faz um professor de teologia.
O processo de
desprogramação a que me refiro não é nem simples, nem inofensivo, pois termina
por deixar sem pai nem mãe, órfão da mais dolorosa das orfandades, aos que a
ele se entregam.
Há um período na vida de uma pessoa normal em que um
sentimento misterioso de insatisfação começa a se manifestar. A época coincide
com o advento dos assim chamados “demônios do meio dia”.
Lá pelos anos 50 o termo “angústia existencial”
entrou na moda. A existência humana é um rosário de absurdos. É tempo perdido oferecer a um homem a felicidade com que sonha em seu íntimo.
Dê-lhe tudo o que pede e ainda te acusará de lhe ter dado tudo, menos o
essencial. O que é este essencial sem o qual homem algum se dá por satisfeito?
Para ter uma noção do que é essencial para manter a
boa saúde de um corpo, é necessária uma mesa farta e bem posta. É
experimentando um prato depois do outro que será possível descobrir o alimento
que melhor condiz com as exigências e as necessidades do meu corpo. O mesmo
deveria valer também para as necessidades espirituais do homem. É neste campo
que a abundância de mestres, de receitas e de pratos é maior atualmente e mais
variada do que em outra época qualquer da história.
Pastores, amigos do
redil, da invernada e do brete são os que menos simpatizam com a realidade nova
para a qual começa a despertar um número cada vez maior de cristãos. Quem quer
acordar no sentido que Jesus deu a este passo, deve ter consciência de que
passará a complicar-se, antes de mais nada, com a sua própria Igreja. Igreja
nenhuma está preparada para aceitar como ortodoxas atitudes que exigem de seus
crentes a renúncia a toda uma tradição baseada na lei da inércia.
Entregar a salvação da
sua alma a homens que só conseguem expressar o Amor de Deus na linguagem da Lei
e do Dogma é muito mais arriscado e imprudente do que fazer da sua fé em Cristo
um ato de absoluta confiança e entrega pessoal ao amor de Cristo. Um cristão
deveria ser o primeiro a ensinar a seus irmãos que o caminho da salvação é
simples e não depende da intermediação de “pistolões”.
O caminho que conduz do
terceiro para o quarto nível de consciência em nada se parece com o que um
caminhoneiro costuma encontrar pela frente. Lá uma rodovia é igual à outra. No
campo do progresso espiritual tudo é diferente. Lá o “motorista” se vê, a certa
altura, na obrigação de mudar de estrada. E de mudar de velocidade! Numa boa autoestrada
a velocidade mínima deixa de ser a mesma de um caminho de roça.
Padre Marcos Bach
FALTAM-NOS CONSCIÊNCIAS LIVRES
Nossa civilização faz questão de excluir o indivíduo
do comando de sua vida e do seu destino. Até mesmo o papa não é dono de si
mesmo. Se ele, com todo o poder de que desfruta, não é mais dono de si, o que
esperar dos que passam a vida recebendo e cumprindo ordens?
Qual a diferença entre
uma “república de escravos” e aquela em que vivemos? Falta-nos liberdade e
falta-nos consciência. Por outra: faltam-nos consciências livres!
O senso humano de
justiça é muito fraco e sobre ele e com ele não se conseguiu construir até hoje
mais que bem vigiados “campos de concentração”. O amor é tratado pelos “sábios”
construtores de sociedades como “doença” de sonhadores e que ataca de
preferência adolescentes e pessoas românticas, músicos e poetas.
De pessoas que só conseguem olhar para baixo, para
trás e para os lados, sempre temerosas que alguma surpresa venha privá-las do
pouco ou muito que conseguiram ajuntar, nada se pode esperar a não ser novos
“muros de Berlim” e mais “cortinas de ferro”.
De dirigentes autopromovidos
à condição de “mestres infalíveis da verdade” e de “timoneiros” de toda a
espécie, estamos bem servidos. Menos infalibilidade e mais criatividade, é
disto que o futuro da humanidade mais necessita.
Que pensar de pessoas e
instituições que se consideram preparadas e com o direito de ter um lugar e
desempenhar um papel na nova ordem social
que está se impondo de forma silenciosa à consciência humana? Que é preciso
romper com o mundo em que depositam a sua fé e sua esperança de um futuro
melhor?
Um cristão não precisa
abandonar a Igreja na ilusão de que pode realizar sua vocação sozinho e sem o
apoio solidário de ninguém. Essencial é pertencer a uma comunidade de fé, a uma
família de irmãos unidos entre si por um laço comum de amor a Jesus. Tudo o
mais já não é mais essencial.
Somente aquela Igreja que tiver este espírito de
abertura ao essencial merece sobreviver. Só ela é digna da fé e da confiança de
todos aqueles que perderam a fé em igrejas demasiadamente amarradas a um tipo
de “compromisso histórico” que já perdeu sua validade.
Embora de forma velada,
começa a despontar na consciência cristã o perfil de um novo compromisso histórico,
envolvendo a fé em Cristo e a esperança dos homens num futuro radicalmente
diferente de tudo o que a tradição
nos tem para oferecer.
O Concílio Vaticano II
foi uma tentativa (por demais modesta e tímida, é verdade) de colocar a fé
cristã em bases novas. O resultado ainda não apareceu, porque no meio tempo
apareceram figuras diametralmente opostas em tudo o que é essencial a um
compromisso histórico que não seja a repetição do anterior.
O Terceiro Milênio não
terá o poder mágico de catapultar a humanidade inteira e de uma só vez, de um
mundo de misérias para um mundo de prosperidade, de um mundo de guerras para um
mundo de paz, de uma sociedade de lobos para uma de cordeiros. Não é assim que
se dão as grandes transformações históricas. Significado histórico só possuem
aqueles acontecimentos que nasceram da vontade humana.
Padre Marcos Bach
VOLTAR-SE AO SEU INTERIOR, À PRÓPRIA CONSCIÊNCIA
Quando Santo Tomás de Aquino define a ordem cristã
como derivada da Lei do Amor, dá à palavra lei um sentido
totalmente diverso daquele que lhe conferem os juristas. A vida em sociedade
seria inviável sem uma certa medida de ordem. Isso é óbvio e não está sendo
negado ou discutido nestas páginas. O que até mesmo peritos em Direito parecem
ignorar, é que existem duas categorias diferentes de ordem e de lei. Uma
abrange exigências e necessidades sociais que as autoridades decidiram
explicitar e impor. Raramente um moralista ou canonista “del sacro soglio” romano se lembra das exigências de uma outra lei
e de uma outra categoria de ordem: a “Lex
Charitatis et Libertatis” de
Santo Tomás.
Paulo e o apóstolo João
foram dentre os apóstolos os mais extremos defensores e promotores deste novo
conceito de lei e de ordem.
A moral cristã parte quase sempre da premissa de que
o ser humano, mesmo o cristão, é um ente internamente desorganizado, mais
propenso à desordem do que à boa ordem das coisas. Esta suposição é falsa,
rotundamente equivocada e já deveria ter desaparecido dos catecismos há muito
tempo. O ser humano é capaz de se comportar como fera alguma o sabe fazer, é
verdade. Mas há uma diferença essencial entre ser capaz de proceder como um
demônio e ser demoníaco por natureza. A maldade não vem de dentro do homem, nem
é capaz de corrompê-lo por dentro.
O habitat da maldade não é o íntimo do homem. Mesmo o mais cruel dos
malfeitores continua sendo um ser internamente voltado para o seu Criador e,
portanto, para o bem e para o amor. O mal não brota da consciência dos que o
praticam. É, isto sim, fruto da falta de consciência.
A solução dos problemas
criados pela ação do mal no mundo só pode ser uma: “Reconduzir as pessoas ao
contato íntimo com os planos superiores e mais sutis da sua própria
consciência”.
Entregar alguém à sua
própria interioridade é menos perigoso do que amarrar a sua consciência com um
catatal de prescrições e proibições, desde que o respectivo seja uma pessoa
normal e devidamente preparada para arcar com tamanha e tão complexa
responsabilidade. Isto as Igrejas deveriam fazer: educar o povo e prepará-lo
para arcar de forma responsável com a responsabilidade que envolve o dom da
liberdade dos filhos de Deus.
Um Código de Honra, semelhante ao dos Cavaleiros
Cristãos da Idade Média, ficaria bem e poderia substituir com evidente vantagem
moral e psicológica os surrados Códigos de Moral e de Direito.
Padre Marcos Bach
DIANTE DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS QUE ATITUDE TOMAR
Em épocas de transformações
mais profundas torna-se extremamente difícil separar o bem do mal. Pois com a
mudança no mundo cultural desloca-se também a frente moral.
Este fato se traduz no plano subjetivo das
consciências como perda ou confusão de identidade, passando a ser fator de
perturbação psíquica e social. Produz como reação duas linhas de conduta
opostas e antagônicas. Dum lado gera a resistência conservadora, a
radicalização fundamentalista. Do outro lado escancara as portas às mais
variadas ideologias “libertárias”, emancipacionistas e “progressistas”.
Torna-se sempre mais
difícil distinguir o que é fidelidade do que é simples inércia moral, fanatismo
e preguiça mental.
Como saber distinguir e separar o que vale ser
“traduzido” e conservado, de tudo aquilo que serve mais para encobrir a pureza
criadora da verdade?
No campo moral existe ao lado do problema teórico um
outro de natureza prática, pastoral ou política. Pois a verdade tem a sua hora
e seu momento oportuno. O bem da verdade ou a verdade do bem não se pode impor
como se impõe a um jovem a obrigação do serviço militar. O bem perde sempre
muito da sua fragrância mística quando o transformamos em obrigação.
Como em todos os
períodos difíceis, assim também hoje não faltam as Cassandras e os profetas do
fim do mundo. Realmente, é a primeira vez que o homem tem condições de provocar
uma catástrofe planetária. Colocados lado a lado o “arsenal da morte” e o grau
de consciência da humanidade no estágio atual de sua evolução, chega-se
facilmente à conclusão de que o futuro do homem está menos para sorrisos do que
para temores. Colocar o futuro da humanidade na dependência do medo ou (o que é
pior) do maior medo possível, é extremamente perigoso. A maior parte dos
assassinatos é causada pelo medo, e não pelo ódio. Isto é sabido. Logo, não se
pode apelar para o medo sem expor a humanidade toda ao risco de se
autodestruir. Pouco importa se o ritmo deste processo é lento ou explosivo. O
resultado final é final é o mesmo.
Por detrás de todos os
problemas, que fornecem material copioso a toda a sorte de lamentações e
análises mais ou menos argutas, está a esperança,
e não o fim do mundo. A maior parte das “dores” da humanidade atual são “dores
de parto”.
Padre Marcos Bach
REAÇÃO POR CONSCIÊNCIA
Ninguém pode aderir
honesta e responsavelmente a uma instituição se não sabe o que está acontecendo
em seu interior. Instituições que cultivam o segredo e o anonimato não merecem
fé. Isto não vale somente para as instituições políticas e religiosas. Vale também
para a empresa. Um funcionário tem o direito de poder crer e ter fé em sua
empresa. Deve saber com quem está lidando e para onde vão os recursos que ajuda
a produzir. Os “de cima” agem de modo pouco racional se nutrirem a ideia de que
os “de baixo” não precisam, nem têm o direito de saber o que acontece na
empresa. Num corpo sadio todas as células (e são trilhões) sabem o que está
acontecendo em qualquer parte do corpo. Por que tantos dirigentes teimam em
envolver a sua atuação com o manto do silêncio e do segredo?
Uma empresa de elevado
nível ético difere das que não o são pelo modo como estrutura o conjunto de
relações humanas. A saúde moral e ética é uma questão de estrutura. Assim como
o esqueleto e a estrutura fibrosa dos músculos são essenciais para a saúde
física, do mesmo modo é na base da consistência estrutural que se devem
procurar os sinais de saúde ética de uma empresa. A mais vistosa coleção de
rótulos não supre as deficiências de uma instituição estruturalmente viciada. E
onde está a instituição que não apresente vícios e falhas estruturais
praticamente insanáveis?
Quanto mais nos
convencermos que o futuro vai ser uma continuação linear do passado, tanto pior
para o AMANHÃ DA HUMANIDADE. Quem
medita sobre o que escreveram Toffler, Ouchi, Capra, entre outros, chega a uma
conclusão muito simples (até mesmo simplória): ou refazemos tudo a partir dos
fundamentos, ou seremos os derradeiros representantes de uma civilização fadada
à extinção. A grande pergunta a ser feita refere-se à capacidade de reação da
atual geração.
Não devemos esperar que
as massas (as multidões e as frentes populares) façam o que precisa ser feito
para reverter o quadro involutivo do momento histórico atual. Uma multidão
nunca está em condições de ir além do papel de instrumento. O que caracteriza o
agente de mudanças sociais (o líder) é o elevado nível de consciência pessoal e
histórica. Ora, o que caracteriza as multidões em qualquer parte do mundo é a
falta de consciência pessoal. Tire um homem da massa de “fiéis” e você terá um
primata um pouco melhor do que seu congênere das selvas. A multidão pressiona o
indivíduo em sentido oposto ao da conscientização. A massa pressiona no sentido
de baixar o nível ético individual. Mergulhados na multidão, os indivíduos perdem
o senso de responsabilidade pessoal. No seio de uma massa não há lugar nem
espaço para o exercício criativo da liberdade.
Padre Marcos Bach
VALORES ÉTICOS COM CONSCIÊNCIA
A relação da consciência
com os valores éticos não pode continuar a ser expressa do mesmo modo como
antes.
A concepção dualista, própria de quem raciocina tão somente de acordo
com paradigmas extraídos de uma visão tridimensional da realidade, comete o
equívoco de apresentar como entidades separadas e partes em conflito, o que
numa visão não-dual se manifesta como totalidade e unidade.
O dualista vê o bem
e o mal, a verdade e o erro como entidades separadas e que se excluem
mutuamente. Para ele o mal é o oposto do bem e o erro o oposto da verdade. Em
relação a ambos só há uma atitude a tomar: a rejeição e o combate. Não basta
lutar contra o mal. É preciso combater e tirar de circulação também os
“obreiros da iniquidade”. Quantas “guerras santas” já foram travadas em “defesa
da Fé” e em nome da moral! Quantas fogueiras já foram acesas e quantos
patíbulos erguidos sobre a face da terra com o mesmo intuito!
A passagem de uma
cosmovisão dualista para o seu contrário que é a concepção holística, não
significa diminuição ou até mesmo perda da sensibilidade ética. Pelo contrário.
O mal continua a ser visto como tal. A diferença está em que o mal já não
possui mais a facilidade de mascarar-se
com a facilidade de antes.
Num mundo em que a
realidade e ilusão se confundem como é o nosso, basicamente dualista, a própria
confusão favorece a ilusão, dando assim ao mal inúmeras oportunidades de se
esconder do olhar vigilante da consciência.
Uma das atitudes que
Jesus mais recomendou aos seus discípulos foi a vigilância. “Vos digo, e o digo
a todos: vigiai!” (Mc 13,37).
Os piores demônios não
são os que andam fora de nós, mas os que conseguiram introduzir-se em nosso
interior e que lá estão bem amoitados e camuflados com a nossa conivência, caso
ainda estiverem lá. O inimigo invisível é muito mais perigoso do que aquele que
não se esconde. O “príncipe das trevas” é tão perigoso, não porque seja forte e
poderoso, mas porque costuma cercar-se de trevas, e porque espalha trevas por onde
passa. Daí a insistência com que Jesus nos aconselha a vigilância!
Quem quer enganar
recorre à mentira. Quem quer iludir serve-se de meias-verdades. Meia-verdade é
uma realidade ideologicamente filtrada. Um aspecto é verdadeiro e o outro é
falso, mas o lado falso é encoberto pela “luz” que emana do lado certo.
Não se pode praticar a vigilância sem
dispor de um grande poder de observação, percepção e capacidade de distinguir
os sinais falsos dos verdadeiros.
Padre Marcos Bach
A CONSCIÊNCIA COMO ALIADA
Se queremos contar com o apoio de um aliado fiel e
incorruptível devemos procurá-lo dentro de nós, pois é lá e não fora de nós que
ele se encontra. Enquanto o ego passa o tempo nos iludindo, o superego se
dedica à tarefa de zelar para que as exigências da parte já programada de nossa
consciência venha a sofrer as consequências da atividade da parcela ainda livre
da nossa consciência total.
Os planos ainda livres
se encontram além do ego e fora do alcance da ação tirânica do superego. A
psicanálise decompõe a consciência em suas partes, mas como a consciência não é
um todo composto de partes, mas uma totalidade inconsútil, não será a análise
que nos vai levar a compreendê-la. O cientista que viu isto melhor que outros
foi o italiano Roberto Assagioli. Criou um método de atendimento psicológico a
que deu o nome de Psicossíntese. Seu método é o oposto do método psicanalítico
de Freud. Enquanto Freud via as árvores, mas não via a floresta, Assagioli
chegou à conclusão de que a consciência humana era, em sua essência, uma
estrutura verticalizada. Que ela ocupa o espaço psíquico elevando-se de baixo
para cima. Onde Freud não via mais nada, Assagioli percebeu a presença de um
patamar mais elevado da consciência total, ao qual deu a denominação de Eu
Superior. A este Eu Superior Assagioli atribui a função que numa orquestra cabe
ao regente.
A própria orquestra se
auto-regula. Isto é, a própria consciência regula a sua produção. Para isto ela
precisa de se livrar da interferência não só da polícia, como da atividade
perturbadora tanto do ego como do superego. Ambas estas instâncias representam
o que se convenceu definir como “Cavalo de Tróia”. São uma armadilha e dentro
dela se escondem os que pretendem ter o direito de impor sua vontade a outros.
Tanto Assagioli, quanto Carl Gustav Jung antes dele, deram
um grande passo em direção a um “Eu” menos poluído, mais autêntico e mais livre
de tutelas. Durante muito tempo os representantes do pensamento religioso foram
vistos como os piores inimigos da liberdade de consciência. Os místicos eram
raros e além disso eram mal vistos pelas autoridades religiosas.
Quem acabou pagando
esta conta mal feita foi Deus, o Deus severo dos inquisidores de todos os
tempos. Um Deus que assusta mais que a ninguém os pequenos e os pobres, não
interessa mais a ninguém. Nem sequer os donos das grandes fortalezas sabem o
que fazer com ele. Todos querem um Deus amigo, cujo amor não é negociável. Este
é, para felicidade nossa, o Deus-Pai que Jesus nos veio revelar.
O tempo em que se ia num templo, igreja, sinagoga ou
mesquita para conversar com este Deus está-se esgotando a olhos vistos. Em toda
a parte as casas de Deus estão ficando vazias a maior parte do tempo.
Cresce, no entanto, o
número de pessoas que dizem ter-se encontrado com Deus numa experiência
interior a que se convencionou dar o nome de “Experiência de Quase Morte”
(EQM). As mudanças que esta experiência provoca excederam em termos radicais a
causa que aparentemente as produz. As pessoas que passaram por esta experiência
não atribuem à morte iminente o que lhes foi dado ver e sentir. Estudiosos do
fenômeno, como Kenneth Ring, são de parecer que o causador responsável pelos
fenômenos que acompanham e seguem uma EQM é a Kundalini.
Padre Marcos Bach
A ENERGIA PROPULSORA DA HISTÓRIA
Uma instituição humana, religiosa ou não, perde o contato com a Vida e com
o Futuro na medida em que substitui a imaginação pela memória. Quando a
Tradição começa a ter mais peso do que a imaginação criativa, estamos diante de
um dos mais evidentes sinais de decadência.
No terreno religioso e
moral é exatamente isso que está acontecendo por toda a parte. O que deveria
estar acontecendo é o contrário. Uma empolgante e poderosa antevisão do futuro
deveria ocupar o seu lugar.
O futuro não é apenas nem primordialmente continuação do tempo histórico
passado ou presente, mas inauguração de um Novo Tempo e de um novo modo de
fazer história. Consistirá em fazer acontecer o que ainda não aconteceu. E isto
por meios que a humanidade até hoje não teve a ousadia de empregar. Onde o Amor será a energia propulsora
da história. E a Liberdade o caminho.
O projeto correspondente a este modelo já existe: é o Projeto Messiânico de Jesus. Só resta pô-lo em prática!
É simples e de fácil compreensão. Ainda está por determinar o curso da história
humana, porque supõe um nível de consciência que só muito raramente pode ser
encontrado.
Disciplina e obediência, autoridade e poder representam por ora os
obstáculos mais poderosos com que deve contar quem quiser cooperar com Cristo
na concretização do seu Projeto Messiânico. Mais que isto: deve contar com
perseguições de toda a espécie. Dentre estas as mais implacáveis e rasteiras
serão as que forem desencadeadas em nome de Deus!
O grande “erro” político de Jesus foi ter-se colocado ao lado dos pobres e
excluídos, pondo-se deste modo em oposição aos poderosos. Jesus morreu de morte
violenta, vítima do seu Amor pelos pobres e pecadores. Ao pé da cruz se
encontravam para insultá-Lo os representantes mais conspícuos do estamento
religioso e político do seu povo.
Quem encarna a esperança
de um futuro humano melhor são os pobres, os verdadeiramente sábios e livres.
Quem é pobre é obrigado a tirar proveito das mais insignificantes oportunidades
que seu “dinheirinho” minguado lhe permite aproveitar. Quem é pobre tem que
saber fazer das tripas coração, como se diz. Deve saber improvisar. Deve
aprender a arte de andar de olho aberto para as oportunidades. Só quem é pobre
sabe do real valor do dinheiro. Só quem é desempregado conhece o verdadeiro
valor do trabalho.
Pobre não é miserável,
isto é, digno de comiseração.
Todo pobre é um sábio.
Costuma ser bem mais generoso que o rico! Em sua mesa e em seu rancho sempre há
lugar para mais um! Pobre não distribui esmolas. Reparte com outros o que
possui.
Padre Marcos Bach
RESPONSABILIDADE DA CONSCIÊNCIA
Para tornar-se perfeito o universo todo tem que Ressuscitar como Cristo
Ressuscitou. E não apenas como Ele, mas com Ele! Para ser plena e total a fé em
Cristo tem que abranger não só o destino glorioso da humanidade, mas também o
do universo todo!
A “Casa” que o Pai Celestial está preparando para seus Filhos não pode ser
uma senzala, um espaço confinado e sujeito a regras e limitações. Só pode ser
vista como espaço absolutamente livre!
Assim como existem no fundo dos oceanos continentes perdidos, do mesmo
modo se pode falar de verdades perdidas, que, como ilhas, outrora florescentes,
hoje se encontram submersas no esquecimento!
Uma delas é a relação essencial existente entre a fé em Cristo e a
liberdade dos filhos de Deus! Papas, teólogos, canonistas e moralistas fizeram
da Sagrada Doutrina da Fé um pacote firmemente atado de verdades absolutas.
Esqueceram-se por completo da palavra de Jesus: “Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Como pode libertar o espírito do homem uma verdade que não se apresenta à
mente humana como opção, mas como necessidade? Pode merecer fé uma verdade que
chega à consciência do homem pelo estreito caminho da mão única? Pode ser
libertadora uma verdade pronta e acabada a que a consciência do crente nada pode
acrescentar?
A fé em Cristo não tem como objeto ou alvo um conjunto de doutrinas, mas a
Pessoa de Jesus, pois Ele mesmo o disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”
(Jo 14,6). Se é a Pessoa de Jesus que é o alvo da fé cristã, não se pode
confinar a fé em artigos, dogmas e doutrinas como vem acontecendo. Mas se a
Verdade é Jesus, o Homem mais livre que a história conhece, então não se pode
reduzir a fé em Cristo a um ato de submissão!
Uma fé que não liberta é falsa.
Como a mordaça, ela em nada contribui para o bem-estar e a felicidade do
crente. Uma fé é tão falsa e tão pouco cristã quanto uma obediência que
escraviza. Uma fé que priva o crente de “voar livremente”, de “tudo
experimentar”, como ensina o apóstolo Paulo (Rm 12,2), paralisa a consciência
humana, impedindo-a de “escolher o melhor”!
A verdade em que um cristão deposita a sua fé não é um objeto, menos ainda
pode ser tratada como objeto pronto para consumo. Jesus não veio semear a fé
dos seus discípulos com certezas. A única certeza que nos veio trazer é esta:
“O Pai vos ama” (Jo 16,27). E se amarmos o nosso irmão como Ele o ama, seremos
os seus discípulos (Cf. Jo 15,17).
Jesus
elevou o Amor à condição de “sacramento supremo da Salvação”!
Ou apostamos
no Amor e nos convertemos a ele, ou merecemos o mesmo destino inglório que
tiveram os habitantes do Continente de Mu e da Atlântida 11.500 anos atrás. O
primeiro passo a ser dado por quem quer aderir a Cristo é a “conversão”!
“Convertei-vos, porque o Reino de Deus está próximo” (Mt 3,2).
Padre Marcos Bach, sj
QUALIFICAÇÃO DA ATIVIDADE PARA SE TORNAR HUMANA
Existe incompatibilidade e antagonismo profundo entre a mentalidade de um
funcionário e a de um operário. O operário ama o que faz. Um funcionário é bom
se corresponde em tudo ao que dele se exige. O operário está interessado no
progresso de sua empresa. O funcionário prefere a empresa que lhe garante
estabilidade no emprego. O futuro de qualquer empresa depende da sua capacidade
de gerar operários em lugar de contentar-se com criar empregos.
Estamos analisando o
mundo do trabalho e da produção econômica. Se neste campo tão restrito a figura
do operário já é tão importante, o que pensar das outras áreas da atividade
humana? Pois há muitas outras formas de atividade em que uma pessoa pode
realizar-se. Temos o campo social, o cultural, o ético e o espiritual. A
simples luta pela sobrevivência física carece de todo e qualquer valor humano
quando lhe falta o contrapeso do esforço pelo desenvolvimento social e
espiritual.
O trabalho braçal, repetitivo e mecânico exige pouca inteligência e
nenhuma criatividade. Em vez de elevar o espírito e aprimorar a inteligência,
contribui antes para degradar a quem o realiza nestas condições. Não é o
trabalho em si que deprime e degrada, mas o modo como é feito e a intenção que
o motiva. São aspectos de ordem subjetiva que distinguem o “trabalho” de uma
formiga do trabalho humano.
São cinco as condições
subjetivas requeridas para que se possa qualificar uma atividade do homem como
humana, a saber: que seja racional, consciente, livre, realizada com amor
e que reverta em felicidade. Nem tudo
o que o homem faz é humano, afirma Santo Tomás de Aquino. Grande parte do que
as pessoas habitualmente fazem ou é subumano ou semi-humano. É muito difícil
encontrar uma pessoa que aja e se comporte sempre e em tudo de acordo com as
possibilidades reais de sua condição humana. Quando não age impelida por
emoções, age pensando apenas em seus próprios interesses. Ou não sabe o que
está fazendo, nem tem ideia do que deveria estar fazendo, então se submete
passivamente a uma rotina de trabalho da qual não sabe nem quer evadir-se.
A rotina é a bengala do
preguiçoso. Tudo o que se torna rotineiro já não merece mais o qualificativo de
humano. Se o homem fosse uma “máquina” sem alma própria ou um animal um pouco
menos animal que um chimpanzé bonobo, bastaria colocá-los a todos numa
procissão. Uma procissão obedece a um roteiro preestabelecido. A ninguém é
permitido caminhar mais ou menos depressa que os outros. A procissão é um
fenômeno típico do mundo animal. Só pessoas despidas de qualquer senso criativo
amam procissões, espetáculos de massa, onde só existe espaço para aplausos.
Quem trabalha submetendo-se passivamente a exigências e condições que sua
consciência pessoal desaprova não merece ser classificado como “herói do
trabalho”. Aquele que trabalha numa empresa em que o nível de consciência de
dirigentes e trabalhadores se encontra próximo do zero, fatalmente acabará
pensando e agindo como eles. Sua situação subjetiva será afetada paulatinamente
pela atmosfera da empresa. Colocará a eficiência no lugar do bem e a pragmática
no lugar da ética.
In: Manuscrito.
INFORMAÇÃO OU CONHECIMENTO
Os frutos da fé se
manifestam no interior da consciência antes de poderem ser traduzidos em ação.
A fé não nos torna mais entendidos, mais eruditos, porém aumenta nossa
capacidade de percepção (sabedoria) e de compreensão (empatia). Ela nos leva a
detectar relações, afinidades e convergências onde outros só percebem o
contrário. A única fonte de
conhecimento é a experiência, o resto é informação, dizia Einstein. A
fé é sempre algo de muito pessoal, como é pessoal a consciência de cada ser
humano. Não se pode resumir a verdade da fé a um conjunto homogêneo, fixo e
imutável de ensinamento, sem violentar, deste modo, a estrutura da consciência
religiosa daqueles a quem se pretende impor tais ensinamentos. A fé, ou nasce
do interior da consciência, ou não passa de lavagem cerebral camuflada.
O despertar da fé e o
despertar da consciência são fenômenos concomitantes. Crescer na fé e aumentar
o horizonte de sua consciência é a mesma coisa. Separar um processo do outro é
o mesmo que anular a ambos. Buda, mais que ninguém, percebeu o perigo que a
ignorância (inconsciência) representa para o desenvolvimento espiritual. Cristo
foi ainda mais enfático e contundente quando chamou os sacerdotes e teólogos
(escribas) judeus do seu tempo de “cegos e guias de cegos”. Há quanto tempo
nossos pregadores e catequistas se esforçam em despertar e manter a fé em seus
ouvintes através de apelos que ignoram um fato elementar, a saber, que a fé não
é primariamente uma questão de inteligência e de vontade, mas de visão e
discernimento? Portanto, uma questão de consciência. Todo o aparato pedagógico
de pouca utilidade será se não for acompanhado do testemunho vivo da fé.
A consciência religiosa é a fina flor da consciência humana. Não há
doutrina capaz de proporcionar a um ser humano a felicidade que nele desperta a
experiência do seu reencontro com a Fonte Originária do seu Ser. Esta é uma
experiência que só e unicamente um elevadíssimo nível de consciência é capaz de
proporcionar a alguém.
In: Manuscrito.
O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA RACIONAL
Um dos males causados pelo despertar da consciência racional é a visão
fragmentada da realidade. A razão tende a dividir a totalidade em partes com o
fito de proporcionar à inteligência humana uma percepção mais acurada da
realidade. Daí resulta uma visão parcial e fragmentária que não pode ser
atribuída à realidade.
As partes são o produto
de um processo mental do homem. Existem, portanto, apenas como conceitos e não
como realidades objetivas. Isto significa que não existem como tais fora da
mente do homem. A própria ciência moderna já começa a admitir, embora com
grande cautela, que o mundo que vemos não é o mundo real, mas um reflexo dele
elaborado e produzido pela mente do homem. A realidade mesma escapa à percepção
tanto dos sentidos quanto da razão. A mente humana é mais do que pura e simples
razão. Até Kant, o pai da teoria da racionalidade pura, viu-se forçado a
completá-la com as exigências e postulados da razão prática.
Nem os sentidos, nem a
razão nos proporcionam acesso direto à compreensão da realidade material.
Não só a mente humana
possui departamentos que o cientista e o filósofo não costumam utilizar em seus
sistemas, mas a própria realidade do mundo material possui dimensões que
escapam à observação do cientista e à análise do filósofo. Esta é uma verdade
que já tinha sido descoberta no Oriente muito antes que nascesse o primeiro
filósofo grego. Dissecamos a matéria, o corpo humano, à procura de uma
explicação que pudesse servir de chave, capaz de conduzir à compreensão do
todo. Riscamos a face do planeta com linhas imaginárias, chamadas fronteiras ou
limites, esquecidos de que criar fronteiras é o mesmo que armar o estopim para
confrontos. Quem cria limites, limita um horizonte e cuja riqueza potencial
está em não oferecer limites. Um limite é sempre um obstáculo, mais que um
fator de segurança. É sabido que as zonas fronteiriças não costumam serem as
mais seguras. Se houver algum dia guerra, é lá que ela vai começar.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
ESTADISTA OU RAPOSA
Qual a diferença entre
os reflexos que determinam os gestos e as atitudes de uma raposa e os que
comandam as decisões de um grande estadista, por exemplo? Faço a associação
porque em política existem os dois tipos: a raposa e o estadista. A raposa é um
feixe de instintos.
Estadistas são pessoas dotadas de um elevado nível de consciência.
A raposa está
interessada apenas no pequeno mundo que lhe garante a sobrevivência.
O estadista procura realizar no ambiente do pequeno mundo em que vive as
dimensões de um mundo visionário ideal.
O tempo das raposas está
chegando ao fim. O momento evolutivo atual requer estadistas.
Um estadista de verdade nunca é um déspota ou ditador. Em regimes
autocráticos não há espaço para estadistas. Um estadista precisa possuir uma
saúde psicológica e ética fora do comum. Deve apostar todas as suas fichas não
em sua autoridade, mas na liberdade de seus patrícios. Só pessoas livres
conseguem avançar pari passu com a
Evolução. Homem algum pode ser usado como instrumento, como carregador de
liteira.
O direito de se orientar
seguindo os ditames de sua razão e da sua consciência é uma das grandes
conquistas da nossa época.
Por onde a Evolução passa, a liberdade cresce e aumenta o respeito pela
autodeterminação da pessoa, um privilégio que o ser humano deve à sua
consciência. É esta que torna o homem livre, verdadeiramente responsável e
capaz de se autodeterminar.
Embora natural, esta faculdade necessita de ser educada, desenvolvida e
aprimorada.
O despertar da consciência não é um processo automático, mas requer
empenho e esforço, disciplina e muita persistência. Mais que tudo,
persistência.
São muito raros os casos
em que a transição de um nível para outro assume um caráter explosivo.
Geralmente ela se dá de forma gradual e imperceptível. A própria pessoa não
percebe o que está acontecendo com ela. Sente que em seu interior estão
ocorrendo mudanças. Tem consciência de que seu modo de pensar, de sentir e de perceber
a realidade está passando por transformações. A ansiedade se aninha em seu
espírito. Ansiedade que é simultaneamente medo de se perder e desejo de
progredir.
In: Manuscrito de Pe.
José Marcos Bach, sj.
CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA
Um cristão é um
tecnófilo e deveria ser especialista em “tecnologia a serviço do homem”. A
ideia de recrutar algumas dezenas de teólogos para fazer e canalisar sua
inteligência para áreas onde a fé cristã e a tecnologia fazem fronteira, seria,
com toda certeza, extremamente vantajosa para a sociedade.
Como pessoas desamparadas das mais elementares noções
científicas podem fazer “teologia” e/ou “política” num mundo tão marcado pelo
pensamento tecnológico, tão profundamente que se torna impossível compreendê-lo
sem ele?
Nenhuma manifestação em
favor da paz é capaz de fazer em favor da paz universal o que o modesto e
despretencioso raio laser é capaz de conseguir. A paz é também uma questão técnica, assim como a justiça o é. Se a paz
é fruto da justiça, então ela é também fruto da técnica. Por que a evolução
tecnológica não nos pode conduzir a médio prazo de retorno ao “paraíso
perdido”? Será que o sonho do “paraíso perdido” (patrimônio cultural da
humanidade!) não contém como cerne íntimo um resto de esperança histórica? Os
homens não desprezam a ideia de passar a eternidade num “céu”. O que lhes custa
é deixar esta terra entregue às moscas, na hora de partir.
A tecnologia é uma das formas visíveis que torna a
esperança tão humana a ponto de não morrer de todo. “Non totus morior”! A
certeza de, ao sair da história, deixar um pouco do perfume de sua existência
impregnando as estruturas sociais, faz parte essencial da esperança de um
cristão autêntico. Como
a estrutura essencial da consciência cristã pode ser definida como “visão de
esperança”, não se pode desligar a sua consciência social do conteúdo e do
vigor de sua esperança. Isto significa hoje coisa bem diversa do que
significava no limiar da Renascença. Hoje isto significa “fé na tecnologia”.
Não se trata de manipular a tecnologia de acordo com objetivos que lhe são
extrínsecos e alheios. É preciso aprender a seguir o rumo que o “espírito”
tecnológico põe a descoberto.
Dizem (também já afirmei isto) que a tecnologia não é boa
nem má. É bobagem. A tecnologia é boa como a luz, o sol, a chuva, a água, o ar.
Abusar de uma coisa boa é sempre pior do que abusar de uma coisa que não “fede
nem cheira”. “Corruptio optimi, péssima” – diziam os latinos.
O abuso dos meios
tecnológicos é um pecado que as Igrejas cristãs deveriam condenar com muito
mais violência do que a blasfêmia, por exemplo, ou o sacrilégio. Empregar o alto-falante
e a TV para promover espetáculos de alienação sistemática constitui, no
entanto, um abuso tão grave quanto o emprego de energia nuclear para fins de
destruição. Servir-se do microfone para manter em estado permanente de
imbecilidade crônica uma compacta manada de “ovelhas” sempre será um abuso, um
emprego inadequado dos meios tecnológicos de comunicação.
O que caracteriza a “identidade tecnológica” é o seu nível
superior de consciência. O reto uso dos recursos tecnológicos deve ser definido
a partir de preocupação pela “consciência de identidade” individual e social
que tiverem tanto o que se comunica como o que recebe a mensagem.
Quando tomo a “identidade tecnológica” como base
(“sacramental”) da futura “identidade religiosa”, não estou me referindo a nada
do que já é. Estou pensando num tipo humano bem pouco parecido com os atuais
“donos do mundo”.
In: Livro “Consciência e Identidade Moral” de Pe. José Marcos
Bach, sj – Vozes.
O FENÔMENO CONSCIÊNCIA
Atualmente já se pode afirmar, sem provocar alaúza, que o
futuro da Evolução está intimamente ligado ao desenvolvimento do fenômeno
Consciência, entendendo-se por este termo uma realidade universal, uma
totalidade cósmica destinada a fornecer conhecimento e a propulsionar avanços.
Há muito os místicos orientais definiram o Universo como uma totalidade dotada
de “consciência”. Em virtude desta consciência cada ser individual organiza a
sua identidade própria, comunica-se com seus congêneres e modifica suas formas
de expressão segundo regras que só podem ser classificadas como sábias e
inteligentes.
Gopi Krishna
em seu livro Kundalini (Ed. Record) descreve esta energia como sendo
extremamente inteligente. Ela se manifesta, segundo o autor, como poder e
inteligência. Seu poder é irresistível quando posto em ação. Sua inteligência
supera de longe a capacidade racional da mente. É uma energia que, quando
liberta, assume o comando e traça o rumo a ser seguido. À vontade da pessoa
agraciada com o despertar da Kundalini só resta uma alternativa: entregar-se a
seu fluxo! O resultado será o despertar para uma nova percepção da realidade,
que, tanto pode ser um passo em direção à personalidade, quanto um mergulho no
universo fantasmagórico da loucura.
Despertar
energias desconhecidas é sempre perigoso, quando não se possui a necessária
preparação para usá-las corretamente.
Despertar o Poder da Mente tornou-se uma espécie de
coqueluche em nossos dias. O que em geral fica esquecido são aquelas questões
relacionadas com o controle deste poder e com os objetivos a que o seu emprego
deve destinar-se.
As energias
com que a natureza dotou o homem não lhe foram dadas para divertimento. A
própria natureza se encarregou de dar-lhe um destino, uma finalidade. E esta
finalidade inclui sempre um campo mais vasto que o estritamente individual e
pessoal.
A consciência lhe
foi dada, ao homem, para que tenha com que contribuir para o acabamento e
aprimoramento da obra toda do Criador.
A
consciência é o foco onde se concentram todas as energias de que o ser humano
dispõe e pelas quais é responsável.
Chama-se de consciência psicológica o
departamento da consciência encarregado de dar à pessoa condições de definir-se
perante si mesma e o mundo que a rodeia.
A consciência ética dá-lhe condições de
perceber e assumir a carga de responsabilidades que o dom da consciência traz
em seu bojo.
A consciência religiosa desperta na pessoa
humana tanto a certeza quanto o desejo veemente de romper com o tempo e suas
promessas para apostar nas visões de um Absoluto atemporal.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
LIGAÇÃO ENTRE CONSCIÊNCIA E CÉREBRO
A um aumento
do nível de consciência corresponde um gasto maior de energia. Que energia é
esta que alimenta o cérebro humano e que é, ao menos indiretamente, responsável
pela atividade da consciência humana? Freud a chama de libido, Wilhelm Reich
lhe dá o nome de orgônio, os yoguis a denominam de prana (sopro). A fonte desta
energia recebe da parte dos últimos o nome de Kundalini. Situam-na próxima à
extremidade inferior da coluna vertebral. É vista pelos yoguis como órgão de
forma espiralada, cuja finalidade é produzir a energia de que necessitam tanto
os órgãos genitais como o cérebro e o sistema nervoso geral. Não é um órgão no
sentido físico do termo, pois é impossível detectá-lo por observação direta, ao
menos por ora. Segundo a yoga, a energia da kundalini é a mesma que constitui a
essência do Universo Material. As fontes que abastecem de energia a consciência
do homem encontram-se em parte dentro e em parte fora dele. O cérebro e o
sistema nervoso captam esta energia e a transformam em consciência.
Isto não
significa defender a tese de que a consciência e o pensamento são um produto do
cérebro. A consciência é anterior ao cérebro, pois é ela que o constrói segundo
padrões que transcendem as leis da biologia. O cérebro de um feto está
perfeitamente adaptado à consciência de um feto. Uma criança já possui um
cérebro mais evoluído. Em cada fase nova da vida o cérebro passa por
transformações substanciais, com exceção dos casos em que ocorre uma estagnação
no processo evolutivo. Um cérebro em evolução tem exigências que o de um
deficiente mental não faz.
O fornecimento de combustível (prana) deveria estar em
primeiro lugar na lista das prioridades éticas. Donde vem ao homem a força de
que ele precisa para permanecer fiel ao princípio da evolução? Vem da graça de
Deus, dizem os teólogos. Vem da oração, dizem os guias espirituais. Vem da
vontade, dizem os voluntaristas. Para os comportamentalistas a solução está na
sedimentação de comportamentos através da formação de reflexos condicionados.
Existe, em todas estas afirmações, um grão de verdade. Mas a verdade essencial
não está em nenhuma delas. Partindo-se, com Teilhard de Chardin, do princípio
de que o estofo do Universo é de natureza energética, chega-se à conclusão
lógica de que tudo, inclusive a pessoa humana, vive e se movimenta como um
peixe na água num imenso mar de energias, todas elas redutíveis a uma forma
única, o Prana dos yoguis orientais, o orgônio de Wilhelm Reich. Trata-se da
mesma forma de energia que Einstein procurou a vida toda, sem, no entanto,
encontrar o que procurava.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA
A evolução moral da
humanidade parte do instinto, passa pela razão e desemboca na consciência
reflexa. Como o corpo físico é para o homem o ponto de partida e a base de
apoio para a ação do espírito, do mesmo modo é preciso conferir papel idêntico
ao instinto em relação à evolução de consciência. Todo ser vivo sabe, por si
mesmo, quem é, onde está e o que deve fazer. Por instinto se deve entender todo
o conjunto de informações que um ser vivo recebe por via genética. Afirmar que
o homem não possui instinto é desconhecer sua verdadeira natureza. A razão não
elimina o que há no homem de instinto, assim como a consciência reflexa não
apaga as luzes da razão.
Durante séculos foram
cometidos dois pecados capitais: o de conferir à razão a primazia sobre a
consciência e o de menosprezar a relação de dependência entre consciência e
cérebro. Graças a Deus, estão aparecendo sempre mais cientistas interessados em
estudar a consciência. Mais e mais pesquisadores estão se dedicando ao estudo
do cérebro. Mais do que 90% dos recursos potenciais do cérebro humano ainda não
foram explorados por falta de conhecimento. O futuro moral da humanidade não
depende só de um sistema ético de alto nível. Depende talvez, mais do que se
costuma pensar, da qualidade do cérebro encarregado de instrumentalizar os
recursos da consciência.
O cérebro é, acima de tudo, um instrumento da consciência, em
especial da consciência reflexa. Os recursos do cérebro são indispensáveis à
construção da personalidade humana. Da qualidade do cérebro depende a qualidade
da consciência. E vice-versa. Quem tende a adaptar-se é o cérebro, e não a
consciência. A consciência, à medida que evolui, cria o cérebro que lhe convém.
Não é o cérebro que produz consciência. Ao contrário, é a consciência que
produz o cérebro de acordo com o nível de suas exigências.
Quanto mais evoluída a
consciência, tanto mais desenvolvido será o cérebro. Os estudiosos ainda não
conseguiram descobrir o que faz a diferença entre o cérebro de um gênio como Einstein,
e o de um homem comum. A quantidade de neurônios ou sinapses não fornece
critério confiável, pois costuma ser a mesma em ambos os casos. É num plano
mais sutil que ocorrem as mudanças. Por ora não existem instrumentos de
observação capazes de detectá-las. Fora da pessoa mesma não há como saber o que
aconteceu. Manifesta-se como experiência, como um acontecimento psíquico,
impossível de ser descrito em palavras.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
A CONSCIÊNCIA COMO NOSSA ALIADA
Se queremos
contar com o apoio de um aliado fiel e incorruptível devemos procurá-lo dentro
de nós, pois é lá e não fora de nós que ele se encontra. Enquanto o ego passa o
tempo nos iludindo, o superego se dedica à tarefa de zelar para que as
exigências da parte já programada de nossa consciência venha a sofrer as
consequências da atividade da parcela ainda livre da nossa consciência total.
Os planos
ainda livres se encontram além do ego e fora do alcance da ação tirânica do
superego. A psicanálise decompõe a consciência em suas partes, mas como a
consciência não é um todo composto de partes, mas uma totalidade inconsútil,
não será a análise que nos vai levar a compreendê-la. O cientista que viu isto
melhor que outros foi o italiano Roberto Assagioli. Criou um método de
atendimento psicológico a que deu o nome de Psicossíntese. Seu método é o
oposto do método psicanalítico de Freud. Enquanto Freud via as árvores, mas não
via a floresta, Assagioli chegou à conclusão de que a consciência humana era,
em sua essência, uma estrutura verticalizada. Que ela ocupa o espaço psíquico
elevando-se de baixo para cima. Onde Freud não via mais nada, Assagioli
percebeu a presença de um patamar mais elevado da consciência total, ao qual
deu a denominação de Eu Superior. A este Eu Superior Assagioli atribui a função
que numa orquestra cabe ao regente.
A própria
orquestra se autorregula. Isto é, a própria consciência regula a sua produção.
Para isto ela precisa de se livrar da interferência não só da polícia, como da
atividade perturbadora tanto do ego como do superego. Ambas estas instâncias
representam o que se convenceu definir como “Cavalo de Troia”. São uma
armadilha e dentro dela se escondem os que pretendem ter o direito de impor sua
vontade a outros.
In: “O Despertar do Eu
Divino” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
ASCENSÃO A UM NOVO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA
Uma visão
nova, apoiada no conceito de evolução, vai tomando, aos poucos, conta da
consciência do homem moderno. Uma visão que coloca o homem e a natureza em
confronto dialético, onde o poder de Deus, mais que o poder, o seu Amor, se manifesta
no homem mais que na natureza. Onde a função da consciência se alarga até
assumir dimensões cósmicas, assumindo o papel de centro propulsor da evolução.
A
responsabilidade moral do homem se agiganta ao infinito, a ponto de apavorar os
pusilânimes, comodamente instalados nos subterrâneos de uma consciência
opressora e oprimida. Encurralados nos
desvãos de uma consciência enfermiça, que gera mais escrúpulos do que audácias,
mais medo do que coragem. O cristão médio lembra mais um fóssil piedoso do que
o pioneiro de uma nova sociedade, a sociedade do Amor. O homem que encarna
esta visão nova é o “novo homem” e só pode ser honestamente definido como tal,
tamanha é a distância que o separa no plano da consciência do “velho homem”. Ela implica na ascensão a um novo nível de
consciência e representa um novo estágio no processo evolutivo geral. Um
estágio superior, comparável ao da vitalização e da hominização. Requer
logicamente uma “nova moral” e uma forma essencialmente superior de religião.
Evidentemente vai levar a uma forma superior de organização social.
As atuais
formas de organização da sociedade humana manifestam, por toda parte, a marca
do subdesenvolvimento. A capacidade relacional do homem de hoje está a
distâncias astronômicas do seu potencial real, não despertado nem advertido
sequer pela grande maioria. Infelizmente as religiões pouco têm contribuído no
sentido de despertar os homens para as novas tarefas que os estão aguardando.
Passam à margem do seu papel histórico de formadores da consciência.
O
cristianismo é a religião que anuncia ao mundo o advento deste novo homem, com
o qual não é lícito confundir o cristão comum de nossos dias. O “homo christianus” de amanhã terá bem
pouca semelhança e pouco parentesco com a figura tradicional do cristão
praticante de hoje, mais dualista e maniqueísta do que cristão. A consciência
de sua condição divina transformará o “homo
christianus” de amanhã em agente privilegiado de todo e qualquer progresso
humano autêntico. Erram os que consideram a religião cristã superada, assim
como se enganam os cristãos que restringem a repercussão do desenvolvimento
tecnológico à esfera exclusiva do profano.
“Consciência
e Identidade Moral” - Livro de Pe. J. Marcos Bach, SJ – Vozes.
O HOMEM NOÉTICO
A passagem do Homo Habilis para o Homo Faber deu-se quando este último começou a fabricar meios
técnicos destinados a prolongar suas habilidades. O sucessor do Homo Faber é o Homo Sapiens, o representante atual do gênero humano. Seu lado
forte é a inteligência racional que o impele à procura de conhecimento, desde o
conhecimento empírico até o mais refinado conhecimento filosófico. Mas o Homo Sapiens está sendo deslocado do seu
pedestal por um novo representante mais categorizado da nossa espécie. John
White chama-o de Homo Noeticus. O
Homem Noético se distingue do Homo
Sapiens pela amplitude cósmica de sua autoconsciência. White descreve o seu
Homo Noeticus da seguinte forma:
- “Homo Noeticus” é o nome que dou à forma emergente da humanidade.
Noético é um termo que significa o estudo da consciência, e essa atividade é
uma característica primária dos membros dessa nova estirpe. Devido à sua
consciência mais profunda e à sua autocompreensão, eles não permitem que
formas, controles e instituições da sociedade impostas pela tradição, sejam
barreiras para seu desenvolvimento pleno. Sua psicologia alterada se baseia na
expressão do sentimento, e não na sua supressão. A motivação é cooperativa e amorosa,
não competitiva e agressiva. Sua lógica é de níveis múltiplos, integrada,
simultânea, e não linear, sequencial, sim ou não. Suas habilidades psíquicas
são utilizadas para finalidades benevolentes e éticas, nunca para fins imorais
ou prejudiciais. Os modos convencionais da sociedade não os satisfazem. A busca
de novas maneiras de viver e de novas instituições os interessa. Eles buscam
uma nova cultura baseada numa nova consciência, uma cultura cujas instituições
se baseiem no amor e na sabedoria” (Kennet Ring – Rumo ao Ponto Omega – Ed.
Rocco, p.253).
Teilhard de Chardin dá a
este novo representante da humanidade o nome de Homem Crístico, baseado na
premissa de que Cristo foi não só o primogênito, o primeiro membro desta Nova
Estirpe, mas o seu protótipo mais perfeito e avalista do projeto que visa a sua
realização plena, tanto no contexto das realidades históricas quanto nas
realidades da pós-história. O sucesso deste novo salto quântico no campo do
desenvolvimento espiritual da humanidade, não é apenas hipotético ou meramente
provável. Quem o assegura é o próprio Criador: “Não vos deixarei órfãos, mas
estarei convosco até o fim dos tempos” (Jo 14,18).
A chave que abre a porta
de acesso a este futuro humano é a fé em Jesus Cristo. “Tudo é possível a quem
crê em Cristo Jesus” (Mc 9,32). O poder de Deus não tem limites. “A Deus tudo é
possível” (Mc 10,27). A fé em Cristo torna alguém tão poderoso quanto o próprio
Deus. Houve nos primórdios do cristianismo época em que os discípulos de Cristo
depunham tal fé no poder de Deus. Hoje, a maioria dos que ainda acreditam em
Deus, prefere depositar sua fé mais em papas e em santos do que na Pessoa de
Cristo.
O núcleo gerador
de uma autêntica fé em Cristo é a consciência de ser amado por Deus com um Amor
que excede todos os limites imagináveis.
In: “Do ‘Bom Selvagem’ ao
‘Homem Noético’” – Artigo de Pe. José Marcos Bach, SJ – Postado no blog www.padrejosemarcosbach.blogspot.com.br
– em ARQUIVOS DIVERSOS.
A RELAÇÃO ENTRE CONSCIÊNCIA E CÉREBRO
Durante séculos foram cometidos dois pecados capitais: o de
conferir à razão a primazia sobre a consciência e o de menosprezar a relação de
dependência entre consciência e cérebro. Graças a Deus, estão aparecendo sempre
mais cientistas interessados em estudar a consciência. Mais e mais
pesquisadores estão se dedicando ao estudo do cérebro. Mais do que 90% dos
recursos potenciais do cérebro humano ainda não foram explorados por falta de
conhecimento. O futuro moral da humanidade não depende só de um sistema ético
de alto nível. Depende, talvez, mais do que se costuma pensar, da qualidade do
cérebro encarregado de instrumentalizar os recursos da consciência.
O cérebro é, acima de tudo, um instrumento da consciência,
em especial da consciência reflexa. Os recursos do cérebro são indispensáveis à
construção da personalidade humana. Da qualidade do cérebro depende a qualidade
da consciência. E vice-versa. Quem tende a adaptar-se é o cérebro, e não a
consciência. A consciência, à medida que
evolui, cria o cérebro que lhe convém. Não é o cérebro que produz consciência.
Ao contrário, é a consciência que produz o cérebro de acordo com o nível de
suas exigências.
Quanto mais evoluída a consciência, tanto mais desenvolvido
será o cérebro. Os estudiosos ainda não conseguiram descobrir o que faz a
diferença entre o cérebro de um gênio como Einstein, e o de um homem comum. A
quantidade de neurônios ou sinapses não fornece critério confiável, pois
costuma ser a mesma em ambos os casos. É num plano mais sutil que ocorrem as mudanças.
Por ora não existem instrumentos de observação capazes de detectá-las. Fora da
pessoa mesma não há como saber o que aconteceu. Manifesta-se como experiência,
como um acontecimento psíquico, impossível de ser descrito em palavras.
In: Educação p/ a Consciência... Manuscrito de Pe. José
Marcos Bach, SJ.
INSTINTO E CONSCIÊNCIA SOCIAL
Não sei se alguém já definiu o homem como um imenso e complexo
ponto de interrogação. Defini-lo como ser em permanente estado de interrogação
desde a primeira infância até o final de seus dias, não parece má ideia. Como
ele é o único ser deste planeta que deve aprender tudo, absolutamente tudo, por
não possuir instintos, seria uma imensa injustiça da parte da natureza não
compensar a sua ausência por uma faculdade capaz de supri-los com vantagem.
O animal não necessita de moral porque seu mundo “interior” se
encontra completamente submetido à ação e ao domínio de forças internas e
externas. É regido de dentro pelo instinto e de fora pelos dispositivos de
controle social. A autorregulação instintiva e a regulação social representam
os dois polos do seu painel “interior”. Mecanismos biológicos herdados e
dispositivos “sociais” aprendidos e introjetados determinam a sua conduta.
Herda tudo o que necessita para sobreviver e aprende aquilo que precisa para
conviver em harmonia com o meio ambiente físico e grupal-social.
Até no mundo animal a vida social é, pois, fruto de aprendizado
e ajustamento mútuo. Tudo o que deve ser aprendido pertence a um nível superior
ao meramente biológico. O social representa, por isso, uma forma superior de
vida.
Os determinismos biológicos pertencem, por conseguinte, a um
nível mais “primitivo” e inferior em relação aos dispositivos que regulam a
vida em sociedade. A Vida é imperialista e empurra os indivíduos a se expandir
em todos os sentidos. ... A convivência social é uma conquista, fruto de
aprendizado e esforço. Tanto mais longo e difícil, quanto mais complexo os
relacionamentos e quanto maior o grau de inter-subjetividade. Quanto mais
acentuada for a reciprocidade e maior a intimidade. Quanto “mais iguais” forem
os parceiros e quanto maior for a “abertura” interior de um em relação ao
outro. A socialidade é uma criação do espírito e não um dado biológico.
Isto tudo demonstra que a vida social e com ela a “ordem
social”, não é um mero apêndice biológico, mas uma conquista ulterior da vida,
embora se deva registrá-la como objetivo tendencial da própria realidade
biológica. Como a vida é (ontologicamente) uma (omne ens unum), todas as “mônadas” individuais possuem em si a
tendência para o “retorno à unidade”. Está aí, neste pormenor, a razão para a
sociabilidade. A sociabilidade não é, portanto, um apêndice (um proprium – como diria um
escolástico), nem uma simples obrigação moral derivada de alguma norma
deontológica. É simplesmente a manifestação de uma forma superior de vida. Como
tal significa a abertura de um novo horizonte no seio da biosfera, a
sociosfera.
Do livro “Consciência e Identidade Moral”
de Pe. José Marcos Bach, SJ
CONSCIÊNCIA REFLEXA
Se é verdade que a espécie Homo dotada de consciência reflexa só entrou em cena muito depois
de seus ancestrais mais remotos, então é lícito perguntar: que tipo ou nível de
consciência possuíam os caçadores e coletores de frutas, tubérculos e raízes,
que há mais de um milhão de anos atrás vagavam pelas florestas e pelas estepes
sul-africanas?
É certo que possuíam alguma forma de consciência.
Hoje são poucos os cientistas que se negam a atribuir a tudo o que existe no
Universo algum tipo de consciência, isto é, de alguma forma de conhecimento de
si. Logo, seria absurdo negá-la aos antepassados mais remotos do homem. Mas que
consciência tinham eles se a consciência reflexa só apareceu muito mais tarde?
Agiam seguramente impelidos mais por instinto do que guiados pelo raciocínio.
A evolução moral da humanidade parte do instinto,
passa pela razão e desemboca na consciência reflexa. Como o corpo físico é para
o homem o ponto de partida e a base de apoio para a ação do espírito, do mesmo
modo é preciso conferir papel idêntico ao instinto em relação à evolução de
consciência. Todo ser vivo sabe por si mesmo quem é, onde está e o que deve
fazer. Por instinto se deve entender todo o conjunto de informações que um ser
vivo recebe por via genética. Afirmar que o homem não possui instinto é desconhecer
sua verdadeira natureza. A razão não elimina o que há no homem de instinto,
assim como a consciência reflexa não apaga as luzes da razão.
O processo evolutivo não se dá por eliminação, mas
por via de superposição. Quando o sol aparece, a luz das estrelas não é
apagada, mas apenas ofuscada. Os níveis inferiores e mais primitivos da
consciência não são descartados e postos fora de ação em virtude da evolução,
mas são integrados num conjunto maior, mais elevado e eficiente que o anterior.
A passagem de um nível para outro acarreta uma transformação total de
personalidade desde o físico até o mental. Células, órgãos, sistema nervoso e
cérebro, este acima de tudo, passam por um processo de modificação e de
aprimoramento cujo objetivo é adaptá-lo ao desempenho das funções
correspondentes ao novo nível de consciência.
O surgimento da consciência reflexa certamente terá
influído de forma decisiva na determinação do perfil somático do Homo Sapiens, notoriamente diverso do de
seus antecessores. A posição ereta faculta ao Homo Sapiens olhar mais longe, mais longe do chão e mais longe no
espaço e tempo. A capacidade de dirigir o olhar para além e para o alto depende
da postura física e do andar. O corpo diz coisas essenciais acerca do nível
evolutivo de um ser humano.
Do
manuscrito “EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA RELIGIOSA” de Pe. José Marcos Bach, SJ
A CONSCIÊNCIA, O BEM MAIOR
... estou convicto de
que o mal não levará a melhor sobre o bem. Isto porque o homem continua
portador de uma consciência formidável
em recursos e surpresas.
É preciso crer no
homem no que nele há de mais humano e de melhor.
De nada adiante crer em Deus, quando
não se tem mais fé no homem, um ser maravilhoso e essencialmente bom.
Não tenho conhecimento de nenhum
sistema ético-social que tenha o homem, e, portanto, a consciência, como centro de referência.
A
consciência é formalmente subordinada aos ditames da razão, às leis da
natureza e à Palavra ou à autoridade de Deus.
À
consciência apenas resta o papel de subscrever o que já foi decretado por outras
instâncias...
O que nesta perspectiva resta para a consciência é o papel de
“gata borralheira”, e nada mais.
... a legitimidade de um sistema
moral e social depende do papel que
reserva à consciência, antes de tudo.
A revolução moral, que
se exterioriza sob a forma de contestação e rejeição dos velhos sistemas de tutela
político-ético-religiosa, encontra-se apenas em sua fase inicial, pois ainda
não passou da contestação crítica e do discurso para o plano das consciências.
Os que rejeitam a tutela moral e
religiosa não se apercebem dos laços de tutela ideológica que reduzem tantas
vezes a palavras sem sentido a sua retórica libertária.
A contestação crítica
séria é uma fase passageira, embora necessária.
O objetivo é a autonomia moral da consciência, uma coisa completamente
diferente do permissivismo sem rumo.
Pe. José Marcos Bach, SJ
“A CONSCIÊNCIA, ESTA DESCONHECIDA”
A consciência, a mais nobre das faculdades
humanas, é também a que menos atenção tem merecido pela maior parte dos
educadores. É solo praticamente inexplorado, mas de imensas potencialidades
ético-culturais. O nível real de uma
civilização só pode ser determinado tomando-se por critério de base o papel e o
lugar reservado à consciência. ... É somente pela consciência que o homem
emerge da biosfera para iniciar a formação do seu mundo específico, a noosfera.
É pela consciência que ele se revela de modo insofismável como ser espiritual,
como pessoa, como sujeito de si e criador da sua natureza.
Sabemos definir a consciência bastante bem.
Só não sabemos o que fazer com ela na vida real.
Será que o advento do computador, do
radiotelescópio, do acelerador de partículas, o raio laser, as astronaves,
etc.,etc., não trazem em seu bojo a liquidação dos sistemas atualmente
vigentes? Será que a consciência, que sempre foi tida na conta de luxo
biológico, não vai ter que passar para o comando de uma nave demasiadamente
complexa para ser dirigida pelos simples recursos da técnica e da razão? A
máquina do progresso montada pelo homem moderno tornou-se muito perigosa. O
simples jogo de interesses é insuficiente para trazer à tona o que em cada
homem há de melhor. Mas é preciso que isto aconteça, pois o egoísmo
(individual, nacional ou classista), a imprevidência e a inconsciência chegaram
a estados intoleráveis. O que há de melhor em cada ser humano só despertará
nele juntamente com o despertar da consciência.
Nada no íntimo da pessoa consegue
manifestar-se de maneira tão tormentosa, quanto a consciência. Uma boa
consciência é o que há de melhor para temperar as boas coisas da vida e
dar-lhes sabor.
Pe. José Marcos Bach, SJ
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