REVISÃO DO CONCEITO FAMÍLIA
Nenhuma instituição social, seja ela política,
cultural ou religiosa se dispõe a admitir sua parcela de culpa numa determinada
situação. Seus porta-vozes não admitem que a situação da família seja tão
desastrosa quanto dão a entender as estatísticas. Basta verificar os números para chegar à conclusão de que é
preciso pensar em fazer mudanças, mudanças profundas, capazes de abalar a
estrutura e até a própria base cultural do atual conceito de família.
À crença ingênua de que estas mudanças vão ocorrer à
revelia do homem e de sua disposição de operá-las, é preciso opor, não apenas
outra crença, mas uma atitude de fé
como a que Jesus exigia de seus discípulos. O homem crente transfere à
competência de terceiros o que na verdade é de sua responsabilidade pessoal.
Atribuindo à autoridade dos pais sobre os filhos uma
origem divina, esta passa a ser exercida em nome de Deus e sob a jurisdição da
Igreja, representada no caso por sua classe dirigente. A autoridade dos pais é
de inspiração divina, não resta dúvida, mas seu exercício não pode ser
terceirizado, isto é, não passa pela jurisdição e intermediação da Igreja ou de
outra entidade religiosa qualquer.
O casamento é muito mais do que um simples contrato social. A simples
definição do quadro jurídico-moral através da distribuição de direitos e
deveres passa ao largo do essencial.
A família que vamos precisar, ainda não existe. Por
ora não passa de ideal utópico. Os
modelos existentes, o patriarcal, o doméstico e o atômico contêm elementos
aproveitáveis, mas cada um deles por si é incapaz de prestar a uma humanidade
mais evoluída a contribuição social que só ela é capaz de oferecer. Seria
rematada estupidez pensar em substituir a família por outra instituição
qualquer: política, ideológica ou religiosa.
É preciso ter a ousadia de pensar em algo de novo, em
algo que pela primeira vez está
procurando um lugar na história dos homens.
Utópica é toda realidade que ainda não encontrou um
lugar (topos, em grego) na vida
social humana, mas que o está procurando.
A família humana não é uma invenção da natureza, mas
é obra do espírito humano. O tempo em que a luta pela vida se resumia na luta
pela sobrevivência física e biológica, está cedendo lugar a outro tempo, o
tempo da luta pela sobrevivência espiritual. É mais que evidente que o tipo de
organização social centrado na luta pela sobrevivência física só pode dar
origem a um modelo de organização familiar do mesmo tipo.
Hoje nos defrontamos com uma realidade em que a
sobrevivência física é mais precária do que nunca. As armas nucleares nos deram
de presente a possibilidade de nos autoextinguir como espécie biológica. Sem
falar nas armas químicas e biológicas. A água que bebemos vem de longe e a
comida que colocamos em nossas mesas não é fruto do nosso trabalho. Não foi
produzida por nós, nem sequer por alguém que nos ama.
O ambiente urbano não é o mesmo que o ambiente rural.
A maioria dos que vivem nas cidades é composta de pessoas que nasceram no campo
e ainda trazem a roça em suas almas. Existe em suas consciências uma dicotomia,
um fosso que as impede de encontrar a unidade
interior. A necessidade as prende à cidade, mas a saudade as mantém presas
ao mundo rural. Sentem-se deslocadas, divididas e incapazes de morar plenamente
em si mesmas. “Quem quer ser normal deve saber morar, sem restrições, em si
mesmo”, afirma Carl Gustav Jung.
Não são apenas os indivíduos que podem tornar-se
esquizofrênicos, mas é possível que o mal atinja uma família inteira. É óbvio
que não se pode esperar de uma família urbana o que se pode exigir de uma
família campesina.
Muita capacidade de discernimento é necessária para impedir que se jogue fora o que não
pode faltar numa visão verdadeiramente inteligente do papel da família numa
sociedade para a qual não apenas o passado histórico, mas até o planeta Terra
se tornou pequeno demais. Além deste, de jogar fora o que deve ser conservado,
existe o perigo de conservar o que deve ser abandonado.
Discernir significa separar, julgar. E tem como
objetivo possibilitar uma escolha mais inteligente e racional. É no terreno dos
valores que se pretende operar uma triagem.
Num ambiente social conservador o antigo vale
sistematicamente mais do que o novo. O moderno é visto com suspeita. Uma
verdadeira teia de preconceitos e uma vigorosa onda de desconfiança cercam,
ainda hoje, tudo o que integra os valores do mundo moderno. Os preconceitos
mais robustos e as suspeitas mais arraigadas contra o moderno provêm dos
setores religiosos. Um dos valores mais destacados do mundo cultural moderno é
o processo de secularização ou laicização.
Tem por objetivo restabelecer a autonomia do profano
em relação ao sagrado. Atinge os setores religiosos institucionalizados na
medida em que estes procuram proteger seus interesses, abrigando-os sob o manto
do sagrado.
A tutela religiosa de que a família é alvo, é
amparada pela tese de que ela é uma instituição de origem divina, cabendo, por
isso, aos representantes de Deus a missão de zelar por ela. Este zelo envolve
mais do que simples cuidado, pois envolve também poder e autoridade.
Qual a religião em que a família não é considerada
domínio religioso? Sujeita, portanto, à autoridade de superiores autopromovidos
à condição de tutores da família.
Nada há no homem que seja mais livre e soberano que a
sua consciência. Ninguém tem mais respeito por esta liberdade que o próprio
Deus. A extensão deste respeito chega a ser escandalosa, pois inclui a
existência de um inferno e de ambientes sociais em que é permitido rejeitar
Deus.
O amor de Deus não é um amor que não é permitido
renegar e desprezar. O amor é sempre muito maior do que a capacidade humana de
compreendê-lo e de lhe corresponder. Jesus sabe disso melhor do que ninguém.
Nossos amedrontados pastores ainda estão por descobrir a diferença que os
separa da Pessoa do Bom Pastor.
Pastor inteligente e digno da confiança de suas
ovelhas é aquele que sabe consultar o instinto de suas ovelhas.
Autonomia não é o mesmo que independência. O homem é
um ser social não porque necessita da companhia de semelhantes seus, ou porque
dependa deles. Aquele que ama não renuncia à sua liberdade, mas a funde com a
de outro. Só o amor consegue esta façanha.
Fusão é mais do que simples soma. É síntese. A soma
de um (1) mais um (1) é dois (2). Mas o resultado da multiplicação de um por um
é um.
Aplicando esta técnica ao amor pode-se dizer que o
amor não soma, nem divide, mas multiplica. Não destrói a unidade existente, mas
a eleva a um plano superior, mais rico em potencialidades. A condição de ser
social não torna o homem um necessitado, um indigente, um indivíduo incompleto
e que a única resposta que lhe resta é a atitude de submissão e o sacrifício de
parcela da sua liberdade em proveito do bem comum.
Nem dependência nem independência, mas interdependência, é este o laço que uma
relação de amor costuma gerar.
Na medida em que uma dependência passa a ser
recíproca, ela deixa de ser humilhante e injusta e passa a ser libertadora.
Simone de Beauvoir, em sua autobiografia, atribui a
sua conversão ao ateísmo pela ideia de que Deus não precisava dela, ao passo
que ela dependia em tudo de Deus. A verdade é, no entanto, outra: “Deus,
cansado de se ver servido por escravos amedrontados e pusilânimes, resolveu dar
início a um novo capítulo da história humana em que o homem é elevado à
condição de sócio de Deus. O próprio Deus, assumindo o homem como sócio,
tornou-se, Ele mesmo, ‘Sócio’ do homem”.
Se é verdade que o resultado desta nova sociedade é
lastimável sob tantos aspectos, também é verdade que este é o único modo de
tornar o homem sujeito da sua história e não mero espectador.
Padre Marcos Bach
PREPARAR O FUTURO DA VIDA FAMILIAR
O futuro da vida familiar vai depender em grande parte da
capacidade de homens e mulheres de fazer do casamento um autêntico pacto de
amor.
A palavra pacto indica que se trata de um compromisso
destinado a selar um projeto de vida em comum.
A palavra amor implica em compromisso irreversível. Também
o amor exige sacrifícios. Ninguém, no entanto, se dispõe a fazê-los se não
tiver a certeza de que vale a pena.
O tempo é o pior inimigo do amor. Só um amor eterno é capaz
de sobreviver às vicissitudes da vida. Fidelidade conjugal e indissolubilidade
do matrimônio ou brotam do próprio amor, ou não têm como sustentar-se. Impô-las
em nome da lei moral não é suficiente para proteger um casal contra a tentação
do adultério e do divórcio.
Só um grande amor é capaz de proteger um casal contra a
tentação do adultério e do divórcio. Só um grande amor é capaz de proteger um
casamento dos perigos que ameaçam a sua estabilidade.
Rezar e frequentar os sacramentos pode ser muito bom, desde
que não se destinem a suprir a falta de amor. A oração não tem o poder de
substituir a falta de diálogo entre marido e esposa. Um amor que não vai além
da morte está exposto ao risco de morrer a qualquer momento. Só merece a
qualificação de religioso o casamento que inclui Deus e a Eternidade em sua
perspectiva. A morte só tem o poder de pôr fim ao casamento, mas não a um pacto
de amor. Romeu e Julieta morreram, mas o amor deles continua vivo. Não somente
na memória do povo, mas também nos registros de Deus.
Casamentos que morrem como moscas em fim de outono, nunca
foram mais do que “pau de amarrar égua”, diria o nordestino. Este é o casamento
que resulta da conjugação de interesses. Onde o pai dá a sua filha em casamento
ao filho de um fulano com a intenção de melhorar o seu próprio cacife
social-político, continua vivo. As Igrejas abençoam estes arranjos com as suas
melhores bênçãos. Declaram como sendo religiosos casamentos que não merecem a
menor confiança. Desacreditam deste modo a si próprios e ao matrimônio como
instituição social séria.
Engana-se rotundamente quem acha que para assegurar a um
casamento a desejada estabilidade basta envolvê-lo numa rede protetora de normas
e prescrições. Nem o mais severo e nem o mais belo sistema moral têm condições
de assegurar a um casamento nem mesmo aquele mínimo de durabilidade, sem a qual
nenhuma espécie de ordem social é possível. A saúde de uma sociedade está
íntima e profundamente ligada à saúde sexual de seus membros. E esta é, por sua
vez, determinada pelo nível em que homens e mulheres se relacionam sexualmente.
Celibatários pouco têm a dizer quando o assunto se relaciona com a maneira mais
saudável de fazer uso do potencial sexual. O número de celibatários não é
indicador de saúde sexual. Assim como o número de divorciados não é indicador
de progresso e de maturidade sexual.
O problema crucial não
está em saber (ou não) onde ir, mas em saber como chegar até lá.
Padre Marcos Bach
O SUFOCO DA FAMÍLIA ATUAL
É preciso tirar a família da atmosfera
pragmático-utilitária que a está sufocando. A família não se destina a produzir
resultados contábeis. Não persegue fins, mas se destina a revelar significados.
Possui caráter simbólico, pois é sinal, sinal sacramental de uma realidade
maior, mais ampla. Este mundo maior do qual é sinal visível, não é nem a nação,
nem a Igreja. Temos que situá-la num plano muito mais abrangente, mais próximo
do universo dos valores absolutos.
“O Universo está-se expandindo”. É o que nos dizem os
astrofísicos. Ora, se é assim, então seus componentes também se encontram em expansão. Logo, também a família tende a
se expandir, exigindo mais espaço na medida em que o tempo passa. Manter uma
família é hoje um verdadeiro sufoco.
Antes de pensar em como libertar a vida familiar das
muitas teias e peias que a prendem, é necessário analisar em profundidade as
causas deste sufoco.
Um primeiro empecilho a ser enfrentado é a falta de
vontade política e a coragem de chamar os “bois” pelo nome. Nenhuma instituição
social seja ela política, cultural ou religiosa se dispõe a admitir sua parcela
de culpa na situação. Seus porta-vozes não admitem que a situação da
família seja tão desastrosa quanto dão a entender as estatísticas. Basta
verificar os números para chegar à
conclusão de que é preciso pensar em fazer mudanças, mudanças profundas,
capazes de abalar a estrutura e até a própria base cultural do atual conceito
de família.
À crença ingênua de que estas mudanças vão ocorrer à
revelia do homem e de sua disposição de operá-las, é preciso opor, não apenas
outra crença, mas uma atitude de fé,
como a que Jesus exigia de seus discípulos. O homem crente transfere à
competência de terceiros o que na verdade é de sua responsabilidade pessoal.
Também no terreno político-moral existe o fenômeno da terceirização.
No campo religioso católico o fenômeno se manifesta
na tendência a convocar leigos e até mulheres para exercerem funções antes
reservadas a sacerdotes.
Atribuindo à autoridade dos pais sobre os filhos uma
origem divina, esta passa a ser exercida em nome de Deus e sob a jurisdição da
Igreja, representada no caso por sua classe dirigente. A autoridade dos pais é
de inspiração divina, não resta dúvida, mas seu exercício não pode ser
terceirizado, isto é, não passa pela jurisdição e intermediação da Igreja ou de
outra entidade religiosa qualquer.
Não são os padres que têm o encargo de dizer aos
casados como desempenhar a sua vocação de pais e mães. Pelo contrário, são
eles, os pais, que têm o encargo de “encarnar”, não só a autoridade, mas, antes
de tudo, o Amor de Deus.
O casamento é muito mais do que um simples contrato social. A simples
definição do quadro jurídico-moral através da distribuição de direitos e
deveres passa ao largo do essencial.
Padre Marcos Bach
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA FAMÍLIA DO FUTURO
- Seria um equívoco lamentável supor que a família do
futuro será o resultado de um processo de uniformização. Temos atualmente
vários tipos de família: a família patriarcal, a família doméstica e a família nuclear.
- Não devemos pensar a família do futuro como o
resultado de um processo de uniformização, como é o desejo dos que sonham com a
família dócil a desígnios superiores.
- A família do futuro só pode ser mais aberta, mais
autônoma e mais criativa que as de hoje.
- Moderno é o
que está de acordo com o seu tempo e com o nível cultural do seu ambiente.
Moderna nos dias de hoje é a família nuclear, a pequena família, pouco
numerosa.
- Moderna é a família em que a mulher exerce uma
profissão como o marido.
- Moderna é a família em que os filhos dispõem de um grau de liberdade nunca
dantes visto!
- A humanidade evolui e se humaniza dando passos para
frente e deixando o passado para trás:
1) O modelo patriarcal
de família ou de organização social está definitivamente superado. A família do
futuro não será patriarcal.
2) A família doméstica
possui mais virtudes que a patriarcal e tem mais chances de continuar viva
desde que consiga reproduzir na cidade o ambiente sociocultural típico do
campo.
3) A família nuclear
será a família do futuro porque é pequena, leve e pouco condicionada pelo peso
de costumes herdados e de valores consagrados. Mas ela mesma terá que passar
por um processo de transformação.
- É o homem que deve organizar e operacionalizar este
processo e não pode esperar que aconteça por si ou que algum “Deus” o faça por
ele. Não é nos genes que é preciso mexer, mas na cabeça das pessoas e no seu
coração. Por outra: o problema é de natureza cultural.
- Ciência e tecnologia podem ser úteis, mas é no
interior das consciências que deve ocorrer a grande transformação. Ver-se a si
e o seu semelhante com outros olhos: eis a primeira lei de uma nova ordem de
valores!
A Ciência nos pode explicar muita coisa. Seria, no
entanto, pretensão descabida esperar dela receitas prontas!
O futuro da família e a família do futuro são
assuntos que fogem por completo da competência de cientistas e políticos. É
evidente que ciência e tecnologia têm algo de muito valia com que contribuir
para o advento de um mundo melhor e mais humano, mais civilizado e justo. Por
isso pode-se considerar como irracional a atitude de líderes religiosos quando
condenam a priori qualquer forma de
manipulação genética envolvendo seres humanos.
“In medio stat
virtus”, diziam os romanos. “Nem tanto ao mar nem tanto à terra”, diziam os
portugueses, que sabiam muito bem como navegar em mares procelosos!
A técnica se torna perigosa a partir do momento em
que se esquece de que o homem não é uma máquina. Ou um robô feito de peças que podem
ser substituídas.
A religião se torna obsoleta e inimiga do homem na
medida em que se coloca do lado de um “Deus” mais propenso a temer o homem do
que a confiar nele!
O mundo atual é dominado por tecnocratas dum lado e
teocratas do outro. Uns falam em nome do progresso e os outros em nome da
salvação da humanidade.
Não dispomos de um modelo de família pronto para
consumo. Como não se constrói uma cidade com os restos que sobraram de um
terremoto, do mesmo modo seria irracional tentar reconstruir a família com o
que dela sobrou. O melhor que podemos fazer é passar a patrola por sobre a
cidade em ruínas, remover os escombros, nivelar o chão e pensar em construir
uma Cidade Nova.
A família só existe como entidade abstrata. Visitar
uma família significa encontrar-se com um homem, uma mulher e um punhado de
crianças.
Se queremos ter uma ideia do valor desta família
temos que descobrir que tipo de relacionamento existe entre os seus membros.
Até que ponto este homem à nossa frente preenche os requisitos que associamos
ao papel de marido e de pai.
A mulher sentada à nossa frente é realmente a
companheira amiga com que todo homem sonha? E o que pensam dela os filhos do
casal? E o que pensam um do outro os membros desta família? Isto é que é
fundamental.
Fundamental não é o que possuem ou fazem, mas o que
sentem e pensam! Até que ponto formam um só coração e uma só alma? Importante é
o que cada membro está disposto a dar e a compartilhar com os demais e não o
que espera receber deles!
Padre Marcos Bach
FAMÍLIA E MORADIA
Numa família em que o vício e o crime ocupam o espaço
nobre do dia, todos, sem exceção, acabam se identificando com o que veem! O pai
sente inveja do “poderoso chefão”. A mãe chora o tempo todo. A filha se
apaixona pelo pior bandido só porque ele é belo. O filho se sente um trouxa
porque ainda acredita em Deus, em padre ou pastor! Pode-se chamar de sagrado um
ambiente onde mulher pode tirar a roupa a bel prazer? Onde o beijo é a arma
preferida dos casanovas da vida?
Bem, não é necessário ser puritano para perceber que
os piores inimigos do futuro espiritual da humanidade possuem alvará, e têm
permissão para entrar em qualquer lar e profaná-lo impunemente.
O primeiro requisito com que deve ocupar-se um casal
é de natureza eugenética. A pergunta à que devem responder honestamente e por
conta própria é esta: Temos condições de gerar filhos sadios e geneticamente
mais evoluídos do que nós? Pois a eugenética vai ocupar lugar de destaque na
futura ética sexual.
A segunda pergunta a que o casal deve resposta é
esta: Temos uma casa que mereça o nome de lar? Pior do que passar fome é morar
nas condições em que milhões de brasileiros vivem! O casamento acontece de fato
quando um casal passa a morar na mesma casa.
É cinismo puro dizer a uma mulher que ela é dona de
casa quando na realidade ela não é dona de nada. Nem o mísero barraco em que
vive lhe pertence! Bem que se poderia aplicar a ela e sua família o ditado:
“Dize-me como moras e eu te direi quem és”.
O futuro da instituição familiar está intimamente
ligado ao problema da moradia. A moral católica não é a única a ignorar este e
outros aspectos de natureza logística da problemática familiar, mas é
certamente a maior culpada, pois gasta milhões na construção de templos e de
mosteiros, pouco se importando com o problema habitacional das classes menos
favorecidas!
Onde uma pessoa dorme e como passa a noite é tão
importante quanto o modo como passa o dia. A ausência de preocupações desta
ordem desacredita qualquer projeto político, moral ou pastoral.
“A miséria é incompatível com a prática da virtude”.
A afirmação é de Santo Tomás de Aquino. Sem um mínimo de conforto, de segurança
exterior e de bem-estar físico a fé em Deus e a comunhão de almas são
simplesmente impossíveis.
É simplesmente ridículo afixar na entrada de um
barraco imundo e malcheiroso uma tabuleta com os dizeres: “Aqui mora gente
feliz”!
Quem não é feliz não é gente. Menos ainda pode
considerar-se cristão. A felicidade é muito mais que simples epifenômeno moral,
ou mera consequência de uma vida virtuosa. É Santo Tomas de Aquino que
subscreve com sua autoridade de Doutor da Igreja a tese de Aristóteles, para
quem a “eudaimonia”, isto é, a
felicidade, é elemento constitutivo de todo ato moral. E moral é todo ato
humano especificamente humano. A racionalidade e o bom senso, a liberdade e a
consciência do que se está fazendo, o amor que o determinam, assim como o
prazer e a felicidade que o impregnam são mais que meros adjetivos da boa ação.
A felicidade é mais do que a satisfação que nasce do
equilíbrio entre o desejo e a necessidade dum lado, e da capacidade de cada
indivíduo de lhes dar uma resposta adequada. Há pessoas que passam a existência
sem ter conseguido jamais penetrar nos arcanos mais profundos do seu inconsciente.
Não sabem o que perdem!
Padre Marcos Bach
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
A Igreja teima em dar precedência a princípios de
doutrina em lugar de se preocupar com a necessidade real dos casais. O controle
racional da natalidade fica, por isso, a cargo de cada casal. Se o casal não
pode contar nem com o Estado, nem com a sua Igreja na hora de escolher o método
mais apropriado, então tem também o direito de optar pelo que lhe parece mais
seguro, menos prejudicial à saúde e à harmonia conjugal.
Quem não tem direitos, também não tem obrigações:
este axioma é fundamental tanto no campo jurídico como no plano ético. Ninguém
é obrigado a usar um determinado método quando este método não proporciona a
segurança necessária; quando interfere de forma séria no relacionamento
conjugal e quando prejudica a saúde. Por ser católico um casal não pode
submeter sua razão e sua consciência cegamente a imposições decretadas por uma
autoridade externa. O uso racional da sexualidade não é um assunto que se possa
definir a priori. E por quem não é o
sujeito portador da razão.
O natural no homem é o racional. O biológico e o
fisiológico não podem ser tomados como manifestações da lei natural, a menos
que se queira levar a moral de volta às cavernas da pré-história. Amarrar a
espontaneidade do amor entre esposos ao ritmo dos ciclos férteis ou estéreis da
mulher é o mesmo que desconhecer a diferença entre um casal humano e o
comportamento normal de um casal de chimpanzés. De que valeria a um casal o ser
livre e dotado de razão se não tivesse o direito e a liberdade de estender o
domínio da sua razão também à atividade reprodutiva? Por que um casal humano é
obrigado a submeter sua liberdade a determinismos biofisiológicos como se
fossem mais sagrados do que a consciência livre do homem?
Com que direito se pode chamar de natural um método
que é o oposto do que é normal entre animais? É justamente no período fértil da
fêmea que os animais copulam. Fora deste período praticam a continência. Como
se pode pensar em impor à consciência de um casal como natural um procedimento
que os animais desconhecem? O máximo que se pode dizer dos ensinamentos da
Igreja referentes ao planejamento familiar é que são contraditórios, confusos e
destituídos de base confiável. O apelo à autoridade papal não é suficiente para
estabelecer uma obrigação moral. Argumentos filosóficos, extraídos de um
sistema particular, como é a Escolástica, também não bastam para criar a
certeza concreta sem a qual não há obrigação moral.
“In dubiis
libertas”! Enquanto a Igreja não encontrar razões mais convincentes em
favor de seu ensinamento nesta matéria de que tratamos, nenhum casal é obrigado
a segui-lo.
O que estou questionando não é a autoridade da
Igreja, mas um modo leviano e desabusado de exercê-la. É isto que um casal
católico (pois são eles os únicos atingidos pelas diretrizes do Vaticano!) deve
e pode ter em mente: “Obedecer à Igreja é mais do que obedecer ao papa”! O papa
não é a Igreja. É apenas parte dela. A voz do magistério da Igreja inclui a dos
bispos. O diálogo do povo católico com o seu bispo é mais fácil, porque o bispo
fica mais perto, e é também mais profícuo, pois eles, povo e bispo se conhecem
melhor. Infelizmente a maioria dos bispos é nomeada pelo papa sem que o povo
tenha parte no processo. Como resultado deste modo de proceder, o bispo é
alguém que se sente mais comprometido com Roma do que com o povo da sua
diocese. Mais prisioneiro do Código de Direito Canônico do que servo do Povo de
Deus.
Sem diálogo e sem um mínimo de negociação entre o
Povo de Deus e os Pastores da Igreja não há como sair do impasse existente
entre o que os pastores ensinam e o que o povo pratica. É difícil encontrar
terreno onde a discrepância entre o que se ensina e o que se pratica é tão
flagrante e cheia de riscos potenciais quanto este de que estamos tratando.
Uma boa máquina necessita de válvulas de segurança.
Para mantê-la em função não basta apertar os parafusos sempre mais. Vem o dia
em que os parafusos estouram. No campo da ética sexual tal como é imposta pelos
papas à consciência dos católicos, este dia não está longe. Na origem da atual
anarquia sexual está também a moral católica por excesso de rigor e por desconhecimento
quase total das condições psicológicas e culturais do homem moderno. O que os
censores da moral católica mais ignoram é a ascensão da mulher em praticamente
todos os palcos da sociedade moderna.
Padre Marcos Bach
PRESTANDO ATENÇÃO À JUVENTUDE TEREMOS FAMÍLIA
Se queremos uma nova
sociedade humana temos que pensar num novo modelo de família. E se temos o
propósito sério de não continuar a malhar em ferro frio, temos que pensar no
tipo de rapaz e de moça com que vamos poder contar para a execução de tal
projeto.
Não basta esboçar um
modelo teórico de família se não temos quem o execute na prática. Um modelo não
se impõe por decreto e de cima. Um modelo tem que ser belo e atraente, pois é
pelo caminho do fascínio que ele se imporá à consciência dos futuros pais e
mães de família.
Não se ama nem se deseja
o que não se conhece. A família é um valor cultural a respeito do qual existe
muito mais palpite do que conhecimento científico e filosófico. Normas não
faltam, o que falta é conhecimento. (Comparando): Preocupamo-nos com o estado do carro e um
pouco menos com a trafegabilidade das estradas, mas quase nenhuma atenção
prestamos à capacidade e ao estado de espírito dos motoristas. No caso da
família o motorista é o casal. Se eles não sabem como dirigir uma família,
ninguém poderá substituí-los nesta tarefa, nem escola, nem igreja.
O que se pode esperar de
jovens que gastam tempo precioso, saúde e o melhor das suas energias em
bacanais, orgias noturnas? O que terá com que contribuir para uma futura vida
de família o punhado de jovens fanatizados, mais dispostos a dar a sua vida do
que vivê-la plena e integralmente?
Quem está mais disposto
a dar a sua vida e a sacrificar-se por uma grande causa não deve pensar em
fundar uma família e faz bem quando decide abraçar a vida celibatária. Quem tem
vocação para mártir não deve abraçar a vida matrimonial. O matrimônio não é
nenhum calvário e a família não é nenhum purgatório ou lugar de expiação.
Alimentamos a crença de
que a juventude termina com o início da vida de casado. Com o casamento termina
a vida fácil. Não é isto que o casal de noivos é obrigado a ouvir nos cursos de
noivos? A vida que um rapaz e uma moça levaram antes de casar será a mesma que
vão viver depois quando casados. É superstição pura e irresponsabilidade total
imaginar que uma simples troca de etiqueta social possa operar o milagre de
transformar um libertino irresponsável num pai de família responsável e digno
de crédito. Ninguém se converte “a toque de caixa” e “ex opere operato”, isto é, por obra do poder mágico de um gesto
sacramental.
Quem desperdiçou a
juventude é, via de regra, aquele a quem não foi permitido ser nem adolescente
nem criança. É pura ilusão imaginar que ele tenha condições de um dia se
comportar como adulto.
Se queremos que a
humanidade de amanhã seja melhor que a de hoje, temos que dar mais ouvido ao
que o mundo jovem nos está dizendo. Extremamente importante é saber o que eles
pensam da família e que tipo de família pretendem fundar um dia.
São jovens que arrebatam
medalhas nos jogos Olímpicos. São jovens que morrem nos campos de batalha.
Tem-se a impressão de que ser jovem é algo que começa logo no início da
existência, chega aos tropeços e termina bem depressa. Além de tudo cometemos o
erro de considerar o corpo como portador da juventude, deixando de lado a alma,
a mente e o espírito. Confundimos saúde com bem-estar físico e juventude com
vigor físico. Além de definir mal o que significa ser jovem e além de situar de
maneira errada a juventude no contexto existencial todo, cometemos o erro de
não preparar nossas crianças para esta fase tão crucial de suas vidas.
Ser jovem não é algo que
dura pouco e mais se parece com castigo do que com festa.
Enquanto a moçada sonha
com emprego e casamento, suas mães lotam os institutos de beleza e as clínicas
de cirurgia plástica. O jovem quer tornar-se adulto o mais depressa que for
possível. Os “coroas” fazem de tudo para dar a impressão de que continuam
jovens.
A juventude é uma
propriedade da vida humana e não apenas uma fase passageira. E não é
condicionada pelo estado físico de uma pessoa. É curioso verificar que o
cérebro humano não envelhece. Mesmo estropiado, sempre volta a encontrar um
modo de se refazer. Velho é aquele que se autodefine como tal. Jovem pelo resto
da vida é o adolescente que soube assumir a sua borbulhante juventude.
A preocupação dominante em
nossos ambientes educativos não inclui a tese de que infância, adolescência,
mocidade, meia-idade e terceira idade formam um todo unificado e não podem ser
tratados como etapas separadas e sem interrelação entre si. A passagem de uma
etapa para outra não pode ser interpretada como ruptura. A larva que se torna
crisálida carrega consigo tudo o que de aproveitável conseguiu acumular durante
o tempo em que era bicho cabeludo.
O bom comportamento de
um adolescente depende do modo como este pôde viver a sua infância. Jovem
responsável será o que pôde viver a sua adolescência sem o sufoco de uma
disciplina castradora.
O adolescente quer
aprender a ser moço e este quer aprender a ser adulto. Cada nova fase oferece
um repertório inesgotável de lições novas. A criança que nada aprende jamais
será outra coisa do que uma “grande criança”.
O velho sábio digno de
toda a admiração e de todo o amor deste mundo é tão infantil quanto o bebê
aninhado no colo da mãe. É adolescente tão iconoclasta quanto os que mais o
são. E jovem porque continua tão otimista e idealista como era no tempo em que
frequentava a universidade.
Padre Marcos Bach
O MATRIMÔNIO E A FAMÍLIA
É o matrimônio e a família uma invenção da
mãe-natureza ou uma criação da mente racional do homem? Ou por outra: é a
família, como a conhecemos, o resultado de um processo biológico e biogenético
ou é, pelo contrário, um processo especificamente cultural e tipicamente
humano? Podemos confiar à natureza a tarefa de orientar o homem quando o
assunto é vida em sociedade? Se fôssemos entregar a machos e fêmeas a
organização da atividade sexual, provavelmente nos encontraríamos no mesmo
estágio evolutivo que o chimpanzé bonobo. Ou, na melhor das hipóteses,
estaríamos marcando passo com nossos ancestrais remotos, com os representantes
do Homo Troglodita. A humanidade
progrediu neste terreno porque criou mecanismos de controle social, tirando o
assunto do terreno da livre iniciativa particular e impondo restrições à livre
expansão do desejo individual.
Da subordinação do
interesse individual ao da espécie é que nasce a Moral. Entre lobos o
privilégio de engravidar as fêmeas é prerrogativa do chefe do bando que terá
este direito enquanto for o macho mais forte do bando. Mais importante do que
manter os outros machos afastados do “harém” era manter as fêmeas em clausura e
impedi-las de usar seus encantos naturais para seduzir outros machos. Mais que
aos machos é preciso trazer de olho as fêmeas. “É através de uma mulher que o
pecado entrou no mundo”, rezam os Livros Sagrados de judeus, cristãos e
muçulmanos. A mulher é o perigo. Manter a mulher longe do altar é imperativo
categórico de quem deseja proteger a virtude contra o vício. Não é por acaso
que a palavra virtude tenha parentesco etimológico com a palavra latina “vir”, que significa varão.
Já entre os judeus antigos a mulher de verdade era a
dona de casa circunspecta e corajosa, capaz de administrar sozinha os bens do
marido. Aqui no Brasil tornou-se emblemática a figura da Amélia, mulher de
verdade, disposta a “engolir todos os sapos” que o marido lhe jogava no prato.
Nossa situação no campo do relacionamento sexual é
desastrosa. Onde foi que erramos tanto a ponto de não sabermos mais se vale a
pena retomar o fio da história ou se o mais indicado é desfazer-se do passado e
começar da estaca zero?
Durante milênios exageramos no terreno dos controles
sociais. Elaboramos um código moral hipócrita e repressivo, onde evitar o mal
era mais importante que praticar o bem. Guindamos o celibato e a abstinência
sexual à condição de castidade perfeita. Permitimos que a mulher fosse
subordinada ao homem e tratada como cidadã de categoria inferior. Não
permitimos que uma criança descubra o sexo e a sexualidade como uma das maiores
maravilhas do mundo. Associamos sexo e prazer à noção de pecado numa medida que
beira à histeria, ao menos no ambiente dos devotos da virtude angélica.
Bem cedo uma criança aprende a cobrir o sexo com o
manto da vergonha. Associamos sexo com sujeira e porcaria. O que acontece ao
abrigo dos lençóis de uma cama de casal é tabu, assunto que não se comenta.
O animal obedece a seus impulsos sem o menor
constrangimento. Um homem que fizesse o mesmo se exporia ao risco de morrer
apedrejado. Somos “animais”, mas temos que renegar nossa animalidade se
quisermos que não nos internem num Jardim Zoológico.
Não somos anjos, mas no campo sexual somos incitados
a imitá-los. Já que anjos são por natureza seres assexuados, a prática da
castidade angélica só pode coincidir com a prática da abstinência total.
O animal pode confiar em seu instinto e os anjos
podem confiar em sua condição de espíritos puros, só homens e mulheres não
podem confiar em seus impulsos “venéreos”. Sabem que se existe em alguma parte,
dentro e/ou fora deles, um ponto de equilíbrio, uma forma de comunhão sexual
mais tranquila, ela se encontra de momento mais distante do que nunca. E o que
é pior: a perturbação aumenta com cada nova descoberta científica. A confusão
aumenta na mesma proporção em que descobertas científicas e metacientíficas
ampliam o leque de conhecimentos que temos da sexualidade humana.
Esta confusão de ideias, de valores e de critérios de
avaliação é típica de épocas de transição. Há na história do progresso humano
épocas em que a mente humana mais se assemelha a um liquidificador ou
batedeira. Neste período da história as mentes mais argutas se dedicam à tarefa
de retalhar o manto inconsútil das verdades consagradas.
Padre Marcos Bach
AS LIÇÕES DO AMOR
A loucura com que Cristo ama esta humanidade
enlouquecida ainda não mereceu a honra de uma Encíclica papal.
Quem quer ser médico não pensa em inscrever-se logo
de vereda numa Faculdade de Medicina. Passa a frequentar, antes de mais nada, o
primeiro ano de um Curso Primário. Onde poderá encontrar esta “schola affectus” aquele que um dia
pretende diplomar-se como adulto numa “schola
affectus” de grau superior?
Onde vai aprender as primeiras lições de amor? Não é
na família que o menino aprende a ser pai e a menina a ser mãe? As mais
preciosas lições da vida ou se aprendem na primeira infância e no seio de uma
família que mereça este nome, ou não se aprendem nunca mais. É no seio da vida
familiar que homens e mulheres aprendem a se respeitar mutuamente e a se amar
como irmãos.
O único pecado que
cultura alguma deixa de condenar como imoral é o incesto. É no contato com a
filha que um pai aprende como respeitar uma mulher. Quem não aprendeu na
família que o desejo pode ser o pior inimigo do amor, poucas chances terá de
aprender a lição em outra escola! É, portanto, pela revitalização da família
que devemos começar.
É pela reforma do Ensino
Primário que é preciso começar se quisermos um dia poder contar com
Universidades de elevado padrão cultural e pedagógico. Não há Universidade
capaz de substituir a família e de suprir suas deficiências de um sistema
educacional basicamente falido.
Boa parte do conflito de gerações provém do fato de
que cada geração nova vê o amor com outros olhos que a anterior. Está ficando
cada vez mais claro que o futuro da humanidade é uma questão de amor! E se é uma questão de amor, é também uma questão
de gosto. O santo que merecia ser canonizado é aquele que declarasse alto e bom
som: “Amo porque gosto de amar! É o único prazer capaz de me seduzir a ponto de
dar a própria vida por aqueles que amo”!
Se Jesus tivesse tido a oportunidade de pronunciar um
discurso de despedida momentos antes de sua morte, talvez teria dito: “Morro
feliz, porque morro amando”! Feliz o discípulo de Cristo que pode dizer o mesmo
na hora de morrer!
Jesus amou indo até o extremo limite da capacidade
humano-divina de amar! “Amou os seus até o fim” (Jo 13,1).
Somos capazes de conduzir uma guerra até o seu mais
trágico fim, como aconteceu na II Guerra Mundial. Mas somos incapazes de
conceder à lógica do amor e da solidariedade fraterna o mesmo direito.
Por ora só Deus se dispôs a amar a humanidade como
todos poderíamos amar-nos se assim o quiséssemos! O que muita gente critica no
jovem de hoje é sua alergia a compromissos. Tudo o que nós, adultos, definimos
como compromisso não passou pelo crivo da consciência do mundo juvenil. Os
jovens não são propensos a continuar prisioneiros do passado e a assumir
compromissos que os obrigam a viver a vida de costas para o futuro!
Houve época em que era praticamente impossível
imaginar sequer um futuro diferente do passado. Hoje temos conhecimento
suficiente para desdobrar o futuro em uma variedade bem grande de mundos
alternativos. Assim como a natureza nos oferece uma impressionante variedade de
paisagens, umas tão diferentes das outras que nem parecem fazer parte do mesmo
planeta, do mesmo modo a mente humana tem condições de criar uma paisagem
cultural igualmente variada. O perigo metafísico que ronda as religiões
monoteístas reside na sua incapacidade de integrar o princípio da variação em
sua imagem de Deus. Um Deus que não muda nunca e que só possui um único rosto,
não combina com um universo tão diversificado como o nosso. É bem curta a distância
que separa um monoteísmo mal entendido de outras manifestações monistas como a
monotonia, o monolitismo e a monarquia.
“Dia virá em que, depois de dominar os ventos, as
marés e a gravidade, buscaremos em Deus as energias do amor, e nesse dia, pela
segunda vez na história do mundo, o homem terá descoberto o fogo” (Teilhard de
Chardin).
Padre Marcos Bach
A SAÚDE DA FAMÍLIA
A saúde da família é inseparável da
saúde social geral. A saúde da família como qualquer questão relacionada com
higiene social, não se liga nem a práticas devotas de piedade, nem à submissão
seja de que tipo for. É antes uma questão de participação integral e
comunicação. A defesa da família pode ser importante. Porém defender uma
entidade social doente pode ter a ver mais com sadismo do que com amor.
A solicitude pastoral pela família é
ordinariamente mais paternal e paternalista do que leal e solidária. O diálogo
pastoral é um diálogo falso, porque é um diálogo sem interlocutores. Um
monólogo, portanto.
Na comunidade cristã só é válido o que
resulta do diálogo e da participação ativa, consciente e responsável de todos.
O que a renovação da família está a pedir não são discursos e declarações de
princípios, mas ambiente social e eclesial estruturado em torno dos valores que
constituem a essência da própria comunidade familiar. Sob este aspecto a
experiência viva é em certo sentido mais rica e sugestiva do que a mais bem
elaborada das teorias. Também aqui vale a palavra de Teilhard de Chardin de que
é preciso tentar e ousar até o limite do possível.
“Não se conserva vinho novo em odres
velhos”. As imensas riquezas e potencialidades da vida familiar cabem muito
bem, e certamente até melhor, em formas novas, diferentes de todas as que
historicamente são conhecidas.
A respeito dos ecossistemas sociais
vigentes, sem excetuar um só, pode-se afirmar sem muitos preâmbulos que são
corpos sociais doentes, enfezados e subdesenvolvidos, sem as mínimas condições
de oferecer à família o ambiente social de que ela necessita para o seu
desenvolvimento ulterior.
Uma sociedade onde todos são máquinas
e objetos, onde ninguém mais é sujeito de coisa alguma, é este o mundo que
nossa civilização cristã e humanista conseguiu criar. Por não ser nem humano
nem cristão de verdade, o universo desta civilização não tem lugar para a
família, como não tem lugar para a pessoa humana. Só tem lugar para fragmentos
humanos, indivíduos e grupos amorfos. Não é uma civilização assentada sobre a
lógica do respeito à dignidade da pessoa humana.
Padre Marcos Bach
O CONVÍVIO FAMILIAR E O RELACIONAMENTO DO CASAL
Seria absurdo dissociar a qualidade do convívio
familiar do relacionamento sexual de um homem com uma mulher. Ou por outra: não
vale a pena lutar por ela se a família do futuro não for a Universidade em que
homens e mulheres aprendem a se amar.
A Igreja católica cometeu um erro grave ao conferir
ao celibato e à abstinência sexual um status
moral privilegiado. Na Igreja católica são padres, monges e freiras os
porta-estandartes da castidade perfeita. Do outro lado está o profissional
caçador de saias, o invencível Don Juan de todas as épocas, o Casanova e o
gigolô de plantão.
Nem um nem outro se presta ao papel de modelo sexual.
Ambos esquecem que sexualidade e sexo não são a mesma coisa. A realização sexual
pode incluir a satisfação do desejo carnal, mas não depende dele, nem pode ser
identificada com ele.
Uma verdade que as mulheres costumam entender melhor
que os homens é esta: a sexualidade humana inclui necessidades que transcendem
os limites de uma satisfação meramente físico-fisiológica. No ato sexual humano
sempre são duas almas e dois seres espirituais que dele participam. Sexo sem
amor termina sempre mal, por frustrar. São as mulheres que menos se dispõem a
suportar este tipo de frustração. Por isto é lícito afirmar que o futuro da
humanidade depende do seu desenvolvimento sexual; que este, por sua vez, será
obra comum de homens e mulheres; que será, acima de tudo, fruto de um esforço
espiritual e não simples resultado de manipulação genética ou de lavagem
cerebral.
É a coisa mais óbvia que, quando o assunto é
sexualidade e família, a inteligência da mulher leva ampla vantagem sobre a do
homem! Cabe, portanto, a mulheres a iniciativa em assuntos que envolvem melhor
qualidade de vida! O cérebro da mulher está melhor aparelhado para esta tarefa
do que o do homem. Nada impede, no entanto, a um homem de dedicar um pouco mais
de atenção ao desenvolvimento do lado feminino da sua personalidade, e do lado
direito do seu cérebro.
A atual distribuição de papéis sexuais é a causadora
de grande parte dos problemas que afligem casados e não casados. Autores há que
definem como bissexual a pessoa que carrega um cérebro feminino num corpo de
homem, ou vice-versa. Outros definem esta situação como transexual. Prefiro
reservar o termo transexual para definir tudo aquilo que transcende a esfera
estritamente sexual.
O fato de serem animais sexuados não esgota o campo
das potencialidades inatas de um ser humano. A amizade é uma forma de amor que
dispensa por completo a participação do impulso sexual. Há no ser humano uma
beleza que se nega ao desejo de posse e obriga a quem a descobre a se pôr de
joelhos num gesto de profunda admiração e adoração. Assim Deus ama e quer ser
amado.
Temos que ir além do estreito campo dos nossos
desejos se quisermos conseguir a síntese de todos eles. Provavelmente vamos
terminar a vida sem ter descoberto que só existe, no universo, uma única
energia verdadeiramente indestrutível: a
energia do amor!
Padre Marcos Bach
O QUE NOS DIZ A DESAGREGAÇÃO DA FAMÍLIA
A humanidade e seu processo evolutivo puramente
biológico se encontra na mesma situação de um adolescente: “quer abraçar o
mundo com as pernas”, como se diz, e do outro lado não sabe o que fazer consigo
mesmo. Ainda não se encontrou com o seu próprio corpo e não sabe o que fazer
com o seu sexo. Anda perdido entre dois mundos: aquele donde veio e aquele com
que sonha. O futuro o atormenta, o passado não o preocupa. Quanto mais inseguro
e imprevisível for o futuro que o aguarda, tanto maior será sua angústia.
De uma sociedade adolescente como a nossa não se deve
esperar mais do que pais sábios e prudentes esperam dos seus filhos
adolescentes.
O adolescente não tem paciência e não pode esperar.
Mas é exatamente esta a lição de que ele mais necessita. O educador que perde a
paciência com seus pupilos irreverentes e irrequietos demonstra ser tão imaturo
quanto eles.
Ter paciência é
compreender que “devagar se vai ao longe”! No terreno evolutivo as mudanças são
espontâneas e só acontecem quando a nova realidade tem condições de levar a
melhor. Só pode acabar em fracasso toda tentativa de implantar mudanças para as
quais o tempo ainda não está maduro.
A palavra grega “Kairós”
é empregada nos Evangelhos para designar o tempo propício às mudanças exigidas
pelo Projeto Messiânico de Cristo.
Reformas apressadas podem ser tão ou mais funestas do
que a mais rígida política de contenção conservadora. Saber esperar é
necessário. O que não é bom é dormir enquanto o trem passa.
Queremos uma família diferente. Mais que isto:
queremos um modelo novo de família.
São basicamente duas as atitudes que é preciso evitar: primeiro, planejar este
modelo em gabinetes e laboratórios e impô-lo por decreto; segundo, aguardar que
ele surja do nada e se imponha por si mesmo.
Dormem no ponto e
merecem perder o trem da história os que acham que a crise da família, tal como
se manifesta no mundo ocidental, é antes moral que estrutural.
A desagregação da família está dizendo que é preciso
repensá-la e reestruturá-la pela base. A crise em questão não é apenas moral ou
política, mas é um problema religioso na medida em que é causado não só pela
ausência de Deus, mas também por uma presença de Deus equivocada.
Característica da nossa época é o início de ruptura
com o passado que o caracteriza. Ninguém está mais satisfeito com o que já foi
alcançado. Todo mundo quer mais! Para uns, mais é sinônimo de reprodução
melhorada do mesmo. Para outros, entre os quais me situo, passou o tempo do
repeteco. Chegou a hora de substituir o mesmo pelo diferente.
A verdade é eterna, mas
a maneira de colocar a inteligência do homem em contato com ela depende do grau
de compreensão que o homem tiver das manifestações da presença de Deus na
história humana.
Padre Marcos Bach
PERFIL PARA A FAMÍLIA DO FUTURO
A tarefa de esboçar um novo modelo de família vai
exigir muito mais imaginação do que estudo e poder de observação. A realidade
sociocultural concreta serve para nos ensinar como não se deve fazer.
Um dos aspectos mais impressionantes do nosso
universo é a sua complexidade e a variedade de formas que o enriquecem.
Nota-se, ao observá-lo com mais atenção, que o Criador esbanjou imaginação em
tudo o que fez.
Tudo o que pode ser traduzido numa imagem, pode ser
posto em prática. O que a mente humana consegue imaginar, pode transformá-lo um
dia em realidade. Há imagens impressas no inconsciente de cada pessoa que têm o
poder de mobilizar a vontade, levando-a a agir, não de qualquer forma, mas em
concordância com a mensagem contida na imagem. O psiquiatra suíço Jung lhes dá
o nome de arquétipos.
Homens e mulheres trazem em seu íntimo uma
representação arquetípica do sexo oposto. Ela faz parte do seu ser e da sua
sexualidade.
Criatividade e poder de imaginação são a mesma coisa.
Poder de imaginação e criatividade são sinônimos. A diferença entre um poeta de
verdade e um reles fazedor de versos é esta. O poeta trabalha com imagens e o
outro lida com palavras e com frases. Poetas, artistas, filósofos e cientistas
de verdade só são aqueles que conseguem levar-nos a ver o que o simples apelo
aos sentidos e à razão não conseguem proporcionar-nos.
O perfil da família do futuro vai exigir muita
imaginação! A colaboração de poetas e de sonhadores utópicos vai ser muito mais
preciosa que a de técnicos e de planejadores frios. Se é verdade que só
conhecemos verdadeiramente o que amamos, então vamos ter que investir muito
amor em nosso esforço de chegar antes que o Apocalipse tenha tido tempo de
abrir a sua “Caixa de Pandora”.
Dentre as desgraças que estamos aprontando não há uma
que não possa ser evitada. O número de infortúnios que estamos por legar como
herança maldita a nossos pósteros só não impressiona a quem já perdeu o último
resto de sensibilidade humana. E esta se perde quando se come demais, tanto
quando não se tem com que matar a fome!
Uma sociedade que tolera a coexistência tranquila de
nababos e de miseráveis não merece respeito. A insensibilidade causa muito mais
estragos e provoca injustiças muito mais brutais do que a falta de bom senso.
Tudo o que é necessário a um convívio humano tranquilo e fraterno está ao
alcance do homem. Até hoje a humanidade apelou para a guerra como meio de
reparar injustiças e de impor a paz. A paz que sucede ao silêncio das
metralhadoras e dos canhões não é a mesma paz que Cristo desejava a seus
amigos.
Se queremos que a família se transforme em promotora
da paz social temos que pensar, antes de mais nada, em pacificar as relações
entre seus membros.
Padre Marcos Bach
ESTUDANDO UM NOVO MODELO DE FAMÍLIA
Uma bem sucedida síntese incorpora sempre o que há de
construtivo tanto na tese como na antítese. Voltando-nos ao assunto família: “O
que o modelo patriarcal de família tem de construtivo que mereça ser integrado
num novo modelo de família? E do que resta da família doméstica o que merece
ser salvo do naufrágio?
Um sociólogo estuda o fenômeno família tal como ele
se apresenta à sua observação. Analisa fatos e dados sem outra preocupação que
a de se manter dentro dos limites do que lhe é dado observar.
O moralista só se preocupa com o que considera certo
ou errado, bom ou mau no comportamento das pessoas que constituem a família.
O pregador religioso se interessa pela família na
medida em que o destino da sua Igreja depende do modo como seus membros conduzem
sua vida em família.
Quem, então, vai se preocupar com o futuro da
família? “O futuro a Deus pertence”, dirá alguém. “Por que preocupar-se com o
dia de amanhã”, dirá outro, “se temos em casa tanta coisa desarrumada que já
deveria ter sido colocada em ordem há muito tempo? Vamos concentrar-nos no
momento presente e esquecer o futuro, ao menos por ora”.
Esses e outros
arrazoados deste tipo dão a impressão de que os problemas que afetam a família
um pouco por todo mundo são da mesma categoria que os que assolam uma casa
velha. E que para saná-los basta reparar os estragos e reformar algumas peças,
sem mexer na planta original.
Acontece que a instituição família se encontra em
crise lá onde existem homens e mulheres, principalmente mulheres que não sabem
mais o que fazer com a tradicional distribuição de papéis sexuais.
No mundo árabe ainda é possível encontrar mulheres
conformadas com a sua sina, mas no mundo ocidental aumenta a cada dia o número
de mulheres emancipadas.
Quando uma mulher se nega a representar na vida do
homem o papel de peça sobressalente e de mero complemento de um “macho” que se
recusa sistematicamente a ver nela a companheira, um ser humano em tudo igual a
ele está sendo apenas coerente consigo mesma e com sua fé, caso for cristã.
O fenômeno sociocultural a que se deu o nome de
feminismo só consegue ameaçar a feminilidade da mulher na cabeça de homens
machistas para os quais o feminino é sempre e em tudo inferior ao masculino.
Estranho e sem justificativa alguma é o fato de serem os setores religiosos os
mais antifeministas do nosso tempo! A equiparação dos sexos encontra os seus
mais denotados e implacáveis opositores entre setores religiosos. Neste terreno
dão-se as mãos rabinos, aiatolás e prelados da Igreja católica. Mais bem
avisados andariam todos eles se em vez de se unirem contra a mulher, deixassem
de lado seu estúpido orgulho e se unissem a favor daquelas que são suas irmãs,
filhas do mesmo Pai Celestial.
O que a mulher tem que não tenha saído do pensamento
e da vontade amorosa do Criador? Mas a mulher foi criada depois do homem e como
resposta a uma necessidade deste! Não é assim que a Bíblia descreve a origem de
nossa espécie? O que restaria do processo evolutivo se não nos fosse permitido
avançar e sair de um tempo ou ponto, e passar para outro essencialmente
diverso? Existe uma diferença essencial entre o ritmo do tempo inicial ou
primordial e o tempo escatológico, o tempo do pleroma e da consumação. Quem
mergulha no passado não pode ver a história com os mesmos olhos com que a vê e
interpreta aquele que mergulhou antecipadamente no futuro e se encontra, por
isso, em condições de contemplar o presente não como ele é, nem o passado como
ele foi, mas vê neles não um complexo de fatos, de galhos mortos, de caveiras amarelando
por aí, porém de sementes que ainda não tiveram tempo para germinar!
Um moralista vê apenas o que está e o que não está no
seu devido lugar (lei). O profeta olha com olhos de lince para o que se
encontra a ponto de germinar.
“Procurai sem cessar. Quanto mais procurardes tanto
mais encontrareis”. Estas são palavras de Jesus que se encontram no Evangelho
segundo Tomé. O mundo em que o Criador nos colocou não está pronto e acabado.
Também não responde apenas a impulsos pré-programados. Nele sobra espaço e
oportunidade para quem gosta de criar algo que não seja mera cópia ou clone de
algo já existente. O Criador não parou de criar (Cf. Jo 5,17). E desde cedo
deixou de trabalhar sozinho.
A incrível quantidade de sementes e de germes de vida
nova, associada a uma estonteante variedade de formas, bastam por si só para
testemunhar a infinita generosidade do Criador do universo. A ideia de
reproduzir a humanidade por meio de clones, não ocorreu ao Criador. Nem a de
fazê-los todos iguais. Menos ainda a de produzi-los em série!
Padre Marcos Bach
O TIPO DE FAMÍLIA QUE QUEREMOS
A humanidade nunca foi a mesma sempre e em toda a
parte. Se alguma vez o foi em sua origem, isso não quer dizer que o ideal de
uma sociedade perfeita é a uniformidade. O Criador esbanjou inteligência e
criatividade quando resolveu cobrir a face do nosso planeta com as mais
variantes e por vezes esquisitas formas de vida. A lei da diversificação é tão
fundamental quanto a lei da multiplicação.
De que adianta definir “a priori” o tipo de família que desejamos, se não criamos antes o
tipo de homem e de mulher preparados para realizá-la? Dizer que este tipo já
existe é mentira e falta de sinceridade. Não é necessário ser muito perspicaz
para perceber que é baixo o nível em que homens e mulheres se relacionam. Não é
preciso visitar um país muçulmano para perceber o quanto ainda resta por fazer
para chegar a um sistema ético digno de seres verdadeiramente livres.
Em muitos compêndios de moral a família é definida
como baluarte moral da sociedade. A família é vista e tratada como
disciplinadora do impulso sexual, e sem ela, a sociedade se transformaria
rapidamente num enorme prostíbulo. Esta concepção de natureza higiênica da
família é responsável por boa parte dos problemas que a afligem.
A vida em família pouco
ou nada tem a ver com ordem social como a entende um sociólogo ou político. Tão
pouco se inspira no que um moralista entende por ordem moral.
A palavra ordem é inadequada para conter e expressar
tudo o que o convívio familiar é capaz de fecundar. A palavra fecundar expressa
melhor que outra qualquer a missão fundamental da vida em família.
O ambiente familiar desempenha no plano social
funções análogas às que o útero exerce no terreno biofísico. A primeira função
do útero é alimentar o feto em caso de gravidez. A tarefa de protegê-lo e de
isolá-lo do mundo exterior, não é a principal. A ideia de que o feto no seio da
mãe passa seu tempo na mais completa inconsciência do que se passa fora daí, é
falsa.
Através da mãe o feto recebe não só os nutrientes
essenciais ao seu desenvolvimento físico, mas também toma consciência do mundo
exterior através da consciência da mãe. E é através da consciência da mãe que
ele toma consciência do pai.
Criar um ambiente familiar significa, antes de tudo,
criar e organizar um ambiente socialmente fecundo e culturalmente aberto e
criativo. De que valem laços de sangue quando dois irmãos se põem a competir
entre si, como no caso de Caim e Abel? Se queremos que a família seja um dia o
que gostaríamos que ela fosse, então temos que pensar num novo tipo de agente
social e de sujeito moral.
No bojo das mudanças
imprescindíveis e insubstituíveis encontra-se a necessidade de uma Nova Ética
Sexual e de uma Nova Imagem de Deus.
Padre Marcos Bach
NECESSIDADE DE SE CRIAR UMA UNIVERSIDADE DA FAMÍLIA
Uma UNIFAM (Universidade da Família) é tão atual e
necessária quanto uma Faculdade de Economia ou de Teologia. Qual é o papel de
uma Universidade? Integrar os diversos aspectos do saber numa forma de síntese,
isto é, de unidade orgânica. O caráter interdisciplinar dos instrumentos
pedagógicos oferecidos distingue uma genuína Universidade de uma Faculdade ou
de um conjunto de Faculdades ou Cursos. Uma síntese do saber universal ainda
era possível no século XVIII, mas hoje é impossível. É ainda possível,
entretanto, sintetizar os conhecimentos relacionados com uma determinada área
específica do saber humano. A família é uma área destas.
Do seu estudo se ocupam muitas disciplinas
especializadas como a sociologia, a psicologia, a ética, a medicina, a
filosofia, a teologia, a economia, o direito, entre outras. O conhecimento que
oferecem é, porém, parcial, fragmentário e incompleto.
Da consciência da necessidade de reunir os aspectos
esparsos do conhecimento da família numa síntese orgânica brotou a ideia de
criar uma Universidade especializada em questões de família. Uma Universidade
da Família é, portanto, um espaço cultural de natureza sintética, convergente e
ao mesmo tempo crítico e questionador.
A família é uma realidade cultural onipresente, mas a
sua constituição e função social diferem de um ambiente cultural para outro.
Desde a família obrigada a lutar desesperadamente por sua sobrevivência
material, sem tempo para mais nada que não seja trabalho, até a família que se
pode permitir o luxo de fazer férias; desde a família poligâmica até a família
estritamente monogâmica vai o leque tipo genético de família que conhecemos.
Todos eles fazem parte do panorama sociocultural moderno.
Qual dos tipos conhecidos é o melhor, o que melhor
atende às necessidades tanto da sociedade em geral como dos indivíduos que a
compõem? A quem esta pergunta deve ser dirigida: ao cientista, ao filósofo, ou
então ao porta-voz do pensamento religioso?
O fundamento sobre o qual a família se apoia é de
natureza sexual. Quem funda uma família tem em mira realizar-se como homem e/ou
como mulher. Ter um filho, criá-lo e educá-lo não significa para uma mulher a
mesma coisa que para um homem. A atuação de ambos é de natureza complementar. O
governo alemão subvenciona também a família gay,
partindo do conceito de que, “onde há crianças para serem criadas, há família”.
Fatores de natureza genital-genética certamente não
esgotam o conceito de família. Há outros fatores de natureza espiritual, social
e/ou religiosa que podem fundamentar uma comunhão de vida análoga à que existe
numa família biológica.
O conceito de família é
elástico, amplo e multiforme. Estamos longe de ter esgotado as ricas
potencialidades da instituição familial. Não podemos contentar-nos com
sintetizar num todo homogêneo a multiformidade de modelos existentes e
conhecidos. A nova ordem instaurada por Cristo exige um novo modelo de família,
assim como um novo modelo de sociedade e indivíduos humanos, dotados de
consciência superior em tudo ao que a criatividade cultural de gregos e romanos
conseguiu atingir.
A novidade que a
presença pessoal de Deus na história dos homens representa é um tesouro que
ainda está para ser descoberto e valorizado.
Padre Marcos Bach
O ESPAÇO PARAFAMILIAR
A vizinhança constitui o
espaço parafamiliar do qual o bem-estar da família depende tanto quanto do
ambiente intrafamiliar. Fazem parte deste espaço tanto as pessoas que se
encontram ou por lá passam, quanto o bosque, a lagoa, a praça e o restaurante!
Fazem parte do processo pedagógico bem conduzido tanto a formação de uma bem
desperta consciência ecológica, como de uma apurada consciência social.
Há lições da vida que uma criança só consegue
aprender fora de casa, fora do mundo determinado por regras. A regra é boa, mas
há lições que só aprendemos quando desafiados!
Quem nunca foi
desafiado, jamais ficará descobrindo que não é o centro do mundo! Desafiar
alguém não consiste em humilhar alguém, rebaixando-o em sua autoestima. O
verdadeiramente humilde, no sentido que Cristo atribui ao termo, sabe que seu
lugar no cosmo o situa no meio termo entre o anjo e o animal. O humilde pisa no
único chão (humus, em latim), em que
lhe é permitido deitar raízes.
O espaço estritamente
familiar é rico em lições de vida, mas necessita de uma complementação extra e
parafamiliar. Entre o pequeno mundo doméstico e o grande mundo lá fora existe
um espaço intermediário que chamo de parafamiliar. Nele se encontram a escola,
o parque onde as crianças podem brincar e onde os idosos podem passear, a casa
do povo, onde se procura dar soluções a problemas de menor porte.
Problemas têm que ser resolvidos à medida que vão
surgindo. Caso contrário, vão se amontoando a ponto de se tornarem simplesmente
insolúveis. Onde este espaço parafamiliar não existe, a pequena família é
assaltada de contínuo por problemas que não consegue resolver sozinha!
Há requisitos básicos
que é preciso respeitar se queremos que a família volte a ser escola de vida e educandário.
O primeiro é que os pais estejam casados, isto é, unidos por um laço afetivo
tão forte que tentação alguma é capaz de abalar! Não é Deus, nem é também o
casal que precisa desta garantia, mas as crianças que um dia vierem a alegrar a
vida dos pais. Um ambiente onde não ecoa o riso descontraído de crianças
felizes, não merece o nome de família.
A palavra casamento vem de casal, a qual, por sua
vez, vem de casa. Só pode fazer uso do direito de ter filhos o casal que possui
uma casa. A palavra casa (oikós, em
grego, - domus, em latim, - Haus, em alemão) é empregada para
identificar um espaço social privado, não público. Até o mais moderno cidadão
japonês da atualidade considera o ambiente familiar sagrado, completamente
alheio a tudo o que acontece no grande mundo dos negócios. Sua postura dá a
entender que para ele a sua família é o único espaço social onde não precisa
fingir e endossar uma personalidade fictícia.
Primeira regra fundamental: o ambiente familiar é um
espaço social reservado e vetado à presença de estranhos.
Regra número dois: para
pessoas que não são membros da família existe um espaço suplementar, que eu
chamaria de parafamiliar. É o espaço onde os filhos recebem seus amiguinhos,
por exemplo. É lá que se discutem negócios e assuntos de política. É lá que a
filha recebe o seu namorado. Este espaço corresponde ao que nos templos é
chamado de átrio. Se queremos que a casa de família seja mais que um simples
motel de beira de estrada, temos que pensá-la como santuário e como templo. Só
poderá sê-lo se for bonita, acolhedora e limpa!
Padre Marcos Bach
A FAMÍLIA É UM LABORATÓRIO
Quando defino a família
cristã como o lugar onde uma criança aprende, já na aurora da vida, a depositar
sua fé de forma incondicional e irrestrita em Jesus, estou associando o meu
pensamento não a um museu, mas a um laboratório. Quando digo que a família é
uma escola, a mais primária das escolas da vida, quero ressaltar a função
laboratorial.
Num laboratório o espaço nobre é dedicado a
experiências e a experimentos. Da experiência e do experimento nasce a
descoberta científica.
Dizer que a família é um
laboratório significa que nela se fazem experiências e descobertas. É lá no
seio da família que acontecem as melhores descobertas da vida. E as há que só
lá se pode fazer!
Onde é permitido fazer descobertas existe também
espaço para a surpresa e o imprevisível. Numa família não pode haver lugar para
a tirania do relógio e o culto do horário. Sem uma generosa e ampla margem de
tempo livre, a criança nunca vai aprender a usar de forma criativa a sua
liberdade!
Tão importante quanto a casa é o espaço físico e
social que a rodeia. Sem uma boa vizinhança não é possível fazer de uma casa um
lar! O espaço físico que se estende para além das paredes da casa deve ser
aberto, sossegado e seguro. A segurança tornou-se o grande problema das nossas
cidades porque a confiamos a organismos policiais sediados fora do nosso
bairro, e, portanto, estranhos à comunidade. Protegemos nossa casa com muros e
grades em vez de fazer dela um lugar de encontro. Em vez de isolar a nossa
casa, por que não pensamos em isolar um pouco mais o nosso bairro e o
quarteirão em que moramos? De que adianta proteger a casa contra ladrões se
estes podem entrar e circular livremente pela cidade? Enquanto traficantes de
toda espécie podem entrar livremente em escolas e vender lá a sua maldita
mercadoria, é hipocrisia pura falar em segurança! Se a escola, que é por
natureza uma extensão do ambiente familiar, corre o risco de passar para o
controle dos senhores do crime organizado, fica difícil acreditar que a vítima
seguinte não seja a própria família! De que adiantam belos discursos e sermões
quando os próprios pais não têm olhos para ver o Cavalo de Tróia que abrigam em
sua própria casa!
Não consigo imaginar
outra instituição social mais ameaçada de colapso moral e de extinção pura e
simples do que a instituição chamada família. O pouco que dela resta depois que
o sonho do tempo de noivado passou, não merece o nome de família.
Por ora ainda nos
contentamos com este pouco, mas a evolução futura da humanidade não pode
permitir este luxo!
Padre Marcos Bach
FELICIDADE NA FÉ
Há uma felicidade que mora no íntimo mais íntimo de
cada pessoa à espera de ser descoberta e integrada na sua vida consciente. Nos
Evangelhos ela leva o nome de bem-aventurança. Ela é um dom do Cristo
Ressuscitado, e por ser gratuito, este dom não pode ser merecido. No mundo
sobrenatural da fé em Cristo tudo é gratuito, nada é devido. A felicidade que
nasce da união amorosa da alma com seu Deus não faz parte dos direitos
fundamentais da pessoa humana. Em linguagem teológica chama-se graça todo gesto
e toda experiência gratificante que ultrapassa as fronteiras da mera obrigação
moral.
Uma família da qual não
se pode dizer: aqui mora gente feliz, não é cristã, por maior que seja o número
de estampas piedosas que venham a ornar as paredes de suas casas.
Onde a miséria campeia solta, é cinismo puro falar em
dignidade humana, direitos de cidadania e em responsabilidade moral. De todas
as formas e manifestações de miséria não há uma só que se possa comparar com a
miséria cultural, isto é, com a ignorância, o analfabetismo, o
subdesenvolvimento das faculdades intelectuais e com a burrice generalizada da
qual podemos tomar conhecimento diariamente assistindo a programas de TV.
Dentre as muitas formas
de ignorância nenhuma há que seja tão funesta e degradante quanto a ignorância
religiosa. Por ser um santuário de origem divina, a família, toda família e não
apenas a cristã, é um espaço social essencialmente religioso no sentido mais
amplo do termo. É religiosa por ser um espaço em que o Criador manifesta, mais
que em outros, o seu Amor pela
humanidade!
Não existe religião que
não se sustente através de uma forma de fé. A fé sempre se apoia em alguma
espécie de conhecimento suprarracional de inspiração divina e esotérica. Um dos
aspectos mais perniciosos da ignorância religiosa é a confusão entre fé e
crença. O crente se prende à palavra, ao revestimento exterior de natureza
cultural da mensagem religiosa. Crença e crendice representam manifestações
adulteradas da fé religiosa na medida em que privilegiam o culto da forma em
detrimento do conteúdo essencial da mensagem.
São impressionantes
tanto o tom como a frequência com que Jesus se queixa nos Evangelhos da
fraqueza da fé. Jesus simplesmente não sabia o que fazer com homens de pequena
fé (Cf.Lc 12,28).
Padre Marcos Bach
A FAMÍLIA É UM SANTUÁRIO
Um santuário não se
ergue em qualquer lugar. Ninguém pensa em construir um santuário nas proximidades
de um aeroporto. A tranquilidade, mais que o silêncio, representa componente
essencial da atmosfera de um santuário!
Quem vai a um santuário
vai à procura de um ambiente em que é possível escutar a sua própria voz. Antes
de mais nada, a voz interior da sua consciência! É isto que uma família deve
ser: um santuário!
“Corruptio
optimi pessima”, diz um ditado latino. O pior dos males acontece quando um
bem é corrompido. A corrupção entra hoje em dia nas casas de família através de
imagens veiculadas pela TV. O demônio da corrupção moral e social pode entrar
bem disfarçado nos lares e pregar alto e bom som a pais e filhos o exato oposto
do que Jesus costumava debater quando visitava uma família, como a de Lázaro!
Numa família em que o vício e o crime ocupam o espaço
nobre do dia, todos, sem exceção, acabam se identificando com o que veem! O pai
sente inveja do “poderoso chefão”. A mãe chora o tempo todo. A filha se
apaixona pelo pior bandido só porque ele é belo. O filho se sente um trouxa
porque ainda acredita em Deus, em padre ou pastor! Pode-se chamar de sagrado um
ambiente onde mulher pode tirar a roupa a bel prazer? Onde o beijo é a arma
preferida dos casanovas da vida?
Bem, não é necessário
ser puritano para perceber que os piores inimigos do futuro espiritual da
humanidade possuem alvará, e têm permissão para entrar em qualquer lar e
profaná-lo impunemente.
O primeiro requisito com que deve ocupar-se um casal
é de natureza eugenética. A pergunta à que devem responder honestamente e por
conta própria é esta: Temos condições de gerar filhos sadios e geneticamente
mais evoluídos do que nós? Pois a eugenética vai ocupar lugar de destaque na
futura ética sexual.
A segunda pergunta a que o casal deve resposta é
esta: Temos uma casa que mereça o nome de lar? Pior do que passar fome é morar
nas condições em que milhões de brasileiros vivem! O casamento acontece de fato
quando um casal passa a morar na mesma casa.
É cinismo puro dizer a uma mulher que ela é dona de
casa quando na realidade ela não é dona de nada. Nem o mísero barraco em que
vive lhe pertence! Bem que se poderia aplicar a ela e sua família o ditado:
“Dize-me como moras e eu te direi quem és”.
O futuro da instituição
familiar está intimamente ligado ao problema da moradia. A moral católica não é
a única a ignorar este e outros aspectos de natureza logística da problemática
familiar, mas é certamente a maior culpada, pois gasta milhões na construção de
templos e de mosteiros, pouco se importando com o problema habitacional das
classes menos favorecidas!
Onde uma pessoa dorme e
como passa a noite é tão importante quanto o modo como passa o dia. A ausência
de preocupações desta ordem desacredita qualquer projeto político, moral ou
pastoral.
Padre Marcos Bach
PLANEJAMENTO FAMILIAR
Hoje não é mais possível pensar em ter todos os
filhos que Deus mandar. O número de filhos já não pode ser mais tomado como
sinal de bênção do céu. A família numerosa já não é mais prova de fidelidade à
lei de Deus . Povoar o céu de anjinhos nunca foi prova de grande fé em Deus. O
conceito de paternidade responsável inclui, em nossos dias, a obrigação moral
de limitar o tamanho da família. O número de pratos na mesa não pode ir além do
tamanho da panela de comida.
Planejamento familiar é um conceito que decorre de
modo natural do conceito de paternidade responsável. Quem quer planejar o
tamanho da família que pretende criar, deve incluir em seu propósito os termos
em que terá que organizar sua vida conjugal. Quem julga que pode estender ao
campo da vida conjugal as vantagens do solteiro, corre o risco de gerar filhos
de forma irresponsável.
Quem não sabe que um
filho indesejado é um infeliz em potencial? Só um marido muito egoísta ou muito
obtuso não se dá conta da injustiça que comete quando remete aos cuidados da
esposa o controle de nascimentos, reclamando para si uma liberdade sexual
totalmente incompatível com a justiça e com as exigências de uma paternidade
verdadeiramente responsável.
O conceito de planejamento familiar não se refere
apenas ao número de filhos. O mal não é a família numerosa em si, mas o número
excessivo de filhos. E este número torna-se problemático quando afeta tanto a
qualidade psicofísica e mental dos filhos gerados ou por gerar, quanto a
possibilidade material e psicológica de sustentá-los convenientemente e de
dar-lhes uma educação adequada.
O direito de procriar não é irrestrito, nem é da
competência exclusiva do casal. Não pode ser considerado campo aberto, sem
mais, à iniciativa privada.
Ao conceito de planejamento familiar ou paternidade
responsável é preciso incorporar o direito que tem a sociedade de participar do
processo. O poder público possui direitos e responsabilidades neste campo que é
preciso aprender a respeitar. A Igreja católica mudou sua postura nos últimos anos,
pois admite hoje o que poucos anos atrás era visto como intromissão indevida.
Cabe ao estado o direito e o dever de auxiliar os casais na tarefa de
constituir a sua família de acordo com o que é melhor para eles e para a sociedade.
Pode-se dizer que a explosão demográfica atual é o
resultado de duas forças opostas: a omissão do Estado e a moral natalista da
Igreja católica. A Igreja continua mais preocupada com métodos de controle da
natalidade do que com o problema demográfico em si.
O Estado continua, ao menos por aqui, tão omisso como
sempre. A única ideia que ocorreu aos homens públicos deste país foi a de
esterilizar o maior número possível de mulheres pobres. Não lhes ocorreu a ideia
e preocupação pelas gerações futuras deste país.
A Igreja teima em dar precedência a princípios de
doutrina em lugar de se preocupar com a necessidade real dos casais. O controle
racional da natalidade fica, por isso, a cargo de cada casal. Se o casal não
pode contar nem com o Estado, nem com a sua Igreja na hora de escolher o método
mais apropriado, então tem também o direito de optar pelo que lhe parece mais
seguro, menos prejudicial à saúde e à harmonia conjugal.
Quem não tem direitos, também não tem obrigações:
este axioma é fundamental tanto no campo jurídico como no plano ético. Ninguém
é obrigado a usar um determinado método quando este método não proporciona a
segurança necessária; quando interfere de forma séria no relacionamento
conjugal e quando prejudica a saúde. Por ser católico um casal não pode
submeter sua razão e sua consciência cegamente a imposições decretadas por uma
autoridade externa. O uso racional da sexualidade não é um assunto que se possa
definir a priori. E por quem não é o
sujeito portador da razão.
Padre Marcos Bach
CRIAR NOVOS ESPAÇOS PARA A FAMÍLIA
Durante milênios o fator
econômico foi determinante para a coesão e unidade da família. A vida econômica
possuía uma organização que fazia da unidade familiar uma questão de mera
sobrevivência. A coesão resultava mais de fatores externos do que de motivos internos.
Isso dava ao casamento uma solidez muito mais imaginária e aparente que real.
Hoje, com a revolução
pós-industrial em marcha, a unidade familiar ficou tão diluída que é necessária
boa dose de fantasia para ver nas famílias que estão sendo constituídas, algo
aparentado e parecido com a família tradicional burguesa, patriarcal ou
doméstica.
No mundo que está por
nascer há lugar para a família. Isso está fora de discussão. Não será, porém, o
mesmo de tempos idos e o tipo de família terá que ser bem outro. Será, com
certeza, uma família muito mais centrada sobre os valores conjugais, isto é,
sobre o casal, e muito menos sobre os filhos, isto é, menos parental. Muito
mais adulta e pródiga em obras de fecundidade social, precisamente por isso.
Embora a volta ao
sistema patriarcal não responda a nenhuma necessidade real do mundo
pós-industrial, existe, contudo, consciência viva de que é preciso criar
espaços supra-familiares e para-familiares, partindo de experiência negativa
com relação à família doméstica e atomizada.
O espaço estritamente
familiar, típico da família doméstica, é insuficiente se não vier encontrar
organismos complementares a ampliar e reforçar a ação dos pais, segundo o
princípio da subsidiariedade, isto é, de sorte que o direito inalienável dos
pais à educação dos filhos permaneça intacto. A passagem da família doméstica
ou atômica fechada e auto-suficiente para a família aberta exige uma grande
mudança de mentalidade dos pais. A maioria, ou quer fazer tudo sozinho, ou joga
todo o peso da tarefa educativa nas costas de uma ama ou empregada, ou ainda
descarrega a carga toda na sala de aula de uma escola.
Padre Marcos Bach
A FAMÍLIA FELIZ
A família é viveiro de gente feliz! No limiar de uma casa de família
deveria figurar uma tabuleta com os dizeres: “Aqui mora gente feliz”!
Quem entre nós não sente saudade dos momentos felizes que experimentou no
convívio com seus familiares quando criança? É bem possível que o ponto mais
fraco do sistema moral cristão seja a sua pouca preocupação com a felicidade
humana. Nada nos autoriza, a nós cristãos, a privilegiar o infeliz, fazendo
dele candidato preferencial do Reino de Deus! O pobre, ao qual Jesus atribui
papel tão decisivo em seu projeto de salvação, não é o miserável que põe filhos
no mundo sem se preocupar com o pão de que vão precisar!
A própria palavra
família dá a entender que o espaço nobre de uma família é ocupado, em primeiro
plano, pela mesa, pela mensa communis!
A mesa é o lugar que melhor que outros revela que todos que nela tomam lugar
são iguais. O pai não é melhor que o filho e a mãe melhor que as filhas. Quem
determina o valor da comida não é a cozinheira, mas são os fregueses do
restaurante. Faz parte da filosofia de um bom dono de restaurante sentir-se na
obrigação de atender e de satisfazer o gosto de seus fregueses.
A família do futuro só pode ser um viveiro de gente bonita! Tem que ser um
espaço social que não ofenda o bom gosto e o senso estético. Não pode ser um
lugar onde o dia inteiro só se ouve a voz autoritária de um pai ou os gritos
histéricos de uma mãe infeliz e o choro triste de crianças famintas. Mais
famintas de amor que de pão!
Há requisitos básicos
que é preciso respeitar se queremos que a família volte a ser escola de vida e
educandário. O primeiro é que os pais estejam casados, isto é, unidos por um
laço afetivo tão forte que tentação alguma é capaz de abalar! Não é Deus, nem é
também o casal que precisa desta garantia, mas as crianças que um dia vierem a
alegrar a vida dos pais. Um ambiente onde não ecoa o riso descontraído de
crianças felizes, não merece o nome de família.
A palavra casamento vem de casal, a qual, por sua vez, vem de casa. Só
pode fazer uso do direito de ter filhos o casal que possui uma casa. A palavra
casa (oikós, em grego, - domus, em latim, - Haus, em alemão) é empregada para identificar um espaço social
privado, não público. Até o mais moderno cidadão japonês da atualidade
considera o ambiente familiar sagrado, completamente alheio a tudo o que
acontece no grande mundo dos negócios. Sua postura dá a entender que para ele a
sua família é o único espaço social onde não precisa fingir e endossar uma
personalidade fictícia.
Primeira regra
fundamental: o ambiente familiar é um espaço social reservado e vetado à
presença de estranhos.
Regra número dois: para
pessoas que não são membros da família existe um espaço suplementar, que eu
chamaria de parafamiliar. É o espaço onde os filhos recebem seus amiguinhos,
por exemplo. É lá que se discutem negócios e assuntos de política. É lá que a
filha recebe o seu namorado. Este espaço corresponde ao que nos templos é
chamado de átrio. Se queremos que a casa de família seja mais que um simples
motel de beira de estrada, temos que pensá-la como santuário e como templo. Só
poderá sê-lo se for bonita, acolhedora e limpa!
Padre Marcos Bach
A FAMÍLIA E A SOCIEDADE EM CRISE
A primeira pergunta a ser respondida é esta: “Será que a família vai
sobreviver à crise em que se encontra”? Falamos da família como se todas as
famílias existentes constituíssem uma totalidade homogênea, o que não é verdade.
No mundo islâmico prevalece o modelo patriarcal de família, onde a mulher
se parece mais com a figura por nós conhecida como doméstica. Na terra dos
aiatolás existem problemas, mas seria exagero juntá-los num pacote e defini-los
como crise de família. No mundo ocidental a situação é diferente, pois aí a
situação familiar é realmente crítica.
A palavra crise vem do
grego e indica uma situação em que é preciso adotar um novo critério de
julgamento, baseado numa nova forma de discernimento. Crise só ocorre onde
existem pessoas suficientemente conscientes para perceber o que está
acontecendo nos bastidores e o que está escrito nas entrelinhas da história
oficial. Crise só acontece quando a presença do passado e a carga de tradições
se tornaram tão insuportável que vale a pena arriscar a salvação da alma para
se ver livre delas.
A crise aparece no
interior da consciência quando os nichos de medo perdem força e seu lugar é
ocupado por uma nova força, a de enfrentar o perigo em vez de fugir dele. Uma misteriosa
força de coragem e de audácia estanca a atmosfera de medo, e o ânimo ocupa o
lugar da covardia.
A crise que atinge não só as famílias, mas a totalidade das instituições
sociais é positiva na medida em que torna visível o que antes era oculto. Já
não é mais possível ocultar e varrer para debaixo do tapete toda a sujeira
acumulada ao longo de milênios!
A crise da família é
apenas a faceta mais visível de uma crise cultural muito mais ampla. Seu núcleo
gerador se encontra no interior das consciências.
Padre Marcos Bach
A EXEMPLO DA FUSÃO NUCLEAR
O universo todo foi feito para ser conhecido pelo homem. É uma verdade que
deixou a Einstein estupefato. Há uma grande diferença entre conhecer uma pessoa
ou coisa com a inteligência e/ou com o coração. Cientistas e filósofos sempre
quiseram entender ou compreender o objeto de seus estudos. Mas hoje são poucos
os que não concordam com Einstein, para quem “o cosmos é um grande mistério” (a
expressão é dele). É inútil tentar colocá-lo dentro da inteligência do homem!
Nós, humanos, temos a presunção de que nossa inteligência é o máximo que a
mãe natureza conseguiu produzir. Se fôssemos mais humildes teríamos descoberto,
há muito, que nossa inteligência está para a totalidade da noosfera como o
vulcão está para a totalidade das energias acumuladas no interior da terra.
Somos bolhas, bolhas de consciência e de saber, destinadas à união com outras
bolhas, formando com elas um organismo noológico mais abrangente e poderoso do
que o conjunto anteriormente distinto e separado.
“A união faz a força”. Todo conhecimento individual é parcial, imperfeito
e incompleto. O nosso Astro-Rei descobriu, há bilhões de anos, o segredo da fusão
nuclear!
A fusão nuclear não obedece a nenhum princípio hierárquico. O átomo de
hidrogênio que se funde com outro não é melhor do que este. Átomos de
hidrogênio não competem entre si para saber quem é o melhor. Também é inútil
querer descobrir de quem foi a iniciativa. Neste contexto não existe diferença
entre o que dá e o que recebe.
Ao definir o amor como ato de fusão, estamos-lhe reconhecendo uma função
de natureza cósmica. Pelo amor nos tornamos irmãos do sol, da lua e de tudo o
que existe, palpita e vive neste universo sem fim! Através da fusão dois átomos
de hidrogênio se transformam num átomo de hélio. De modo análogo, quando duas
pessoas se unem pelo amor, cada uma renuncia à sua personalidade individual e
passa a fazer parte de uma unidade superior de natureza transpessoal.
O termo
transpessoal é empregado hoje por psicólogos como Assagioli, para designar o
espaço psíquico gerado pela fusão amorosa.
Onde quer que ocorra crescimento, o amor está presente. Qualquer processo
evolutivo pode ser definido como ato e manifestação de amor! “O amor é uma
energia cósmica”. Quem o afirma é o físico atômico David Bohm. É a mais
poderosa de todas. O amor liberta a quem ama, e devolve amor com amor, porque
ele mesmo é livre. Não está preso a determinismos, nem sujeito a regras. É
soberano: “julga tudo e por ninguém é julgado”, como diz o apóstolo Paulo (I
Cor 2,15).
Impor regras a quem ama é uma violência, uma grosseria. Aquele que ama é
livre de fazer tudo o que o amor lhe dita. “Ama e faze o que quiseres”, dizia
Santo Agostinho. “Dilige, et quod vis
fac”.
Padre Marcos Bach
FORÇA MASCULINA E FORÇA FEMININA
A pretensa superioridade do homem é falaciosa porque resulta da diminuição
da mulher. O forte no caso não é apenas o homem. É preciso bancar o cego para
não perceber que força moral, coragem e determinação representam virtudes em
que as mulheres podem rivalizar tranquilamente com seus companheiros do sexo
masculino.
A dialética do masculino com o feminino é solenemente adulterada quando se
a reduz às proporções de uma aliança do forte com o fraco.
A dificuldade maior com que qualquer tentativa de reestruturar as bases
socioculturais do nosso sistema familiar tem que contar é a resistência que irá
despertar no inconsciente coletivo das pessoas, incluídos na lista os próprios
jovens.
Já são tantas as gerações convictas de que a tradicional distribuição de
papéis entre homens e mulheres possui valor definitivo e irreformável, que é
praticamente impossível alcançar mudança de atitudes no curto espaço de alguns
séculos. Mas é também verdade que “água mole em pedra dura, tanto bate até que
fura”. Com muita paciência histórica será possível preparar o advento de uma
nova geração de jovens capazes e dispostos a pôr em prática o que de momento
não passa de sonho utópico. Faz parte da Esperança Cristã a crença de que a
verdadeira história da humanidade nem sequer começou.
Nossas melhores famílias obedecem a critérios culturais e éticos que só
com muita boa vontade podem ser definidos como civilizados ou cristãos! Já se
passaram 2.000 anos desde o dia em que Jesus dispensou a mulher da submissão ao
homem. No programa sociocultural de Jesus não há lugar para posturas
discriminatórias. Mas entre o que Jesus pregou e o que seus homens fizeram em
seu nome existe um fosso. E este fosso passou a fazer parte do inconsciente
coletivo do povo cristão. Enquanto os homens exploram a sua pretensa
superioridade, as mulheres procuram tirar proveito da sua pretensa fraqueza.
Padre Marcos Bach
O CASAL DO FUTURO
Família sem casal é tão impensável como barco sem timoneiro. Uma simples
dupla de homossexuais não merece o nome de casal. Só homem e mulher estão em
condições de formar um casal. Da união afetiva de homem com homem pode brotar
muita coisa boa, não resta dúvida. Qualificá-la como superior e mais nobre como
o fez Platão, é, no entanto, o mesmo que desconsiderar levianamente uma das
leis fundamentais da natureza.
Da fusão do masculino com o feminino é que brota a vida. Esta lei rege, não
só o que acontece nos planos superiores da biosfera, mas abrange, acima de
tudo, a noosfera, o campo do pensamento e da atividade espiritual do homem. O
amor nasce mais do confronto de dois egos do que da conformidade de vontades.
“A primeira palavra do amor é não”, diz Erich Fromm. Compreender o outro não é
o mesmo que conformar-se com o que ele é.
Amar como Deus ama significa não aceitar a decisão de parar de evoluir, de
contentar-se com o que já se alcançou. A palavra “preguiça espiritual” (a
dissídia dos estoicos) é uma das muitas tentações com que deve contar aquele
que não quer morrer dormindo.
Onde marido e mulher se contentam com o desempenho mútuo temos um tipo de
paz que facilmente é qualificado como harmonia conjugal. A palavra paz possui
uma conotação estática que a palavra harmonia não possui. Saber concordar,
assim como discordar, é uma arte! A harmonia social é o resultado do choque do
sim com o não.
Não é por falta de educação que uma criança sempre se mostra mais pronta a
dizer não do que sim. O não é espontâneo, o sim tem que ser negociado!
Todo partido político é
sempre mais autêntico e confiável quando na oposição do que quando passa a ser
governo.
In: Manuscrito.
O FENÔMENO FAMÍLIA
O cristianismo pouco fez
até hoje para se livrar da suspeita de estar a serviço de um Deus mais cioso de
sua soberania do que da grandeza do homem. Os que mais de perto pretendem
representá-lo por aqui (reis e sacerdotes) exercem o seu ministério sem a mínima
preocupação com a vontade e as necessidades do povo. Nem sequer um por cento
(1%) dos membros de uma comunidade dita cristã pertence à classe dirigente ou
docente.
Subordinar a família e com ela o futuro da humanidade a uma Igreja cristã,
seja ela qual for, é um risco e um passo totalmente desnecessário. A família
cristã só existe no papel. A mais religiosa de nossas famílias cristãs pouco
difere de uma família típica do mundo islâmico. Em ambas a preocupação material
é a mesma. E a preocupação religiosa se restringe a práticas e formalidades
determinadas por lei.
Alguém poderia tirar daí a conclusão de que o cristianismo nada tem a
acrescentar ao estudo do fenômeno família.
Ledo engano! Cabe ao cristianismo delinear o perfil da família destinada a tomar
no futuro o lugar dos tipos de família existentes até hoje.
A ciência nos pode dizer coisas essenciais sobre o passado e o presente,
mas é incapaz de prever o futuro. Pode dizer-nos o que deve ser descartado por
obsoleto e ultrapassado. Mas nada sabe um sociólogo a respeito do que está por
nascer e das forças que a evolução está despertando tanto na história quanto na
consciência dos homens. É uma fantasia extremamente pobre imaginar que se pode
construir o futuro da humanidade com o que restou do seu passado. Este passado
foi realizado por homens que não teriam hesitado em tratar a Jesus do modo como
o fizeram judeus e romanos.
Jesus provocou o maior escândalo entre seus ouvintes quando disse que era
o Filho de Deus (Jo 19,7). “Como é que sendo homem se diz Filho de Deus?” (Jo
10,33).
A crença num Ser Superior do qual o homem depende absolutamente é tão
antiga quanto a própria humanidade. O céu sempre foi visto pelo homem como
morada de Deus. Só muito mais tarde começou a prevalecer a crença de que o habitat preferido de Deus é a alma
humana. E que a relação de Deus com o homem é uma relação de Amor.
Foi Jesus que nos revelou que Deus é Pai e que seu Amor por nós é o mesmo
que nós humanos sentimos por nossos filhos. “Já não vos chamo servos, mas chamo-vos
de amigos” (Jo 15,15).
Deus imprimiu a sua “Imagem” divina na alma humana de forma tão íntima e
indelével que é simplesmente impossível a um homem apagar do seu íntimo a marca
registrada da sua origem divina.
A saudade de Deus e a
nostalgia do infinito constituem, sem a menor dúvida, o tormento mais atroz dos
que tentam viver longe de Deus. Se esta é a situação trágica dos que negam a
Deus e o excluem de suas vidas, igual a ela deve ser a situação de uma família
em cujo seio Deus não parece fazer falta.
A crise da família e a
crescente proliferação de famílias sem Deus só podem ser considerados fenômenos
positivos e sinais de avanço cultural na medida em que despertam a consciência
humana para tudo aquilo que até hoje era visto como valor, mas não o é mais.
In: Manuscrito.
UMA FAMÍLIA DIFERENTE
Queremos uma família diferente. Mais que isto: queremos um modelo novo de família. São basicamente duas as
atitudes que é preciso evitar: primeiro, planejar este modelo em gabinetes e
laboratórios e impô-lo por decreto; segundo, aguardar que ele surja do nada e
se imponha por si mesmo.
Dormem no ponto e
merecem perder o trem da história os que acham que a crise da família, tal como
se manifesta no mundo ocidental, é antes moral que estrutural.
Tudo corria às mil maravilhas até o dia em que as mulheres se puseram a
corcovear, insatisfeitas com a parte da carga social que lhes cabia carregar!
As instituições que menos se esforçaram para responder positiva,
afirmativa e criativamente ao despertar da consciência feminina, foram as
religiosas. Foi no mundo ocidental que a crise da família assumiu proporções
alarmantes. No mundo islâmico esta crise não se manifesta porque lá a voz da
mulher é sistematicamente silenciada. Mesmo na mais moderna das Igrejas cristãs
a mulher só pode desempenhar funções subalternas.
O conceito de superioridade está intimamente ligado à imagem de um Deus
masculino. A voz de protesto do mundo feminino parte de um pequeno segmento
deste mundo. A maioria das mulheres vive conformada com a sua situação. Mas é
crescente o número de mulheres que frequentam Universidades e têm por isso
acesso a uma formação mais aprimorada.
É evidente que uma
mulher com formação universitária não vai se contentar com a posição social até
pouco reservada ao contingente feminino da sociedade.
O trabalho é outro fator que está contribuindo decisivamente para a
desagregação do modelo doméstico tradicional de família. Com o pai e a mãe
trabalhando fora de casa e em profissões distintas, já não é mais possível a
família ser uma unidade econômica de produção, distribuição e consumo.
O que terá que mudar: o modelo de família e as relações intrafamiliares,
ou as relações de trabalho? É mais que óbvio que tanto as leis que regem o
convívio familiar quanto as leis do trabalho têm que ser modificadas.
Qual a instância
jurídica que vai encaminhar este processo de mudanças? O Estado ou um corpo
social politicamente organizado de natureza suprafamilial, onde a primeira como
a última palavra corre por conta das próprias famílias interessadas?
O grande problema no
Brasil é a inexistência de um organismo político interessado em promover as mudanças
que são necessárias para reconduzir a família à condição de “célula mater” do corpo social. Cada família é obrigada a se virar como
pode.
Quem é que não sabe que o corpo humano é composto de órgãos, de membros e
de sistemas biofísicos? Por que insistimos tanto em tratar a sociedade como se
ela não fosse mais que uma coletânea de indivíduos?
O “pecado mortal” do
liberalismo consiste em ter desorganizado a sociedade ocidental, transferindo
para a competência de indivíduos o que era antes da competência de organismos
sociais mais amplos. Abolimos a família patriarcal e retiramos do patriarca o
direito de representar toda uma comunidade
de famílias e de falar em seu nome.
Onde encontrar um organismo social legitimamente investido da missão de
representar os interesses das famílias e de falar em seu nome?
No meu entender, o
flanco mais exposto e menos protegido da nossa sociedade é a família. Estamos
muito longe de ter percebido que é no seio da família que se aprende a ser pai, mãe, filho e irmão.
In: Manuscrito de Pe.
José Marcos Bach, sj.
EDUCAR PARA A LIBERDADE RESPONSÁVEL
A taça ou recipiente pouco tem a ver com a qualidade do vinho que você
toma. Precisamos de homens e de mulheres infinitamente mais livres do que a
legião de prisioneiros do desejo e de escravos do dever que povoam nosso
ambiente social.
Tanto no Ocidente quanto no Oriente é rotineira a crença de que o amor
sempre envolve alguma forma de perda de liberdade. Tanto no Ocidente como no
mundo Oriental a família representa um espaço rigidamente enquadrado e
severamente controlado. Por que isso?
Porque a família e o
ambiente tipicamente familial é o único que ainda lembra um pouco a aura de
intimidade da criatura com seu Criador que cercava o convívio de nossos Pais
com o seu Deus, quando ao cair da tarde e ao sabor da brisa vespertina,
passeavam com Ele pelo Jardim do Éden!
Amor e intimidade são
sinônimos. É essa necessidade de intimidade que está levando muitos jovens da
atualidade a pensarem em constituir família. Íntimo meu é aquele que mora
dentro de mim.
O cristianismo já deveria ter dado provas concretas de que Cristo veio
para acabar com a divisão da humanidade em superiores e súditos, mas isto até
hoje ainda não aconteceu. A família é o único espaço sociocultural em que ainda
é possível concretizar um regime de igualdade social.
Onde não há igualdade de
direitos e responsabilidades também não há espaço psicológico para a
intimidade. Só pessoas verdadeiramente livres conseguem ser íntimas umas das
outras. E a liberdade é filha predileta do amor. Quem não ama, nunca saberá o
que significa ser livre de verdade. E quem não é livre, jamais saberá o que
significa ser amigo, amigo íntimo de alguém, como Deus é amigo dos homens.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos
Bach, sj
COMO SERÁ A PRESENÇA DA MULHER NA FAMÍLIA DO FUTURO
O fenômeno
da emancipação feminina terá influência decisiva sobre a estruturação da
família de amanhã. Terá um impacto direto e profundo sobre as relações
conjugais. Acabará por varrer para o monturo da história o machismo e sua trama
de mentiras, covardias e traições. Vivemos numa civilização que na verdade tem
muito pouco de que se orgulhar. É lógico que a emancipação da mulher terminará
por postular um outro tipo de matrimônio, capaz de proporcionar espaço muito
mais amplo para a realização dos valores estritamente conjugais e, portanto,
pessoais. Um matrimônio liberto da maior parte dos controles sociais que
atualmente ainda continuam a sufocá-lo, em lugar de protegê-lo, como pretendem.
A vida sexual tende a passar cada vez mais para o domínio
da afetividade amorosa. Por condenável que seja o permissivismo liberal, que
veio tomar o lugar da “moral” puritana de ontem, existe, contudo, em seu bojo,
um movimento secreto e inadvertido de libertação sexual. Mais que nunca o jovem
tem condições de conduzir-se de acordo com imperativos que nascem e brotam da
própria sexualidade. Se vier a se prostituir não é por ter agido de acordo com
os ditames de sua própria sexualidade, mas porque acabou se conduzindo de
acordo com padrões de comportamento sexual ditados pelos meios de comunicação
de massa.
O que os grandes interlocutores do pensamento, como
Skinner, Reich e outros fazem, talvez sem querer, é pior do que tudo o que a
moral puritana e jansenista fez. Isso, no entanto, não lhes tira o mérito de
terem aberto pistas novas numa terra que parecia não ter mais novidades a
oferecer. Onde tudo parecia definitivamente assentado para todo o sempre. O
imobilismo ético-teológico guindado à condição de virtude teve que ceder ao
sopro impetuoso e irreverente do pensamento evolutivo-histórico. Só nesta
perspectiva é possível vislumbrar um sentido para a sexualidade. Esse sentido é
a pessoa a ser construída com os recursos desta mesma sexualidade.
A vitória
não resulta da luta contra a sexualidade, mas da luta por mais amor e liberdade
dentro do espaço interior proporcionado pela relação sexual. A moderna
tendência permissivista não reflete nenhum respeito real pela liberdade da
pessoa. A atitude liberal do “laissez-faire”
conduz no campo sexual à pior das tiranias, bem ao contrário do que supõe o
observador incauto e superficial. Só uma autêntica moral, dinâmica, aberta e
personalista pode conduzir à genuína maturidade sexual. Uma moral a serviço do
desenvolvimento da pessoa. E não submetida a um conceito inaceitável de ordem
natural, ou de liberdade.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
FALTA DE SERIEDADE NA “PASTORAL DA FAMÍLIA”
Sob muitos aspectos, a “pastoral da família”, ensaiada pela
hierarquia católica, é pouco menos que uma “piedosa” piada. Falta-lhe
seriedade!
Não basta armar um belo “cenário” quando a “peça” a ser
apresentada é um “abacaxi”. Pior que o dos casais é o “estado de saúde” do
próprio matrimônio-instituição. Há casais que se deram muito bem até o dia em
que decidiram casar!
Há jogadores de futebol que se dão otimamente na função de
“volante”, mas que perdem todo o “pique” quando fixados numa posição.
Fazer parte de uma comunidade maior é para um casal tão
importante quanto a própria estabilidade conjugal.
Sentir-se engajado numa
frente mais ampla e a consciência de estar servindo a uma causa maior, podem
fornecer a um casal motivação adicional no esforço de superar momentos de
crise, ajudando-os a “dar a volta por cima”.
Um bom casamento exige, além do
esforço moral, uma boa dose de “sabedoria política” e de tino psicológico.
Estes últimos são fatores com os quais a moral católica pouco se preocupa.
Fazia parte da “política” de Santo Inácio de Loyola não dar
uma ordem a um súdito quando percebia que este não estava em condições
psicológicas de recebê-la e de cumpri-la. Inácio não era nenhum fanático da
obediência, como se poderia pensar lendo sua carta sobre o assunto. Queria que
na sua Ordem prevalecesse em tudo a solidariedade operosa sobre o bom andamento
dos negócios e que a obediência fosse, acima de tudo, uma resposta alegre,
descontraída e amorosa, não à vontade falível de um homem, mas a uma causa
superior. Queria uma obediência que enobrecesse tanto ao que a pratica quanto
ao que a impõe.
Não há tratado moral que não lembre à mulher o dever de
obedecer ao marido.
Só em termos bastante vagos o “chefe de família” é lembrado
de que deve exercer esta sua autoridade com amor. Um “tirano doméstico” da pior
espécie pode frequentar a igreja e receber a comunhão sem ser molestado! A quem
ousasse questionar o seu modo de dirigir a família, ele poderia apontar o
regime de governo da Igreja católica, onde é acachapante e absoluto o poder do
“Chefe Supremo da Cristandade”.
A obediência de submissão é típica de sociedades
escravagistas. Na antiga sociedade grega só era considerado plenamente livre o
homem que não era obrigado a sujeitar-se a quem quer que fosse.
A obediência de
uma pessoa plenamente livre muda de forma e se torna essencialmente
cooperativa. Lá onde todos trabalham juntos na edificação da mesma obra e na
concretização de um projeto comum, se está pondo em prática a obediência de
cooperação, a única forma de obediência digna de uma pessoa livre e digna de
uma comunidade de irmãos.
Por que a Igreja católica insiste em tratar a mulher como
se ela fosse um ser humano de qualidade inferior? Será que procedendo assim a
Santa Madre Igreja está sendo justa e fiel a uma lei de Deus?
Enquanto a Igreja continuar a dar ao mundo uma demonstração
tão flagrante de discriminação social, sua credibilidade no trato de questões
de natureza sexual só poderá continuar decrescendo.
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
NOVO MODELO DE FAMÍLIA
A família é uma realidade cultural onipresente, mas a sua
constituição e função social diferem de um ambiente cultural para outro. Desde
a família obrigada a lutar desesperadamente por sua sobrevivência material, sem
tempo para mais nada que não seja trabalho, até a família que se pode permitir
o luxo de fazer férias; desde a família poligâmica até a família estritamente
monogâmica vai o leque tipo genético de família que conhecemos. Todos eles
fazem parte do panorama sociocultural moderno.
Qual dos tipos conhecidos é o melhor, o que melhor atende
às necessidades, tanto da sociedade em geral, como dos indivíduos que a
compõem? A quem esta pergunta deve ser dirigida: ao cientista, ao filósofo, ou
então ao porta-voz do pensamento religioso?
O fundamento, sobre o qual a família se apoia, é de
natureza sexual. Quem funda uma família tem em mira realizar-se como homem e/ou
como mulher. Ter um filho, criá-lo e educá-lo não significa para uma mulher a
mesma coisa que para um homem. A atuação de ambos é de natureza complementar. O
governo alemão subvenciona também a família gay,
partindo do conceito de que, “onde há crianças para serem criadas, há família”.
Fatores de natureza genital-genética certamente não esgotam
o conceito de família. Há outros fatores de natureza espiritual, social e/ou
religiosa que podem fundamentar uma comunhão de vida análoga à que existe numa
família biológica.
O conceito
de família é elástico, amplo e multiforme. Estamos longe de ter esgotado as
ricas potencialidades da instituição familial. Não podemos contentar-nos com
sintetizar num todo homogêneo a multiformidade de modelos existentes e
conhecidos. A nova ordem instaurada por Cristo exige um novo modelo de família,
assim como um novo modelo de sociedade e indivíduos humanos dotados de
consciência superior em tudo ao que a criatividade cultural de gregos e romanos
conseguiu atingir.
A novidade
que a presença pessoal de Deus na história dos homens (através de Jesus Cristo) representa, é um tesouro
que ainda está para ser descoberto e valorizado.
Se a “novidade do
Evangelho” (Rm 7,6) já tivesse despontado no horizonte da nossa história, não
teríamos o desprazer de assistir nos programas de TV a tanta bandalheira! Pode
ser chamada de família uma humanidade em que as pessoas se digladiam entre si e
se exploram mutuamente? Onde encontrar uma comunidade religiosa que mereça o
nome de família? No papel todos os cristãos formam uma grande família, a
Família de Deus. No caminho da teoria para a prática, do discurso para a ação e
da letra para o espírito perde-se o essencial que é a comunhão fraterna.
Chega a milhões o número de cristãos mortos por cristãos
nos campos de batalha! Os países cristãos nunca foram oásis de paz. Por isso é
que valorizaram tanto a vida em família. Lar e ambiente doméstico são sinônimos
de paz.
In:
Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
UM + UM É DOIS, UM X UM É UM = UNIDADE
A tutela religiosa de que a família é alvo, é amparada pela
tese de que ela é uma instituição de origem divina, cabendo, por isso, aos
representantes de Deus a missão de zelar por ela. Este zelo envolve mais do que
simples cuidado, pois envolve também poder e autoridade.
Qual a religião em que a família não é considerada domínio
religioso? Sujeita, portanto, à autoridade de superiores autopromovidos à
condição de tutores da família.
Na Igreja católica esta tutela excede os limites meramente
político-jurídicos e passa a incluir também o campo moral. Um papa pode impor
uma decisão sua sob pena de pecado.
Reconhecer a
existência de uma obrigação moral é uma coisa, e criar uma obrigação moral é
coisa bem diferente.
De acordo com o espírito da Moral Cristã o ato moral
concreto nada tem de automático. Não basta a um cristão identificar sua vontade
com a de um terceiro. Para ser boa e positiva, sua decisão deve estar em
sintonia com a voz da sua própria consciência. Esta consciência não fala
impondo e mandando, mas propondo e sugerindo. Nada há no homem que seja mais
livre e soberano que a sua consciência. Ninguém tem mais respeito por esta
liberdade que o próprio Deus. A extensão deste respeito chega a ser escandalosa,
pois inclui a existência de um inferno e de ambientes sociais em que é
permitido rejeitar Deus.
O amor de Deus não é um amor que não é permitido renegar e
desprezar. O amor é sempre muito maior do que a capacidade humana de
compreendê-lo e de lhe corresponder. Jesus sabe disso melhor do que ninguém.
Nossos amedrontados pastores ainda estão por descobrir a diferença que os
separa da Pessoa do Bom Pastor.
Pastor inteligente e digno da confiança de suas ovelhas é
aquele que sabe consultar o instinto de suas ovelhas.
Autonomia não é o mesmo que independência. O homem é um ser
social não porque necessita da companhia de semelhantes seus, ou porque dependa
deles. Aquele que ama não renuncia à sua liberdade, mas a funde com a de um
outro. Só o amor consegue esta façanha.
Fusão é mais do que simples soma. É síntese. A soma de um (1) mais um (1) é dois (2). Mas o resultado da multiplicação de um por
um é um (1).
Aplicando esta técnica ao amor pode-se dizer que o amor não
soma, nem divide, mas multiplica. Não destrói a unidade existente, mas a eleva
a um plano superior, mais rico em potencialidades. A condição de ser social não
torna o homem um necessitado, um indigente, um indivíduo incompleto e que a
única resposta que lhe resta é a atitude de submissão e o sacrifício de parcela
da sua liberdade em proveito do bem comum.
Nem
dependência nem independência, mas interdependência:
é este o laço que uma relação de amor costuma gerar. Na medida em que uma
dependência passa a ser recíproca, ela deixa de ser humilhante e injusta e
passa a ser libertadora.
In: “A
família do Futuro” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
ESTABILIDADE NA FAMÍLIA
O que caracteriza o conceito de ordem é a estabilidade. Mas
o processo evolutivo não obedece ao princípio da ordem. Ao contrário, não
haveria evolução alguma se os acontecimentos se regessem submissamente de
acordo com o princípio sacrossanto da ordem.
Em sentido dinâmico, a estabilidade representa apenas uma
garantia de continuidade. Não se pode dar a esta caráter linear, nem trair a
evolução. A continuidade deve existir, mas tem cunho dialético. Isto quer dizer
que não pode haver ordem em estado puro, isto é, ordem sem contestação, ou
ordem sem uma dose relativa de desordem, como não pode haver estabilidade sem
instabilidade. Há fanáticos que sonham com a ordem perfeita e a estabilidade
política, social e econômica plena. São eles que mais se opõem ao progresso,
por mais que afirmem o contrário.
A estabilidade conjugal é um valor desde que signifique a
presença dos elementos essenciais ao desenvolvimento conjugal. Existe onde as
aspirações e os interesses do casal convergem, se somam e se reforçam
reciprocamente, mantendo-os em equilíbrio, permitindo o surgimento de crises.
Não oferece garantia contra o impacto do imprevisto.
Não existe onde houve apenas acomodação recíproca. Ou então
onde um dos cônjuges cedeu em definitivo às imposições do outro. Neste caso, as
aparências são enganadoras, já que não existe mais, nem harmonia interior, nem
crítica. Onde existe diálogo conjugal autêntico, co-gestão e cooperação em
todos os níveis e planos da vida conjugal e familiar, lá existe estabilidade e
harmonia. Onde existe meticulosa distribuição de papéis e tarefas, encontramos
o divórcio minando o casamento por dentro. A submissão da mulher introduz um
elemento falso e gera uma pseudo-estabilidade.
Um homem perfeitamente viril e uma mulher
muito feminina raramente formam um casal harmonioso. Os contrários se repelem.
Um toque feminino no homem e um traço viril na mulher favorecem a harmonia
conjugal. Cada qual é atraído pelo outro na medida em que nele se revê e se
reencontra.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
O FUTURO ESTÁ DO LADO DO AMOR
O
futuro está do lado do amor. O que o amor não consegue unir não merece ser
mantido. Que Deus abençoe a desagregação e a derrocada de todas as instituições
que ignoram a força do amor e o poder da esperança cristã. Tenho para meu uso
pessoal a certeza de que Deus está fazendo isso mesmo: é conivente com todos
aqueles que descreem rotundamente de todo sistema amparado na pressão, apoiado
em valores que contrastam em sua essência com a dignidade da pessoa humana.
Quero mencionar, em especial, a Igreja católica por razões de ordem pessoal.
Teoricamente sua missão é de amor. Mas os fatos estão longe de dar esta
impressão. No entanto, não deixa de ser verdade que sem a Igreja de Cristo não
há futuro para o homem.
A
América Latina representa o Continente mais católico do mundo. Usos, costumes e
tradições trazem a marca da Igreja. É, no entanto, campeã em machismo. E tem
dado o maior número de ditadores que a história já viu. O que significa tudo
isso? Que o atraso aqui é ainda maior que em outras partes do mundo. Como é que
uma instituição religiosa, contando com o apoio do poder político colonizador,
que tem como missão impregnar as estruturas sociais com o sopro divino do amor
e da liberdade dos filhos de Deus, não conseguiu ir além dos limites de um
resultado mais que modesto?
A
razão me parece ser esta: em lugar de se ocupar com a vida conjugal dos casais,
a Igreja sempre se preocupou muito mais com a família. Ora, a família é uma
entidade provisória e precária demais para servir de central energética. Mas a
pujança do amor conjugal tem as condições requeridas. Porém, enquanto as
instituições religiosas agem como se os casais não existissem para outra coisa
do que para “fazer filhos”, Medellín e Puebla nada significam para o futuro da
América Latina.
Se
a relação intrínseca entre sexualidade e amor é um dado que só nos últimos
séculos tomou na consciência dos povos do Ocidente o lugar de respeito, que
nunca lhe deveria ter sido sonegado, é óbvio que nos encontramos no início de
uma caminhada, de um aprendizado doloroso e repleto de surpresas. Onde o
casamento é, antes de mais nada, uma forma de atender e somar interesses, a
duração é garantida pela permanência desses interesses. Se estes forem de ordem
econômica, a estabilidade dependerá do volume desses interesses, do grau de
dependência recíproca e também do grau de inconsciência através da vida
conjugal.
Do livro “Evolução do Amor
Conjugal” – Pe. J. Marcos Bach,sj – INEF/Vozes.
Crer em Deus, crer em si
e crer no amor formam um todo inseparável. É da síntese destes três objetivos
que nasce a genuína fé em Cristo.
“Divide, et impera”, diziam os romanos, que sabiam, como poucos
outros povos, como proceder quando o objetivo é a dominação.
Um preceito canônico ou
moral possui uma eficácia prática que o mais vibrante apelo afetivo não
consegue suprir. “A lei tem uma força que o amor não possui”, diria um
canonista. A lei pode dispor do chicote, um direito que o amor dispensa. Não há
amor quando um dá e o outro só recebe. Na relação amorosa ocorre um intercâmbio
em que receber é tão importante quanto dar.
A criança aprende a amar
recebendo amor. Aos poucos percebe que “há mais prazer em dar do que em
receber”. A maturidade afetiva atingem-na os que sabem dar e receber com a
mesma liberdade interior.
A respiração se torna
perfeita quando já não é mais preciso pensar nela e preocupar-se com ela. O
amor dispensa qualquer esforço. O amor se derrama em nossa alma com a mesma
espontaneidade com que o ar flui através do nosso sistema respiratório. No
começo e em seu estágio infantil o amor consiste em dar e receber. Mas em seus
estágios mais evoluídos o amor deixa a fase do intercâmbio e passa para a da comunhão,
onde dar e receber são a mesma coisa e possuem a mesma importância. Quando
adulto o amor deixa de ser troca e se transforma em partilha e comunhão de
bens.
Ama como Jesus amou (e continua amando) aquele que
descobriu (e colocou em prática esta sua descoberta) que o amor é, acima de
tudo, compartilha. Lição que Ovídeo não conseguiu transmitir a seus fãs foi a
de que a arte de amar é em sua essência privilégio de quem sabe compartilhar e
repartir!
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
HOMEM E MULHER EM FAMÍLIA
É preciso aprender a
encarar com desconfiança a crença de que homens e mulheres são seres feitos um
para o outro. A ideia de que o homem é a mão e a mulher a luva feita sob medida
para ajustar-se a ela, é por demais romântica para ser levada a sério.
A Bíblia descreve bem o
primeiro encontro do primeiro homem com a primeira mulher. Vendo Eva, só faltou
a Adão declarar: “esta é a luva de que minha mão precisava”! O seu comentário
foi outro: “ela é osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23). Só
faltou dizer: “ela é igual a mim”!
Onde encontrar um
monsenhor, aiatolá ou rabino disposto a ceder a uma mulher o mesmo espaço
social e o mesmo grau de excelência que reivindica para si? Não sei como é que
Adão tratou a sua companheira. Mas sei muito bem como nossos homens tratam suas
esposas. E como nossos “representantes” de Deus e de Cristo na terra tratam as
suas ovelhas do sexo feminino. Muitos dos que passaram pela “Experiência de
Quase Morte” ou morte clínica voltaram dela dizendo: “Agora sei o que é Amor”!
Tanto o moralista “pé
frio” quanto o adolescente desvairado pela paixão, nada sabem a respeito do que
é amor. Uma obrigação moral pode ser tão prejudicial ao desenvolvimento de uma
pessoa quanto uma noitada de bebedeira numa boate.
Nada mais incompatível
com a beleza do amor do que uma bebedeira. Não só a bebida e a droga podem ser
usadas para apagar alguém. Também a moral e a religião podem prestar-se à mesma
finalidade. Nada sabem das profundezas da alma em que o amor é gerado. Nada
sabem das misteriosas fontes do amor divino. Quem quer entender a razão de ser
da vida em família deve encarar o amor e até a sua mais modesta expressão como
experiência religiosa. Onde há amor, sempre é Deus que se manifesta presente.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
O DESAFIO DE UM CASAL HUMANO
Se crer em Deus é difícil, muito mais difícil é crer nos homens.
Uma fé que não se transfigura em amor, morre bem depressa. Simples boa vontade
e bom senso não bastam. O desafio que um casal humano enfrenta ao constituir família
ultrapassa “ad infinitum” tudo o que
uma boa política e até mesmo uma moral de mais alto nível pode proporcionar. Às
possibilidades naturais do amor humano Jesus veio acrescentar outras
infinitamente mais amplas e de nível essencialmente superior. Esta
dimensão nova é dádiva de Deus e não pode ser alcançada por nenhum esforço
puramente natural. O máximo que uma pessoa pode fazer é predispor o seu
espírito, desejando e pedindo a graça de poder amar como Deus ama e de amar com
Ele.
Nascemos da união amorosa de um homem e de uma mulher. É da
união de nossa alma com o amor divino que surge esta nova vida que o
cristianismo define como graça santificante. O plenamente humano (pleroma) do apóstolo Paulo, não é o
demasiadamente humano de Nietzsche. O demasiadamente humano resulta de um
descenso ao infra-humano, ao passo que o pleroma
Paulino resulta de um movimento que é em tudo o seu oposto.
A “gratia elevans” é obra do mesmo Criador, mas pertence a uma outra
categoria na ordem da Criação. A pessoa redimida por Cristo é uma Nova
Criatura.
É com razão que se pode afirmar que o futuro da humanidade foi
entregue a uma “Nova Raça” humana. A
raça que atualmente domina o cenário histórico da nossa espécie já provou que
não possui o necessário grau de consciência para tarefa tão complexa. Num mundo
em que cada cidadão é incentivado a priorizar o seu próprio eu e a cuidar,
antes de mais nada, do seu próprio interesse, só pode ser visto como
radicalmente impermeável à Lei do Amor. Isso só não percebe quem não tem olhos
para ver!
É preciso tirar a família
da atmosfera pragmático-utilitária que a está sufocando. A família não se
destina a produzir resultados contábeis. Não persegue fins, mas se destina a
revelar significados. Possui caráter simbólico, pois é sinal, sinal sacramental
de uma realidade maior, mais ampla. Este mundo maior do qual é sinal visível,
não é nem a nação, nem a Igreja. Temos
que situá-la num plano muito mais abrangente, mais próximo do universo dos
valores absolutos.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ
SOBREVIVÊNCIA NA CRISE
A primeira pergunta
a ser respondida é esta: “Será que a família vai sobreviver à crise em que se
encontra”? Falamos da família como se todas as famílias existentes
constituíssem uma totalidade homogênea, o que não é verdade.
No mundo islâmico
prevalece o modelo patriarcal de família, onde a mulher se parece mais com a
figura por nós conhecida como doméstica. Na terra dos aiatolás existem
problemas, mas seria exagero juntá-los num pacote e defini-los como crise de
família. No mundo ocidental a situação é diferente, pois aí a situação familiar
é realmente crítica.
A palavra crise vem
do grego e indica uma situação em que é preciso adotar um novo critério de
julgamento, baseado numa nova forma de discernimento. Crise só ocorre onde existem
pessoas suficientemente conscientes para perceber o que está acontecendo nos
bastidores e o que está escrito nas entrelinhas da história oficial. Crise só
acontece quando a presença do passado e a carga de tradições se tornaram tão
insuportáveis que vale a pena arriscar a salvação da alma para se ver livre
delas.
A crise aparece no
interior da consciência quando os nichos de medo perdem força e seu lugar é
ocupado por uma nova força, a de enfrentar o perigo em vez de fugir dele. Uma
misteriosa força de coragem e de audácia estanca a atmosfera de medo, e o ânimo
ocupa o lugar da covardia.
A crise que atinge
não só as famílias, mas a totalidade das instituições sociais é positiva na
medida em que torna visível o que antes era oculto. Já não é mais possível
ocultar e varrer para debaixo do tapete toda a sujeira acumulada ao longo de
milênios!
A crise da família é
apenas a faceta mais visível de uma crise cultural muito mais ampla. Seu núcleo
gerador se encontra no interior das consciências.
O modo como homens e
mulheres se posicionam em sociedade resulta do modo como se olham mutuamente na
intimidade. Vivemos numa civilização em que todo homem aprende, desde criança,
a olhar para a mulher de cima para baixo. A mulher é representante do sexo
fraco. Representante do sexo forte é o “macho”, o domador da mulher. A mulher é
invejosa da superioridade do homem.
“O que as feministas
querem é substituir os homens e ocupar o lugar deles”. Se esta calúnia fosse
verdadeira, isto é, não fosse apenas calúnia, Marx teria razão ao interpretar a
emancipação da mulher como capítulo menor de uma homérica luta de classes. O
que o comunismo fez para melhorar a posição social da mulher? E o que o
cristianismo fez para tirar a mulher de sua condição de inferioridade social?
Nada! É por isso que é aconselhável desvincular a preocupação pelo futuro da
família de qualquer forma de ingerência eclesiástica e ideológica. O primeiro
passo que é preciso dar consiste em libertar o seu pensamento e a sua
consciência da teia de leis e de dogmas que fizeram da família um curral
destinado à criação de ovelhas dóceis.
In: Manuscrito de
Pe. José Marcos Bach, SJ
A CRISE DA FAMÍLIA
A crença num Ser
Superior do qual o homem depende absolutamente é tão antiga quanto a própria
humanidade. O céu sempre foi visto pelo homem como morada de Deus. Só muito
mais tarde começou a prevalecer a crença de que o habitat preferido de Deus é a alma humana. E que a relação de Deus
com o homem é uma relação de Amor.
Foi Jesus que nos
revelou que Deus é Pai e que seu Amor por nós é o mesmo que nós humanos
sentimos por nossos filhos. “Já não vos chamo servos, mas chamo-vos de amigos”
(Jo 15,15).
Deus imprimiu a sua
“Imagem” divina na alma humana de forma tão íntima e indelével que é
simplesmente impossível a um homem apagar do seu íntimo a marca registrada da
sua origem divina.
A saudade de Deus e a
nostalgia do infinito constituem, sem a menor dúvida, o tormento mais atroz dos
que tentam viver longe de Deus. Se esta é a situação trágica dos que negam a
Deus e o excluem de suas vidas, igual a ela deve ser a situação de uma família
em cujo seio Deus não parece fazer falta.
A crise da família e a
crescente proliferação de famílias sem Deus só podem ser considerados fenômenos
positivos e sinais de avanço cultural na medida em que despertam a consciência
humana para tudo aquilo que até hoje era visto como valor, mas não o é mais.
Que valor pode ter
para uma pessoa adulta um sapatinho de criança? Qual o valor que se pode
atribuir a uma família em que a mulher é submetida à autoridade do marido em
termos que pouco ou em nada diferem da obediência que os filhos menores devem
ao pai?
Quando estabeleço a
tese de que a família é uma entidade sociocultural essencialmente religiosa,
não me refiro a nenhuma das religiões organizadas existentes.
O termo família cristã
deve ser entendido em sentido radicalmente diverso do usualmente empregado. Uma
ruptura com o passado no campo dos valores é imprescindível.
Remexer o baú da
tradição à procura de antiguidades é uma atividade pseudocultural de
pouquíssimo proveito, já que o futuro da humanidade será por certo tão
diferente do seu passado quanto o dia difere da noite. Não é da competência de
historiadores a tarefa de esboçar, com a devida antecedência, o perfil cultural
das muitas civilizações que um dia podem cobrir a face da terra. O apóstolo
Paulo atribui ao dom da profecia esta função. Atribui à comunidade como todo
este carisma.
Pe. José
Marcos Bach, sj
CARACTERÍSTICA DA NOSSA ÉPOCA
Característica da
nossa época é o início de ruptura com o passado que o caracteriza. Ninguém está
mais satisfeito com o que já foi alcançado. Todo mundo quer mais!
Para uns, mais é
sinônimo de reprodução melhorada do mesmo. Para outros, entre os quais me
situo, passou o tempo do repeteco. Chegou a hora de substituir o mesmo pelo
diferente.
A verdade é eterna,
mas a maneira de colocar a inteligência do homem em contato com ela depende do
grau de compreensão que o homem tiver das manifestações da presença de Deus na
história humana.
Existe uma diferença
muito grande entre o que nas Escrituras Sagradas é descrito como Opus Dei, e o que cientistas modernos
atribuem a Deus.
Já os Profetas e o
Antigo Testamento assinalam que os eventos cruciais da História da Salvação
pouco têm de político, mas são os que acontecem no interior subjetivo das
pessoas.
Vale o que um homem
ou uma mulher conseguem fazer de si mesmos, o resto vale tanto quanto os
cavacos resultantes do trabalho de Miguelangelo.
Estamos bem longe de
ter entendido Deus quando concedeu ao homem o dom da liberdade. Achamos que as
pessoas que sabem usar da sua liberdade são poucas. A grande maioria não
saberia o que fazer com ela. É preconceito puro.
Quem o espalha e
alimenta são exatamente aqueles que só conseguem conviver com escravos dóceis e
sem personalidade própria. É o exercício que faz o atleta.
Como pode aprender a
ser livre aquele que só aprende a obedecer?
Quem não aprende a
ser livre, jamais irá experimentar o gosto que há em sentir e saber-se livre,
verdadeiramente livre, dono e senhor de si mesmo.
A taça ou recipiente
pouco tem a ver com a qualidade do vinho que você toma. Precisamos de homens e
de mulheres infinitamente mais livres do que a legião de prisioneiros do desejo
e de escravos do dever que povoam nosso ambiente social.
Tanto no Ocidente
quanto no Oriente é rotineira a crença de que o amor sempre envolve alguma
forma de perda de liberdade. Tanto no Ocidente como no mundo Oriental a família
representa um espaço rigidamente enquadrado e severamente controlado. Por que
isso?
Porque a família e o
ambiente tipicamente familial é o único que ainda lembra um pouco a aura de
intimidade da criatura com seu Criador que cercava o convívio de nossos Pais
com o seu Deus, quando ao cair da tarde e ao sabor da brisa vespertina,
passeavam com Ele pelo Jardim do Éden!
Amor e intimidade
são sinônimos. É essa necessidade de intimidade que está levando muitos jovens
da atualidade a pensarem em constituir família. Íntimo meu é aquele que mora
dentro de mim.
O cristianismo já
deveria ter dado provas concretas de que Cristo veio para acabar com a divisão
da humanidade em superiores e súditos, mas isto até hoje ainda não aconteceu.
A família é o único
espaço sociocultural em que ainda é possível concretizar um regime de igualdade
social.
Onde não há
igualdade de direitos e responsabilidades, também não há espaço psicológico
para a intimidade.
Só pessoas verdadeiramente livres conseguem ser
íntimas umas das outras.
E a liberdade é filha predileta do amor.
Quem não ama, nunca saberá o que significa ser livre
de verdade. E quem não é livre, jamais saberá o que significa ser amigo, amigo
íntimo de alguém, como Deus é amigo dos homens.
Pe. José Marcos Bach, SJ
PRETENSÃO MASCULINA
A inferiorização da mulher e sua
subordinação ao homem não obedece a nenhuma lei da natureza. A diferença de
ordem sexual existente entre homens e mulheres é mais superficial que profunda.
Cada homem e cada mulher é um ser humano completo e autossubsistente: quando se
unem o fazem com vistas a um bem de ordem transpessoal
e social. O processo de autorrealização plena corre inteiramente por conta de
cada um. Nada há a dividir a não ser um modesto quantum de tarefas. Tudo o mais só poderá ser alcançado mediante
parceria.
A Bíblia acentua o caráter associativo da união entre homem e
mulher quando define a mulher como companheira do homem. Na medida em que
rapazes e moças casam porque precisam um do outro estão contribuindo para
manter o desastrado quadro familiar da atualidade. E não existe no mundo ordem
moral capaz de suprir a falta de maturidade ética.
Ética é a conduta que brota do
íntimo da consciência pessoal. Moral é um comportamento socialmente comprovado,
mas que pode não corresponder aos apelos mais profundos da consciência pessoal.
A palavra “comportamento” não possui o mesmo significado que a palavra conduta.
Carregar com outros o mesmo peso, a mesma obrigação (cum portare), não é o mesmo que empunhar com outros a mesma
bandeira.
A conduta ética difere do
comportamento moral em termos qualitativos e essenciais. A conduta ética
envolve um quantum de participação
criativa que o comportamento moral não exige. A distinção entre conduta ética e
comportamento moral é muito menos bizantina ou acadêmica do que pode parecer a
quem ainda não se deu conta de que os piores inimigos da liberdade criativa do
homem se encontram do lado do bem comum, da ordem estabelecida e dos
seguramente instalados em verdades eternas e irreformáveis.
A pretensa superioridade do homem
é falaciosa porque resulta da diminuição da mulher. O forte no caso não é
apenas o homem. É preciso bancar o cego para não perceber que força moral,
coragem e determinação representam virtudes em que as mulheres podem rivalizar
tranquilamente com seus companheiros do sexo masculino.
A dialética do masculino com o
feminino é solenemente adulterada quando se a reduz às proporções de uma
aliança do forte com o fraco. A dificuldade maior com que qualquer tentativa de
reestruturar as bases socioculturais do nosso sistema familiar tem que contar é
a resistência que irá despertar no inconsciente coletivo das pessoas, incluídos
na lista os próprios jovens.
Já são tantas as gerações
convictas de que a tradicional distribuição de papéis entre homens e mulheres
possui valor definitivo e irreformável que é praticamente impossível alcançar
mudança de atitudes no curto espaço de alguns séculos. Mas é também verdade que
“água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Com muita paciência
histórica será possível preparar o advento de uma nova geração de jovens
capazes e dispostos a pôr em prática o que de momento não passa de sonho
utópico. Faz parte da Esperança Cristã a crença de que a verdadeira história da
humanidade nem sequer começou.
Nossas melhores famílias obedecem
a critérios culturais e éticos que só com muita boa vontade podem ser definidos
como civilizados ou cristãos! Já se passaram 2.000 anos desde o dia em que
Jesus dispensou a mulher da submissão ao homem. No programa sociocultural de
Jesus não há lugar para posturas discriminatórias. Mas entre o que Jesus pregou
e o que seus homens fizeram em seu nome existe um fosso. E este fosso passou a
fazer parte do inconsciente coletivo do povo cristão. Enquanto os homens
exploram a sua pretensa superioridade, as mulheres procuram tirar proveito da
sua pretensa fraqueza.
Pe. José Marcos Bach, sj
UM NOVO TIPO DE FAMÍLIA
A humanidade nunca foi a mesma
sempre e em toda a parte. Se alguma vez o foi em sua origem, isso não quer
dizer que o ideal de uma sociedade perfeita é a uniformidade. O Criador
esbanjou inteligência e criatividade quando resolveu cobrir a face do nosso
planeta com as mais variantes e por vezes esquisitas formas de vida. A lei da
diversificação é tão fundamental quanto a lei da multiplicação.
De que adianta definir a priori o tipo de família que desejamos
se não criamos antes o tipo de homem e de mulher preparados para realizá-la?
Dizer que este tipo já existe é mentira e falta de sinceridade. Não é
necessário ser muito perspicaz para perceber que é baixo o nível em que homens
e mulheres se relacionam. Não é preciso visitar um país muçulmano para perceber
o quanto ainda resta por fazer para chegar a um sistema ético digno de seres
verdadeiramente livres.
Em muitos compêndios de moral a
família é definida como baluarte moral da sociedade. A família é vista e
tratada como disciplinadora do impulso sexual, e sem ela, a sociedade se
transformaria rapidamente num enorme prostíbulo. Esta concepção de natureza
higiênica da família é responsável por boa parte dos problemas que a afligem.
A vida em família pouco ou nada
tem a ver com ordem social como a entende um sociólogo ou político. Tão pouco
se inspira no que um moralista entende por ordem moral.
A palavra ordem é inadequada para
conter e expressar tudo o que o convívio familiar é capaz de fecundar. A
palavra fecundar expressa melhor, que outra qualquer, a missão fundamental da
vida em família. O ambiente familiar desempenha no plano social funções
análogas às que o útero exerce no terreno biofísico. A primeira função do útero
é alimentar o feto em caso de gravidez. A tarefa de protegê-lo e de isolá-lo do
mundo exterior, não é a principal. A ideia de que o feto no seio da mãe passa
seu tempo na mais completa inconsciência do que se passa fora daí é falsa.
Através da mãe o feto recebe não só os nutrientes essenciais ao seu
desenvolvimento físico, mas também toma consciência do mundo exterior através
da consciência da mãe. E é através da consciência da mãe que ele toma
consciência do pai.
Criar um ambiente familiar
significa, antes de tudo, criar e organizar um ambiente socialmente fecundo e
culturalmente aberto e criativo. De que valem laços de sangue quando dois
irmãos se põem a competir entre si, como no caso de Caim e Abel? Se queremos
que a família seja um dia o que gostaríamos que ela fosse, então temos que
pensar num novo tipo de agente social e de sujeito moral. No bojo das mudanças
imprescindíveis e insubstituíveis encontra-se a necessidade de uma Nova Ética
Sexual e de uma Nova Imagem de Deus.
Não sei se o leitor benévolo
dessas linhas já leu e meditou o Cântico dos Cânticos, livro sagrado tanto do
Antigo como do Novo Testamento. O Cântico dos Cânticos exala o perfume do amor
virginal, do amor romântico não contaminado pelo pecado.
Um Compêndio de Moral católica, ao
contrário, encara o campo das relações sexuais como área não redimida, onde a
tentação ainda é sempre mais forte do que a graça divina. Não resta a menor
dúvida: o futuro espiritual da humanidade vai depender essencialmente do modo
como homens e mulheres vierem a se relacionar entre si. Isto significa que é
preciso tirar a mulher do ostracismo sociocultural em que é obrigada a vegetar.
Pe. José Marcos Bach, sj
EDUCAÇÃO NA FAMÍLIA
A família é a primeira e a mais importante das agências educativas. Toda educação é basicamente autoeducação. É o indivíduo que se educa a si mesmo, optando pelo desabrochar de suas potencialidades latentes. A educação envolve, pois, um processo contínuo de seleção, porque não é possível desenvolver ao mesmo tempo e no mesmo ritmo todas as características passíveis de serem despertadas.
O objetivo da educação pode ser resumido em poucos tópicos:
Primeiro, possibilitar a um ser humano desenvolver em si a capacidade de dispor de si livremente, conscientemente, criativamente dentro de um máximo de espaço interior plasmável.
Segundo, encaminhar para o convívio social comunitário uma personalidade capaz de se integrar nele de forma positiva, adulta e responsável.
Terceiro, entregar à sua própria liberdade e decisão pessoal um ser humano capaz de organizar a sua existência de forma original, tomando a consciência como núcleo criador de valores morais, a única central criadora de valores existenciais válidos.
Cada um destes três tópicos corresponde a um aspecto fundamental do processo educativo, que são o aspecto psicológico, o social e o moral.
Incutir uma escala de valores é muito menos importante do que transmitir através da educação a consciência do valor insubstituível da pessoa humana em si. Tratar uma criança como coisa, fazer dela saco de pancadas é o melhor meio de extinguir nela o sentido de sua própria dignidade. Apoiar este senso de dignidade na honra e nome da família é alimentar o orgulho em lugar de despertar o sadio sentimento de dignidade humana. O sentido de dignidade nada tem em comum com vaidade e pruridos de superioridade.
A educação dada em família ou é boa ou é má. O fulcro, o suporte da vida familiar é o amor gratuito.
Texto do livro “O FUTURO DA FAMÍLIA, Tendências e perspectivas” de Pe. J. Marcos Bach, sj
A FAMÍLIA POR NASCER
A família que vamos precisar,
ainda não existe. Por ora não passa de ideal
utópico. Os modelos existentes, o patriarcal, o doméstico e o atômico
contêm elementos aproveitáveis, mas cada um deles por si é incapaz de prestar a
uma humanidade mais evoluída a contribuição social que só ela é capaz de
oferecer. Seria rematada estupidez pensar em substituir a família por outra
instituição qualquer: política, ideológica ou religiosa.
Não se trata de substituir o que
temos, de voltar à estaca zero e começar tudo de novo. Nem sequer basta
contentar-se com uma síntese dos modelos existentes. É preciso ter a ousadia de
pensar em algo de novo, em algo que pela primeira
vez está procurando um lugar na história dos homens.
Utópica é toda realidade que ainda
não encontrou um lugar (topos, em
grego) na vida social humana, mas que o está procurando.
A família humana não é uma
invenção da natureza, mas é obra do espírito humano. O tempo em que a luta pela
vida se resumia na luta pela sobrevivência física e biológica está cedendo
lugar a um outro tempo, o tempo da luta pela sobrevivência espiritual. É mais
que evidente que o tipo de organização social centrado na luta pela
sobrevivência física só pode dar origem a um modelo de organização familiar do
mesmo tipo.
Hoje nos defrontamos com uma
realidade em que a sobrevivência física é mais precária do que nunca. As armas
nucleares nos deram de presente a possibilidade de nos autoextinguir como
espécie biológica. Sem falar nas armas químicas e biológicas. A água que
bebemos vem de longe e a comida que colocamos em nossas mesas não é fruto do
nosso trabalho. Não foi produzida por nós, nem sequer por alguém que nos ama.
O ambiente urbano não é o mesmo
que o ambiente rural. A maioria dos que vivem nas cidades é composta de pessoas
que nasceram no campo e ainda trazem a roça em suas almas. Existe em suas
consciências uma dicotomia, um fosso que as impede de encontrar a unidade interior. A necessidade as
prende à cidade, mas a saudade as mantém presas ao mundo rural. Sentem-se
deslocadas, divididas e incapazes de morar plenamente em si mesmas. “Quem quer
ser normal deve saber morar, sem restrições, em si mesmo”, afirma Carl Gustav
Jung.
Não são apenas os indivíduos que podem tornar-se esquizofrênicos,
mas é possível que o mal atinja uma família inteira. É óbvio que não se pode
esperar de uma família urbana o que se pode exigir de uma família campesina. O
espaço de que pode dispor determina a amplitude maior ou menor da consciência
de uma pessoa. Uma criança que pode percorrer livremente quilômetros quadrados
de campo aberto só pode, quando adulto, ser totalmente diferente de uma criança
condenada a passar a infância rodeada de paredes e de muros.
A despreocupação é fator essencial
na vida de uma criança. Até na vida de um adulto a preocupação costuma ser mais
nociva do que útil. “Não vos preocupeis com o dia de amanhã”, aconselha Jesus
(Mt 6,34).
Se queremos que alguém aprenda a
ser livre temos que oferecer-lhe um ambiente social que lhe permita sentir o
gosto da liberdade. Medidas meramente restritivas e disciplinares só servem
para desvirtuar o senso de liberdade.
Uma moral que se antecipa à
decisão pessoal, não admitindo que a consciência do respectivo sujeito moral
participe criativamente da formulação da norma ética, fica muito aquém e abaixo
de tudo o que Cristo veio ensinar. A primeira liberdade é aquela que liberta o
filho da dependência e da tutela do pai. A “Liberdade dos Filhos de Deus” (Gl
5,1 e 5,13) não é uma conquista do homem, mas uma dádiva divina. Todo método
educativo que não contribui para despertar no educando o gosto pela liberdade é
anticristão.
In: Manuscrito de Pe. J.Marcos Bach, sj
MATRIMÔNIO INDISSOLÚVEL
Contraindo matrimônio, homem e
mulher realizam um pacto que não envolve apenas o corpo, mas acima de tudo a
alma de cada um. Os valores e interesses implicados no contrato não são apenas
os de ordem jurídico-social.
O matrimônio cristão é considerado
um sacramento, isto é, meio de santificação e de desenvolvimento espiritual.
Não é uma lei que torna o matrimônio cristão indissolúvel, mas é o Amor Divino
presente no amor humano que torna a este indissolúvel.
Um casal não pode pensar em
separação porque ambos, marido e mulher, se “amarraram” um ao outro. Não se
trata de saber se podem ou não separar novamente o que é fruto de um sim
livremente dado. Tudo corre a contento enquanto o casal não quer outra coisa do
que continuar unido. Atingido este ponto, o casamento se torna indissolúvel por
sua própria consistência interior. Torna-se intrinsecamente indissolúvel. Deixa
de ser uma obrigação moral e se transforma em “necessidade” psicológica! Só um
grande amor é capaz de elevar um casamento a este nível de coesão interna! Não
há lei nem decreto que tem este poder. Não há sabedoria de natureza
jurídico-moral que consiga suprir a ausência deste grande amor, ao qual o
apóstolo Paulo se refere, chamando-o de Magnum
Mysterium.
É um Amor que não se aprende em
escolas e sequer é necessário que alguém no-lo ensine, já que ele se encontra
presente nos planos mais íntimos da nossa Consciência Total.
O bom companheiro não é o que vai
à nossa frente, nem aquele que vem atrás, mas aquele que caminha a nosso lado,
preferivelmente de “mãos dadas”.
Deus criou a mulher quando
percebeu que o homem precisava de uma “companheira”, diz a Bíblia. Homem e
mulher não foram criados por Deus para se completarem mutuamente. A relação
sexual nada tem a ver com realização pessoal. Não é suficiente que se façam
felizes um ao outro. No dia do casamento colocaram-se a serviço de um projeto
muitíssimo mais amplo do que o da sua felicidade pessoal.
Quando dois átomos de hidrogênio
se unem, liberam uma poderosa carga de energia. O mesmo acontece quando duas
almas humanas se unem por um laço de amizade! Assim como cada átomo, também
cada alma humana é dotada de uma energia muito mais explosiva e poderosa do que
a energia atômica. Esta energia já existe no interior de cada um. Resta
aprender como liberá-la!
“Vim para lançar fogo sobre a
terra, e como desejaria que já estivesse aceso” (Lc 12,49). Onde topar hoje com
este fogo abrasador do Amor de Cristo? Os Sumos Sacerdotes da Nova Aliança se
encarregaram de recolhê-lo em seus turíbulos e lâmpadas sagradas! O fogo se
apagou, mas os bombeiros continuam vigilantes e sempre prontos a apagar
qualquer espécie de incêndio indesejado!
“Nisto conhecerão todos que sois
meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo 15,12). Jesus associa o
testemunho de fé ao amor para com o próximo. Quem se encontra em melhores
condições de dar este testemunho do que um casal cristão, do que um pai amoroso
e uma mãe bem “brasileira”?
Texto de um
manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, SJ – Dr. Em Teologia Moral.
O CASAMENTO CRISTÃO
Cristão de
verdade é o casamento registrado a pedido dos noivos no cartório celestial.
Foram os noivos que escolheram a Cristo
para ser o avalista de suas promessas e de suas juras de amor! Se não fizeram isso, seu casamento nada mais é do que um simples
contrato social, tão repleto de falsas promessas e de expectativas temerárias
quanto o de um pagão.
O jovem de
hoje julga-se mais realista do que seus antepassados por ter reduzido a um
mínimo o volume de expectativas ligadas à vida familiar. Se der certo, será
ótimo! Não vou embalar-me em sonhos e expectativas ilusórias!
O amor romântico dos tempos de Romeu e Julieta cedeu lugar ao amor
assanhado. Ser fã de um ídolo e desmaiar de amor só ao vê-lo de passagem: isso
é o que sobrou! Amor e sexo fazem parte do estoque de artigos de consumo. Quanto mais barato o artigo e descartável a sua embalagem, tanto
melhor. Pode haver algo de mais banal do que registro de casamento?
Antigamente era fácil registrar um casamento. O difícil era apagá-lo.
Hoje um juiz passa mais tempo atendendo pedidos de divórcio do que pedidos de
casamento.
A falsa crença de que o
casamento e com ele o amor terminam com a morte, certamente tem contribuído
para fragilizar o pacto matrimonial e abalar assim a solidez da comunidade
familiar. Se o amor é eterno por
essência, então são igualmente eternos e indestrutíveis os laços por ele gerados.
Um cristão tem toda a razão quando aposta no amor
com a certeza de que não há negócio mais seguro e lucrativo do que investir no
amor.
Como
pode a família ser a “célula da sociedade” se sua vida útil termina muito antes
da morte dos seus membros? O que resta da família concreta depois que os filhos
saíram de casa e os pais ficaram sozinhos? Em muitos casos nem sequer a saudade
permanece viva.
Uma das mais belas e consoladoras facetas da
Esperança Cristã é o conceito de imortalidade.
O amor é eterno, e tudo o que é ligado na terra com o laço do amor será também
ligado no céu. Tudo o que for atado com o laço de um genuíno e sincero amor
passa a fazer parte de um grande tesouro, propriedade e depósito bancário comum
da humanidade inteira.
Todas as obras, boas ou
más, nos seguem, com exceção do que tivermos feito com amor. O amor nos precede
e suas obras não constituem matéria de julgamento. Aqueles que, como Francisco
de Assis e Teresinha de Lisieux, transformaram a sua vida num grandioso Hino de Amor, não serão julgados. O amor
coloca aqueles que se amam acima e fora do alcance de julgamentos humanos e até
o próprio Deus os isenta do juízo divino. O amor é a única moeda com que
podemos pagar as nossas dívidas.
O mercador mercenário que só faz o que lhe pode trazer lucro e
render dividendos só pode fechar o balanço da sua vida de mãos vazias, pois “já
recebeu a paga por suas obras”. Isso tudo vale também para a vida de uma
família e de uma comunidade.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach,SJ
A
FAMÍLIA EDUCA
Os laços que ligam
entre si os membros de uma família não são casuais nem passageiros. São
transpessoais e transcendem o tempo de uma existência. É por isso que se pode
construir com ela e sobre ela muito mais do que sobre qualquer outra
instituição puramente humana. Só lá onde homem e mulher se unem para a tarefa
de propagar a vida pode-se afirmar que existe família. E só onde existe este
propósito pode-se dizer que existe espírito de família.
A palavra propagação da
vida inclui a vida em sua totalidade e não apenas os aspectos
físico-biológicos. Não basta criar um filho, é preciso educá-lo. Um lar é, acima de
tudo, um educandário. Há lições que só a família consegue ensinar. Quanto mais
cedo uma criança começa a aprender, tanto melhor! É no seio da família que se
“aprende a aprender”! É lá que se desenvolve o gosto pelo saber e o germe de
uma curiosidade intelectual que só se consegue despertar sentando no colo de
uma mãe inteligente e de um pai tão curioso quanto o próprio filho.
Cria-se um filho
atendendo a todas as suas necessidades físicas e mentais. Porém, o processo
educativo vai muito mais longe. Consiste essencialmente em despertar na alma da criança o
gosto pelo gesto gratuito.
Pobre e de futuro pouco
promissor é a criança que é obrigada a dar sem receber nada em troca.
Igualmente lamentável é a situação da criança que recebe tudo de graça sem a
obrigação de corresponder. Como o amor é um caminho de mão dupla, é preciso que
os que querem trilhá-lo sem tropeços, saibam dar e receber com a mesma
elegância e desenvoltura. Uma criança obrigada a pedir esmola é um ser humano
perdido pelo resto da vida. Nada mais indigno de um Filho de Deus do que ser
tratado como mendigo.
Pobre daquele que só
conhece o amor-esmola, o amor-caridade, o amor que se satisfaz com ceder parte
das sobras em benefício de necessitados!
No campo do amor somos
todos tão necessitados quanto devedores. Benfeitor da humanidade não é apenas o
generoso doador, mas também aquele que sabe receber. Saber dar e saber receber: não é esta a única lição existencial verdadeiramente essencial da vida?
Este é um aprendizado que só o ambiente familiar pode proporcionar.
In: Manuscrito de Pe. Marcos Bach, sj
NOVO TIPO HUMANO
“ONDE
PESSOAS CONVIVEM EM AMOR, EXISTE FAMÍLIA”.
“Homem e
mulher inicialmente são como duas pedras preciosas não polidas.
Ao se
atritarem um com o outro, podem tornar-se dois brilhantes.
Estes dois
brilhantes, com o tempo, podem transformar-se em dois brilhantes-espelhos,
onde é
possível um se refletir no outro.
Ao se
enxergarem um no outro, começam a se mirar e a se admirar mutuamente.
Chegando
ao ponto de se contemplarem no que há de mais belo e gratificante,
começarão
a formar uma UNIDADE NOVA!
Irresistíveis um ao outro como um ímã, se abraçarão num vigoroso e
ardente AMOR!
E neste
estado de Santo Espírito, com
corpo e alma integrados e
irmanados,
podem
gerar, com muita alegria e felicidade, uma nova criatura,
UM NOVO E MARAVILHOSO SER HUMANO!
Nasce,
assim, para o tempo e para a eternidade, a FAMÍLIA!
A FAMÍLIA querida, desejada, e,
sobretudo, a FAMÍLIA FELIZ”.
Mª Celia Bach
A criação de uma Universidade da é uma
necessidade urgente. Por duas razões:
1ª) Porque a constituição da família é tarefa das mais
descuradas. Neste terreno a improvisação é a regra.
2ª) Porque a família é a única instituição com lugar
assegurado no mundo futuro!
Em outros termos: “O sujeito da história será a
comunidade, e não o indivíduo isolado”. E o núcleo de qualquer organismo
comunitário será, sem dúvida, a família, entendendo-se por este termo um
conjunto de pessoas convivendo juntas e repartindo entre si o acesso a um campo
afetivo comum.
O conceito tradicional
gira em torno da propagação e transmissão da vida biológica. Trata-se de uma
função por demais limitada, mas que não pode ser abandonada.
As funções sociais e
éticas que uma família pode desempenhar encontram-se atualmente espalhadas e
exercidas por outros organismos sociais como a Escola e a Igreja, por exemplo.
Não é o caso de fechar as escolas ou as igrejas, mas de restituir à família
funções que sabe desempenhar seguramente bem melhor do que aquelas.
Educar uma criança é
uma tarefa que exige tempo integral, muita dedicação e paciência, e acima de tudo,
muito amor.
A creche não é, com
certeza, o lugar ideal para se criar um novo ser humano! Colocar um grupo de
crianças na dependência de profissionais, de “trabalhadores em educação”, é uma
alternativa infeliz que não compensa o investimento requerido! Mas é, no
momento, a única que resta a um casal, obrigado pelas circunstâncias, a
trabalhar fora de casa. O fato de passarem o dia separados um do outro,
certamente não favorece as relações afetivas entre marido e esposa.
Tudo continuará no
mesmo pé se não mexermos na estrutura conceitual da família. O tipo de lar
dormitório é por demais precário para resistir à ação desagregadora da entropia
social. Mais discutível é sua capacidade de transformar-se em núcleo aglutinador de uma sociedade mais
evoluída que a nossa. Para conseguir este último objetivo é necessário tirar o
conceito de família do plano puramente biológico e biogenético e preparar-lhe
um lugar na esfera noológica ou noogenética. É preciso transformá-la em Escola, “Schola Affectus”, e em Usina,
usina de transformação energética e geradora de energias espirituais.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach,sj
Nenhum comentário:
Postar um comentário