FAMÍLIA

REVISÃO DO CONCEITO FAMÍLIA

Nenhuma instituição social, seja ela política, cultural ou religiosa se dispõe a admitir sua parcela de culpa numa determinada situação. Seus porta-vozes não admitem que a situação da família seja tão desastrosa quanto dão a entender as estatísticas. Basta verificar os números para chegar à conclusão de que é preciso pensar em fazer mudanças, mudanças profundas, capazes de abalar a estrutura e até a própria base cultural do atual conceito de família.

À crença ingênua de que estas mudanças vão ocorrer à revelia do homem e de sua disposição de operá-las, é preciso opor, não apenas outra crença, mas uma atitude de como a que Jesus exigia de seus discípulos. O homem crente transfere à competência de terceiros o que na verdade é de sua responsabilidade pessoal.

Atribuindo à autoridade dos pais sobre os filhos uma origem divina, esta passa a ser exercida em nome de Deus e sob a jurisdição da Igreja, representada no caso por sua classe dirigente. A autoridade dos pais é de inspiração divina, não resta dúvida, mas seu exercício não pode ser terceirizado, isto é, não passa pela jurisdição e intermediação da Igreja ou de outra entidade religiosa qualquer.

O casamento é muito mais do que um simples contrato social. A simples definição do quadro jurídico-moral através da distribuição de direitos e deveres passa ao largo do essencial.
A família que vamos precisar, ainda não existe. Por ora não passa de ideal utópico. Os modelos existentes, o patriarcal, o doméstico e o atômico contêm elementos aproveitáveis, mas cada um deles por si é incapaz de prestar a uma humanidade mais evoluída a contribuição social que só ela é capaz de oferecer. Seria rematada estupidez pensar em substituir a família por outra instituição qualquer: política, ideológica ou religiosa.

É preciso ter a ousadia de pensar em algo de novo, em algo que pela primeira vez está procurando um lugar na história dos homens.

Utópica é toda realidade que ainda não encontrou um lugar (topos, em grego) na vida social humana, mas que o está procurando.

A família humana não é uma invenção da natureza, mas é obra do espírito humano. O tempo em que a luta pela vida se resumia na luta pela sobrevivência física e biológica, está cedendo lugar a outro tempo, o tempo da luta pela sobrevivência espiritual. É mais que evidente que o tipo de organização social centrado na luta pela sobrevivência física só pode dar origem a um modelo de organização familiar do mesmo tipo.

Hoje nos defrontamos com uma realidade em que a sobrevivência física é mais precária do que nunca. As armas nucleares nos deram de presente a possibilidade de nos autoextinguir como espécie biológica. Sem falar nas armas químicas e biológicas. A água que bebemos vem de longe e a comida que colocamos em nossas mesas não é fruto do nosso trabalho. Não foi produzida por nós, nem sequer por alguém que nos ama.

O ambiente urbano não é o mesmo que o ambiente rural. A maioria dos que vivem nas cidades é composta de pessoas que nasceram no campo e ainda trazem a roça em suas almas. Existe em suas consciências uma dicotomia, um fosso que as impede de encontrar a unidade interior. A necessidade as prende à cidade, mas a saudade as mantém presas ao mundo rural. Sentem-se deslocadas, divididas e incapazes de morar plenamente em si mesmas. “Quem quer ser normal deve saber morar, sem restrições, em si mesmo”, afirma Carl Gustav Jung.

Não são apenas os indivíduos que podem tornar-se esquizofrênicos, mas é possível que o mal atinja uma família inteira. É óbvio que não se pode esperar de uma família urbana o que se pode exigir de uma família campesina.

Muita capacidade de discernimento é necessária para impedir que se jogue fora o que não pode faltar numa visão verdadeiramente inteligente do papel da família numa sociedade para a qual não apenas o passado histórico, mas até o planeta Terra se tornou pequeno demais. Além deste, de jogar fora o que deve ser conservado, existe o perigo de conservar o que deve ser abandonado.

Discernir significa separar, julgar. E tem como objetivo possibilitar uma escolha mais inteligente e racional. É no terreno dos valores que se pretende operar uma triagem.

Num ambiente social conservador o antigo vale sistematicamente mais do que o novo. O moderno é visto com suspeita. Uma verdadeira teia de preconceitos e uma vigorosa onda de desconfiança cercam, ainda hoje, tudo o que integra os valores do mundo moderno. Os preconceitos mais robustos e as suspeitas mais arraigadas contra o moderno provêm dos setores religiosos. Um dos valores mais destacados do mundo cultural moderno é o processo de secularização ou laicização.

Tem por objetivo restabelecer a autonomia do profano em relação ao sagrado. Atinge os setores religiosos institucionalizados na medida em que estes procuram proteger seus interesses, abrigando-os sob o manto do sagrado.

A tutela religiosa de que a família é alvo, é amparada pela tese de que ela é uma instituição de origem divina, cabendo, por isso, aos representantes de Deus a missão de zelar por ela. Este zelo envolve mais do que simples cuidado, pois envolve também poder e autoridade.

Qual a religião em que a família não é considerada domínio religioso? Sujeita, portanto, à autoridade de superiores autopromovidos à condição de tutores da família.

Nada há no homem que seja mais livre e soberano que a sua consciência. Ninguém tem mais respeito por esta liberdade que o próprio Deus. A extensão deste respeito chega a ser escandalosa, pois inclui a existência de um inferno e de ambientes sociais em que é permitido rejeitar Deus.

O amor de Deus não é um amor que não é permitido renegar e desprezar. O amor é sempre muito maior do que a capacidade humana de compreendê-lo e de lhe corresponder. Jesus sabe disso melhor do que ninguém. Nossos amedrontados pastores ainda estão por descobrir a diferença que os separa da Pessoa do Bom Pastor.

Pastor inteligente e digno da confiança de suas ovelhas é aquele que sabe consultar o instinto de suas ovelhas.

Autonomia não é o mesmo que independência. O homem é um ser social não porque necessita da companhia de semelhantes seus, ou porque dependa deles. Aquele que ama não renuncia à sua liberdade, mas a funde com a de outro. Só o amor consegue esta façanha.

Fusão é mais do que simples soma. É síntese. A soma de um (1) mais um (1) é dois (2). Mas o resultado da multiplicação de um por um é um.

Aplicando esta técnica ao amor pode-se dizer que o amor não soma, nem divide, mas multiplica. Não destrói a unidade existente, mas a eleva a um plano superior, mais rico em potencialidades. A condição de ser social não torna o homem um necessitado, um indigente, um indivíduo incompleto e que a única resposta que lhe resta é a atitude de submissão e o sacrifício de parcela da sua liberdade em proveito do bem comum.

Nem dependência nem independência, mas interdependência, é este o laço que uma relação de amor costuma gerar.

Na medida em que uma dependência passa a ser recíproca, ela deixa de ser humilhante e injusta e passa a ser libertadora.
Simone de Beauvoir, em sua autobiografia, atribui a sua conversão ao ateísmo pela ideia de que Deus não precisava dela, ao passo que ela dependia em tudo de Deus. A verdade é, no entanto, outra: “Deus, cansado de se ver servido por escravos amedrontados e pusilânimes, resolveu dar início a um novo capítulo da história humana em que o homem é elevado à condição de sócio de Deus. O próprio Deus, assumindo o homem como sócio, tornou-se, Ele mesmo, ‘Sócio’ do homem”.

Se é verdade que o resultado desta nova sociedade é lastimável sob tantos aspectos, também é verdade que este é o único modo de tornar o homem sujeito da sua história e não mero espectador.

Padre Marcos Bach


PREPARAR O FUTURO DA VIDA FAMILIAR
O futuro da vida familiar vai depender em grande parte da capacidade de homens e mulheres de fazer do casamento um autêntico pacto de amor.
A palavra pacto indica que se trata de um compromisso destinado a selar um projeto de vida em comum.
A palavra amor implica em compromisso irreversível. Também o amor exige sacrifícios. Ninguém, no entanto, se dispõe a fazê-los se não tiver a certeza de que vale a pena.
O tempo é o pior inimigo do amor. Só um amor eterno é capaz de sobreviver às vicissitudes da vida. Fidelidade conjugal e indissolubilidade do matrimônio ou brotam do próprio amor, ou não têm como sustentar-se. Impô-las em nome da lei moral não é suficiente para proteger um casal contra a tentação do adultério e do divórcio.
Só um grande amor é capaz de proteger um casal contra a tentação do adultério e do divórcio. Só um grande amor é capaz de proteger um casamento dos perigos que ameaçam a sua estabilidade.
Rezar e frequentar os sacramentos pode ser muito bom, desde que não se destinem a suprir a falta de amor. A oração não tem o poder de substituir a falta de diálogo entre marido e esposa. Um amor que não vai além da morte está exposto ao risco de morrer a qualquer momento. Só merece a qualificação de religioso o casamento que inclui Deus e a Eternidade em sua perspectiva. A morte só tem o poder de pôr fim ao casamento, mas não a um pacto de amor. Romeu e Julieta morreram, mas o amor deles continua vivo. Não somente na memória do povo, mas também nos registros de Deus.
Casamentos que morrem como moscas em fim de outono, nunca foram mais do que “pau de amarrar égua”, diria o nordestino. Este é o casamento que resulta da conjugação de interesses. Onde o pai dá a sua filha em casamento ao filho de um fulano com a intenção de melhorar o seu próprio cacife social-político, continua vivo. As Igrejas abençoam estes arranjos com as suas melhores bênçãos. Declaram como sendo religiosos casamentos que não merecem a menor confiança. Desacreditam deste modo a si próprios e ao matrimônio como instituição social séria.  
Engana-se rotundamente quem acha que para assegurar a um casamento a desejada estabilidade basta envolvê-lo numa rede protetora de normas e prescrições. Nem o mais severo e nem o mais belo sistema moral têm condições de assegurar a um casamento nem mesmo aquele mínimo de durabilidade, sem a qual nenhuma espécie de ordem social é possível. A saúde de uma sociedade está íntima e profundamente ligada à saúde sexual de seus membros. E esta é, por sua vez, determinada pelo nível em que homens e mulheres se relacionam sexualmente. Celibatários pouco têm a dizer quando o assunto se relaciona com a maneira mais saudável de fazer uso do potencial sexual. O número de celibatários não é indicador de saúde sexual. Assim como o número de divorciados não é indicador de progresso e de maturidade sexual.
O problema crucial não está em saber (ou não) onde ir, mas em saber como chegar até lá.

Padre Marcos Bach


O SUFOCO DA FAMÍLIA ATUAL

É preciso tirar a família da atmosfera pragmático-utilitária que a está sufocando. A família não se destina a produzir resultados contábeis. Não persegue fins, mas se destina a revelar significados. Possui caráter simbólico, pois é sinal, sinal sacramental de uma realidade maior, mais ampla. Este mundo maior do qual é sinal visível, não é nem a nação, nem a Igreja. Temos que situá-la num plano muito mais abrangente, mais próximo do universo dos valores absolutos.
           
“O Universo está-se expandindo”. É o que nos dizem os astrofísicos. Ora, se é assim, então seus componentes também se encontram em expansão. Logo, também a família tende a se expandir, exigindo mais espaço na medida em que o tempo passa. Manter uma família é hoje um verdadeiro sufoco.
           
Antes de pensar em como libertar a vida familiar das muitas teias e peias que a prendem, é necessário analisar em profundidade as causas deste sufoco.
           
Um primeiro empecilho a ser enfrentado é a falta de vontade política e a coragem de chamar os “bois” pelo nome. Nenhuma instituição social seja ela política, cultural ou religiosa se dispõe a admitir sua parcela de culpa na situação. Seus porta-vozes não admitem que a situação da família seja tão desastrosa quanto dão a entender as estatísticas. Basta verificar os números para chegar à conclusão de que é preciso pensar em fazer mudanças, mudanças profundas, capazes de abalar a estrutura e até a própria base cultural do atual conceito de família.

À crença ingênua de que estas mudanças vão ocorrer à revelia do homem e de sua disposição de operá-las, é preciso opor, não apenas outra crença, mas uma atitude de , como a que Jesus exigia de seus discípulos. O homem crente transfere à competência de terceiros o que na verdade é de sua responsabilidade pessoal. Também no terreno político-moral existe o fenômeno da terceirização.
           
No campo religioso católico o fenômeno se manifesta na tendência a convocar leigos e até mulheres para exercerem funções antes reservadas a sacerdotes.
           
Atribuindo à autoridade dos pais sobre os filhos uma origem divina, esta passa a ser exercida em nome de Deus e sob a jurisdição da Igreja, representada no caso por sua classe dirigente. A autoridade dos pais é de inspiração divina, não resta dúvida, mas seu exercício não pode ser terceirizado, isto é, não passa pela jurisdição e intermediação da Igreja ou de outra entidade religiosa qualquer.
           
Não são os padres que têm o encargo de dizer aos casados como desempenhar a sua vocação de pais e mães. Pelo contrário, são eles, os pais, que têm o encargo de “encarnar”, não só a autoridade, mas, antes de tudo, o Amor de Deus.

O casamento é muito mais do que um simples contrato social. A simples definição do quadro jurídico-moral através da distribuição de direitos e deveres passa ao largo do essencial.

Padre Marcos Bach


ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA FAMÍLIA DO FUTURO

- Seria um equívoco lamentável supor que a família do futuro será o resultado de um processo de uniformização. Temos atualmente vários tipos de família: a família patriarcal, a família doméstica e a família nuclear.

- Não devemos pensar a família do futuro como o resultado de um processo de uniformização, como é o desejo dos que sonham com a família dócil a desígnios superiores.

- A família do futuro só pode ser mais aberta, mais autônoma e mais criativa que as de hoje.

- Moderno é o que está de acordo com o seu tempo e com o nível cultural do seu ambiente. Moderna nos dias de hoje é a família nuclear, a pequena família, pouco numerosa.

- Moderna é a família em que a mulher exerce uma profissão como o marido.

- Moderna é a família em que os filhos dispõem de um grau de liberdade nunca dantes visto!

- A humanidade evolui e se humaniza dando passos para frente e deixando o passado para trás:

1) O modelo patriarcal de família ou de organização social está definitivamente superado. A família do futuro não será patriarcal.

2) A família doméstica possui mais virtudes que a patriarcal e tem mais chances de continuar viva desde que consiga reproduzir na cidade o ambiente sociocultural típico do campo.

3) A família nuclear será a família do futuro porque é pequena, leve e pouco condicionada pelo peso de costumes herdados e de valores consagrados. Mas ela mesma terá que passar por um processo de transformação.

- É o homem que deve organizar e operacionalizar este processo e não pode esperar que aconteça por si ou que algum “Deus” o faça por ele. Não é nos genes que é preciso mexer, mas na cabeça das pessoas e no seu coração. Por outra: o problema é de natureza cultural.

- Ciência e tecnologia podem ser úteis, mas é no interior das consciências que deve ocorrer a grande transformação. Ver-se a si e o seu semelhante com outros olhos: eis a primeira lei de uma nova ordem de valores!
           
A Ciência nos pode explicar muita coisa. Seria, no entanto, pretensão descabida esperar dela receitas prontas!

O futuro da família e a família do futuro são assuntos que fogem por completo da competência de cientistas e políticos. É evidente que ciência e tecnologia têm algo de muito valia com que contribuir para o advento de um mundo melhor e mais humano, mais civilizado e justo. Por isso pode-se considerar como irracional a atitude de líderes religiosos quando condenam a priori qualquer forma de manipulação genética envolvendo seres humanos.

In medio stat virtus”, diziam os romanos. “Nem tanto ao mar nem tanto à terra”, diziam os portugueses, que sabiam muito bem como navegar em mares procelosos!

A técnica se torna perigosa a partir do momento em que se esquece de que o homem não é uma máquina. Ou um robô feito de peças que podem ser substituídas.

A religião se torna obsoleta e inimiga do homem na medida em que se coloca do lado de um “Deus” mais propenso a temer o homem do que a confiar nele!

O mundo atual é dominado por tecnocratas dum lado e teocratas do outro. Uns falam em nome do progresso e os outros em nome da salvação da humanidade.

Não dispomos de um modelo de família pronto para consumo. Como não se constrói uma cidade com os restos que sobraram de um terremoto, do mesmo modo seria irracional tentar reconstruir a família com o que dela sobrou. O melhor que podemos fazer é passar a patrola por sobre a cidade em ruínas, remover os escombros, nivelar o chão e pensar em construir uma Cidade Nova.

A família só existe como entidade abstrata. Visitar uma família significa encontrar-se com um homem, uma mulher e um punhado de crianças.

Se queremos ter uma ideia do valor desta família temos que descobrir que tipo de relacionamento existe entre os seus membros. Até que ponto este homem à nossa frente preenche os requisitos que associamos ao papel de marido e de pai. 

A mulher sentada à nossa frente é realmente a companheira amiga com que todo homem sonha? E o que pensam dela os filhos do casal? E o que pensam um do outro os membros desta família? Isto é que é fundamental.

Fundamental não é o que possuem ou fazem, mas o que sentem e pensam! Até que ponto formam um só coração e uma só alma? Importante é o que cada membro está disposto a dar e a compartilhar com os demais e não o que espera receber deles!

Padre Marcos Bach


FAMÍLIA E MORADIA

Numa família em que o vício e o crime ocupam o espaço nobre do dia, todos, sem exceção, acabam se identificando com o que veem! O pai sente inveja do “poderoso chefão”. A mãe chora o tempo todo. A filha se apaixona pelo pior bandido só porque ele é belo. O filho se sente um trouxa porque ainda acredita em Deus, em padre ou pastor! Pode-se chamar de sagrado um ambiente onde mulher pode tirar a roupa a bel prazer? Onde o beijo é a arma preferida dos casanovas da vida?
           
Bem, não é necessário ser puritano para perceber que os piores inimigos do futuro espiritual da humanidade possuem alvará, e têm permissão para entrar em qualquer lar e profaná-lo impunemente.
           
O primeiro requisito com que deve ocupar-se um casal é de natureza eugenética. A pergunta à que devem responder honestamente e por conta própria é esta: Temos condições de gerar filhos sadios e geneticamente mais evoluídos do que nós? Pois a eugenética vai ocupar lugar de destaque na futura ética sexual.
           
A segunda pergunta a que o casal deve resposta é esta: Temos uma casa que mereça o nome de lar? Pior do que passar fome é morar nas condições em que milhões de brasileiros vivem! O casamento acontece de fato quando um casal passa a morar na mesma casa.
           
É cinismo puro dizer a uma mulher que ela é dona de casa quando na realidade ela não é dona de nada. Nem o mísero barraco em que vive lhe pertence! Bem que se poderia aplicar a ela e sua família o ditado: “Dize-me como moras e eu te direi quem és”.
           
O futuro da instituição familiar está intimamente ligado ao problema da moradia. A moral católica não é a única a ignorar este e outros aspectos de natureza logística da problemática familiar, mas é certamente a maior culpada, pois gasta milhões na construção de templos e de mosteiros, pouco se importando com o problema habitacional das classes menos favorecidas!
           
Onde uma pessoa dorme e como passa a noite é tão importante quanto o modo como passa o dia. A ausência de preocupações desta ordem desacredita qualquer projeto político, moral ou pastoral.

“A miséria é incompatível com a prática da virtude”. A afirmação é de Santo Tomás de Aquino. Sem um mínimo de conforto, de segurança exterior e de bem-estar físico a fé em Deus e a comunhão de almas são simplesmente impossíveis.
           
É simplesmente ridículo afixar na entrada de um barraco imundo e malcheiroso uma tabuleta com os dizeres: “Aqui mora gente feliz”!
           
Quem não é feliz não é gente. Menos ainda pode considerar-se cristão. A felicidade é muito mais que simples epifenômeno moral, ou mera consequência de uma vida virtuosa. É Santo Tomas de Aquino que subscreve com sua autoridade de Doutor da Igreja a tese de Aristóteles, para quem a “eudaimonia”, isto é, a felicidade, é elemento constitutivo de todo ato moral. E moral é todo ato humano especificamente humano. A racionalidade e o bom senso, a liberdade e a consciência do que se está fazendo, o amor que o determinam, assim como o prazer e a felicidade que o impregnam são mais que meros adjetivos da boa ação.
           
A felicidade é mais do que a satisfação que nasce do equilíbrio entre o desejo e a necessidade dum lado, e da capacidade de cada indivíduo de lhes dar uma resposta adequada. Há pessoas que passam a existência sem ter conseguido jamais penetrar nos arcanos mais profundos do seu inconsciente. Não sabem o que perdem!

Padre Marcos Bach


LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

A Igreja teima em dar precedência a princípios de doutrina em lugar de se preocupar com a necessidade real dos casais. O controle racional da natalidade fica, por isso, a cargo de cada casal. Se o casal não pode contar nem com o Estado, nem com a sua Igreja na hora de escolher o método mais apropriado, então tem também o direito de optar pelo que lhe parece mais seguro, menos prejudicial à saúde e à harmonia conjugal. 

Quem não tem direitos, também não tem obrigações: este axioma é fundamental tanto no campo jurídico como no plano ético. Ninguém é obrigado a usar um determinado método quando este método não proporciona a segurança necessária; quando interfere de forma séria no relacionamento conjugal e quando prejudica a saúde. Por ser católico um casal não pode submeter sua razão e sua consciência cegamente a imposições decretadas por uma autoridade externa. O uso racional da sexualidade não é um assunto que se possa definir a priori. E por quem não é o sujeito portador da razão.

O natural no homem é o racional. O biológico e o fisiológico não podem ser tomados como manifestações da lei natural, a menos que se queira levar a moral de volta às cavernas da pré-história. Amarrar a espontaneidade do amor entre esposos ao ritmo dos ciclos férteis ou estéreis da mulher é o mesmo que desconhecer a diferença entre um casal humano e o comportamento normal de um casal de chimpanzés. De que valeria a um casal o ser livre e dotado de razão se não tivesse o direito e a liberdade de estender o domínio da sua razão também à atividade reprodutiva? Por que um casal humano é obrigado a submeter sua liberdade a determinismos biofisiológicos como se fossem mais sagrados do que a consciência livre do homem?

Com que direito se pode chamar de natural um método que é o oposto do que é normal entre animais? É justamente no período fértil da fêmea que os animais copulam. Fora deste período praticam a continência. Como se pode pensar em impor à consciência de um casal como natural um procedimento que os animais desconhecem? O máximo que se pode dizer dos ensinamentos da Igreja referentes ao planejamento familiar é que são contraditórios, confusos e destituídos de base confiável. O apelo à autoridade papal não é suficiente para estabelecer uma obrigação moral. Argumentos filosóficos, extraídos de um sistema particular, como é a Escolástica, também não bastam para criar a certeza concreta sem a qual não há obrigação moral.

In dubiis libertas”! Enquanto a Igreja não encontrar razões mais convincentes em favor de seu ensinamento nesta matéria de que tratamos, nenhum casal é obrigado a segui-lo.

O que estou questionando não é a autoridade da Igreja, mas um modo leviano e desabusado de exercê-la. É isto que um casal católico (pois são eles os únicos atingidos pelas diretrizes do Vaticano!) deve e pode ter em mente: “Obedecer à Igreja é mais do que obedecer ao papa”! O papa não é a Igreja. É apenas parte dela. A voz do magistério da Igreja inclui a dos bispos. O diálogo do povo católico com o seu bispo é mais fácil, porque o bispo fica mais perto, e é também mais profícuo, pois eles, povo e bispo se conhecem melhor. Infelizmente a maioria dos bispos é nomeada pelo papa sem que o povo tenha parte no processo. Como resultado deste modo de proceder, o bispo é alguém que se sente mais comprometido com Roma do que com o povo da sua diocese. Mais prisioneiro do Código de Direito Canônico do que servo do Povo de Deus.

Sem diálogo e sem um mínimo de negociação entre o Povo de Deus e os Pastores da Igreja não há como sair do impasse existente entre o que os pastores ensinam e o que o povo pratica. É difícil encontrar terreno onde a discrepância entre o que se ensina e o que se pratica é tão flagrante e cheia de riscos potenciais quanto este de que estamos tratando.

Uma boa máquina necessita de válvulas de segurança. Para mantê-la em função não basta apertar os parafusos sempre mais. Vem o dia em que os parafusos estouram. No campo da ética sexual tal como é imposta pelos papas à consciência dos católicos, este dia não está longe. Na origem da atual anarquia sexual está também a moral católica por excesso de rigor e por desconhecimento quase total das condições psicológicas e culturais do homem moderno. O que os censores da moral católica mais ignoram é a ascensão da mulher em praticamente todos os palcos da sociedade moderna. 
Padre Marcos Bach                                                                                                                       



PRESTANDO ATENÇÃO À JUVENTUDE TEREMOS FAMÍLIA

Se queremos uma nova sociedade humana temos que pensar num novo modelo de família. E se temos o propósito sério de não continuar a malhar em ferro frio, temos que pensar no tipo de rapaz e de moça com que vamos poder contar para a execução de tal projeto.
        
Não basta esboçar um modelo teórico de família se não temos quem o execute na prática. Um modelo não se impõe por decreto e de cima. Um modelo tem que ser belo e atraente, pois é pelo caminho do fascínio que ele se imporá à consciência dos futuros pais e mães de família.
        
Não se ama nem se deseja o que não se conhece. A família é um valor cultural a respeito do qual existe muito mais palpite do que conhecimento científico e filosófico. Normas não faltam, o que falta é conhecimento. (Comparando):  Preocupamo-nos com o estado do carro e um pouco menos com a trafegabilidade das estradas, mas quase nenhuma atenção prestamos à capacidade e ao estado de espírito dos motoristas. No caso da família o motorista é o casal. Se eles não sabem como dirigir uma família, ninguém poderá substituí-los nesta tarefa, nem escola, nem igreja.
        
O que se pode esperar de jovens que gastam tempo precioso, saúde e o melhor das suas energias em bacanais, orgias noturnas? O que terá com que contribuir para uma futura vida de família o punhado de jovens fanatizados, mais dispostos a dar a sua vida do que vivê-la plena e integralmente?
        
Quem está mais disposto a dar a sua vida e a sacrificar-se por uma grande causa não deve pensar em fundar uma família e faz bem quando decide abraçar a vida celibatária. Quem tem vocação para mártir não deve abraçar a vida matrimonial. O matrimônio não é nenhum calvário e a família não é nenhum purgatório ou lugar de expiação.
        
Alimentamos a crença de que a juventude termina com o início da vida de casado. Com o casamento termina a vida fácil. Não é isto que o casal de noivos é obrigado a ouvir nos cursos de noivos? A vida que um rapaz e uma moça levaram antes de casar será a mesma que vão viver depois quando casados. É superstição pura e irresponsabilidade total imaginar que uma simples troca de etiqueta social possa operar o milagre de transformar um libertino irresponsável num pai de família responsável e digno de crédito. Ninguém se converte “a toque de caixa” e “ex opere operato”, isto é, por obra do poder mágico de um gesto sacramental.

Quem desperdiçou a juventude é, via de regra, aquele a quem não foi permitido ser nem adolescente nem criança. É pura ilusão imaginar que ele tenha condições de um dia se comportar como adulto.

Se queremos que a humanidade de amanhã seja melhor que a de hoje, temos que dar mais ouvido ao que o mundo jovem nos está dizendo. Extremamente importante é saber o que eles pensam da família e que tipo de família pretendem fundar um dia.
        
São jovens que arrebatam medalhas nos jogos Olímpicos. São jovens que morrem nos campos de batalha. Tem-se a impressão de que ser jovem é algo que começa logo no início da existência, chega aos tropeços e termina bem depressa. Além de tudo cometemos o erro de considerar o corpo como portador da juventude, deixando de lado a alma, a mente e o espírito. Confundimos saúde com bem-estar físico e juventude com vigor físico. Além de definir mal o que significa ser jovem e além de situar de maneira errada a juventude no contexto existencial todo, cometemos o erro de não preparar nossas crianças para esta fase tão crucial de suas vidas.
        
Ser jovem não é algo que dura pouco e mais se parece com castigo do que com festa.
        
Enquanto a moçada sonha com emprego e casamento, suas mães lotam os institutos de beleza e as clínicas de cirurgia plástica. O jovem quer tornar-se adulto o mais depressa que for possível. Os “coroas” fazem de tudo para dar a impressão de que continuam jovens.
        
A juventude é uma propriedade da vida humana e não apenas uma fase passageira. E não é condicionada pelo estado físico de uma pessoa. É curioso verificar que o cérebro humano não envelhece. Mesmo estropiado, sempre volta a encontrar um modo de se refazer. Velho é aquele que se autodefine como tal. Jovem pelo resto da vida é o adolescente que soube assumir a sua borbulhante juventude.
        
A preocupação dominante em nossos ambientes educativos não inclui a tese de que infância, adolescência, mocidade, meia-idade e terceira idade formam um todo unificado e não podem ser tratados como etapas separadas e sem interrelação entre si. A passagem de uma etapa para outra não pode ser interpretada como ruptura. A larva que se torna crisálida carrega consigo tudo o que de aproveitável conseguiu acumular durante o tempo em que era bicho cabeludo.
        
O bom comportamento de um adolescente depende do modo como este pôde viver a sua infância. Jovem responsável será o que pôde viver a sua adolescência sem o sufoco de uma disciplina castradora.
        
O adolescente quer aprender a ser moço e este quer aprender a ser adulto. Cada nova fase oferece um repertório inesgotável de lições novas. A criança que nada aprende jamais será outra coisa do que uma “grande criança”.
        
O velho sábio digno de toda a admiração e de todo o amor deste mundo é tão infantil quanto o bebê aninhado no colo da mãe. É adolescente tão iconoclasta quanto os que mais o são. E jovem porque continua tão otimista e idealista como era no tempo em que frequentava a universidade.

Padre Marcos Bach


O MATRIMÔNIO E A FAMÍLIA

É o matrimônio e a família uma invenção da mãe-natureza ou uma criação da mente racional do homem? Ou por outra: é a família, como a conhecemos, o resultado de um processo biológico e biogenético ou é, pelo contrário, um processo especificamente cultural e tipicamente humano? Podemos confiar à natureza a tarefa de orientar o homem quando o assunto é vida em sociedade? Se fôssemos entregar a machos e fêmeas a organização da atividade sexual, provavelmente nos encontraríamos no mesmo estágio evolutivo que o chimpanzé bonobo. Ou, na melhor das hipóteses, estaríamos marcando passo com nossos ancestrais remotos, com os representantes do Homo Troglodita. A humanidade progrediu neste terreno porque criou mecanismos de controle social, tirando o assunto do terreno da livre iniciativa particular e impondo restrições à livre expansão do desejo individual.
           
Da subordinação do interesse individual ao da espécie é que nasce a Moral. Entre lobos o privilégio de engravidar as fêmeas é prerrogativa do chefe do bando que terá este direito enquanto for o macho mais forte do bando. Mais importante do que manter os outros machos afastados do “harém” era manter as fêmeas em clausura e impedi-las de usar seus encantos naturais para seduzir outros machos. Mais que aos machos é preciso trazer de olho as fêmeas. “É através de uma mulher que o pecado entrou no mundo”, rezam os Livros Sagrados de judeus, cristãos e muçulmanos. A mulher é o perigo. Manter a mulher longe do altar é imperativo categórico de quem deseja proteger a virtude contra o vício. Não é por acaso que a palavra virtude tenha parentesco etimológico com a palavra latina “vir”, que significa varão.
           
Já entre os judeus antigos a mulher de verdade era a dona de casa circunspecta e corajosa, capaz de administrar sozinha os bens do marido. Aqui no Brasil tornou-se emblemática a figura da Amélia, mulher de verdade, disposta a “engolir todos os sapos” que o marido lhe jogava no prato.
           
Nossa situação no campo do relacionamento sexual é desastrosa. Onde foi que erramos tanto a ponto de não sabermos mais se vale a pena retomar o fio da história ou se o mais indicado é desfazer-se do passado e começar da estaca zero?
           
Durante milênios exageramos no terreno dos controles sociais. Elaboramos um código moral hipócrita e repressivo, onde evitar o mal era mais importante que praticar o bem. Guindamos o celibato e a abstinência sexual à condição de castidade perfeita. Permitimos que a mulher fosse subordinada ao homem e tratada como cidadã de categoria inferior. Não permitimos que uma criança descubra o sexo e a sexualidade como uma das maiores maravilhas do mundo. Associamos sexo e prazer à noção de pecado numa medida que beira à histeria, ao menos no ambiente dos devotos da virtude angélica.
Bem cedo uma criança aprende a cobrir o sexo com o manto da vergonha. Associamos sexo com sujeira e porcaria. O que acontece ao abrigo dos lençóis de uma cama de casal é tabu, assunto que não se comenta.
           
O animal obedece a seus impulsos sem o menor constrangimento. Um homem que fizesse o mesmo se exporia ao risco de morrer apedrejado. Somos “animais”, mas temos que renegar nossa animalidade se quisermos que não nos internem num Jardim Zoológico.
           
Não somos anjos, mas no campo sexual somos incitados a imitá-los. Já que anjos são por natureza seres assexuados, a prática da castidade angélica só pode coincidir com a prática da abstinência total.
           
O animal pode confiar em seu instinto e os anjos podem confiar em sua condição de espíritos puros, só homens e mulheres não podem confiar em seus impulsos “venéreos”. Sabem que se existe em alguma parte, dentro e/ou fora deles, um ponto de equilíbrio, uma forma de comunhão sexual mais tranquila, ela se encontra de momento mais distante do que nunca. E o que é pior: a perturbação aumenta com cada nova descoberta científica. A confusão aumenta na mesma proporção em que descobertas científicas e metacientíficas ampliam o leque de conhecimentos que temos da sexualidade humana.
           
Esta confusão de ideias, de valores e de critérios de avaliação é típica de épocas de transição. Há na história do progresso humano épocas em que a mente humana mais se assemelha a um liquidificador ou batedeira. Neste período da história as mentes mais argutas se dedicam à tarefa de retalhar o manto inconsútil das verdades consagradas.

Padre Marcos Bach


AS LIÇÕES DO AMOR

A loucura com que Cristo ama esta humanidade enlouquecida ainda não mereceu a honra de uma Encíclica papal.
           
Quem quer ser médico não pensa em inscrever-se logo de vereda numa Faculdade de Medicina. Passa a frequentar, antes de mais nada, o primeiro ano de um Curso Primário. Onde poderá encontrar esta “schola affectus” aquele que um dia pretende diplomar-se como adulto numa “schola affectus” de grau superior?

Onde vai aprender as primeiras lições de amor? Não é na família que o menino aprende a ser pai e a menina a ser mãe? As mais preciosas lições da vida ou se aprendem na primeira infância e no seio de uma família que mereça este nome, ou não se aprendem nunca mais. É no seio da vida familiar que homens e mulheres aprendem a se respeitar mutuamente e a se amar como irmãos.
           
O único pecado que cultura alguma deixa de condenar como imoral é o incesto. É no contato com a filha que um pai aprende como respeitar uma mulher. Quem não aprendeu na família que o desejo pode ser o pior inimigo do amor, poucas chances terá de aprender a lição em outra escola! É, portanto, pela revitalização da família que devemos começar.

É pela reforma do Ensino Primário que é preciso começar se quisermos um dia poder contar com Universidades de elevado padrão cultural e pedagógico. Não há Universidade capaz de substituir a família e de suprir suas deficiências de um sistema educacional basicamente falido.

Boa parte do conflito de gerações provém do fato de que cada geração nova vê o amor com outros olhos que a anterior. Está ficando cada vez mais claro que o futuro da humanidade é uma questão de amor! E se é uma questão de amor, é também uma questão de gosto. O santo que merecia ser canonizado é aquele que declarasse alto e bom som: “Amo porque gosto de amar! É o único prazer capaz de me seduzir a ponto de dar a própria vida por aqueles que amo”!
           
Se Jesus tivesse tido a oportunidade de pronunciar um discurso de despedida momentos antes de sua morte, talvez teria dito: “Morro feliz, porque morro amando”! Feliz o discípulo de Cristo que pode dizer o mesmo na hora de morrer!
           
Jesus amou indo até o extremo limite da capacidade humano-divina de amar! “Amou os seus até o fim” (Jo 13,1).
           
Somos capazes de conduzir uma guerra até o seu mais trágico fim, como aconteceu na II Guerra Mundial. Mas somos incapazes de conceder à lógica do amor e da solidariedade fraterna o mesmo direito.
           
Por ora só Deus se dispôs a amar a humanidade como todos poderíamos amar-nos se assim o quiséssemos! O que muita gente critica no jovem de hoje é sua alergia a compromissos. Tudo o que nós, adultos, definimos como compromisso não passou pelo crivo da consciência do mundo juvenil. Os jovens não são propensos a continuar prisioneiros do passado e a assumir compromissos que os obrigam a viver a vida de costas para o futuro!
           
Houve época em que era praticamente impossível imaginar sequer um futuro diferente do passado. Hoje temos conhecimento suficiente para desdobrar o futuro em uma variedade bem grande de mundos alternativos. Assim como a natureza nos oferece uma impressionante variedade de paisagens, umas tão diferentes das outras que nem parecem fazer parte do mesmo planeta, do mesmo modo a mente humana tem condições de criar uma paisagem cultural igualmente variada. O perigo metafísico que ronda as religiões monoteístas reside na sua incapacidade de integrar o princípio da variação em sua imagem de Deus. Um Deus que não muda nunca e que só possui um único rosto, não combina com um universo tão diversificado como o nosso. É bem curta a distância que separa um monoteísmo mal entendido de outras manifestações monistas como a monotonia, o monolitismo e a monarquia.

“Dia virá em que, depois de dominar os ventos, as marés e a gravidade, buscaremos em Deus as energias do amor, e nesse dia, pela segunda vez na história do mundo, o homem terá descoberto o fogo” (Teilhard de Chardin).

Padre Marcos Bach


A SAÚDE DA FAMÍLIA

A saúde da família é inseparável da saúde social geral. A saúde da família como qualquer questão relacionada com higiene social, não se liga nem a práticas devotas de piedade, nem à submissão seja de que tipo for. É antes uma questão de participação integral e comunicação. A defesa da família pode ser importante. Porém defender uma entidade social doente pode ter a ver mais com sadismo do que com amor.

A solicitude pastoral pela família é ordinariamente mais paternal e paternalista do que leal e solidária. O diálogo pastoral é um diálogo falso, porque é um diálogo sem interlocutores. Um monólogo, portanto.

Na comunidade cristã só é válido o que resulta do diálogo e da participação ativa, consciente e responsável de todos. O que a renovação da família está a pedir não são discursos e declarações de princípios, mas ambiente social e eclesial estruturado em torno dos valores que constituem a essência da própria comunidade familiar. Sob este aspecto a experiência viva é em certo sentido mais rica e sugestiva do que a mais bem elaborada das teorias. Também aqui vale a palavra de Teilhard de Chardin de que é preciso tentar e ousar até o limite do possível.

“Não se conserva vinho novo em odres velhos”. As imensas riquezas e potencialidades da vida familiar cabem muito bem, e certamente até melhor, em formas novas, diferentes de todas as que historicamente são conhecidas.
A respeito dos ecossistemas sociais vigentes, sem excetuar um só, pode-se afirmar sem muitos preâmbulos que são corpos sociais doentes, enfezados e subdesenvolvidos, sem as mínimas condições de oferecer à família o ambiente social de que ela necessita para o seu desenvolvimento ulterior.

Uma sociedade onde todos são máquinas e objetos, onde ninguém mais é sujeito de coisa alguma, é este o mundo que nossa civilização cristã e humanista conseguiu criar. Por não ser nem humano nem cristão de verdade, o universo desta civilização não tem lugar para a família, como não tem lugar para a pessoa humana. Só tem lugar para fragmentos humanos, indivíduos e grupos amorfos. Não é uma civilização assentada sobre a lógica do respeito à dignidade da pessoa humana.

Padre Marcos Bach


O CONVÍVIO FAMILIAR E O RELACIONAMENTO DO CASAL

Seria absurdo dissociar a qualidade do convívio familiar do relacionamento sexual de um homem com uma mulher. Ou por outra: não vale a pena lutar por ela se a família do futuro não for a Universidade em que homens e mulheres aprendem a se amar.
           
A Igreja católica cometeu um erro grave ao conferir ao celibato e à abstinência sexual um status moral privilegiado. Na Igreja católica são padres, monges e freiras os porta-estandartes da castidade perfeita. Do outro lado está o profissional caçador de saias, o invencível Don Juan de todas as épocas, o Casanova e o gigolô de plantão.

Nem um nem outro se presta ao papel de modelo sexual. Ambos esquecem que sexualidade e sexo não são a mesma coisa. A realização sexual pode incluir a satisfação do desejo carnal, mas não depende dele, nem pode ser identificada com ele.
           
Uma verdade que as mulheres costumam entender melhor que os homens é esta: a sexualidade humana inclui necessidades que transcendem os limites de uma satisfação meramente físico-fisiológica. No ato sexual humano sempre são duas almas e dois seres espirituais que dele participam. Sexo sem amor termina sempre mal, por frustrar. São as mulheres que menos se dispõem a suportar este tipo de frustração. Por isto é lícito afirmar que o futuro da humanidade depende do seu desenvolvimento sexual; que este, por sua vez, será obra comum de homens e mulheres; que será, acima de tudo, fruto de um esforço espiritual e não simples resultado de manipulação genética ou de lavagem cerebral.
           
É a coisa mais óbvia que, quando o assunto é sexualidade e família, a inteligência da mulher leva ampla vantagem sobre a do homem! Cabe, portanto, a mulheres a iniciativa em assuntos que envolvem melhor qualidade de vida! O cérebro da mulher está melhor aparelhado para esta tarefa do que o do homem. Nada impede, no entanto, a um homem de dedicar um pouco mais de atenção ao desenvolvimento do lado feminino da sua personalidade, e do lado direito do seu cérebro.
           
A atual distribuição de papéis sexuais é a causadora de grande parte dos problemas que afligem casados e não casados. Autores há que definem como bissexual a pessoa que carrega um cérebro feminino num corpo de homem, ou vice-versa. Outros definem esta situação como transexual. Prefiro reservar o termo transexual para definir tudo aquilo que transcende a esfera estritamente sexual.
           
O fato de serem animais sexuados não esgota o campo das potencialidades inatas de um ser humano. A amizade é uma forma de amor que dispensa por completo a participação do impulso sexual. Há no ser humano uma beleza que se nega ao desejo de posse e obriga a quem a descobre a se pôr de joelhos num gesto de profunda admiração e adoração. Assim Deus ama e quer ser amado.
           
Temos que ir além do estreito campo dos nossos desejos se quisermos conseguir a síntese de todos eles. Provavelmente vamos terminar a vida sem ter descoberto que só existe, no universo, uma única energia verdadeiramente indestrutível: a energia do amor!

Padre Marcos Bach


O QUE NOS DIZ A DESAGREGAÇÃO DA FAMÍLIA

A humanidade e seu processo evolutivo puramente biológico se encontra na mesma situação de um adolescente: “quer abraçar o mundo com as pernas”, como se diz, e do outro lado não sabe o que fazer consigo mesmo. Ainda não se encontrou com o seu próprio corpo e não sabe o que fazer com o seu sexo. Anda perdido entre dois mundos: aquele donde veio e aquele com que sonha. O futuro o atormenta, o passado não o preocupa. Quanto mais inseguro e imprevisível for o futuro que o aguarda, tanto maior será sua angústia.
           
De uma sociedade adolescente como a nossa não se deve esperar mais do que pais sábios e prudentes esperam dos seus filhos adolescentes.
           
O adolescente não tem paciência e não pode esperar. Mas é exatamente esta a lição de que ele mais necessita. O educador que perde a paciência com seus pupilos irreverentes e irrequietos demonstra ser tão imaturo quanto eles.
           
Ter paciência é compreender que “devagar se vai ao longe”! No terreno evolutivo as mudanças são espontâneas e só acontecem quando a nova realidade tem condições de levar a melhor. Só pode acabar em fracasso toda tentativa de implantar mudanças para as quais o tempo ainda não está maduro.
           
A palavra grega “Kairós” é empregada nos Evangelhos para designar o tempo propício às mudanças exigidas pelo Projeto Messiânico de Cristo.
           
Reformas apressadas podem ser tão ou mais funestas do que a mais rígida política de contenção conservadora. Saber esperar é necessário. O que não é bom é dormir enquanto o trem passa.
           
Queremos uma família diferente. Mais que isto: queremos um modelo novo de família. São basicamente duas as atitudes que é preciso evitar: primeiro, planejar este modelo em gabinetes e laboratórios e impô-lo por decreto; segundo, aguardar que ele surja do nada e se imponha por si mesmo.
           
Dormem no ponto e merecem perder o trem da história os que acham que a crise da família, tal como se manifesta no mundo ocidental, é antes moral que estrutural.

A desagregação da família está dizendo que é preciso repensá-la e reestruturá-la pela base. A crise em questão não é apenas moral ou política, mas é um problema religioso na medida em que é causado não só pela ausência de Deus, mas também por uma presença de Deus equivocada.

Característica da nossa época é o início de ruptura com o passado que o caracteriza. Ninguém está mais satisfeito com o que já foi alcançado. Todo mundo quer mais! Para uns, mais é sinônimo de reprodução melhorada do mesmo. Para outros, entre os quais me situo, passou o tempo do repeteco. Chegou a hora de substituir o mesmo pelo diferente.
           
A verdade é eterna, mas a maneira de colocar a inteligência do homem em contato com ela depende do grau de compreensão que o homem tiver das manifestações da presença de Deus na história humana.
Padre Marcos Bach


PERFIL PARA A FAMÍLIA DO FUTURO

A tarefa de esboçar um novo modelo de família vai exigir muito mais imaginação do que estudo e poder de observação. A realidade sociocultural concreta serve para nos ensinar como não se deve fazer.
           
Um dos aspectos mais impressionantes do nosso universo é a sua complexidade e a variedade de formas que o enriquecem. Nota-se, ao observá-lo com mais atenção, que o Criador esbanjou imaginação em tudo o que fez.
           
Tudo o que pode ser traduzido numa imagem, pode ser posto em prática. O que a mente humana consegue imaginar, pode transformá-lo um dia em realidade. Há imagens impressas no inconsciente de cada pessoa que têm o poder de mobilizar a vontade, levando-a a agir, não de qualquer forma, mas em concordância com a mensagem contida na imagem. O psiquiatra suíço Jung lhes dá o nome de arquétipos.
           
Homens e mulheres trazem em seu íntimo uma representação arquetípica do sexo oposto. Ela faz parte do seu ser e da sua sexualidade.
           
Criatividade e poder de imaginação são a mesma coisa. Poder de imaginação e criatividade são sinônimos. A diferença entre um poeta de verdade e um reles fazedor de versos é esta. O poeta trabalha com imagens e o outro lida com palavras e com frases. Poetas, artistas, filósofos e cientistas de verdade só são aqueles que conseguem levar-nos a ver o que o simples apelo aos sentidos e à razão não conseguem proporcionar-nos.
           
O perfil da família do futuro vai exigir muita imaginação! A colaboração de poetas e de sonhadores utópicos vai ser muito mais preciosa que a de técnicos e de planejadores frios. Se é verdade que só conhecemos verdadeiramente o que amamos, então vamos ter que investir muito amor em nosso esforço de chegar antes que o Apocalipse tenha tido tempo de abrir a sua “Caixa de Pandora”.
           
Dentre as desgraças que estamos aprontando não há uma que não possa ser evitada. O número de infortúnios que estamos por legar como herança maldita a nossos pósteros só não impressiona a quem já perdeu o último resto de sensibilidade humana. E esta se perde quando se come demais, tanto quando não se tem com que matar a fome!
           
Uma sociedade que tolera a coexistência tranquila de nababos e de miseráveis não merece respeito. A insensibilidade causa muito mais estragos e provoca injustiças muito mais brutais do que a falta de bom senso. Tudo o que é necessário a um convívio humano tranquilo e fraterno está ao alcance do homem. Até hoje a humanidade apelou para a guerra como meio de reparar injustiças e de impor a paz. A paz que sucede ao silêncio das metralhadoras e dos canhões não é a mesma paz que Cristo desejava a seus amigos.
           
Se queremos que a família se transforme em promotora da paz social temos que pensar, antes de mais nada, em pacificar as relações entre seus membros.

Padre Marcos Bach


ESTUDANDO UM NOVO MODELO DE FAMÍLIA

Uma bem sucedida síntese incorpora sempre o que há de construtivo tanto na tese como na antítese. Voltando-nos ao assunto família: “O que o modelo patriarcal de família tem de construtivo que mereça ser integrado num novo modelo de família? E do que resta da família doméstica o que merece ser salvo do naufrágio?
           
Um sociólogo estuda o fenômeno família tal como ele se apresenta à sua observação. Analisa fatos e dados sem outra preocupação que a de se manter dentro dos limites do que lhe é dado observar.
           
O moralista só se preocupa com o que considera certo ou errado, bom ou mau no comportamento das pessoas que constituem a família.
           
O pregador religioso se interessa pela família na medida em que o destino da sua Igreja depende do modo como seus membros conduzem sua vida em família.
           
Quem, então, vai se preocupar com o futuro da família? “O futuro a Deus pertence”, dirá alguém. “Por que preocupar-se com o dia de amanhã”, dirá outro, “se temos em casa tanta coisa desarrumada que já deveria ter sido colocada em ordem há muito tempo? Vamos concentrar-nos no momento presente e esquecer o futuro, ao menos por ora”. 

Esses e outros arrazoados deste tipo dão a impressão de que os problemas que afetam a família um pouco por todo mundo são da mesma categoria que os que assolam uma casa velha. E que para saná-los basta reparar os estragos e reformar algumas peças, sem mexer na planta original.
           
Acontece que a instituição família se encontra em crise lá onde existem homens e mulheres, principalmente mulheres que não sabem mais o que fazer com a tradicional distribuição de papéis sexuais.
           
No mundo árabe ainda é possível encontrar mulheres conformadas com a sua sina, mas no mundo ocidental aumenta a cada dia o número de mulheres emancipadas.
           
Quando uma mulher se nega a representar na vida do homem o papel de peça sobressalente e de mero complemento de um “macho” que se recusa sistematicamente a ver nela a companheira, um ser humano em tudo igual a ele está sendo apenas coerente consigo mesma e com sua fé, caso for cristã.
           
O fenômeno sociocultural a que se deu o nome de feminismo só consegue ameaçar a feminilidade da mulher na cabeça de homens machistas para os quais o feminino é sempre e em tudo inferior ao masculino. Estranho e sem justificativa alguma é o fato de serem os setores religiosos os mais antifeministas do nosso tempo! A equiparação dos sexos encontra os seus mais denotados e implacáveis opositores entre setores religiosos. Neste terreno dão-se as mãos rabinos, aiatolás e prelados da Igreja católica. Mais bem avisados andariam todos eles se em vez de se unirem contra a mulher, deixassem de lado seu estúpido orgulho e se unissem a favor daquelas que são suas irmãs, filhas do mesmo Pai Celestial.
           
O que a mulher tem que não tenha saído do pensamento e da vontade amorosa do Criador? Mas a mulher foi criada depois do homem e como resposta a uma necessidade deste! Não é assim que a Bíblia descreve a origem de nossa espécie? O que restaria do processo evolutivo se não nos fosse permitido avançar e sair de um tempo ou ponto, e passar para outro essencialmente diverso? Existe uma diferença essencial entre o ritmo do tempo inicial ou primordial e o tempo escatológico, o tempo do pleroma e da consumação. Quem mergulha no passado não pode ver a história com os mesmos olhos com que a vê e interpreta aquele que mergulhou antecipadamente no futuro e se encontra, por isso, em condições de contemplar o presente não como ele é, nem o passado como ele foi, mas vê neles não um complexo de fatos, de galhos mortos, de caveiras amarelando por aí, porém de sementes que ainda não tiveram tempo para germinar!
           
Um moralista vê apenas o que está e o que não está no seu devido lugar (lei). O profeta olha com olhos de lince para o que se encontra a ponto de germinar.
           
“Procurai sem cessar. Quanto mais procurardes tanto mais encontrareis”. Estas são palavras de Jesus que se encontram no Evangelho segundo Tomé. O mundo em que o Criador nos colocou não está pronto e acabado. Também não responde apenas a impulsos pré-programados. Nele sobra espaço e oportunidade para quem gosta de criar algo que não seja mera cópia ou clone de algo já existente. O Criador não parou de criar (Cf. Jo 5,17). E desde cedo deixou de trabalhar sozinho.
           
A incrível quantidade de sementes e de germes de vida nova, associada a uma estonteante variedade de formas, bastam por si só para testemunhar a infinita generosidade do Criador do universo. A ideia de reproduzir a humanidade por meio de clones, não ocorreu ao Criador. Nem a de fazê-los todos iguais. Menos ainda a de produzi-los em série!

Padre Marcos Bach


O TIPO DE FAMÍLIA QUE QUEREMOS

A humanidade nunca foi a mesma sempre e em toda a parte. Se alguma vez o foi em sua origem, isso não quer dizer que o ideal de uma sociedade perfeita é a uniformidade. O Criador esbanjou inteligência e criatividade quando resolveu cobrir a face do nosso planeta com as mais variantes e por vezes esquisitas formas de vida. A lei da diversificação é tão fundamental quanto a lei da multiplicação.
           
De que adianta definir “a priori” o tipo de família que desejamos, se não criamos antes o tipo de homem e de mulher preparados para realizá-la? Dizer que este tipo já existe é mentira e falta de sinceridade. Não é necessário ser muito perspicaz para perceber que é baixo o nível em que homens e mulheres se relacionam. Não é preciso visitar um país muçulmano para perceber o quanto ainda resta por fazer para chegar a um sistema ético digno de seres verdadeiramente livres.
           
Em muitos compêndios de moral a família é definida como baluarte moral da sociedade. A família é vista e tratada como disciplinadora do impulso sexual, e sem ela, a sociedade se transformaria rapidamente num enorme prostíbulo. Esta concepção de natureza higiênica da família é responsável por boa parte dos problemas que a afligem.
           
A vida em família pouco ou nada tem a ver com ordem social como a entende um sociólogo ou político. Tão pouco se inspira no que um moralista entende por ordem moral.
           
A palavra ordem é inadequada para conter e expressar tudo o que o convívio familiar é capaz de fecundar. A palavra fecundar expressa melhor que outra qualquer a missão fundamental da vida em família.
           
O ambiente familiar desempenha no plano social funções análogas às que o útero exerce no terreno biofísico. A primeira função do útero é alimentar o feto em caso de gravidez. A tarefa de protegê-lo e de isolá-lo do mundo exterior, não é a principal. A ideia de que o feto no seio da mãe passa seu tempo na mais completa inconsciência do que se passa fora daí, é falsa.
           
Através da mãe o feto recebe não só os nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento físico, mas também toma consciência do mundo exterior através da consciência da mãe. E é através da consciência da mãe que ele toma consciência do pai.
           
Criar um ambiente familiar significa, antes de tudo, criar e organizar um ambiente socialmente fecundo e culturalmente aberto e criativo. De que valem laços de sangue quando dois irmãos se põem a competir entre si, como no caso de Caim e Abel? Se queremos que a família seja um dia o que gostaríamos que ela fosse, então temos que pensar num novo tipo de agente social e de sujeito moral.
           
No bojo das mudanças imprescindíveis e insubstituíveis encontra-se a necessidade de uma Nova Ética Sexual e de uma Nova Imagem de Deus.

Padre Marcos Bach


NECESSIDADE DE SE CRIAR UMA UNIVERSIDADE DA FAMÍLIA

Uma UNIFAM (Universidade da Família) é tão atual e necessária quanto uma Faculdade de Economia ou de Teologia. Qual é o papel de uma Universidade? Integrar os diversos aspectos do saber numa forma de síntese, isto é, de unidade orgânica. O caráter interdisciplinar dos instrumentos pedagógicos oferecidos distingue uma genuína Universidade de uma Faculdade ou de um conjunto de Faculdades ou Cursos. Uma síntese do saber universal ainda era possível no século XVIII, mas hoje é impossível. É ainda possível, entretanto, sintetizar os conhecimentos relacionados com uma determinada área específica do saber humano. A família é uma área destas.
           
Do seu estudo se ocupam muitas disciplinas especializadas como a sociologia, a psicologia, a ética, a medicina, a filosofia, a teologia, a economia, o direito, entre outras. O conhecimento que oferecem é, porém, parcial, fragmentário e incompleto.
           
Da consciência da necessidade de reunir os aspectos esparsos do conhecimento da família numa síntese orgânica brotou a ideia de criar uma Universidade especializada em questões de família. Uma Universidade da Família é, portanto, um espaço cultural de natureza sintética, convergente e ao mesmo tempo crítico e questionador.
           
A família é uma realidade cultural onipresente, mas a sua constituição e função social diferem de um ambiente cultural para outro. Desde a família obrigada a lutar desesperadamente por sua sobrevivência material, sem tempo para mais nada que não seja trabalho, até a família que se pode permitir o luxo de fazer férias; desde a família poligâmica até a família estritamente monogâmica vai o leque tipo genético de família que conhecemos. Todos eles fazem parte do panorama sociocultural moderno.
           
Qual dos tipos conhecidos é o melhor, o que melhor atende às necessidades tanto da sociedade em geral como dos indivíduos que a compõem? A quem esta pergunta deve ser dirigida: ao cientista, ao filósofo, ou então ao porta-voz do pensamento religioso?
           
O fundamento sobre o qual a família se apoia é de natureza sexual. Quem funda uma família tem em mira realizar-se como homem e/ou como mulher. Ter um filho, criá-lo e educá-lo não significa para uma mulher a mesma coisa que para um homem. A atuação de ambos é de natureza complementar. O governo alemão subvenciona também a família gay, partindo do conceito de que, “onde há crianças para serem criadas, há família”.
           
Fatores de natureza genital-genética certamente não esgotam o conceito de família. Há outros fatores de natureza espiritual, social e/ou religiosa que podem fundamentar uma comunhão de vida análoga à que existe numa família biológica.
           
O conceito de família é elástico, amplo e multiforme. Estamos longe de ter esgotado as ricas potencialidades da instituição familial. Não podemos contentar-nos com sintetizar num todo homogêneo a multiformidade de modelos existentes e conhecidos. A nova ordem instaurada por Cristo exige um novo modelo de família, assim como um novo modelo de sociedade e indivíduos humanos, dotados de consciência superior em tudo ao que a criatividade cultural de gregos e romanos conseguiu atingir.
           
A novidade que a presença pessoal de Deus na história dos homens representa é um tesouro que ainda está para ser descoberto e valorizado.

Padre Marcos Bach


O ESPAÇO PARAFAMILIAR 

A vizinhança constitui o espaço parafamiliar do qual o bem-estar da família depende tanto quanto do ambiente intrafamiliar. Fazem parte deste espaço tanto as pessoas que se encontram ou por lá passam, quanto o bosque, a lagoa, a praça e o restaurante! Fazem parte do processo pedagógico bem conduzido tanto a formação de uma bem desperta consciência ecológica, como de uma apurada consciência social.
           
Há lições da vida que uma criança só consegue aprender fora de casa, fora do mundo determinado por regras. A regra é boa, mas há lições que só aprendemos quando desafiados!
           
Quem nunca foi desafiado, jamais ficará descobrindo que não é o centro do mundo! Desafiar alguém não consiste em humilhar alguém, rebaixando-o em sua autoestima. O verdadeiramente humilde, no sentido que Cristo atribui ao termo, sabe que seu lugar no cosmo o situa no meio termo entre o anjo e o animal. O humilde pisa no único chão (humus, em latim), em que lhe é permitido deitar raízes.
           
O espaço estritamente familiar é rico em lições de vida, mas necessita de uma complementação extra e parafamiliar. Entre o pequeno mundo doméstico e o grande mundo lá fora existe um espaço intermediário que chamo de parafamiliar. Nele se encontram a escola, o parque onde as crianças podem brincar e onde os idosos podem passear, a casa do povo, onde se procura dar soluções a problemas de menor porte.
           
Problemas têm que ser resolvidos à medida que vão surgindo. Caso contrário, vão se amontoando a ponto de se tornarem simplesmente insolúveis. Onde este espaço parafamiliar não existe, a pequena família é assaltada de contínuo por problemas que não consegue resolver sozinha!
           
Há requisitos básicos que é preciso respeitar se queremos que a família volte a ser escola de vida e educandário. O primeiro é que os pais estejam casados, isto é, unidos por um laço afetivo tão forte que tentação alguma é capaz de abalar! Não é Deus, nem é também o casal que precisa desta garantia, mas as crianças que um dia vierem a alegrar a vida dos pais. Um ambiente onde não ecoa o riso descontraído de crianças felizes, não merece o nome de família.
           
A palavra casamento vem de casal, a qual, por sua vez, vem de casa. Só pode fazer uso do direito de ter filhos o casal que possui uma casa. A palavra casa (oikós, em grego, - domus, em latim, - Haus, em alemão) é empregada para identificar um espaço social privado, não público. Até o mais moderno cidadão japonês da atualidade considera o ambiente familiar sagrado, completamente alheio a tudo o que acontece no grande mundo dos negócios. Sua postura dá a entender que para ele a sua família é o único espaço social onde não precisa fingir e endossar uma personalidade fictícia.
           
Primeira regra fundamental: o ambiente familiar é um espaço social reservado e vetado à presença de estranhos.
           
Regra número dois: para pessoas que não são membros da família existe um espaço suplementar, que eu chamaria de parafamiliar. É o espaço onde os filhos recebem seus amiguinhos, por exemplo. É lá que se discutem negócios e assuntos de política. É lá que a filha recebe o seu namorado. Este espaço corresponde ao que nos templos é chamado de átrio. Se queremos que a casa de família seja mais que um simples motel de beira de estrada, temos que pensá-la como santuário e como templo. Só poderá sê-lo se for bonita, acolhedora e limpa!

Padre Marcos Bach


A FAMÍLIA É UM LABORATÓRIO 

Quando defino a família cristã como o lugar onde uma criança aprende, já na aurora da vida, a depositar sua fé de forma incondicional e irrestrita em Jesus, estou associando o meu pensamento não a um museu, mas a um laboratório. Quando digo que a família é uma escola, a mais primária das escolas da vida, quero ressaltar a função laboratorial.
           
Num laboratório o espaço nobre é dedicado a experiências e a experimentos. Da experiência e do experimento nasce a descoberta científica.
           
Dizer que a família é um laboratório significa que nela se fazem experiências e descobertas. É lá no seio da família que acontecem as melhores descobertas da vida. E as há que só lá se pode fazer!
           
Onde é permitido fazer descobertas existe também espaço para a surpresa e o imprevisível. Numa família não pode haver lugar para a tirania do relógio e o culto do horário. Sem uma generosa e ampla margem de tempo livre, a criança nunca vai aprender a usar de forma criativa a sua liberdade!

Tão importante quanto a casa é o espaço físico e social que a rodeia. Sem uma boa vizinhança não é possível fazer de uma casa um lar! O espaço físico que se estende para além das paredes da casa deve ser aberto, sossegado e seguro. A segurança tornou-se o grande problema das nossas cidades porque a confiamos a organismos policiais sediados fora do nosso bairro, e, portanto, estranhos à comunidade. Protegemos nossa casa com muros e grades em vez de fazer dela um lugar de encontro. Em vez de isolar a nossa casa, por que não pensamos em isolar um pouco mais o nosso bairro e o quarteirão em que moramos? De que adianta proteger a casa contra ladrões se estes podem entrar e circular livremente pela cidade? Enquanto traficantes de toda espécie podem entrar livremente em escolas e vender lá a sua maldita mercadoria, é hipocrisia pura falar em segurança! Se a escola, que é por natureza uma extensão do ambiente familiar, corre o risco de passar para o controle dos senhores do crime organizado, fica difícil acreditar que a vítima seguinte não seja a própria família! De que adiantam belos discursos e sermões quando os próprios pais não têm olhos para ver o Cavalo de Tróia que abrigam em sua própria casa!
           
Não consigo imaginar outra instituição social mais ameaçada de colapso moral e de extinção pura e simples do que a instituição chamada família. O pouco que dela resta depois que o sonho do tempo de noivado passou, não merece o nome de família.
           
Por ora ainda nos contentamos com este pouco, mas a evolução futura da humanidade não pode permitir este luxo!

Padre Marcos Bach


FELICIDADE NA FÉ

Há uma felicidade que mora no íntimo mais íntimo de cada pessoa à espera de ser descoberta e integrada na sua vida consciente. Nos Evangelhos ela leva o nome de bem-aventurança. Ela é um dom do Cristo Ressuscitado, e por ser gratuito, este dom não pode ser merecido. No mundo sobrenatural da fé em Cristo tudo é gratuito, nada é devido. A felicidade que nasce da união amorosa da alma com seu Deus não faz parte dos direitos fundamentais da pessoa humana. Em linguagem teológica chama-se graça todo gesto e toda experiência gratificante que ultrapassa as fronteiras da mera obrigação moral.
           
Uma família da qual não se pode dizer: aqui mora gente feliz, não é cristã, por maior que seja o número de estampas piedosas que venham a ornar as paredes de suas casas.
           
Onde a miséria campeia solta, é cinismo puro falar em dignidade humana, direitos de cidadania e em responsabilidade moral. De todas as formas e manifestações de miséria não há uma só que se possa comparar com a miséria cultural, isto é, com a ignorância, o analfabetismo, o subdesenvolvimento das faculdades intelectuais e com a burrice generalizada da qual podemos tomar conhecimento diariamente assistindo a programas de TV.
           
Dentre as muitas formas de ignorância nenhuma há que seja tão funesta e degradante quanto a ignorância religiosa. Por ser um santuário de origem divina, a família, toda família e não apenas a cristã, é um espaço social essencialmente religioso no sentido mais amplo do termo. É religiosa por ser um espaço em que o Criador manifesta, mais que em outros, o seu Amor pela humanidade!
           
Não existe religião que não se sustente através de uma forma de fé. A fé sempre se apoia em alguma espécie de conhecimento suprarracional de inspiração divina e esotérica. Um dos aspectos mais perniciosos da ignorância religiosa é a confusão entre fé e crença. O crente se prende à palavra, ao revestimento exterior de natureza cultural da mensagem religiosa. Crença e crendice representam manifestações adulteradas da fé religiosa na medida em que privilegiam o culto da forma em detrimento do conteúdo essencial da mensagem.
           
São impressionantes tanto o tom como a frequência com que Jesus se queixa nos Evangelhos da fraqueza da fé. Jesus simplesmente não sabia o que fazer com homens de pequena fé (Cf.Lc 12,28).

Padre Marcos Bach


A FAMÍLIA É UM SANTUÁRIO

Um santuário não se ergue em qualquer lugar. Ninguém pensa em construir um santuário nas proximidades de um aeroporto. A tranquilidade, mais que o silêncio, representa componente essencial da atmosfera de um santuário!
           
Quem vai a um santuário vai à procura de um ambiente em que é possível escutar a sua própria voz. Antes de mais nada, a voz interior da sua consciência! É isto que uma família deve ser: um santuário!
           
Corruptio optimi pessima”, diz um ditado latino. O pior dos males acontece quando um bem é corrompido. A corrupção entra hoje em dia nas casas de família através de imagens veiculadas pela TV. O demônio da corrupção moral e social pode entrar bem disfarçado nos lares e pregar alto e bom som a pais e filhos o exato oposto do que Jesus costumava debater quando visitava uma família, como a de Lázaro!
           
Numa família em que o vício e o crime ocupam o espaço nobre do dia, todos, sem exceção, acabam se identificando com o que veem! O pai sente inveja do “poderoso chefão”. A mãe chora o tempo todo. A filha se apaixona pelo pior bandido só porque ele é belo. O filho se sente um trouxa porque ainda acredita em Deus, em padre ou pastor! Pode-se chamar de sagrado um ambiente onde mulher pode tirar a roupa a bel prazer? Onde o beijo é a arma preferida dos casanovas da vida?
           
Bem, não é necessário ser puritano para perceber que os piores inimigos do futuro espiritual da humanidade possuem alvará, e têm permissão para entrar em qualquer lar e profaná-lo impunemente.
           
O primeiro requisito com que deve ocupar-se um casal é de natureza eugenética. A pergunta à que devem responder honestamente e por conta própria é esta: Temos condições de gerar filhos sadios e geneticamente mais evoluídos do que nós? Pois a eugenética vai ocupar lugar de destaque na futura ética sexual.
           
A segunda pergunta a que o casal deve resposta é esta: Temos uma casa que mereça o nome de lar? Pior do que passar fome é morar nas condições em que milhões de brasileiros vivem! O casamento acontece de fato quando um casal passa a morar na mesma casa.
           
É cinismo puro dizer a uma mulher que ela é dona de casa quando na realidade ela não é dona de nada. Nem o mísero barraco em que vive lhe pertence! Bem que se poderia aplicar a ela e sua família o ditado: “Dize-me como moras e eu te direi quem és”.
           
O futuro da instituição familiar está intimamente ligado ao problema da moradia. A moral católica não é a única a ignorar este e outros aspectos de natureza logística da problemática familiar, mas é certamente a maior culpada, pois gasta milhões na construção de templos e de mosteiros, pouco se importando com o problema habitacional das classes menos favorecidas!
        
Onde uma pessoa dorme e como passa a noite é tão importante quanto o modo como passa o dia. A ausência de preocupações desta ordem desacredita qualquer projeto político, moral ou pastoral.

Padre Marcos Bach


PLANEJAMENTO FAMILIAR

Hoje não é mais possível pensar em ter todos os filhos que Deus mandar. O número de filhos já não pode ser mais tomado como sinal de bênção do céu. A família numerosa já não é mais prova de fidelidade à lei de Deus . Povoar o céu de anjinhos nunca foi prova de grande fé em Deus. O conceito de paternidade responsável inclui, em nossos dias, a obrigação moral de limitar o tamanho da família. O número de pratos na mesa não pode ir além do tamanho da panela de comida.

Planejamento familiar é um conceito que decorre de modo natural do conceito de paternidade responsável. Quem quer planejar o tamanho da família que pretende criar, deve incluir em seu propósito os termos em que terá que organizar sua vida conjugal. Quem julga que pode estender ao campo da vida conjugal as vantagens do solteiro, corre o risco de gerar filhos de forma irresponsável.

Quem não sabe que um filho indesejado é um infeliz em potencial? Só um marido muito egoísta ou muito obtuso não se dá conta da injustiça que comete quando remete aos cuidados da esposa o controle de nascimentos, reclamando para si uma liberdade sexual totalmente incompatível com a justiça e com as exigências de uma paternidade verdadeiramente responsável.

O conceito de planejamento familiar não se refere apenas ao número de filhos. O mal não é a família numerosa em si, mas o número excessivo de filhos. E este número torna-se problemático quando afeta tanto a qualidade psicofísica e mental dos filhos gerados ou por gerar, quanto a possibilidade material e psicológica de sustentá-los convenientemente e de dar-lhes uma educação adequada.

O direito de procriar não é irrestrito, nem é da competência exclusiva do casal. Não pode ser considerado campo aberto, sem mais, à iniciativa privada.

Ao conceito de planejamento familiar ou paternidade responsável é preciso incorporar o direito que tem a sociedade de participar do processo. O poder público possui direitos e responsabilidades neste campo que é preciso aprender a respeitar. A Igreja católica mudou sua postura nos últimos anos, pois admite hoje o que poucos anos atrás era visto como intromissão indevida. Cabe ao estado o direito e o dever de auxiliar os casais na tarefa de constituir a sua família de acordo com o que é melhor para eles e para a sociedade.

Pode-se dizer que a explosão demográfica atual é o resultado de duas forças opostas: a omissão do Estado e a moral natalista da Igreja católica. A Igreja continua mais preocupada com métodos de controle da natalidade do que com o problema demográfico em si.

O Estado continua, ao menos por aqui, tão omisso como sempre. A única ideia que ocorreu aos homens públicos deste país foi a de esterilizar o maior número possível de mulheres pobres. Não lhes ocorreu a ideia e preocupação pelas gerações futuras deste país.

A Igreja teima em dar precedência a princípios de doutrina em lugar de se preocupar com a necessidade real dos casais. O controle racional da natalidade fica, por isso, a cargo de cada casal. Se o casal não pode contar nem com o Estado, nem com a sua Igreja na hora de escolher o método mais apropriado, então tem também o direito de optar pelo que lhe parece mais seguro, menos prejudicial à saúde e à harmonia conjugal. 

Quem não tem direitos, também não tem obrigações: este axioma é fundamental tanto no campo jurídico como no plano ético. Ninguém é obrigado a usar um determinado método quando este método não proporciona a segurança necessária; quando interfere de forma séria no relacionamento conjugal e quando prejudica a saúde. Por ser católico um casal não pode submeter sua razão e sua consciência cegamente a imposições decretadas por uma autoridade externa. O uso racional da sexualidade não é um assunto que se possa definir a priori. E por quem não é o sujeito portador da razão.

Padre Marcos Bach


CRIAR NOVOS ESPAÇOS PARA A FAMÍLIA     

Durante milênios o fator econômico foi determinante para a coesão e unidade da família. A vida econômica possuía uma organização que fazia da unidade familiar uma questão de mera sobrevivência. A coesão resultava mais de fatores externos do que de motivos internos. Isso dava ao casamento uma solidez muito mais imaginária e aparente que real.

Hoje, com a revolução pós-industrial em marcha, a unidade familiar ficou tão diluída que é necessária boa dose de fantasia para ver nas famílias que estão sendo constituídas, algo aparentado e parecido com a família tradicional burguesa, patriarcal ou doméstica.

No mundo que está por nascer há lugar para a família. Isso está fora de discussão. Não será, porém, o mesmo de tempos idos e o tipo de família terá que ser bem outro. Será, com certeza, uma família muito mais centrada sobre os valores conjugais, isto é, sobre o casal, e muito menos sobre os filhos, isto é, menos parental. Muito mais adulta e pródiga em obras de fecundidade social, precisamente por isso.
           
Embora a volta ao sistema patriarcal não responda a nenhuma necessidade real do mundo pós-industrial, existe, contudo, consciência viva de que é preciso criar espaços supra-familiares e para-familiares, partindo de experiência negativa com relação à família doméstica e atomizada.

O espaço estritamente familiar, típico da família doméstica, é insuficiente se não vier encontrar organismos complementares a ampliar e reforçar a ação dos pais, segundo o princípio da subsidiariedade, isto é, de sorte que o direito inalienável dos pais à educação dos filhos permaneça intacto. A passagem da família doméstica ou atômica fechada e auto-suficiente para a família aberta exige uma grande mudança de mentalidade dos pais. A maioria, ou quer fazer tudo sozinho, ou joga todo o peso da tarefa educativa nas costas de uma ama ou empregada, ou ainda descarrega a carga toda na sala de aula de uma escola.

Padre Marcos Bach


A FAMÍLIA FELIZ

A família é viveiro de gente feliz! No limiar de uma casa de família deveria figurar uma tabuleta com os dizeres: “Aqui mora gente feliz”!
        
Quem entre nós não sente saudade dos momentos felizes que experimentou no convívio com seus familiares quando criança? É bem possível que o ponto mais fraco do sistema moral cristão seja a sua pouca preocupação com a felicidade humana. Nada nos autoriza, a nós cristãos, a privilegiar o infeliz, fazendo dele candidato preferencial do Reino de Deus! O pobre, ao qual Jesus atribui papel tão decisivo em seu projeto de salvação, não é o miserável que põe filhos no mundo sem se preocupar com o pão de que vão precisar! 

A própria palavra família dá a entender que o espaço nobre de uma família é ocupado, em primeiro plano, pela mesa, pela mensa communis! A mesa é o lugar que melhor que outros revela que todos que nela tomam lugar são iguais. O pai não é melhor que o filho e a mãe melhor que as filhas. Quem determina o valor da comida não é a cozinheira, mas são os fregueses do restaurante. Faz parte da filosofia de um bom dono de restaurante sentir-se na obrigação de atender e de satisfazer o gosto de seus fregueses.

A família do futuro só pode ser um viveiro de gente bonita! Tem que ser um espaço social que não ofenda o bom gosto e o senso estético. Não pode ser um lugar onde o dia inteiro só se ouve a voz autoritária de um pai ou os gritos histéricos de uma mãe infeliz e o choro triste de crianças famintas. Mais famintas de amor que de pão!
        
Há requisitos básicos que é preciso respeitar se queremos que a família volte a ser escola de vida e educandário. O primeiro é que os pais estejam casados, isto é, unidos por um laço afetivo tão forte que tentação alguma é capaz de abalar! Não é Deus, nem é também o casal que precisa desta garantia, mas as crianças que um dia vierem a alegrar a vida dos pais. Um ambiente onde não ecoa o riso descontraído de crianças felizes, não merece o nome de família.
        
A palavra casamento vem de casal, a qual, por sua vez, vem de casa. Só pode fazer uso do direito de ter filhos o casal que possui uma casa. A palavra casa (oikós, em grego, - domus, em latim, - Haus, em alemão) é empregada para identificar um espaço social privado, não público. Até o mais moderno cidadão japonês da atualidade considera o ambiente familiar sagrado, completamente alheio a tudo o que acontece no grande mundo dos negócios. Sua postura dá a entender que para ele a sua família é o único espaço social onde não precisa fingir e endossar uma personalidade fictícia.
        
Primeira regra fundamental: o ambiente familiar é um espaço social reservado e vetado à presença de estranhos.
        
Regra número dois: para pessoas que não são membros da família existe um espaço suplementar, que eu chamaria de parafamiliar. É o espaço onde os filhos recebem seus amiguinhos, por exemplo. É lá que se discutem negócios e assuntos de política. É lá que a filha recebe o seu namorado. Este espaço corresponde ao que nos templos é chamado de átrio. Se queremos que a casa de família seja mais que um simples motel de beira de estrada, temos que pensá-la como santuário e como templo. Só poderá sê-lo se for bonita, acolhedora e limpa!

Padre Marcos Bach


A FAMÍLIA E A SOCIEDADE EM CRISE

A primeira pergunta a ser respondida é esta: “Será que a família vai sobreviver à crise em que se encontra”? Falamos da família como se todas as famílias existentes constituíssem uma totalidade homogênea, o que não é verdade.
        
No mundo islâmico prevalece o modelo patriarcal de família, onde a mulher se parece mais com a figura por nós conhecida como doméstica. Na terra dos aiatolás existem problemas, mas seria exagero juntá-los num pacote e defini-los como crise de família. No mundo ocidental a situação é diferente, pois aí a situação familiar é realmente crítica.
        
A palavra crise vem do grego e indica uma situação em que é preciso adotar um novo critério de julgamento, baseado numa nova forma de discernimento. Crise só ocorre onde existem pessoas suficientemente conscientes para perceber o que está acontecendo nos bastidores e o que está escrito nas entrelinhas da história oficial. Crise só acontece quando a presença do passado e a carga de tradições se tornaram tão insuportável que vale a pena arriscar a salvação da alma para se ver livre delas.
        
A crise aparece no interior da consciência quando os nichos de medo perdem força e seu lugar é ocupado por uma nova força, a de enfrentar o perigo em vez de fugir dele. Uma misteriosa força de coragem e de audácia estanca a atmosfera de medo, e o ânimo ocupa o lugar da covardia.
        
A crise que atinge não só as famílias, mas a totalidade das instituições sociais é positiva na medida em que torna visível o que antes era oculto. Já não é mais possível ocultar e varrer para debaixo do tapete toda a sujeira acumulada ao longo de milênios!
        
A crise da família é apenas a faceta mais visível de uma crise cultural muito mais ampla. Seu núcleo gerador se encontra no interior das consciências.

Padre Marcos Bach


A EXEMPLO DA FUSÃO NUCLEAR  

O universo todo foi feito para ser conhecido pelo homem. É uma verdade que deixou a Einstein estupefato. Há uma grande diferença entre conhecer uma pessoa ou coisa com a inteligência e/ou com o coração. Cientistas e filósofos sempre quiseram entender ou compreender o objeto de seus estudos. Mas hoje são poucos os que não concordam com Einstein, para quem “o cosmos é um grande mistério” (a expressão é dele). É inútil tentar colocá-lo dentro da inteligência do homem!

Nós, humanos, temos a presunção de que nossa inteligência é o máximo que a mãe natureza conseguiu produzir. Se fôssemos mais humildes teríamos descoberto, há muito, que nossa inteligência está para a totalidade da noosfera como o vulcão está para a totalidade das energias acumuladas no interior da terra. Somos bolhas, bolhas de consciência e de saber, destinadas à união com outras bolhas, formando com elas um organismo noológico mais abrangente e poderoso do que o conjunto anteriormente distinto e separado.

“A união faz a força”. Todo conhecimento individual é parcial, imperfeito e incompleto. O nosso Astro-Rei descobriu, há bilhões de anos, o segredo da fusão nuclear!

A fusão nuclear não obedece a nenhum princípio hierárquico. O átomo de hidrogênio que se funde com outro não é melhor do que este. Átomos de hidrogênio não competem entre si para saber quem é o melhor. Também é inútil querer descobrir de quem foi a iniciativa. Neste contexto não existe diferença entre o que dá e o que recebe.

Ao definir o amor como ato de fusão, estamos-lhe reconhecendo uma função de natureza cósmica. Pelo amor nos tornamos irmãos do sol, da lua e de tudo o que existe, palpita e vive neste universo sem fim! Através da fusão dois átomos de hidrogênio se transformam num átomo de hélio. De modo análogo, quando duas pessoas se unem pelo amor, cada uma renuncia à sua personalidade individual e passa a fazer parte de uma unidade superior de natureza transpessoal. 

O termo transpessoal é empregado hoje por psicólogos como Assagioli, para designar o espaço psíquico gerado pela fusão amorosa.


Onde quer que ocorra crescimento, o amor está presente. Qualquer processo evolutivo pode ser definido como ato e manifestação de amor! “O amor é uma energia cósmica”. Quem o afirma é o físico atômico David Bohm. É a mais poderosa de todas. O amor liberta a quem ama, e devolve amor com amor, porque ele mesmo é livre. Não está preso a determinismos, nem sujeito a regras. É soberano: “julga tudo e por ninguém é julgado”, como diz o apóstolo Paulo (I Cor 2,15).

Impor regras a quem ama é uma violência, uma grosseria. Aquele que ama é livre de fazer tudo o que o amor lhe dita. “Ama e faze o que quiseres”, dizia Santo Agostinho. “Dilige, et quod vis fac”.

Padre Marcos Bach


FORÇA MASCULINA E FORÇA FEMININA

A pretensa superioridade do homem é falaciosa porque resulta da diminuição da mulher. O forte no caso não é apenas o homem. É preciso bancar o cego para não perceber que força moral, coragem e determinação representam virtudes em que as mulheres podem rivalizar tranquilamente com seus companheiros do sexo masculino.

A dialética do masculino com o feminino é solenemente adulterada quando se a reduz às proporções de uma aliança do forte com o fraco.

A dificuldade maior com que qualquer tentativa de reestruturar as bases socioculturais do nosso sistema familiar tem que contar é a resistência que irá despertar no inconsciente coletivo das pessoas, incluídos na lista os próprios jovens.

Já são tantas as gerações convictas de que a tradicional distribuição de papéis entre homens e mulheres possui valor definitivo e irreformável, que é praticamente impossível alcançar mudança de atitudes no curto espaço de alguns séculos. Mas é também verdade que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Com muita paciência histórica será possível preparar o advento de uma nova geração de jovens capazes e dispostos a pôr em prática o que de momento não passa de sonho utópico. Faz parte da Esperança Cristã a crença de que a verdadeira história da humanidade nem sequer começou.

Nossas melhores famílias obedecem a critérios culturais e éticos que só com muita boa vontade podem ser definidos como civilizados ou cristãos! Já se passaram 2.000 anos desde o dia em que Jesus dispensou a mulher da submissão ao homem. No programa sociocultural de Jesus não há lugar para posturas discriminatórias. Mas entre o que Jesus pregou e o que seus homens fizeram em seu nome existe um fosso. E este fosso passou a fazer parte do inconsciente coletivo do povo cristão. Enquanto os homens exploram a sua pretensa superioridade, as mulheres procuram tirar proveito da sua pretensa fraqueza.

Padre Marcos Bach


O CASAL DO FUTURO

Família sem casal é tão impensável como barco sem timoneiro. Uma simples dupla de homossexuais não merece o nome de casal. Só homem e mulher estão em condições de formar um casal. Da união afetiva de homem com homem pode brotar muita coisa boa, não resta dúvida. Qualificá-la como superior e mais nobre como o fez Platão, é, no entanto, o mesmo que desconsiderar levianamente uma das leis fundamentais da natureza.

Da fusão do masculino com o feminino é que brota a vida. Esta lei rege, não só o que acontece nos planos superiores da biosfera, mas abrange, acima de tudo, a noosfera, o campo do pensamento e da atividade espiritual do homem. O amor nasce mais do confronto de dois egos do que da conformidade de vontades. “A primeira palavra do amor é não”, diz Erich Fromm. Compreender o outro não é o mesmo que conformar-se com o que ele é.

Amar como Deus ama significa não aceitar a decisão de parar de evoluir, de contentar-se com o que já se alcançou. A palavra “preguiça espiritual” (a dissídia dos estoicos) é uma das muitas tentações com que deve contar aquele que não quer morrer dormindo.

Onde marido e mulher se contentam com o desempenho mútuo temos um tipo de paz que facilmente é qualificado como harmonia conjugal. A palavra paz possui uma conotação estática que a palavra harmonia não possui. Saber concordar, assim como discordar, é uma arte! A harmonia social é o resultado do choque do sim com o não.

Não é por falta de educação que uma criança sempre se mostra mais pronta a dizer não do que sim. O não é espontâneo, o sim tem que ser negociado!

Todo partido político é sempre mais autêntico e confiável quando na oposição do que quando passa a ser governo.

In: Manuscrito.


O FENÔMENO FAMÍLIA

O cristianismo pouco fez até hoje para se livrar da suspeita de estar a serviço de um Deus mais cioso de sua soberania do que da grandeza do homem. Os que mais de perto pretendem representá-lo por aqui (reis e sacerdotes) exercem o seu ministério sem a mínima preocupação com a vontade e as necessidades do povo. Nem sequer um por cento (1%) dos membros de uma comunidade dita cristã pertence à classe dirigente ou docente.

Subordinar a família e com ela o futuro da humanidade a uma Igreja cristã, seja ela qual for, é um risco e um passo totalmente desnecessário. A família cristã só existe no papel. A mais religiosa de nossas famílias cristãs pouco difere de uma família típica do mundo islâmico. Em ambas a preocupação material é a mesma. E a preocupação religiosa se restringe a práticas e formalidades determinadas por lei.

Alguém poderia tirar daí a conclusão de que o cristianismo nada tem a acrescentar ao estudo do fenômeno família. Ledo engano! Cabe ao cristianismo delinear o perfil da família destinada a tomar no futuro o lugar dos tipos de família existentes até hoje.

A ciência nos pode dizer coisas essenciais sobre o passado e o presente, mas é incapaz de prever o futuro. Pode dizer-nos o que deve ser descartado por obsoleto e ultrapassado. Mas nada sabe um sociólogo a respeito do que está por nascer e das forças que a evolução está despertando tanto na história quanto na consciência dos homens. É uma fantasia extremamente pobre imaginar que se pode construir o futuro da humanidade com o que restou do seu passado. Este passado foi realizado por homens que não teriam hesitado em tratar a Jesus do modo como o fizeram judeus e romanos.

Jesus provocou o maior escândalo entre seus ouvintes quando disse que era o Filho de Deus (Jo 19,7). “Como é que sendo homem se diz Filho de Deus?” (Jo 10,33).

A crença num Ser Superior do qual o homem depende absolutamente é tão antiga quanto a própria humanidade. O céu sempre foi visto pelo homem como morada de Deus. Só muito mais tarde começou a prevalecer a crença de que o habitat preferido de Deus é a alma humana. E que a relação de Deus com o homem é uma relação de Amor.

Foi Jesus que nos revelou que Deus é Pai e que seu Amor por nós é o mesmo que nós humanos sentimos por nossos filhos. “Já não vos chamo servos, mas chamo-vos de amigos” (Jo 15,15).

Deus imprimiu a sua “Imagem” divina na alma humana de forma tão íntima e indelével que é simplesmente impossível a um homem apagar do seu íntimo a marca registrada da sua origem divina.

A saudade de Deus e a nostalgia do infinito constituem, sem a menor dúvida, o tormento mais atroz dos que tentam viver longe de Deus. Se esta é a situação trágica dos que negam a Deus e o excluem de suas vidas, igual a ela deve ser a situação de uma família em cujo seio Deus não parece fazer falta.

A crise da família e a crescente proliferação de famílias sem Deus só podem ser considerados fenômenos positivos e sinais de avanço cultural na medida em que despertam a consciência humana para tudo aquilo que até hoje era visto como valor, mas não o é mais.

In: Manuscrito.


UMA FAMÍLIA DIFERENTE

Queremos uma família diferente. Mais que isto: queremos um modelo novo de família. São basicamente duas as atitudes que é preciso evitar: primeiro, planejar este modelo em gabinetes e laboratórios e impô-lo por decreto; segundo, aguardar que ele surja do nada e se imponha por si mesmo.

Dormem no ponto e merecem perder o trem da história os que acham que a crise da família, tal como se manifesta no mundo ocidental, é antes moral que estrutural.

Tudo corria às mil maravilhas até o dia em que as mulheres se puseram a corcovear, insatisfeitas com a parte da carga social que lhes cabia carregar!

As instituições que menos se esforçaram para responder positiva, afirmativa e criativamente ao despertar da consciência feminina, foram as religiosas. Foi no mundo ocidental que a crise da família assumiu proporções alarmantes. No mundo islâmico esta crise não se manifesta porque lá a voz da mulher é sistematicamente silenciada. Mesmo na mais moderna das Igrejas cristãs a mulher só pode desempenhar funções subalternas.

O conceito de superioridade está intimamente ligado à imagem de um Deus masculino. A voz de protesto do mundo feminino parte de um pequeno segmento deste mundo. A maioria das mulheres vive conformada com a sua situação. Mas é crescente o número de mulheres que frequentam Universidades e têm por isso acesso a uma formação mais aprimorada.

É evidente que uma mulher com formação universitária não vai se contentar com a posição social até pouco reservada ao contingente feminino da sociedade.

O trabalho é outro fator que está contribuindo decisivamente para a desagregação do modelo doméstico tradicional de família. Com o pai e a mãe trabalhando fora de casa e em profissões distintas, já não é mais possível a família ser uma unidade econômica de produção, distribuição e consumo.

O que terá que mudar: o modelo de família e as relações intrafamiliares, ou as relações de trabalho? É mais que óbvio que tanto as leis que regem o convívio familiar quanto as leis do trabalho têm que ser modificadas.

Qual a instância jurídica que vai encaminhar este processo de mudanças? O Estado ou um corpo social politicamente organizado de natureza suprafamilial, onde a primeira como a última palavra corre por conta das próprias famílias interessadas?

O grande problema no Brasil é a inexistência de um organismo político interessado em promover as mudanças que são necessárias para reconduzir a família à condição de “célula mater” do corpo social. Cada família é obrigada a se virar como pode.

Quem é que não sabe que o corpo humano é composto de órgãos, de membros e de sistemas biofísicos? Por que insistimos tanto em tratar a sociedade como se ela não fosse mais que uma coletânea de indivíduos?

O “pecado mortal” do liberalismo consiste em ter desorganizado a sociedade ocidental, transferindo para a competência de indivíduos o que era antes da competência de organismos sociais mais amplos. Abolimos a família patriarcal e retiramos do patriarca o direito de representar toda uma comunidade de famílias e de falar em seu nome.

Onde encontrar um organismo social legitimamente investido da missão de representar os interesses das famílias e de falar em seu nome?

No meu entender, o flanco mais exposto e menos protegido da nossa sociedade é a família. Estamos muito longe de ter percebido que é no seio da família que se aprende a ser pai, mãe, filho e irmão.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj.


EDUCAR PARA A LIBERDADE RESPONSÁVEL

A taça ou recipiente pouco tem a ver com a qualidade do vinho que você toma. Precisamos de homens e de mulheres infinitamente mais livres do que a legião de prisioneiros do desejo e de escravos do dever que povoam nosso ambiente social.
        
Tanto no Ocidente quanto no Oriente é rotineira a crença de que o amor sempre envolve alguma forma de perda de liberdade. Tanto no Ocidente como no mundo Oriental a família representa um espaço rigidamente enquadrado e severamente controlado. Por que isso?
        
Porque a família e o ambiente tipicamente familial é o único que ainda lembra um pouco a aura de intimidade da criatura com seu Criador que cercava o convívio de nossos Pais com o seu Deus, quando ao cair da tarde e ao sabor da brisa vespertina, passeavam com Ele pelo Jardim do Éden!

Amor e intimidade são sinônimos. É essa necessidade de intimidade que está levando muitos jovens da atualidade a pensarem em constituir família. Íntimo meu é aquele que mora dentro de mim.

O cristianismo já deveria ter dado provas concretas de que Cristo veio para acabar com a divisão da humanidade em superiores e súditos, mas isto até hoje ainda não aconteceu. A família é o único espaço sociocultural em que ainda é possível concretizar um regime de igualdade social.

Onde não há igualdade de direitos e responsabilidades também não há espaço psicológico para a intimidade. Só pessoas verdadeiramente livres conseguem ser íntimas umas das outras. E a liberdade é filha predileta do amor. Quem não ama, nunca saberá o que significa ser livre de verdade. E quem não é livre, jamais saberá o que significa ser amigo, amigo íntimo de alguém, como Deus é amigo dos homens.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


COMO SERÁ A PRESENÇA DA MULHER NA FAMÍLIA DO FUTURO

O fenômeno da emancipação feminina terá influência decisiva sobre a estruturação da família de amanhã. Terá um impacto direto e profundo sobre as relações conjugais. Acabará por varrer para o monturo da história o machismo e sua trama de mentiras, covardias e traições. Vivemos numa civilização que na verdade tem muito pouco de que se orgulhar. É lógico que a emancipação da mulher terminará por postular um outro tipo de matrimônio, capaz de proporcionar espaço muito mais amplo para a realização dos valores estritamente conjugais e, portanto, pessoais. Um matrimônio liberto da maior parte dos controles sociais que atualmente ainda continuam a sufocá-lo, em lugar de protegê-lo, como pretendem.

A vida sexual tende a passar cada vez mais para o domínio da afetividade amorosa. Por condenável que seja o permissivismo liberal, que veio tomar o lugar da “moral” puritana de ontem, existe, contudo, em seu bojo, um movimento secreto e inadvertido de libertação sexual. Mais que nunca o jovem tem condições de conduzir-se de acordo com imperativos que nascem e brotam da própria sexualidade. Se vier a se prostituir não é por ter agido de acordo com os ditames de sua própria sexualidade, mas porque acabou se conduzindo de acordo com padrões de comportamento sexual ditados pelos meios de comunicação de massa.

O que os grandes interlocutores do pensamento, como Skinner, Reich e outros fazem, talvez sem querer, é pior do que tudo o que a moral puritana e jansenista fez. Isso, no entanto, não lhes tira o mérito de terem aberto pistas novas numa terra que parecia não ter mais novidades a oferecer. Onde tudo parecia definitivamente assentado para todo o sempre. O imobilismo ético-teológico guindado à condição de virtude teve que ceder ao sopro impetuoso e irreverente do pensamento evolutivo-histórico. Só nesta perspectiva é possível vislumbrar um sentido para a sexualidade. Esse sentido é a pessoa a ser construída com os recursos desta mesma sexualidade.

A vitória não resulta da luta contra a sexualidade, mas da luta por mais amor e liberdade dentro do espaço interior proporcionado pela relação sexual. A moderna tendência permissivista não reflete nenhum respeito real pela liberdade da pessoa. A atitude liberal do “laissez-faire” conduz no campo sexual à pior das tiranias, bem ao contrário do que supõe o observador incauto e superficial. Só uma autêntica moral, dinâmica, aberta e personalista pode conduzir à genuína maturidade sexual. Uma moral a serviço do desenvolvimento da pessoa. E não submetida a um conceito inaceitável de ordem natural, ou de liberdade.

In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.


FALTA DE SERIEDADE NA “PASTORAL DA FAMÍLIA”

Sob muitos aspectos, a “pastoral da família”, ensaiada pela hierarquia católica, é pouco menos que uma “piedosa” piada. Falta-lhe seriedade!

Não basta armar um belo “cenário” quando a “peça” a ser apresentada é um “abacaxi”. Pior que o dos casais é o “estado de saúde” do próprio matrimônio-instituição. Há casais que se deram muito bem até o dia em que decidiram casar!

Há jogadores de futebol que se dão otimamente na função de “volante”, mas que perdem todo o “pique” quando fixados numa posição.

Fazer parte de uma comunidade maior é para um casal tão importante quanto a própria estabilidade conjugal. 

Sentir-se engajado numa frente mais ampla e a consciência de estar servindo a uma causa maior, podem fornecer a um casal motivação adicional no esforço de superar momentos de crise, ajudando-os a “dar a volta por cima”. 

Um bom casamento exige, além do esforço moral, uma boa dose de “sabedoria política” e de tino psicológico. Estes últimos são fatores com os quais a moral católica pouco se preocupa.

Fazia parte da “política” de Santo Inácio de Loyola não dar uma ordem a um súdito quando percebia que este não estava em condições psicológicas de recebê-la e de cumpri-la. Inácio não era nenhum fanático da obediência, como se poderia pensar lendo sua carta sobre o assunto. Queria que na sua Ordem prevalecesse em tudo a solidariedade operosa sobre o bom andamento dos negócios e que a obediência fosse, acima de tudo, uma resposta alegre, descontraída e amorosa, não à vontade falível de um homem, mas a uma causa superior. Queria uma obediência que enobrecesse tanto ao que a pratica quanto ao que a impõe.

Não há tratado moral que não lembre à mulher o dever de obedecer ao marido. 

Só em termos bastante vagos o “chefe de família” é lembrado de que deve exercer esta sua autoridade com amor. Um “tirano doméstico” da pior espécie pode frequentar a igreja e receber a comunhão sem ser molestado! A quem ousasse questionar o seu modo de dirigir a família, ele poderia apontar o regime de governo da Igreja católica, onde é acachapante e absoluto o poder do “Chefe Supremo da Cristandade”.

A obediência de submissão é típica de sociedades escravagistas. Na antiga sociedade grega só era considerado plenamente livre o homem que não era obrigado a sujeitar-se a quem quer que fosse. 

A obediência de uma pessoa plenamente livre muda de forma e se torna essencialmente cooperativa. Lá onde todos trabalham juntos na edificação da mesma obra e na concretização de um projeto comum, se está pondo em prática a obediência de cooperação, a única forma de obediência digna de uma pessoa livre e digna de uma comunidade de irmãos.

Por que a Igreja católica insiste em tratar a mulher como se ela fosse um ser humano de qualidade inferior? Será que procedendo assim a Santa Madre Igreja está sendo justa e fiel a uma lei de Deus?

Enquanto a Igreja continuar a dar ao mundo uma demonstração tão flagrante de discriminação social, sua credibilidade no trato de questões de natureza sexual só poderá continuar decrescendo.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj 


NOVO MODELO DE FAMÍLIA

A família é uma realidade cultural onipresente, mas a sua constituição e função social diferem de um ambiente cultural para outro. Desde a família obrigada a lutar desesperadamente por sua sobrevivência material, sem tempo para mais nada que não seja trabalho, até a família que se pode permitir o luxo de fazer férias; desde a família poligâmica até a família estritamente monogâmica vai o leque tipo genético de família que conhecemos. Todos eles fazem parte do panorama sociocultural moderno.

Qual dos tipos conhecidos é o melhor, o que melhor atende às necessidades, tanto da sociedade em geral, como dos indivíduos que a compõem? A quem esta pergunta deve ser dirigida: ao cientista, ao filósofo, ou então ao porta-voz do pensamento religioso?

O fundamento, sobre o qual a família se apoia, é de natureza sexual. Quem funda uma família tem em mira realizar-se como homem e/ou como mulher. Ter um filho, criá-lo e educá-lo não significa para uma mulher a mesma coisa que para um homem. A atuação de ambos é de natureza complementar. O governo alemão subvenciona também a família gay, partindo do conceito de que, “onde há crianças para serem criadas, há família”.

Fatores de natureza genital-genética certamente não esgotam o conceito de família. Há outros fatores de natureza espiritual, social e/ou religiosa que podem fundamentar uma comunhão de vida análoga à que existe numa família biológica.

O conceito de família é elástico, amplo e multiforme. Estamos longe de ter esgotado as ricas potencialidades da instituição familial. Não podemos contentar-nos com sintetizar num todo homogêneo a multiformidade de modelos existentes e conhecidos. A nova ordem instaurada por Cristo exige um novo modelo de família, assim como um novo modelo de sociedade e indivíduos humanos dotados de consciência superior em tudo ao que a criatividade cultural de gregos e romanos conseguiu atingir.

A novidade que a presença pessoal de Deus na história dos homens (através de Jesus Cristo) representa, é um tesouro que ainda está para ser descoberto e valorizado. 

Se a “novidade do Evangelho” (Rm 7,6) já tivesse despontado no horizonte da nossa história, não teríamos o desprazer de assistir nos programas de TV a tanta bandalheira! Pode ser chamada de família uma humanidade em que as pessoas se digladiam entre si e se exploram mutuamente? Onde encontrar uma comunidade religiosa que mereça o nome de família? No papel todos os cristãos formam uma grande família, a Família de Deus. No caminho da teoria para a prática, do discurso para a ação e da letra para o espírito perde-se o essencial que é a comunhão fraterna.

Chega a milhões o número de cristãos mortos por cristãos nos campos de batalha! Os países cristãos nunca foram oásis de paz. Por isso é que valorizaram tanto a vida em família. Lar e ambiente doméstico são sinônimos de paz.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


UM + UM É DOIS, UM  X  UM É UM = UNIDADE

A tutela religiosa de que a família é alvo, é amparada pela tese de que ela é uma instituição de origem divina, cabendo, por isso, aos representantes de Deus a missão de zelar por ela. Este zelo envolve mais do que simples cuidado, pois envolve também poder e autoridade.

Qual a religião em que a família não é considerada domínio religioso? Sujeita, portanto, à autoridade de superiores autopromovidos à condição de tutores da família.

Na Igreja católica esta tutela excede os limites meramente político-jurídicos e passa a incluir também o campo moral. Um papa pode impor uma decisão sua sob pena de pecado.

Reconhecer a existência de uma obrigação moral é uma coisa, e criar uma obrigação moral é coisa bem diferente.

De acordo com o espírito da Moral Cristã o ato moral concreto nada tem de automático. Não basta a um cristão identificar sua vontade com a de um terceiro. Para ser boa e positiva, sua decisão deve estar em sintonia com a voz da sua própria consciência. Esta consciência não fala impondo e mandando, mas propondo e sugerindo. Nada há no homem que seja mais livre e soberano que a sua consciência. Ninguém tem mais respeito por esta liberdade que o próprio Deus. A extensão deste respeito chega a ser escandalosa, pois inclui a existência de um inferno e de ambientes sociais em que é permitido rejeitar Deus.

O amor de Deus não é um amor que não é permitido renegar e desprezar. O amor é sempre muito maior do que a capacidade humana de compreendê-lo e de lhe corresponder. Jesus sabe disso melhor do que ninguém. Nossos amedrontados pastores ainda estão por descobrir a diferença que os separa da Pessoa do Bom Pastor.

Pastor inteligente e digno da confiança de suas ovelhas é aquele que sabe consultar o instinto de suas ovelhas.

Autonomia não é o mesmo que independência. O homem é um ser social não porque necessita da companhia de semelhantes seus, ou porque dependa deles. Aquele que ama não renuncia à sua liberdade, mas a funde com a de um outro. Só o amor consegue esta façanha.

Fusão é mais do que simples soma. É síntese. A soma de um (1) mais um (1) é dois (2). Mas o resultado da multiplicação de um por um é um (1).

Aplicando esta técnica ao amor pode-se dizer que o amor não soma, nem divide, mas multiplica. Não destrói a unidade existente, mas a eleva a um plano superior, mais rico em potencialidades. A condição de ser social não torna o homem um necessitado, um indigente, um indivíduo incompleto e que a única resposta que lhe resta é a atitude de submissão e o sacrifício de parcela da sua liberdade em proveito do bem comum.

Nem dependência nem independência, mas interdependência: é este o laço que uma relação de amor costuma gerar. Na medida em que uma dependência passa a ser recíproca, ela deixa de ser humilhante e injusta e passa a ser libertadora.

In: “A família do Futuro” – Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


ESTABILIDADE NA FAMÍLIA

O que caracteriza o conceito de ordem é a estabilidade. Mas o processo evolutivo não obedece ao princípio da ordem. Ao contrário, não haveria evolução alguma se os acontecimentos se regessem submissamente de acordo com o princípio sacrossanto da ordem.

Em sentido dinâmico, a estabilidade representa apenas uma garantia de continuidade. Não se pode dar a esta caráter linear, nem trair a evolução. A continuidade deve existir, mas tem cunho dialético. Isto quer dizer que não pode haver ordem em estado puro, isto é, ordem sem contestação, ou ordem sem uma dose relativa de desordem, como não pode haver estabilidade sem instabilidade. Há fanáticos que sonham com a ordem perfeita e a estabilidade política, social e econômica plena. São eles que mais se opõem ao progresso, por mais que afirmem o contrário.

A estabilidade conjugal é um valor desde que signifique a presença dos elementos essenciais ao desenvolvimento conjugal. Existe onde as aspirações e os interesses do casal convergem, se somam e se reforçam reciprocamente, mantendo-os em equilíbrio, permitindo o surgimento de crises. Não oferece garantia contra o impacto do imprevisto.

Não existe onde houve apenas acomodação recíproca. Ou então onde um dos cônjuges cedeu em definitivo às imposições do outro. Neste caso, as aparências são enganadoras, já que não existe mais, nem harmonia interior, nem crítica. Onde existe diálogo conjugal autêntico, co-gestão e cooperação em todos os níveis e planos da vida conjugal e familiar, lá existe estabilidade e harmonia. Onde existe meticulosa distribuição de papéis e tarefas, encontramos o divórcio minando o casamento por dentro. A submissão da mulher introduz um elemento falso e gera uma pseudo-estabilidade.

 Um homem perfeitamente viril e uma mulher muito feminina raramente formam um casal harmonioso. Os contrários se repelem. Um toque feminino no homem e um traço viril na mulher favorecem a harmonia conjugal. Cada qual é atraído pelo outro na medida em que nele se revê e se reencontra. 
In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.


O FUTURO ESTÁ DO LADO DO AMOR

O futuro está do lado do amor. O que o amor não consegue unir não merece ser mantido. Que Deus abençoe a desagregação e a derrocada de todas as instituições que ignoram a força do amor e o poder da esperança cristã. Tenho para meu uso pessoal a certeza de que Deus está fazendo isso mesmo: é conivente com todos aqueles que descreem rotundamente de todo sistema amparado na pressão, apoiado em valores que contrastam em sua essência com a dignidade da pessoa humana. Quero mencionar, em especial, a Igreja católica por razões de ordem pessoal. Teoricamente sua missão é de amor. Mas os fatos estão longe de dar esta impressão. No entanto, não deixa de ser verdade que sem a Igreja de Cristo não há futuro para o homem.

A América Latina representa o Continente mais católico do mundo. Usos, costumes e tradições trazem a marca da Igreja. É, no entanto, campeã em machismo. E tem dado o maior número de ditadores que a história já viu. O que significa tudo isso? Que o atraso aqui é ainda maior que em outras partes do mundo. Como é que uma instituição religiosa, contando com o apoio do poder político colonizador, que tem como missão impregnar as estruturas sociais com o sopro divino do amor e da liberdade dos filhos de Deus, não conseguiu ir além dos limites de um resultado mais que modesto?

A razão me parece ser esta: em lugar de se ocupar com a vida conjugal dos casais, a Igreja sempre se preocupou muito mais com a família. Ora, a família é uma entidade provisória e precária demais para servir de central energética. Mas a pujança do amor conjugal tem as condições requeridas. Porém, enquanto as instituições religiosas agem como se os casais não existissem para outra coisa do que para “fazer filhos”, Medellín e Puebla nada significam para o futuro da América Latina.

Se a relação intrínseca entre sexualidade e amor é um dado que só nos últimos séculos tomou na consciência dos povos do Ocidente o lugar de respeito, que nunca lhe deveria ter sido sonegado, é óbvio que nos encontramos no início de uma caminhada, de um aprendizado doloroso e repleto de surpresas. Onde o casamento é, antes de mais nada, uma forma de atender e somar interesses, a duração é garantida pela permanência desses interesses. Se estes forem de ordem econômica, a estabilidade dependerá do volume desses interesses, do grau de dependência recíproca e também do grau de inconsciência através da vida conjugal.
Do livro “Evolução do Amor Conjugal” – Pe. J. Marcos Bach,sj – INEF/Vozes.


AMOR EM FAMÍLIA

Crer em Deus, crer em si e crer no amor formam um todo inseparável. É da síntese destes três objetivos que nasce a genuína fé em Cristo.

Divide, et impera”, diziam os romanos, que sabiam, como poucos outros povos, como proceder quando o objetivo é a dominação.

Um preceito canônico ou moral possui uma eficácia prática que o mais vibrante apelo afetivo não consegue suprir. “A lei tem uma força que o amor não possui”, diria um canonista. A lei pode dispor do chicote, um direito que o amor dispensa. Não há amor quando um dá e o outro só recebe. Na relação amorosa ocorre um intercâmbio em que receber é tão importante quanto dar.

A criança aprende a amar recebendo amor. Aos poucos percebe que “há mais prazer em dar do que em receber”. A maturidade afetiva atingem-na os que sabem dar e receber com a mesma liberdade interior.

A respiração se torna perfeita quando já não é mais preciso pensar nela e preocupar-se com ela. O amor dispensa qualquer esforço. O amor se derrama em nossa alma com a mesma espontaneidade com que o ar flui através do nosso sistema respiratório. No começo e em seu estágio infantil o amor consiste em dar e receber. Mas em seus estágios mais evoluídos o amor deixa a fase do intercâmbio e passa para a da comunhão, onde dar e receber são a mesma coisa e possuem a mesma importância. Quando adulto o amor deixa de ser troca e se transforma em partilha e comunhão de bens.

Ama como Jesus amou (e continua amando) aquele que descobriu (e colocou em prática esta sua descoberta) que o amor é, acima de tudo, compartilha. Lição que Ovídeo não conseguiu transmitir a seus fãs foi a de que a arte de amar é em sua essência privilégio de quem sabe compartilhar e repartir!
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


HOMEM E MULHER EM FAMÍLIA

É preciso aprender a encarar com desconfiança a crença de que homens e mulheres são seres feitos um para o outro. A ideia de que o homem é a mão e a mulher a luva feita sob medida para ajustar-se a ela, é por demais romântica para ser levada a sério.

A Bíblia descreve bem o primeiro encontro do primeiro homem com a primeira mulher. Vendo Eva, só faltou a Adão declarar: “esta é a luva de que minha mão precisava”! O seu comentário foi outro: “ela é osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23). Só faltou dizer: “ela é igual a mim”!

Onde encontrar um monsenhor, aiatolá ou rabino disposto a ceder a uma mulher o mesmo espaço social e o mesmo grau de excelência que reivindica para si? Não sei como é que Adão tratou a sua companheira. Mas sei muito bem como nossos homens tratam suas esposas. E como nossos “representantes” de Deus e de Cristo na terra tratam as suas ovelhas do sexo feminino. Muitos dos que passaram pela “Experiência de Quase Morte” ou morte clínica voltaram dela dizendo: “Agora sei o que é Amor”!

Tanto o moralista “pé frio” quanto o adolescente desvairado pela paixão, nada sabem a respeito do que é amor. Uma obrigação moral pode ser tão prejudicial ao desenvolvimento de uma pessoa quanto uma noitada de bebedeira numa boate.

Nada mais incompatível com a beleza do amor do que uma bebedeira. Não só a bebida e a droga podem ser usadas para apagar alguém. Também a moral e a religião podem prestar-se à mesma finalidade. Nada sabem das profundezas da alma em que o amor é gerado. Nada sabem das misteriosas fontes do amor divino. Quem quer entender a razão de ser da vida em família deve encarar o amor e até a sua mais modesta expressão como experiência religiosa. Onde há amor, sempre é Deus que se manifesta presente.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


O DESAFIO DE UM CASAL HUMANO

Se crer em Deus é difícil, muito mais difícil é crer nos homens. Uma fé que não se transfigura em amor, morre bem depressa. Simples boa vontade e bom senso não bastam. O desafio que um casal humano enfrenta ao constituir família ultrapassa “ad infinitum” tudo o que uma boa política e até mesmo uma moral de mais alto nível pode proporcionar. Às possibilidades naturais do amor humano Jesus veio acrescentar outras infinitamente mais amplas e de nível essencialmente superior. Esta dimensão nova é dádiva de Deus e não pode ser alcançada por nenhum esforço puramente natural. O máximo que uma pessoa pode fazer é predispor o seu espírito, desejando e pedindo a graça de poder amar como Deus ama e de amar com Ele.

Nascemos da união amorosa de um homem e de uma mulher. É da união de nossa alma com o amor divino que surge esta nova vida que o cristianismo define como graça santificante. O plenamente humano (pleroma) do apóstolo Paulo, não é o demasiadamente humano de Nietzsche. O demasiadamente humano resulta de um descenso ao infra-humano, ao passo que o pleroma Paulino resulta de um movimento que é em tudo o seu oposto.

A “gratia elevans” é obra do mesmo Criador, mas pertence a uma outra categoria na ordem da Criação. A pessoa redimida por Cristo é uma Nova Criatura.

É com razão que se pode afirmar que o futuro da humanidade foi entregue a uma “Nova Raça” humana. A raça que atualmente domina o cenário histórico da nossa espécie já provou que não possui o necessário grau de consciência para tarefa tão complexa. Num mundo em que cada cidadão é incentivado a priorizar o seu próprio eu e a cuidar, antes de mais nada, do seu próprio interesse, só pode ser visto como radicalmente impermeável à Lei do Amor. Isso só não percebe quem não tem olhos para ver!

É preciso tirar a família da atmosfera pragmático-utilitária que a está sufocando. A família não se destina a produzir resultados contábeis. Não persegue fins, mas se destina a revelar significados. Possui caráter simbólico, pois é sinal, sinal sacramental de uma realidade maior, mais ampla. Este mundo maior do qual é sinal visível, não é nem a nação,  nem a Igreja. Temos que situá-la num plano muito mais abrangente, mais próximo do universo dos valores absolutos.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ


SOBREVIVÊNCIA NA CRISE

A primeira pergunta a ser respondida é esta: “Será que a família vai sobreviver à crise em que se encontra”? Falamos da família como se todas as famílias existentes constituíssem uma totalidade homogênea, o que não é verdade.

No mundo islâmico prevalece o modelo patriarcal de família, onde a mulher se parece mais com a figura por nós conhecida como doméstica. Na terra dos aiatolás existem problemas, mas seria exagero juntá-los num pacote e defini-los como crise de família. No mundo ocidental a situação é diferente, pois aí a situação familiar é realmente crítica.

A palavra crise vem do grego e indica uma situação em que é preciso adotar um novo critério de julgamento, baseado numa nova forma de discernimento. Crise só ocorre onde existem pessoas suficientemente conscientes para perceber o que está acontecendo nos bastidores e o que está escrito nas entrelinhas da história oficial. Crise só acontece quando a presença do passado e a carga de tradições se tornaram tão insuportáveis que vale a pena arriscar a salvação da alma para se ver livre delas.

A crise aparece no interior da consciência quando os nichos de medo perdem força e seu lugar é ocupado por uma nova força, a de enfrentar o perigo em vez de fugir dele. Uma misteriosa força de coragem e de audácia estanca a atmosfera de medo, e o ânimo ocupa o lugar da covardia.

A crise que atinge não só as famílias, mas a totalidade das instituições sociais é positiva na medida em que torna visível o que antes era oculto. Já não é mais possível ocultar e varrer para debaixo do tapete toda a sujeira acumulada ao longo de milênios!

A crise da família é apenas a faceta mais visível de uma crise cultural muito mais ampla. Seu núcleo gerador se encontra no interior das consciências.

O modo como homens e mulheres se posicionam em sociedade resulta do modo como se olham mutuamente na intimidade. Vivemos numa civilização em que todo homem aprende, desde criança, a olhar para a mulher de cima para baixo. A mulher é representante do sexo fraco. Representante do sexo forte é o “macho”, o domador da mulher. A mulher é invejosa da superioridade do homem.

“O que as feministas querem é substituir os homens e ocupar o lugar deles”. Se esta calúnia fosse verdadeira, isto é, não fosse apenas calúnia, Marx teria razão ao interpretar a emancipação da mulher como capítulo menor de uma homérica luta de classes. O que o comunismo fez para melhorar a posição social da mulher? E o que o cristianismo fez para tirar a mulher de sua condição de inferioridade social? Nada! É por isso que é aconselhável desvincular a preocupação pelo futuro da família de qualquer forma de ingerência eclesiástica e ideológica. O primeiro passo que é preciso dar consiste em libertar o seu pensamento e a sua consciência da teia de leis e de dogmas que fizeram da família um curral destinado à criação de ovelhas dóceis.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ


A CRISE DA FAMÍLIA

A crença num Ser Superior do qual o homem depende absolutamente é tão antiga quanto a própria humanidade. O céu sempre foi visto pelo homem como morada de Deus. Só muito mais tarde começou a prevalecer a crença de que o habitat preferido de Deus é a alma humana. E que a relação de Deus com o homem é uma relação de Amor.

Foi Jesus que nos revelou que Deus é Pai e que seu Amor por nós é o mesmo que nós humanos sentimos por nossos filhos. “Já não vos chamo servos, mas chamo-vos de amigos” (Jo 15,15).

Deus imprimiu a sua “Imagem” divina na alma humana de forma tão íntima e indelével que é simplesmente impossível a um homem apagar do seu íntimo a marca registrada da sua origem divina.

A saudade de Deus e a nostalgia do infinito constituem, sem a menor dúvida, o tormento mais atroz dos que tentam viver longe de Deus. Se esta é a situação trágica dos que negam a Deus e o excluem de suas vidas, igual a ela deve ser a situação de uma família em cujo seio Deus não parece fazer falta.

A crise da família e a crescente proliferação de famílias sem Deus só podem ser considerados fenômenos positivos e sinais de avanço cultural na medida em que despertam a consciência humana para tudo aquilo que até hoje era visto como valor, mas não o é mais.

Que valor pode ter para uma pessoa adulta um sapatinho de criança? Qual o valor que se pode atribuir a uma família em que a mulher é submetida à autoridade do marido em termos que pouco ou em nada diferem da obediência que os filhos menores devem ao pai?

Quando estabeleço a tese de que a família é uma entidade sociocultural essencialmente religiosa, não me refiro a nenhuma das religiões organizadas existentes.

O termo família cristã deve ser entendido em sentido radicalmente diverso do usualmente empregado. Uma ruptura com o passado no campo dos valores é imprescindível.

Remexer o baú da tradição à procura de antiguidades é uma atividade pseudocultural de pouquíssimo proveito, já que o futuro da humanidade será por certo tão diferente do seu passado quanto o dia difere da noite. Não é da competência de historiadores a tarefa de esboçar, com a devida antecedência, o perfil cultural das muitas civilizações que um dia podem cobrir a face da terra. O apóstolo Paulo atribui ao dom da profecia esta função. Atribui à comunidade como todo este carisma.
                                       Pe. José Marcos Bach, sj


CARACTERÍSTICA DA NOSSA ÉPOCA

Característica da nossa época é o início de ruptura com o passado que o caracteriza. Ninguém está mais satisfeito com o que já foi alcançado. Todo mundo quer mais!

Para uns, mais é sinônimo de reprodução melhorada do mesmo. Para outros, entre os quais me situo, passou o tempo do repeteco. Chegou a hora de substituir o mesmo pelo diferente.

A verdade é eterna, mas a maneira de colocar a inteligência do homem em contato com ela depende do grau de compreensão que o homem tiver das manifestações da presença de Deus na história humana.

Existe uma diferença muito grande entre o que nas Escrituras Sagradas é descrito como Opus Dei, e o que cientistas modernos atribuem a Deus.

Já os Profetas e o Antigo Testamento assinalam que os eventos cruciais da História da Salvação pouco têm de político, mas são os que acontecem no interior subjetivo das pessoas.

Vale o que um homem ou uma mulher conseguem fazer de si mesmos, o resto vale tanto quanto os cavacos resultantes do trabalho de Miguelangelo.
           
Estamos bem longe de ter entendido Deus quando concedeu ao homem o dom da liberdade. Achamos que as pessoas que sabem usar da sua liberdade são poucas. A grande maioria não saberia o que fazer com ela. É preconceito puro.

Quem o espalha e alimenta são exatamente aqueles que só conseguem conviver com escravos dóceis e sem personalidade própria. É o exercício que faz o atleta.

Como pode aprender a ser livre aquele que só aprende a obedecer?

Quem não aprende a ser livre, jamais irá experimentar o gosto que há em sentir e saber-se livre, verdadeiramente livre, dono e senhor de si mesmo.

A taça ou recipiente pouco tem a ver com a qualidade do vinho que você toma. Precisamos de homens e de mulheres infinitamente mais livres do que a legião de prisioneiros do desejo e de escravos do dever que povoam nosso ambiente social.

Tanto no Ocidente quanto no Oriente é rotineira a crença de que o amor sempre envolve alguma forma de perda de liberdade. Tanto no Ocidente como no mundo Oriental a família representa um espaço rigidamente enquadrado e severamente controlado. Por que isso?

Porque a família e o ambiente tipicamente familial é o único que ainda lembra um pouco a aura de intimidade da criatura com seu Criador que cercava o convívio de nossos Pais com o seu Deus, quando ao cair da tarde e ao sabor da brisa vespertina, passeavam com Ele pelo Jardim do Éden!

Amor e intimidade são sinônimos. É essa necessidade de intimidade que está levando muitos jovens da atualidade a pensarem em constituir família. Íntimo meu é aquele que mora dentro de mim.

O cristianismo já deveria ter dado provas concretas de que Cristo veio para acabar com a divisão da humanidade em superiores e súditos, mas isto até hoje ainda não aconteceu.

A família é o único espaço sociocultural em que ainda é possível concretizar um regime de igualdade social.

Onde não há igualdade de direitos e responsabilidades, também não há espaço psicológico para a intimidade.

Só pessoas verdadeiramente livres conseguem ser íntimas umas das outras.

E a liberdade é filha predileta do amor.

Quem não ama, nunca saberá o que significa ser livre de verdade. E quem não é livre, jamais saberá o que significa ser amigo, amigo íntimo de alguém, como Deus é amigo dos homens.

                                                          Pe. José Marcos Bach, SJ


PRETENSÃO MASCULINA

A inferiorização da mulher e sua subordinação ao homem não obedece a nenhuma lei da natureza. A diferença de ordem sexual existente entre homens e mulheres é mais superficial que profunda. Cada homem e cada mulher é um ser humano completo e autossubsistente: quando se unem o fazem com vistas a um bem de ordem transpessoal e social. O processo de autorrealização plena corre inteiramente por conta de cada um. Nada há a dividir a não ser um modesto quantum de tarefas. Tudo o mais só poderá ser alcançado mediante parceria.

A Bíblia acentua o caráter associativo da união entre homem e mulher quando define a mulher como companheira do homem. Na medida em que rapazes e moças casam porque precisam um do outro estão contribuindo para manter o desastrado quadro familiar da atualidade. E não existe no mundo ordem moral capaz de suprir a falta de maturidade ética.

Ética é a conduta que brota do íntimo da consciência pessoal. Moral é um comportamento socialmente comprovado, mas que pode não corresponder aos apelos mais profundos da consciência pessoal. A palavra “comportamento” não possui o mesmo significado que a palavra conduta. Carregar com outros o mesmo peso, a mesma obrigação (cum portare), não é o mesmo que empunhar com outros a mesma bandeira.

A conduta ética difere do comportamento moral em termos qualitativos e essenciais. A conduta ética envolve um quantum de participação criativa que o comportamento moral não exige. A distinção entre conduta ética e comportamento moral é muito menos bizantina ou acadêmica do que pode parecer a quem ainda não se deu conta de que os piores inimigos da liberdade criativa do homem se encontram do lado do bem comum, da ordem estabelecida e dos seguramente instalados em verdades eternas e irreformáveis.

A pretensa superioridade do homem é falaciosa porque resulta da diminuição da mulher. O forte no caso não é apenas o homem. É preciso bancar o cego para não perceber que força moral, coragem e determinação representam virtudes em que as mulheres podem rivalizar tranquilamente com seus companheiros do sexo masculino.

A dialética do masculino com o feminino é solenemente adulterada quando se a reduz às proporções de uma aliança do forte com o fraco. A dificuldade maior com que qualquer tentativa de reestruturar as bases socioculturais do nosso sistema familiar tem que contar é a resistência que irá despertar no inconsciente coletivo das pessoas, incluídos na lista os próprios jovens.

Já são tantas as gerações convictas de que a tradicional distribuição de papéis entre homens e mulheres possui valor definitivo e irreformável que é praticamente impossível alcançar mudança de atitudes no curto espaço de alguns séculos. Mas é também verdade que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Com muita paciência histórica será possível preparar o advento de uma nova geração de jovens capazes e dispostos a pôr em prática o que de momento não passa de sonho utópico. Faz parte da Esperança Cristã a crença de que a verdadeira história da humanidade nem sequer começou.

Nossas melhores famílias obedecem a critérios culturais e éticos que só com muita boa vontade podem ser definidos como civilizados ou cristãos! Já se passaram 2.000 anos desde o dia em que Jesus dispensou a mulher da submissão ao homem. No programa sociocultural de Jesus não há lugar para posturas discriminatórias. Mas entre o que Jesus pregou e o que seus homens fizeram em seu nome existe um fosso. E este fosso passou a fazer parte do inconsciente coletivo do povo cristão. Enquanto os homens exploram a sua pretensa superioridade, as mulheres procuram tirar proveito da sua pretensa fraqueza.

                                                            Pe. José Marcos Bach, sj



UM NOVO TIPO DE FAMÍLIA

A humanidade nunca foi a mesma sempre e em toda a parte. Se alguma vez o foi em sua origem, isso não quer dizer que o ideal de uma sociedade perfeita é a uniformidade. O Criador esbanjou inteligência e criatividade quando resolveu cobrir a face do nosso planeta com as mais variantes e por vezes esquisitas formas de vida. A lei da diversificação é tão fundamental quanto a lei da multiplicação.

De que adianta definir a priori o tipo de família que desejamos se não criamos antes o tipo de homem e de mulher preparados para realizá-la? Dizer que este tipo já existe é mentira e falta de sinceridade. Não é necessário ser muito perspicaz para perceber que é baixo o nível em que homens e mulheres se relacionam. Não é preciso visitar um país muçulmano para perceber o quanto ainda resta por fazer para chegar a um sistema ético digno de seres verdadeiramente livres.
           
Em muitos compêndios de moral a família é definida como baluarte moral da sociedade. A família é vista e tratada como disciplinadora do impulso sexual, e sem ela, a sociedade se transformaria rapidamente num enorme prostíbulo. Esta concepção de natureza higiênica da família é responsável por boa parte dos problemas que a afligem.

A vida em família pouco ou nada tem a ver com ordem social como a entende um sociólogo ou político. Tão pouco se inspira no que um moralista entende por ordem moral.

A palavra ordem é inadequada para conter e expressar tudo o que o convívio familiar é capaz de fecundar. A palavra fecundar expressa melhor, que outra qualquer, a missão fundamental da vida em família. O ambiente familiar desempenha no plano social funções análogas às que o útero exerce no terreno biofísico. A primeira função do útero é alimentar o feto em caso de gravidez. A tarefa de protegê-lo e de isolá-lo do mundo exterior, não é a principal. A ideia de que o feto no seio da mãe passa seu tempo na mais completa inconsciência do que se passa fora daí é falsa. Através da mãe o feto recebe não só os nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento físico, mas também toma consciência do mundo exterior através da consciência da mãe. E é através da consciência da mãe que ele toma consciência do pai.

Criar um ambiente familiar significa, antes de tudo, criar e organizar um ambiente socialmente fecundo e culturalmente aberto e criativo. De que valem laços de sangue quando dois irmãos se põem a competir entre si, como no caso de Caim e Abel? Se queremos que a família seja um dia o que gostaríamos que ela fosse, então temos que pensar num novo tipo de agente social e de sujeito moral. No bojo das mudanças imprescindíveis e insubstituíveis encontra-se a necessidade de uma Nova Ética Sexual e de uma Nova Imagem de Deus.

Não sei se o leitor benévolo dessas linhas já leu e meditou o Cântico dos Cânticos, livro sagrado tanto do Antigo como do Novo Testamento. O Cântico dos Cânticos exala o perfume do amor virginal, do amor romântico não contaminado pelo pecado.

Um Compêndio de Moral católica, ao contrário, encara o campo das relações sexuais como área não redimida, onde a tentação ainda é sempre mais forte do que a graça divina. Não resta a menor dúvida: o futuro espiritual da humanidade vai depender essencialmente do modo como homens e mulheres vierem a se relacionar entre si. Isto significa que é preciso tirar a mulher do ostracismo sociocultural em que é obrigada a vegetar.
                                                       Pe. José Marcos Bach, sj


EDUCAÇÃO NA FAMÍLIA

A família é a primeira e a mais importante das agências educativas. Toda educação é basicamente autoeducação. É o indivíduo que se educa a si mesmo, optando pelo desabrochar de suas potencialidades latentes. A educação envolve, pois, um processo contínuo de seleção, porque não é possível desenvolver ao mesmo tempo e no mesmo ritmo todas as características passíveis de serem despertadas.

O objetivo da educação pode ser resumido em poucos tópicos:
 Primeiro, possibilitar a um ser humano desenvolver em si a capacidade de dispor de si livremente, conscientemente, criativamente dentro de um máximo de espaço interior plasmável.

Segundo, encaminhar para o convívio social comunitário uma personalidade capaz de se integrar nele de forma positiva, adulta e responsável.

Terceiro, entregar à sua própria liberdade e decisão pessoal um ser humano capaz de organizar a sua existência de forma original, tomando a consciência como núcleo criador de valores morais, a única central criadora de valores existenciais válidos.

Cada um destes três tópicos corresponde a um aspecto fundamental do processo educativo, que são o aspecto psicológico, o social e o moral.

Incutir uma escala de valores é muito menos importante do que transmitir através da educação a consciência do valor insubstituível da pessoa humana em si. Tratar uma criança como coisa, fazer dela saco de pancadas é o melhor meio de extinguir nela o sentido de sua própria dignidade. Apoiar este senso de dignidade na honra e nome da família é alimentar o orgulho em lugar de despertar o sadio sentimento de dignidade humana. O sentido de dignidade nada tem em comum com vaidade e pruridos de superioridade.

A educação dada em família ou é boa ou é má. O fulcro, o suporte da vida familiar é o amor gratuito.
Texto do livro “O FUTURO DA FAMÍLIA, Tendências e perspectivas” de Pe. J. Marcos Bach, sj


A FAMÍLIA POR NASCER

A família que vamos precisar, ainda não existe. Por ora não passa de ideal utópico. Os modelos existentes, o patriarcal, o doméstico e o atômico contêm elementos aproveitáveis, mas cada um deles por si é incapaz de prestar a uma humanidade mais evoluída a contribuição social que só ela é capaz de oferecer. Seria rematada estupidez pensar em substituir a família por outra instituição qualquer: política, ideológica ou religiosa.

Não se trata de substituir o que temos, de voltar à estaca zero e começar tudo de novo. Nem sequer basta contentar-se com uma síntese dos modelos existentes. É preciso ter a ousadia de pensar em algo de novo, em algo que pela primeira vez está procurando um lugar na história dos homens.

Utópica é toda realidade que ainda não encontrou um lugar (topos, em grego) na vida social humana, mas que o está procurando.

A família humana não é uma invenção da natureza, mas é obra do espírito humano. O tempo em que a luta pela vida se resumia na luta pela sobrevivência física e biológica está cedendo lugar a um outro tempo, o tempo da luta pela sobrevivência espiritual. É mais que evidente que o tipo de organização social centrado na luta pela sobrevivência física só pode dar origem a um modelo de organização familiar do mesmo tipo.

Hoje nos defrontamos com uma realidade em que a sobrevivência física é mais precária do que nunca. As armas nucleares nos deram de presente a possibilidade de nos autoextinguir como espécie biológica. Sem falar nas armas químicas e biológicas. A água que bebemos vem de longe e a comida que colocamos em nossas mesas não é fruto do nosso trabalho. Não foi produzida por nós, nem sequer por alguém que nos ama.

O ambiente urbano não é o mesmo que o ambiente rural. A maioria dos que vivem nas cidades é composta de pessoas que nasceram no campo e ainda trazem a roça em suas almas. Existe em suas consciências uma dicotomia, um fosso que as impede de encontrar a unidade interior. A necessidade as prende à cidade, mas a saudade as mantém presas ao mundo rural. Sentem-se deslocadas, divididas e incapazes de morar plenamente em si mesmas. “Quem quer ser normal deve saber morar, sem restrições, em si mesmo”, afirma Carl Gustav Jung.

Não são apenas os indivíduos que podem tornar-se esquizofrênicos, mas é possível que o mal atinja uma família inteira. É óbvio que não se pode esperar de uma família urbana o que se pode exigir de uma família campesina. O espaço de que pode dispor determina a amplitude maior ou menor da consciência de uma pessoa. Uma criança que pode percorrer livremente quilômetros quadrados de campo aberto só pode, quando adulto, ser totalmente diferente de uma criança condenada a passar a infância rodeada de paredes e de muros.

A despreocupação é fator essencial na vida de uma criança. Até na vida de um adulto a preocupação costuma ser mais nociva do que útil. “Não vos preocupeis com o dia de amanhã”, aconselha Jesus (Mt 6,34).

Se queremos que alguém aprenda a ser livre temos que oferecer-lhe um ambiente social que lhe permita sentir o gosto da liberdade. Medidas meramente restritivas e disciplinares só servem para desvirtuar o senso de liberdade.

Uma moral que se antecipa à decisão pessoal, não admitindo que a consciência do respectivo sujeito moral participe criativamente da formulação da norma ética, fica muito aquém e abaixo de tudo o que Cristo veio ensinar. A primeira liberdade é aquela que liberta o filho da dependência e da tutela do pai. A “Liberdade dos Filhos de Deus” (Gl 5,1 e 5,13) não é uma conquista do homem, mas uma dádiva divina. Todo método educativo que não contribui para despertar no educando o gosto pela liberdade é anticristão.
In: Manuscrito de Pe. J.Marcos Bach, sj



MATRIMÔNIO INDISSOLÚVEL     

Contraindo matrimônio, homem e mulher realizam um pacto que não envolve apenas o corpo, mas acima de tudo a alma de cada um. Os valores e interesses implicados no contrato não são apenas os de ordem jurídico-social.

O matrimônio cristão é considerado um sacramento, isto é, meio de santificação e de desenvolvimento espiritual. Não é uma lei que torna o matrimônio cristão indissolúvel, mas é o Amor Divino presente no amor humano que torna a este indissolúvel.

Um casal não pode pensar em separação porque ambos, marido e mulher, se “amarraram” um ao outro. Não se trata de saber se podem ou não separar novamente o que é fruto de um sim livremente dado. Tudo corre a contento enquanto o casal não quer outra coisa do que continuar unido. Atingido este ponto, o casamento se torna indissolúvel por sua própria consistência interior. Torna-se intrinsecamente indissolúvel. Deixa de ser uma obrigação moral e se transforma em “necessidade” psicológica! Só um grande amor é capaz de elevar um casamento a este nível de coesão interna! Não há lei nem decreto que tem este poder. Não há sabedoria de natureza jurídico-moral que consiga suprir a ausência deste grande amor, ao qual o apóstolo Paulo se refere, chamando-o de Magnum Mysterium.

É um Amor que não se aprende em escolas e sequer é necessário que alguém no-lo ensine, já que ele se encontra presente nos planos mais íntimos da nossa Consciência Total.

O bom companheiro não é o que vai à nossa frente, nem aquele que vem atrás, mas aquele que caminha a nosso lado, preferivelmente de “mãos dadas”.

Deus criou a mulher quando percebeu que o homem precisava de uma “companheira”, diz a Bíblia. Homem e mulher não foram criados por Deus para se completarem mutuamente. A relação sexual nada tem a ver com realização pessoal. Não é suficiente que se façam felizes um ao outro. No dia do casamento colocaram-se a serviço de um projeto muitíssimo mais amplo do que o da sua felicidade pessoal.

Quando dois átomos de hidrogênio se unem, liberam uma poderosa carga de energia. O mesmo acontece quando duas almas humanas se unem por um laço de amizade! Assim como cada átomo, também cada alma humana é dotada de uma energia muito mais explosiva e poderosa do que a energia atômica. Esta energia já existe no interior de cada um. Resta aprender como liberá-la!

“Vim para lançar fogo sobre a terra, e como desejaria que já estivesse aceso” (Lc 12,49). Onde topar hoje com este fogo abrasador do Amor de Cristo? Os Sumos Sacerdotes da Nova Aliança se encarregaram de recolhê-lo em seus turíbulos e lâmpadas sagradas! O fogo se apagou, mas os bombeiros continuam vigilantes e sempre prontos a apagar qualquer espécie de incêndio indesejado!

“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo 15,12). Jesus associa o testemunho de fé ao amor para com o próximo. Quem se encontra em melhores condições de dar este testemunho do que um casal cristão, do que um pai amoroso e uma mãe bem “brasileira”?

Texto de um manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, SJ – Dr. Em Teologia Moral.



O CASAMENTO CRISTÃO

Cristão de verdade é o casamento registrado a pedido dos noivos no cartório celestial. Foram os  noivos que escolheram a Cristo para ser o avalista de suas promessas e de suas juras de amor! Se não fizeram isso, seu casamento nada mais é do que um simples contrato social, tão repleto de falsas promessas e de expectativas temerárias quanto o de um pagão.

O jovem de hoje julga-se mais realista do que seus antepassados por ter reduzido a um mínimo o volume de expectativas ligadas à vida familiar. Se der certo, será ótimo! Não vou embalar-me em sonhos e expectativas ilusórias!

O amor romântico dos tempos de Romeu e Julieta cedeu lugar ao amor assanhado. Ser fã de um ídolo e desmaiar de amor só ao vê-lo de passagem: isso é o que sobrou! Amor e sexo fazem parte do estoque de artigos de consumo. Quanto mais barato o artigo e descartável a sua embalagem, tanto melhor. Pode haver algo de mais banal do que registro de casamento?

Antigamente era fácil registrar um casamento. O difícil era apagá-lo. Hoje um juiz passa mais tempo atendendo pedidos de divórcio do que pedidos de casamento.

A falsa crença de que o casamento e com ele o amor terminam com a morte, certamente tem contribuído para fragilizar o pacto matrimonial e abalar assim a solidez da comunidade familiar. Se o amor é eterno por essência, então são igualmente eternos e indestrutíveis os laços por ele gerados.

Um cristão tem toda a razão quando aposta no amor com a certeza de que não há negócio mais seguro e lucrativo do que investir no amor.

Como pode a família ser a “célula da sociedade” se sua vida útil termina muito antes da morte dos seus membros? O que resta da família concreta depois que os filhos saíram de casa e os pais ficaram sozinhos? Em muitos casos nem sequer a saudade permanece viva.

Uma das mais belas e consoladoras facetas da Esperança Cristã é o conceito de imortalidade. O amor é eterno, e tudo o que é ligado na terra com o laço do amor será também ligado no céu. Tudo o que for atado com o laço de um genuíno e sincero amor passa a fazer parte de um grande tesouro, propriedade e depósito bancário comum da humanidade inteira. 

Todas as obras, boas ou más, nos seguem, com exceção do que tivermos feito com amor. O amor nos precede e suas obras não constituem matéria de julgamento. Aqueles que, como Francisco de Assis e Teresinha de Lisieux, transformaram a sua vida num grandioso Hino de Amor, não serão julgados. O amor coloca aqueles que se amam acima e fora do alcance de julgamentos humanos e até o próprio Deus os isenta do juízo divino. O amor é a única moeda com que podemos pagar as nossas dívidas.

O mercador mercenário que só faz o que lhe pode trazer lucro e render dividendos só pode fechar o balanço da sua vida de mãos vazias, pois “já recebeu a paga por suas obras”. Isso tudo vale também para a vida de uma família e de uma comunidade.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach,SJ



A  FAMÍLIA  EDUCA

Os laços que ligam entre si os membros de uma família não são casuais nem passageiros. São transpessoais e transcendem o tempo de uma existência. É por isso que se pode construir com ela e sobre ela muito mais do que sobre qualquer outra instituição puramente humana. Só lá onde homem e mulher se unem para a tarefa de propagar a vida pode-se afirmar que existe família. E só onde existe este propósito pode-se dizer que existe espírito de família.

A palavra propagação da vida inclui a vida em sua totalidade e não apenas os aspectos físico-biológicos. Não basta criar um filho, é preciso educá-lo. Um lar é, acima de tudo, um educandário. Há lições que só a família consegue ensinar. Quanto mais cedo uma criança começa a aprender, tanto melhor! É no seio da família que se “aprende a aprender”! É lá que se desenvolve o gosto pelo saber e o germe de uma curiosidade intelectual que só se consegue despertar sentando no colo de uma mãe inteligente e de um pai tão curioso quanto o próprio filho.

Cria-se um filho atendendo a todas as suas necessidades físicas e mentais. Porém, o processo educativo vai muito mais longe. Consiste essencialmente em despertar na alma da criança o gosto pelo gesto gratuito.

Pobre e de futuro pouco promissor é a criança que é obrigada a dar sem receber nada em troca. Igualmente lamentável é a situação da criança que recebe tudo de graça sem a obrigação de corresponder. Como o amor é um caminho de mão dupla, é preciso que os que querem trilhá-lo sem tropeços, saibam dar e receber com a mesma elegância e desenvoltura. Uma criança obrigada a pedir esmola é um ser humano perdido pelo resto da vida. Nada mais indigno de um Filho de Deus do que ser tratado como mendigo.

Pobre daquele que só conhece o amor-esmola, o amor-caridade, o amor que se satisfaz com ceder parte das sobras em benefício de necessitados!

No campo do amor somos todos tão necessitados quanto devedores. Benfeitor da humanidade não é apenas o generoso doador, mas também aquele que sabe receber. Saber dar e saber receber: não é esta a única lição existencial verdadeiramente essencial da vida? Este é um aprendizado que só o ambiente familiar pode proporcionar.

In: Manuscrito de Pe. Marcos Bach, sj



NOVO TIPO HUMANO

                  “ONDE PESSOAS CONVIVEM EM AMOR, EXISTE FAMÍLIA”.

         “Homem e mulher inicialmente são como duas pedras preciosas não polidas.
         Ao se atritarem um com o outro, podem tornar-se dois brilhantes.
         Estes dois brilhantes, com o tempo, podem transformar-se em dois brilhantes-espelhos,
          onde é possível um se refletir no outro.
         Ao se enxergarem um no outro, começam a se mirar e a se admirar mutuamente.
         Chegando ao ponto de se contemplarem no que há de mais belo e gratificante,
         começarão a formar uma UNIDADE NOVA!
         Irresistíveis um ao outro como um ímã, se abraçarão num vigoroso e ardente AMOR!
         E neste estado de Santo Espírito, com corpo e alma integrados e irmanados,
         podem gerar, com muita alegria e felicidade, uma nova criatura,
        UM NOVO E MARAVILHOSO SER HUMANO!
        Nasce, assim, para o tempo e para a eternidade, a FAMÍLIA!
       A FAMÍLIA querida, desejada, e, sobretudo, a FAMÍLIA FELIZ”.
                                                                                     Mª Celia Bach                                                                                                                                                                                         

A criação de uma Universidade da   é uma necessidade urgente. Por duas razões:
   1ª) Porque a constituição da família é tarefa das mais descuradas. Neste terreno a improvisação é a regra.
    2ª) Porque a família é a única instituição com lugar assegurado no mundo futuro!

Em outros termos: “O sujeito da história será a comunidade, e não o indivíduo isolado”. E o núcleo de qualquer organismo comunitário será, sem dúvida, a família, entendendo-se por este termo um conjunto de pessoas convivendo juntas e repartindo entre si o acesso a um campo afetivo comum.

O conceito tradicional gira em torno da propagação e transmissão da vida biológica. Trata-se de uma função por demais limitada, mas que não pode ser abandonada.

As funções sociais e éticas que uma família pode desempenhar encontram-se atualmente espalhadas e exercidas por outros organismos sociais como a Escola e a Igreja, por exemplo. Não é o caso de fechar as escolas ou as igrejas, mas de restituir à família funções que sabe desempenhar seguramente bem melhor do que aquelas.

Educar uma criança é uma tarefa que exige tempo integral, muita dedicação e paciência, e acima de tudo, muito amor.

A creche não é, com certeza, o lugar ideal para se criar um novo ser humano! Colocar um grupo de crianças na dependência de profissionais, de “trabalhadores em educação”, é uma alternativa infeliz que não compensa o investimento requerido! Mas é, no momento, a única que resta a um casal, obrigado pelas circunstâncias, a trabalhar fora de casa. O fato de passarem o dia separados um do outro, certamente não favorece as relações afetivas entre marido e esposa.

Tudo continuará no mesmo pé se não mexermos na estrutura conceitual da família. O tipo de lar dormitório é por demais precário para resistir à ação desagregadora da entropia social. Mais discutível é sua capacidade de transformar-se em núcleo aglutinador de uma sociedade mais evoluída que a nossa. Para conseguir este último objetivo é necessário tirar o conceito de família do plano puramente biológico e biogenético e preparar-lhe um lugar na esfera noológica ou noogenética. É preciso transformá-la em Escola, “Schola Affectus”, e em Usina, usina de transformação energética e geradora de energias espirituais.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach,sj

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