RESPONSABILIDADE E DIREITOS
Onde não há espaço para a responsabilidade também não há
lugar para direitos. A necessidade sexual não é uma fatalidade ou força
irresistível. Muita gente confunde necessidade com vício. Acusam a moral de ser
muito severa. A culpa não é dela, mas deles mesmos. É a sua incapacidade de se
engajar em relacionamentos sexuais saudáveis e adultos que gera o problema.
Creio que não são maioria os que estão preparados para
enfrentar os desafios de uma vida conjugal sadia e normal. Quantos são os
casais que conhecem o caráter dialético da vida conjugal? A lei da distância,
tão importante em qualquer relação entre pessoas, quem sabe o que ela é?
Não sei se existe outro terreno mais exposto ao pecado, à
tentação e à irresponsabilidade do que o sexual. É lá que a extrema fragilidade
da condição humana se manifesta com mais violência. Por isso o patrono dos
moralistas católicos Santo Afonso de Ligori era de opinião de que não se devia
impor à consciência das pessoas o que elas não estão em condições de cumprir.
Por que acrescentar à carga de problemas de um casal mais este, o da
abstinência sexual? O bom diretor de consciência não é aquele que carrega nas
exigências da moral, mas aquele que sabe distinguir o que é possível, do que é
simplesmente inexequível.
O dever essencial de um diretor espiritual não é o de se
colocar em tudo do lado da lei moral. O contrário é que é verdadeiro. Seu dever
principal o obriga a se colocar de saída do lado do casal ou da pessoa. A
crença de que não é permitido dar um jeito na lei quando sua observância
estrita gera mais problemas do que benefícios, é falsa, como irei demonstrar
adiante. A salvação das almas e o bem-estar das pessoas é infinitamente mais
importante do que qualquer preceito moral.
É isso que está fazendo falta nos documentos da Igreja
católica: o respeito pelo primado da pessoa sobre a lei moral. É o casal que
vem em primeiro lugar. O resto é meio. Até o mais belo sistema moral não é mais
do que meio.
Mas, dirá alguém mais preocupado com o sistema do que com a
sorte das pessoas. Em questão de moral sempre existiram na Igreja católica duas
correntes extremadas, bem distantes uma da outra: a corrente rigorista e outra
mais liberal. O rigorista se inclina sempre para o lado da lei, antes de mais
nada. Favorece, de preferência, a interpretação mais literal e estrita do texto
da lei. O liberal, ao contrário, se inclina a uma interpretação da letra da
lei, tão benigna quanto possível. Tendo que escolher entre as exigências da lei
da vida e as da lei moral prefere a primeira. Estes últimos são acusados muitas
vezes de laxismo ético, isto é, de relaxados e propensos a favorecer a anarquia
no campo dos costumes.
Em nossos dias o problema mais sério já não se refere mais
à pílula, pois 90% das mulheres católicas optaram por ela na hora em que se
viram forçadas pelas circunstâncias a pensar em controle de nascimentos. Hoje o
símbolo da liberdade sexual é a “camisinha”. Ela, como o DIU, e outros fazem parte
dos assim chamados meios mecânicos de controle. A Igreja os condena por considerá-los
artificiais, e, por conseguinte, contrários à natureza e à lei natural. A
distinção entre o que é natural ou artificial me parece pouco importante quando
comparada com outra, que opõe entre si métodos estritamente contraceptivos dum
lado, e métodos abortivos do outro.
O aborto e tudo o que termina por provocá-lo não pode ser
classificado como meio de controlar a fertilidade. É infanticídio e não há como
justificá-lo, a menos que resulte de forma indireta e não intencional de uma
intervenção médica destinada a salvar a vida da mãe ou curá-la de uma doença
grave. Isso vale para todos os casos em que há urgência e o aborto é
inevitável.
A camisinha e outros são o sinal claro de que em matéria de
ética sexual a nossa sociedade atingiu o fundo do poço.
Vasectomia e ligadura de trompas só podem ser tolerados
como solução em casos extremos. Mas seria pecar por rigorismo exagerado afirmar
que se trata sempre de ato condenável, intrinsecamente mau e que por isso não
admite exceção. Se assim fosse, a doação de órgãos inter vivos teria que ser rejeitada como ação intrinsecamente má
que envolve a mutilação. Se o objetivo é salvar a vida de alguém ou se o que se
intenciona é salvar um casamento, isso pouca diferença faz. Estou falando de
casos extremos. Em hipótese alguma estou dando apoio à maneira leviana com que
se facilita a esterilização. Quem paga o pato nestes casos é a mulher, a mulher
pobre e de cor, para ser mais preciso.
O que pensar das vacinas destinadas a provocar em homens ou
em mulheres a esterilidade temporária? Representam, na minha opinião, um
progresso que não deveria ser condenado a
priori como imoral. A própria natureza se encarrega de proporcionar à
mulher períodos mais ou menos prolongados de esterilidade. Por que o homem não
pode imitar, completar e melhorar a obra da natureza? Não é para isso que o
Criador lhe deu a razão e a inteligência? Uma vacina destinada a bloquear a
ovulação ou a produção de espermatozóides teria sobre os demais métodos todos a
vantagem de ser bem mais simples, eficaz e seguro.
A Igreja católica não é a única instituição com direito à
última palavra em assuntos de planejamento familiar. De mais a mais, esta é uma
questão que não pode ser arbitrada apenas por autoridades e de cima para baixo.
Não consta que nesta matéria Deus tenha algum compromisso especial com o
Vaticano.
O grande debate envolvendo todas as partes interessadas
ainda não aconteceu. A ONU não é a instituição mais indicada para promovê-lo. O
Vaticano também não entra em questão por causa do modo unilateral e
apriorístico com que trata o assunto. Num fórum internacional de planejamento
familiar o pensamento católico seria bem melhor representado por uma equipe de
casais do que por meia dúzia de monsenhores e peritos do Vaticano.
O que todo casal cristão deveria ter sempre presente é o
seguinte: o matrimônio cristão já não é mais um mero contrato social, mas é
muito mais do que um modo que a sociedade encontrou para regular a vida sexual
de seus membros. A vida conjugal, ou o casal a vive sob o signo da esperança,
ou então vai ter que contentar-se com a pequena e precária felicidade de um
gentio. Esperança é sinônimo de fé na imortalidade e na vida eterna. O tempo,
em vez de ameaçar o futuro, trabalha em seu favor. O caminho já não conduz a
uma morte inexorável, mas a uma plenitude de vida da qual cada passo, cada
gesto de amor e cada lágrima derramada é momento antecipado de uma Felicidade
Eterna. Neste contexto o tempo já não trabalha mais contra o amor, mas a seu
favor.
Padre Marcos Bach
REALIDADE MALEÁVEL PORQUE DINÂMICA
A moral católica dá a impressão de ser mais severa que a de
outras religiões ou Igrejas. Ao menos a moral sexual que propõe, tem esta fama.
A verdade é que o modo como a Igreja católica formula a sua
proposta moral não é muito feliz. Os termos em que é formulada poderiam ser
muito mais propositivos e menos impositivos. O caráter normativo da moral não
precisa ser expresso na forma de um decreto. Uma norma moral não é uma lei que
não admite exceções. Já Santo Tomás de Aquino opunha à Lex Moralis a Lex Vitae.
A vida humana e a vida cristã em particular, é uma escola.
É em confronto com situações concretas que Deus manifesta sua vontade. Por isso
a doutrina moral da Igreja não tem condições de responder a todas as
necessidades de um casal, por exemplo. Há situações em que a aplicação pura e
simples de uma norma teoricamente correta seria contra indicada.
A realidade é maleável porque é dinâmica. Um sistema
ético-moral rígido, feito de regras que
não admitem exceção, não combina com a Lei da Vida, pois a parte melhor da vida
humana é feita de surpresas, isto é, de exceções. A regra é como o esqueleto:
necessário, mas incapaz por si de pôr um corpo em movimento. A elasticidade
produzida por músculos é muito mais importante do que a estrutura óssea.
Esta é uma verdade essencial quando se trata de avaliar o
desempenho moral de uma pessoa. Dirigir um avião supersônico ou um carro de
corrida exige do piloto duas coisas essenciais: preparo adequado e um veículo
apropriado.
Em assuntos de ética sexual não temos nem um coisa, nem
outra. Nossos jovens estão sendo preparados para tudo, menos para voar a
grandes alturas ou a grandes velocidades. Nossa moral sexual foi elaborada por
homens celibatários que, ao menos em teoria, só conhecem um tipo de experiência
sexual: a abstinência. O desejo sexual não satisfeito se parece com uma panela
de pressão: pode explodir a qualquer hora!
Nossa moral sexual foi arquitetada por homens que têm medo
do sexo. Este medo os impeliu ao rigor e à severidade, onde toda altitude não é
necessária. O medroso projeta seus receios sobre outros. Um celibatário é
levado a crer que os casados têm os mesmos problemas sexuais que ele. Pode
julgar que todo o mundo é tentado pelo demônio como ele o é.
A carne é fraca, dizem. Esquecem um detalhe psicológico
importante: a carne passa a tornar-se cada vez mais fraca à medida em que for
frustrada em seu desejo. Para baixar a febre do desejo não basta a continência
pura e simples. A atividade sexual por si só também é incapaz de diminuir a
ameaça de incêndio. Curtos circuitos são ameaça que ronda tanto a vida de um
clérigo quanto a de casados.
A tentação não é necessariamente sinal de fraqueza moral.
Aos verdadeiramente fracos o demônio da luxúria não tenta, porque já os traz em
sua rede. A tentação sempre se dirige aos que ainda não capitularam. A tentação
é a homenagem que o vício presta à virtude. O ideal não é a paz do cemitério,
mas o júbilo da vitória.
É esta visão otimista que falta à moral cristã, em
geral. Insistimos por demais em ligar sexo com pecado. Em lugar de ver nele uma
ponte que leva do instinto ao Amor.
Padre Marcos Bach
NOVA ÉTICA SEXUAL COM NOVA IMAGEM DE DEUS
No bojo das mudanças imprescindíveis e
insubstituíveis encontra-se a necessidade de uma Nova Ética Sexual e de uma
Nova Imagem de Deus.
Não sei se o leitor benévolo dessas linhas já leu e
meditou o Cântico dos Cânticos, livro sagrado tanto do Antigo como do Novo
Testamento.
O Cântico dos Cânticos
exala o perfume do amor virginal, do amor romântico não contaminado pelo
pecado.
Um Compêndio de Moral católica, ao contrário, encara
o campo das relações sexuais como área não redimida, onde a tentação ainda é
sempre mais forte do que a graça divina. Não resta a menor dúvida: o futuro
espiritual da humanidade vai depender essencialmente do modo como homens e
mulheres vierem a se relacionar entre si. Isto significa que é preciso tirar a
mulher do ostracismo sociocultural em que é obrigada a vegetar.
Só quem não pensa mais longe do que o tamanho do seu
nariz pode ignorar ou menosprezar a presença de Jesus na História dos homens.
Jesus não é um personagem puramente histórico que
assumiu em relação aos homens um papel semelhante ao que os ingleses assumiram
na Índia.
Jesus não é um personagem meramente histórico. Sua
presença na História dos Homens é anterior a Moisés. E até mesmo anterior à
figura do Jesus histórico.
Quando Jesus nasceu em
Belém desencadeou forças que já tinham conduzido a humanidade a um patamar
religioso de altíssimo nível. Jesus não veio movido pela intenção de substituir
um tipo humano por outro. O “Novo Homem” ao qual Jesus se refere seguidamente
(Jo 3,3) é realmente uma “nova criatura” (II Cor 5,17).
A transição do Homo
Sapiens para o Homem Novo
idealizado por Cristo vai muito além dos limites de uma mudança meramente
quantitativa. O projeto messiânico de Cristo visa e tem por alvo a criação de
uma nova espécie humana. A distância que nos separa de um chimpanzé bonobo é
quase nula em comparação com a distância que em termos evolutivos nos separa da
“nova espécie humana”, o Homo Christico
de Teilhard, encarregado e incumbido da tarefa de assumir a responsabilidade
pela evolução futura da humanidade. Este futuro só pode ser absurdamente
diferente de tudo o que a humanidade já realizou até hoje. Ainda hoje predomina
em toda parte a voz dos que têm a capacidade humana de criar problemas e igualmente
a capacidade de solucioná-los.
Quando Jesus declarou: “Sem mim nada podeis fazer”
(Jo 15,5), disse a mais pura das verdades!
Somos mestres na hora de fazer as coisas da maneira
mais errada possível. Na hora de corrigir os erros e de reparar o mal feito
passamos meses discutindo sem avançar do lugar. Somos mestres na arte de
complicar as coisas.
O déspota simplifica tudo quando determina: “quem
manda aqui sou eu” e, “sem mim nada podeis fazer”. É certo que sem Cristo nada
podemos fazer. Mas é igualmente certo que sem nós Cristo torna-se tão impotente
quanto nós!
Padre Marcos Bach
QUANDO O AMOR SE ESTABELECE
Hoje é comum citar a
autenticidade como marca registrada do jovem. Em nome desta autenticidade o
jovem passa a cultuar como forma superior de comportamento sexual um
permissivismo amoral de rédeas soltas. Constrói para si uma filosofia cômoda
segundo a qual o amor se liga, automaticamente, à atividade sexual.
Quando um rapaz e uma
moça cedem ao desejo, o que fazem é amor. Fazer o amor e manter uma relação
sexual é a mesma coisa. Nenhum esforço é necessário e nenhum raciocínio tem
lugar numa relação assim concebida.
Um dia o amor morre e
com ele a autenticidade do relacionamento íntimo. A continuação da relação nada
mais seria do que mentira e hipocrisia. Por isso a separação se impõe em nome
da honestidade moral. Aberto está o caminho para uma nova relação, um novo
amor. Aos poucos o próprio jovem se dá conta do vazio de uma vida sexual
eternamente precária.
Se a fidelidade garante
e gera facilmente um falso sentido de segurança, a ausência daquela e a ameaça
contínua da infidelidade potencial cria um estado de espírito próximo da
neurose.
No campo sexual nada
dura a não ser aquilo que se cultiva com a intenção de que venha a fazer parte
da eternidade reservada ao amor, quando é autêntico. Não se pode falar
honestamente em autenticidade, quando se confunde paixão com amor. A realização
do amor exige outro nível, de natureza superior. A paixão pertence por si ao
mundo pré-moral e, portanto, pré-humano. O amor faz parte de outro totalmente
diferente: o mundo moral e religioso.
A paixão pode levar a
formas de servidão e de abdicação da liberdade pessoal, a que o amor jamais se
presta, quando é autêntico. O amor se expressa sob a forma de serviço. Jamais
sob a forma de servidão. A fórmula: “escravo do amor” é capciosa e falaz. O
amor não escraviza. O que pode escravizar é a paixão sem amor. Pode haver
paixão sem amor, mas não pode haver amor sem paixão.
A caridade operosa é
ambígua. Bem pode a operosidade estar a encobrir a falta de caridade, assim
como a agitação febril pode estar a serviço exclusivo da ganância, sem a mínima
relação com o espírito cristão de trabalho. A caridade cristã sofreu e ainda
continua sofrendo as consequências deste processo de esvaziamento erótico e
passional.
Enquanto os jovens
“fazem amor” nos cantos das ruas e no assento do carro, há homens e mulheres
que se dedicam a praticar a caridade em hospitais e orfanatos. O grande
sacrificado em ambos os casos é o amor.
Nada há que envolva e
comprometa mais duas pessoas do que o amor. A paixão tende à posse, mas foge do
compromisso. Por estar tão profundamente ligada ao amor-paixão, a sexualidade é
o lugar predestinado do compromisso. Mas é paradoxalmente o lugar privilegiado
da espontaneidade do gesto gratuito e livre. O que torna tão difícil a
compreensão da dinâmica sexual é justamente este traço dialético da
sexualidade.
Dum lado, sob o ângulo
da moral convencional, notamos o esforço de garantir por todos os meios a
indissolubilidade do matrimônio. Do outro lado, o do amoralismo liberal,
verifica-se o cuidado de não fechar em definitivo nenhuma porta. E isso tudo em
nome da ordem e/ou da liberdade.
Para uns o casamento só
oferece uma única porta, a da entrada. Ninguém é obrigado a entrar, mas depois
que entrou, não pode mais sair dele: está condenado à fidelidade até a morte.
Nota-se por outro lado o pavor quase neurótico que tal visão do casamento
costuma inspirar ao jovem do ambiente urbano.
Metido contra a sua
vontade em tantas camisas-de-força, não está disposto a meter-se em mais outra,
no caso o casamento.
Onde a cidade se transformou em jaula, não se pode exigir
dos seus moradores, ainda em condições de optar, que se metam em mais uma, a
jaula dourada do casamento.
Onde o sistema político e o modelo econômico não
reservam um mínimo de espaço à livre participação, é temerário exigir do jovem
marido ou esposa o comportamento moral que a sociedade teima em lhes impor em
nome de Deus ou, então, em nome da decência, ou outra coisa parecida.
Onde a
própria religião se prende mais a fórmulas doutrinárias estabelecidas do que ao sopro
da História, não há como cavar um leito seguro para as águas vivas que jorram
por toda a parte do costado da rocha até o leito lodoso do pantanal.
O amor ou é livre ou o
que leva o seu nome nada tem a ver com ele. A sexualidade é humana a partir do
ponto em que emerge da rigidez dos determinismos para a fluidez plástica da
liberdade. No ponto em que se liberta da lei e da natureza, a sexualidade
humana se emancipa da servidão biológica para se transformar em sacramento de
comunhão, em matriz do amor.
Padre Marcos Bach
O CARÁTER INTRINSECAMENTE ESPIRITUAL DA SEXUALIDADE
Entre seres humanos o impulso
sexual se manifesta como necessidade
psico-fisiológica e como necessidade
espiritual. Como desejo de prazer
e como desejo de amor! Como ânsia de
se realizar e de se encontrar consigo
e simultaneamente como ânsia de se perder
no amor de outro!
Este fato confere a toda
relação sexual um caráter ambíguo de conquista
e de perda. O desejo sexual é violento e impetuoso. Entregar-se a ele
é o mesmo que perder por uns instantes o autodomínio e a liberdade. O prazer
sexual aproxima a pessoa do animal que ela ainda continua sendo. Por isso o
prazer sexual devolve as pessoas a um estágio evolutivo bem mais primitivo do
que o estágio que a humanidade atingiu em outras áreas.
Certo pudor de natureza
espiritual levou a humanidade a fazer da atividade sexual uma ocupação
tipicamente noturna. Na atividade sexual humana entra em ação um elemento novo
que em certa medida se opõe à selvageria do desejo. Este elemento é o amor.
O amor não é inimigo do
prazer, mas se destina a humanizá-lo. É o amor que dignifica e humaniza uma
relação sexual entre homem e mulher. Perde seu tempo e seu latim o casal que só
se preocupa com a qualidade e intensidade do seu prazer. Só o amor mútuo pode
devolver a uma relação sexual um prazer digno de seres racionais.
Isolar o prazer do amor
é tão insensato quanto isolar o amor do prazer! No convento nos deparamos com
pessoas que praticam um amor sem prazer. No mundo da prostituição a regra é o
prazer sem amor! No convento é proibido um membro da comunidade se apaixonar
por pessoa do outro sexo. Num prostíbulo toda prostituta é proibida de se
apaixonar por um dos seus muitos fregueses. Daí dá para concluir que a
distância que separa um convento de um prostíbulo é muito pequena. Onde o
prazer é proibido o amor também é proibido. E onde o amor é proibido só pode
haver espaço para as formas mais selvagens e as manifestações mais primitivas e
animalescas do prazer sexual. O grande desafio à espera de solução é o
seguinte: como levar um número crescente
de pessoas a uma vida que seja ao mesmo tempo extremamente prazerosa e do mais
elevado nível psicomoral.
José Marcos Bach
VERDADES ETERNAS E EFÊMERAS
A verdade não resulta da composição pacífica de
pensamentos logicamente coerentes e de ideias bem comportadas. O erro e a
mentira também contribuem para o triunfo da verdade.
Existem verdades eternas, mas a maioria de nossas
verdades não são eternas, são contingentes e não absolutas, efêmeras e
imperfeitas.
Híbrido é todo pensamento que confunde verdade
absoluta com uma determinada soma de verdades menores. Não sei se existe
terreno em que a “Hybris” tenha
semeado mais confusão e feito mais estragos do que o do relacionamento sexual
humano. As mulheres não sabem o que pensar dos homens. E estes andam ainda mais
confusos em relação a suas “caras metades”. Esta é uma situação extremamente
desagradável, mas absolutamente necessária se queremos sair desta “briga” pela
porta da frente. Não se faz bom vinho sem triturar uvas.
No terreno da ética
sexual não há animal que nos possa ensinar algo de aproveitável. A chamada “Lei
Natural”, à qual os papas da Igreja católica atribuem capital importância, só
apareceu em época tardia no contexto cultural grego. Foi Aristóteles, que em
oposição a seu mestre Platão, apelou para um poder normativo que até então fora
reservado a Deus ou aos deuses.
Eros, a centelha que ilumina e aquece duas almas que
se amam, é de origem divina, ensina Platão. Aristóteles e Tomás de Aquino
depois dele, nos remetem ao animal e à Physis,
a mãe natureza, quando lhes pedimos lições de moral. A autoridade máxima da
Igreja católica faz o mesmo quando o assunto se relaciona com planejamento
familiar. É através do intercurso genital que um casal “consuma” o seu
matrimônio: é o que nos ensina o Codex
Juris Canonici. Um simples ato físico basta para elevar à sua plenitude um
compromisso sacramental. A ênfase dada aos aspectos físico-fisiológicos do amor
matrimonial representa um desvio e uma distorção que o pensamento de Cristo
ainda não conseguiu sanar.
O que nossos catecismos e nossa pastoral da família
estão oferecendo como alimento à juventude perplexa carece de base e não é
confiável porque continua tratando espírito e matéria, corpo e alma, como se
uma pudesse existir sem a outra e como se uma das duas dimensões do mundo
criado por Deus pudesse ser compreendida e explicada sem a outra.
“A essência da matéria é espiritual”, declarou
Einstein. Se isto é verdade, então é permitido dizer que a essência de toda
realidade espiritual é material. No universo em que vivemos não dá para separar
espírito e matéria sem destruir a ambos, pois são aspectos diferenciados da mesma
realidade total. Enquanto um desce o outro sobe. Do encontro de ambos resulta o
homem, um ser material em sua origem, porém espiritual em seu destino último.
Uma criatura de Deus chamada a se tornar criadora, co-criadora com o Criador.
Padre Marcos Bach
ÉTICA E ESPIRITUALIDADE
A relação sexual envolve tanto a dimensão material do
homem quanto a sua natureza espiritual. Na prática os aspectos “espirituais”
ficaram reduzidos à conformidade com as “normas da moral”.
A atividade sexual em si não tinha valor “religioso”
próprio. Os aspectos “espirituais” e o sentido religioso lhe vinham de fora,
através da “reta intenção” e de práticas de piedade.
Do trabalho se dizia que ele tinha valor de “oração”.
Do ato conjugal ninguém ousou afirmar o mesmo! Esta resistência à ideia de
associar a atividade sexual ao Amor divino ainda persiste e é responsável pelo
fraco desempenho de movimentos dedicados à promoção espiritual da vida
matrimonial.
Um dos grandes feitos da moderna ciência é ter posto
fora de combate o preconceito de que matéria e espírito são “rivais”. Para que
um saia vitorioso é preciso que o outro seja vencido! No terreno sexual isto
queria dizer que os “desejos da carne” tinham que ser sufocados! A
“mortificação” do corpo e dos sentidos era vista como pré-condição para
assegurar a vitória do espírito sobre a matéria.
Para sorte nossa, os cientistas modernos estão a
oferecer-nos outra “visão” do Universo. Segundo esta cosmovisão, espírito e
matéria são dimensões “convergentes” de uma realidade mais ampla.
“A essência da matéria é espiritual”! Com esta
afirmação Einstein definiu de modo bem claro que a relação dialética entre
espírito e matéria não é mais compatível com a cosmovisão “dualista” de Newton.
Segundo a mesma linha de raciocínio, se poderia afirmar que “a essência da
sexualidade é espiritual”! Já não é mais permitido a um moralista bem informado
confundir fisiologia com ética! Não são os determinismos fisiológicos que
determinam o valor “ético” de uma conduta sexual. Não é o destino do sêmen
masculino que determina a liceidade de um ato sexual. Nem o destino de um óvulo
possui este privilégio. A “moralidade” de um ato sexual depende de muitos
outros fatores que não o puramente “procriativo”!
O chamado “Sermão da Montanha” de Jesus representa o
que se poderia definir como Carta Magna do cristianismo. Não só o seu conteúdo
é originalíssimo, mas também o método de expressão e o tipo de linguagem
empregada são muito diferentes do modo como os legisladores de todos os tempos
costumam dirigir-se ao povo.
O Sermão da Montanha não é um conjunto de normas ou
de preceitos. É apenas uma súmula de “conselhos”. Os chamados “conselhos
evangélicos” obedecem ao mesmo princípio: “se quiseres ser perfeito, vai e
vende o que tens... (Mt 19,21). São dois níveis bem diferentes, o do preceito e
o do conselho! O preceito é impositivo. Não deixa à vontade espaço para outra
opção que não a obediência. O conselho é sugestivo, convida, mas não impõe!
Um dos defeitos mais sérios da Moral católica é o
modo como nela tudo é expresso em forma de lei, de norma, de obrigação. O amor
conjugal não é mais um ideal a ser perseguido, mas um dever a ser cumprido! Até
a chamada “vida religiosa” foi submetida a “regras”. Também lá pouco espaço
restou para formas alternativas de aspirar à perfeição e de praticar o amor
como Cristo o praticou.
Padre Marcos Bach
POR QUE CULTIVAR “UM GRANDE AMOR”
O desejo sexual admite níveis que vão da “fome” até o
“êxtase”, da luxúria desbragada até o “idílio amoroso”. O desejo de Holofernes
era do nível que leva ainda hoje muitos “homens” aos braços de uma prostituta.
A necessidade de “descarregar” a tensão sexual de maneira “civilizada” e
socialmente “tolerável”, serve de justificativa tanto para institucionalizar a
prática do “meretrício” quanto o próprio matrimônio. Quando a Moral católica
enumera entre os “fins” do matrimônio a “sedatio
concupiscentiae”, nada mais faz do que colocar a “comunhão conjugal” num
plano muito próximo do “meretrício”.
Quem faz do “usus
venereorum” um “remedium
concupiscentiae”, um ato de “descarga fisiológica”, não entendeu em
absoluto o que Cristo veio “acrescentar” ao impulso sexual humano. Um homem
cristão não pode contentar-se com “ver” a mulher com os olhos de um Holofernes
ou de um Casanova. “Qual o proveito que o convício com esta mulher (ou com este
homem) me pode proporcionar? Qual a “utilidade” que ela (ou ele) me pode
oferecer?
Nosso mundo ocidental é extremamente “utilitarista”.
Queremos colher “resultados”! Somos “investidores”: só colocamos nosso
“dinheirinho” lá onde a perspectiva de “lucro” é mais promissora! Só nos
relacionamos com pessoas quando este relacionamento pode “acrescentar” algo de
importante ao nosso “status social”!
Na maioria dos casos, o casamento e o intercurso
sexual não resulta do encontro amoroso de dois “espíritos”, mas do “cálculo” de
dois “egoístas”, cada qual pensando mais em si que no outro. Estamos longe de
ver no intercâmbio sexual uma experiência espiritual e mística do mais alto
nível.
A Moral Sexual católica muito tem contribuído para
este deprimente estado de coisas! Ao definir a abstinência sexual como a forma
mais perfeita de castidade, e envolvendo o celibato com a aura de
“superioridade moral”, a Igreja católica rebaixou, sem o querer, a vida
matrimonial a um plano aviltado que em nada condiz com a sua dignidade de
grande mistério (Ef 5,32).
O amor deixou de ser a “alma” e a razão de ser do
matrimônio entre cristãos, e teve que ceder o seu lugar ao “dever conjugal”. O
próprio matrimônio foi rebaixado à condição de “contrato”.
Um “grande amor”, onde encontrá-lo? Na vida de um
Padre Pio, de uma Teresa de Calcutá? É lá fora, em claustros e mosteiros que o
papa vai à procura de candidatos ao “boom”
de canonizações com que procura demonstrar que a Igreja continua “Santa”.
O matrimônio inclui o sexo! É este o seu “grande
defeito”! Acontece que o “contato sexual” continua sujeito às consequências do
“pecado original”. É uma área que ainda não foi integrada no processo
“salvífico” de Cristo, na medida em que o foi o exercício da autoridade, para
citar um exemplo. Um “grande amor” é algo tão raro, que Albert Camus chegou à
conclusão de que em cada século só havia lugar para dois ou três, no máximo.
A meticulosidade com que os Compêndios de Moral
entram em detalhes fornece a prova de que seus autores eram mais “peritos” do
que “cristãos”. Quem precisa de um “poderoso guarda-chuva moral” para sentir-se
bem abrigado, é aquele que não tem fé nem em si, nem no(a) companheiro(a), nem
no Criador! A dimensão “mística” da vida matrimonial cristã é tema que ainda
não encontrou o seu “Copérnico” ou seu “Einstein”!
Padre Marcos Bach
SEXO E AMOR
O impulso sexual não é uma obra do diabo. Zoroastro,
um mestre religioso da antiga Pérsia, atribuía a um “demiurgo”, adversário do
Criador, a criação do corpo material e com ele também do sexo.
O sexo e tudo o que com ele se relaciona é, portanto,
obra de um “semideus invejoso”. Seu propósito era tirá-lo da esfera puramente
espiritual e prendê-lo à matéria. A abstinência sexual total era a única
maneira de retornar ao estado inicial de pureza espiritual.
Existe, de acordo com esta doutrina, um antagonismo
irreconciliável entre espírito e matéria, entre alma e corpo, entre sexo e
pureza. No pensamento do apóstolo Paulo, como no de Santo Agostinho, podemos
encontrar reflexos desta visão da realidade sexual. Santo Agostinho foi durante
algum tempo adepto da seita “maniqueísta”. Convertido ao cristianismo,
abandonou o maniqueísmo, mas levou consigo boa parte do espírito pessimista
próprio da seita. Foi no terreno da moral sexual que este pessimismo continua
até hoje fazendo os piores estragos. Esta desconfiança sistemática para com a
sexualidade humana não é inspirada pela fé em Cristo. A Bíblia do Antigo
Testamento diz que Adão e Eva foram criados à imagem e semelhança de seu
Criador. Depois de ter criado o homem, Deus passou em revista a sua obra “e viu
que tudo o que tinha feito, era bom” (Gn 1,31).
“Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Não são
os predicados sexuais que rebaixam a condição humana e impedem o
desenvolvimento espiritual da humanidade! Jesus, assumindo a natureza humana,
assumiu também a sua condição sexual. “Jesus foi homem em tudo igual aos outros
homens, menos no pecado”, ensina o apóstolo Paulo.
Ao “divinizar” a natureza humana, Jesus dignificou
também a sexualidade. Ele não se envergonhou do seu corpo. Não sei de passagem
alguma dos Evangelhos que autorize qualquer atitude “sexofóbica”. Os autores
bíblicos que nos relatam as circunstâncias em que Deus criou o primeiro casal “Sapiens” da nossa espécie, nada sabiam a
respeito da natureza “trinitária” de Deus. Se o sabiam, não o mencionam.
Nós, cristãos, sabemos que este Senhor, que se
compadeceu da solidão do primeiro homem, não era Ele mesmo um “solitário”.
Nossa fé nos ensina que este Deus subsiste em três Pessoas. Até no seio do Deus
Uno e Trino há espaço para diferenças.
Tudo em Deus é comum às três Pessoas, mas cada uma
delas possui um modo próprio de realizar sua condição divina. É esta maneira
“solidária” de ser e de viver a vida divina que encontramos em Deus, que
constitui também a essência do amor conjugal. É em relação ao Mistério
Trinitário que o matrimônio cristão deve ser entendido. Uma teologia da
sexualidade só merece este nome e será “teológica” somente sob esta condição:
se apresentar a vida sexual humana como reflexo e como participação da vida do
próprio Deus!
Por não encontrarmos em nossos compêndios e nas
encíclicas papais esta conexão íntima e misteriosamente profunda entre o Amor
de Deus e o Amor humano, é que com razão se pode dizer que “nosotros no tenemos una teologia de la
sexualidad” (Padre Fabri). Grande parte da “pobreza” de nossos compêndios
de moral vem daí: não possuem base teológica!
Padre Marcos Bach
“VOX POPULI, VOX ECCLESIAE”
Não resta dúvida: no campo da ética sexual chegamos a
um impasse! Se continuarmos a impor como “normal” o tipo de comportamento
sexual patrocinado pelos compêndios de moral, é provável que a “turbulência”
reinante neste terreno só irá aumentar de intensidade. Não dá para continuar
apontando na mesma direção! Não é mais permitido prender a consciência de um
cristão a imperativos e valores ligados a seu passado histórico e a uma visão
antropológica “fisicista”. É preciso colocar a “escatologia” no lugar do culto
da “tradição”. É bem pouco o que o passado histórico tem a oferecer em
comparação com o que ainda não foi realizado, mas já se encontra presente na
Esperança Cristã.
Como cristão tenho a certeza de que “aquele que começou
a boa obra em mim também saberá como completá-la” (Fl 1,6). “Minha tarefa é
começar! Cabe a Deus concluir a obra começada” (São Francisco de Sales).
Não basta dar o pontapé inicial. É preciso começar de
maneira tal que Deus tenha o que completar! É evidente que o Espírito Santo não
se vai envolver com qualquer “projeto pastoral” ou iniciativa bem intencionada.
Faz parte da sabedoria de Deus não “embarcar em qualquer canoa”.
Numa corrida de Fórmula Um a vitória não pertence ao
que largou na “pole position”. O
próprio Apóstolo Paulo compara a vida cristã a uma “corrida”. “Cursum consummavi”: “Concluí a corrida”
(I Cor 9,24).
Quem se mete a correr tem pressa e vive sob o signo
da urgência, como Cristo a viveu. Olhava para o seu futuro como quem tem
pressa. Pressa em chegar ao termo e colher o fruto da sua fé e do seu esforço
moral.
A moral tradicional se preocupa mais com o “bom
comportamento” do que com a “boa velocidade” dos membros da comunidade de fé. A
atitude “conservadora” tem seus méritos, mas somente se demonstrar tanto
interesse pela “conservação” da estrada e pela qualidade dos “veículos” que por
ela circulam quanto pela idoneidade dos motoristas. Será que uma Igreja que não
pensa em mudar-se a si mesma pode reclamar para si um lugar de respeito numa
sociedade convulsionada como a atual?
O primeiro dever de quem prega o Evangelho de Cristo
consiste em ser “coerente” com o que prega! A quem prega uma coisa, mas pratica
o seu oposto, pode-se aplicar o ditado popular: “Bem prega Frei Tomás, fazei o
que ele diz, mas não façais o que ele faz”!
Quando um homem revestido em liberdade; quando este
mesmo homem submete seus auxiliares mais diretos à lei do celibato, dá para
desconfiar da sinceridade do seu discurso quando fala em amor!
Nós, católicos, temos que nos haver com um discurso
oficial da nossa Igreja, proferido em nome de Deus, que, além de não se
inspirar na mensagem de Cristo, não coere nem com os fatos e menos ainda com o
que sobre este assunto pensa o “Povo de Deus”.
Pio XII declarou a opinião pública como elemento
constitutivo da “voz da Igreja”. “Vox
populi, vox Dei”, reza um ditado.
Falta completá-lo: “Vox populi, vox
ecclesiae”.
Quando a sabedoria dos “pequeninos e humildes” vier a
ter o mesmo peso que a voz dos “pastores” da Igreja, haverá esperança de que
venhamos a ter uma moral mais afinada com o sentimento do povo cristão. Grande
parte do que se pode encontrar num compêndio de moral católico é constituído de
dispositivos jurídicos. A argumentação obedece a critérios filosóficos. A
contribuição das modernas “ciências” do homem e da natureza ainda não
encontraram espaço no pensamento “oficial” das Igrejas cristãs.
No campo da sexualidade está por acontecer uma
verdadeira “revolução copernicana”. Mulheres lotam as universidades. No Brasil
estão se preparando para entrar na política. Com a presença de mulheres jovens,
belas e inteligentes, o cenário político está ficando mais “charmoso” e mais
“educado”. A ausência da mulher nas esferas dirigentes das Igrejas cristãs em geral,
e da católica, em especial, é um fato extremamente lamentável. Prejudica a
Igreja toda, os homens mais que as mulheres, pois homem que não sabe conviver
com mulheres em pé de igualdade, não é homem, por mais “machista” que seja o
seu comportamento!
“Nosotros no
tenemos una teologia de la sexualidad”. Foi com estas palavras que um padre
jesuíta argentino abriu um “Seminário” sobre aspectos problemáticos da conduta
sexual moderna. O que ele disse nada mais é do que a pura verdade!
Padre Marcos Bach
MATURIDADE ÉTICA
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos revelou que o número
de americanos moralmente adultos não ultrapassa a casa dos l5%. Bernard Shaw já
dizia que 5% da humanidade pensa; que 10% pensa que pensa, e que os restantes
85% preferem morrer a ter que pensar.
Humor à parte e descontada uma dose inevitável de exagero e
pessimismo, a verdade parece estar do lado desses números. A maturidade moral
não parece constituir o lado forte do homem moderno. Em que um casal europeu ou
americano difere de um casal indiano ou chinês em termos de consciência moral?
Ora, se a maturidade moral é fenômeno raro, entende-se porque o Papa Bento XVI
em sua encíclica moral (Veritatis
Splendor) resiste à ideia de fazer do planejamento familiar uma questão de
consciência. Se o número de casais moralmente adultos é tão reduzido como os
fatos estão a sugerir, então é realmente temerário confiar à consciência do
casal a responsabilidade exclusiva pelo que faz ou pretende fazer.
O tom das encíclicas
papais dá a entender que elas se destinam a pessoas que ainda necessitam do
pulso firme e da ordem perentória de um pai solícito, no caso o Papa. Os que
não estão em condições de encontrar por si mesmos a solução correta, fazem mal
quando ignoram a voz do Papa e o ensinamento da Igreja. Mas aqueles que se
podem considerar de posse de uma consciência adulta o suficiente para não
precisar da ajuda de muletas morais, não só podem, mas têm a obrigação de
assumir a plena responsabilidade pelo que fazem. Esta obrigação também se
estende ao planejamento familiar.
Um axioma jurídico diz: “Abusus non tollit usum”. O abuso não justifica a abolição pura e
simples de uma prática. O fato de 85% dos casais (suponhamos que a porcentagem
corresponda à realidade) não possuírem sequer o mínimo de maturidade moral
requerido e que com justiça se pode esperar de uma pessoa culta e civilizada,
não dá à autoridade alguma o direito de impor a todos, sem distinção, a mesma
regra.
Toda regra que não
admite exceção é basicamente imoral e fonte potencial de injustiças.
Estrangular a liberdade de espírito de um filho de Deus é
bem mais grave do que usar a pílula. Não é de leis e proibições que a
humanidade precisa mais, mas de homens e de mulheres capazes de transformar a
sua união em verdadeira ponte para o sempre e para o além! O que revela a
pessoa moralmente imatura é precisamente a sua incapacidade de se deixar
conduzir por sua própria consciência.
Quando os compêndios de moral se referem à consciência
errônea estão fazendo confusão entre consciência e pseudo-consciência. A
consciência autêntica é interior, íntima e pessoal. A pseudo-consciência é uma
superestrutura de natureza psicossocial, em certo sentido exterior à pessoa.
Resulta de uma educação disciplinadora, destinada a fazer da criança um
elemento socialmente assimilável. Quanto mais injusta, despótica e opressora
for a sociedade que proporciona à criança este tipo de educação, tanto mais
tirânica será o seu superego. Basta seguir Freud, identificando como ele o fez,
superego com consciência moral para completar o estrago.
Autodisciplina significa
ser capaz de responder de forma plena por sua liberdade. Ela inclui como
elemento essencial o respeito pela liberdade do outro.
Por que restringir a
liberdade de quem sabe usar dela sem prejudicar a de seus semelhantes? Em nome
de Deus? Em nome do bem comum? Em nome da moral? Que moral é essa que tem medo
da liberdade? Que representantes de
Deus são esses que só sabem comunicar-se com os homens através de Decretos?
Padre Marcos Bach
É PRECISO SAIR DA INÉRCIA
Embora importante, o comportamento moralmente correto por
si só não basta para equacionar o problema criado pela revolução sexual de
nossos dias. Em outras palavras: a moral
não basta para despertar o que no ser humano existe de melhor.
O objetivo da moral é o homem bom: o homem/mulher que não
peca, e não destoa da regra. O oposto dele não é apenas o mau, o pecador, mas
também o homem espiritual, como o chama o apóstolo Paulo. O homem espiritual
toma distância igual em relação ao pecado e à lei moral. Não quer ser mau, mas
também não se contenta com ser apenas bom. A preocupação por melhorar e
progredir é traço essencial não da moral, mas da espiritualidade cristã. O
confronto entre o caráter eminentemente estático e conservador da moral e o
caráter dinâmico da espiritualidade cristã não encontra ainda na Igreja um
árbitro à altura do desafio.
Um casal católico não é obrigado a sujeitar o futuro do seu
casamento às diretrizes de uma Igreja que não quer progredir e se contenta com
o que é e tem para oferecer. O que é muito pouco quando comparado com as
crescentes necessidades do Povo de Deus.
A ideia de que basta disciplinar o comportamento sexual dos
casais para coibir qualquer espécie de abuso nesta área é por demais ingênua
para merecer respeito. O homem que tem o direito de decidir por si não é o
homem moral, mas o homem espiritual. Só aquele que está a caminho do bem maior
tem condições de julgar o que é bom ou mau.
É evidente que não é por meio de leis absolutas que vamos
criar na consciência do homem moderno o espaço moral de que ele necessita para
evoluir. Se o homem do futuro não for mais do que uma cópia melhorada do atual Homo Sapiens, não vale a pena perder
tempo com o futuro da humanidade. Em poucas palavras: precisamos de outro tipo
de homem e de mulher. E logicamente de outro tipo de família. Mais ainda: vamos
precisar muito de um sistema ético mais afinado com a liberdade do homem do que
com o atual conceito obsoleto de ordem social. Uma ética feita para as pessoas
e não uma que se preocupa por demais com o destino de sistemas e de
instituições em fase final de decadência.
Um casal católico não
tem o direito de parar só porque sua Igreja resolve parar no tempo.
Padre Marcos Bach
REALIDADE MALEÁVEL PORQUE DINÂMICA
A moral católica dá a
impressão de ser mais severa que a de outras religiões ou Igrejas. Ao menos a
moral sexual que propõe, tem esta fama.
A verdade é que o modo como a Igreja católica formula a sua
proposta moral não é muito feliz. Os termos em que é formulada poderiam ser
muito mais propositivos e menos impositivos. O caráter normativo da moral não
precisa ser expresso na forma de um decreto. Uma norma moral não é uma lei que
não admite exceções. Já Santo Tomás de Aquino opunha à Lex Moralis a Lex Vitae.
A vida humana e a vida
cristã em particular, é uma escola. É em confronto com situações concretas que
Deus manifesta sua vontade. Por isso a doutrina moral da Igreja não tem
condições de responder a todas as necessidades de um casal, por exemplo. Há
situações em que a aplicação pura e simples de uma norma teoricamente correta
seria contra indicada.
A realidade é maleável
porque é dinâmica. Um sistema ético-moral
rígido, feito de regras que não admitem exceção, não combina com a Lei
da Vida, pois a parte melhor da vida humana é feita de surpresas, isto é, de
exceções. A regra é como o esqueleto: necessário, mas incapaz por si de pôr um
corpo em movimento. A
elasticidade produzida por músculos é muito
mais importante do que a estrutura óssea.
Esta é uma verdade essencial quando se trata de avaliar o
desempenho moral de uma pessoa. Dirigir um avião supersônico ou um carro de
corrida exige do piloto duas coisas essenciais: preparo adequado e um veículo
apropriado.
Em assuntos de ética
sexual não temos nem um coisa, nem outra. Nossos jovens estão sendo preparados
para tudo, menos para voar a grandes alturas ou a grandes velocidades. Nossa
moral sexual foi elaborada por homens celibatários que, ao menos em teoria, só
conhecem um tipo de experiência sexual: a abstinência. O desejo sexual não
satisfeito se parece com uma panela de pressão: pode explodir a qualquer hora!
Nossa moral sexual foi arquitetada por homens que têm medo
do sexo. Este medo os impeliu ao rigor e à severidade, onde toda altitude não é
necessária. O medroso projeta seus receios sobre outros. Um celibatário é
levado a crer que os casados têm os mesmos problemas sexuais que ele. Pode
julgar que todo o mundo é tentado pelo demônio como ele o é.
A carne é fraca, dizem.
Esquecem um detalhe psicológico importante: a carne passa a tornar-se cada vez
mais fraca à medida em que for frustrada em seu desejo. Para baixar a febre do
desejo não basta a continência pura e simples. A atividade sexual por si só
também é incapaz de diminuir a ameaça de incêndio. Curtos circuitos são ameaça
que ronda tanto a vida de um clérigo quanto a de casados.
A tentação não é necessariamente sinal de fraqueza moral.
Aos verdadeiramente fracos o demônio da luxúria não tenta, porque já os traz em
sua rede. A tentação sempre se dirige aos que ainda não capitularam. A tentação
é a homenagem que o vício presta à virtude. O ideal não é a paz do cemitério,
mas o júbilo da vitória.
É esta visão otimista
que falta à moral cristã, em geral. Insistimos por demais em ligar sexo com
pecado. Em lugar de ver nele uma ponte que leva do instinto ao Amor.
Padre Marcos Bach
VIVEMOS NUMA SOCIEDADE CONVULSIONADA
Não resta dúvida: no
campo da ética sexual chegamos a um impasse! Se continuarmos a impor como
“normal” o tipo de comportamento sexual patrocinado pelos compêndios de moral,
é provável que a “turbulência” reinante neste terreno só irá aumentar de
intensidade. Não dá para continuar apontando na mesma direção! Não é mais
permitido prender a consciência de um cristão a imperativos e valores ligados a
seu passado histórico e a uma visão antropológica “fisicista”.
É preciso colocar a
“escatologia” no lugar do culto da “tradição”. É bem pouco o que o passado
histórico tem a oferecer em comparação com o que ainda não foi realizado, mas
já se encontra presente na Esperança Cristã.
Como cristão tenho a certeza de que “aquele que
começou a boa obra em mim também saberá como completá-la” (Fl 1,6). “Minha
tarefa é começar! Cabe a Deus concluir a obra começada” (São Francisco de
Sales).
Não basta dar o pontapé
inicial. É preciso começar de maneira tal que Deus tenha o que completar! É
evidente que o Espírito Santo não se vai envolver com qualquer “projeto
pastoral” ou iniciativa bem intencionada. Faz parte da sabedoria de Deus não
“embarcar em qualquer canoa”.
Numa corrida de Fórmula Um a vitória não pertence ao
que largou na “pole position”. O
próprio Apóstolo Paulo compara a vida cristã a uma “corrida”. “Cursum consummavi”: “concluí a corrida”
(I Cor 9,24).
Quem se mete a correr tem pressa e vive sob o signo
da urgência, como Cristo a viveu. Olhava para o seu futuro como quem tem
pressa. Pressa em chegar ao termo e colher o fruto da sua fé e do seu esforço
moral.
A moral tradicional se
preocupa mais com o “bom comportamento” do que com a “boa velocidade” dos
membros da comunidade de fé. A atitude “conservadora” tem seus méritos, mas
somente se demonstrar tanto interesse pela “conservação” da estrada e pela
qualidade dos “veículos” que por ela circulam quanto pela idoneidade dos
motoristas. Será que uma Igreja que não pensa em mudar-se a si mesma pode
reclamar para si um lugar de respeito numa sociedade convulsionada como a
atual?
Padre Marcos Bach
O QUE É O NATURAL NA PESSOA HUMANA
O natural no homem é o racional. O biológico e o
fisiológico não podem ser tomados como manifestações da lei natural, a menos
que se queira levar a moral de volta às cavernas da pré-história. Amarrar a
espontaneidade do amor entre esposos ao ritmo dos ciclos férteis ou estéreis da
mulher é o mesmo que desconhecer a diferença entre um casal humano e o
comportamento normal de um casal de chimpanzés. De que valeria a um casal o ser
livre e dotado de razão, se não tivesse o direito e a liberdade de estender o
domínio da sua razão também à atividade reprodutiva? Por que um casal humano é
obrigado a submeter sua liberdade a determinismos biofisiológicos como se
fossem mais sagrados do que a consciência livre do homem?
Com que direito se pode chamar de natural um método
que é o oposto do que é normal entre animais? É justamente no período fértil da
fêmea que os animais copulam. Fora deste período praticam a continência. Como
se pode pensar em impor à consciência de um casal como natural um procedimento
que os animais desconhecem? O máximo que se pode dizer dos ensinamentos da
Igreja referentes ao planejamento familiar é que são contraditórios, confusos e
destituídos de base confiável. O apelo à autoridade papal não é suficiente para
estabelecer uma obrigação moral. Argumentos filosóficos, extraídos de um
sistema particular, como é a Escolástica, também não bastam para criar a
certeza concreta, sem a qual não há obrigação moral.
“In dubiis libertas”! Enquanto a Igreja não
encontrar razões mais convincentes em favor de seu ensinamento nesta matéria de
que tratamos, nenhum casal é obrigado a segui-lo.
O que estou questionando não é a autoridade da
Igreja, mas um modo leviano e desabusado de exercê-la. É isto que um casal
católico (pois são eles os únicos atingidos pelas diretrizes do Vaticano!) deve
e pode ter em mente: “Obedecer à Igreja é mais do que obedecer ao papa”! O papa
não é a Igreja. É apenas parte dela. A voz do magistério da Igreja inclui a dos
bispos. O diálogo do povo católico com o seu bispo é mais fácil, porque o bispo
fica mais perto, e é também mais profícuo, pois eles, povo e bispo se conhecem
melhor. Infelizmente a maioria dos bispos é nomeada pelo papa sem que o povo
tenha parte no processo. Como resultado deste modo de proceder, o bispo é
alguém que se sente mais comprometido com Roma do que com o povo da sua
diocese. Mais prisioneiro do Código de Direito Canônico do que servo do Povo de
Deus.
Sem diálogo e sem um mínimo de negociação entre o
Povo de Deus e os Pastores da Igreja não há como sair do impasse existente
entre o que os pastores ensinam e o que o povo pratica. É difícil encontrar
terreno onde a discrepância entre o que se ensina e o que se pratica é tão
flagrante e cheia de riscos potenciais quanto este de que estamos tratando.
Uma boa máquina
necessita de válvulas de segurança. Para mantê-la em função não basta apertar
os parafusos sempre mais. Vem o dia em que os parafusos estouram. No campo da
ética sexual tal como é imposta pelos papas à consciência dos católicos, este
dia não está longe. Na origem da atual anarquia sexual está também a moral
católica por excesso de rigor e por
desconhecimento quase total das condições psicológicas e culturais do
homem moderno. O que os censores da moral católica mais ignoram é a ascensão da
mulher em praticamente todos os palcos da sociedade moderna.
Padre Marcos Bach
RESPONSABILIDADE ÉTICA NO AMOR
A evolução dora em
diante corre por conta e responsabilidade do homem. Do “novo homem”, do “homo christianus” de amanhã, pois o
cristão de hoje muito pouco se parece com ele. Quando a Igreja católica fala em
“ordem cristã”, refere-se à “ordem do amor”, apoiada na justiça. A “sociedade
do amor” de que fala Paulo VI e de que trata a Declaração de Puebla, está nas
intenções da Igreja católica, não resta a menor dúvida. Mas a envergadura
evolutiva que ela possui, o salto tremendo que significa, é algo que escapa à
antevisão dos homens que em Puebla se debruçaram sobre o futuro da Igreja e da
humanidade. Por quê? Porque Puebla foi um encontro de pastores, com muito pouco
espaço reservado aos profetas, aos contestadores radicais. No entanto, são
estes que costumam abrir brechas nas muralhas da acomodação. O tempo dos
pastores passou. A época em que vivemos não comporta mais este tipo de
liderança espiritual. Uma liderança demasiadamente pacata e impessoal. Confiar
a pastores a tarefa de construir a “sociedade do amor” é demasiadamente
temerário, pois seria o mesmo que supor a sociedade do amor composta de ovelhas
dóceis e bem alinhadas.
O processo evolutivo não
se desenrola em sentido linear, sem solução de continuidade. Ao contrário. As
etapas não se sucedem em ordem matemática. Sobrepõem-se e se confundem no
contexto do mesmo fenômeno. Isso torna a realidade contraditória e ambígua.
Assim, por exemplo, a libertação se realiza em meio aos piores processos de
opressão. É em meio à tirania das leis que o amor bate asas e levanta voo. O
mesmo paradoxo caracteriza a relação entre homem e mulher.
O primeiro momento
dialético é o que provavelmente marcou a união entre homem e mulher na origem:
o interesse grupal (sobrevivência) e portanto a procriação e a função
econômica. A pouca distância a separar o homem (espírito) da natureza
(matéria), o indivíduo da pessoa, o casal do grupo fez com que naquela altura
da evolução a união sexual ligando homem e mulher tivesse um cunho eminentemente
biológico e funcional, alienado e impessoal. O direito à realização pessoal, e
com ele o direito de escolher, de divergir do modelo grupal, era praticamente
nulo. Um mínimo de vivência existencial e um máximo de subordinação a padrões
grupais: esta era a regra, com muita probabilidade. Num contexto assim
determinado não havia lugar para a neurose, já que qualquer desajuste ou
veleidade de liberdade sexual era praticamente impossível. O clima e a
atmosfera eram favoráveis à espontaneidade sexual, uma espontaneidade muito próxima da do primata de
nossos dias. Em sociedades constituídas de acordo com este nível de
relacionamento terá havido bem pouco lugar para valores como decência, pudor e
vergonha.
Para que estes valores e
outros mais, como castidade, aparecessem à tona da consciência do homem, foi
preciso que a evolução passasse para um novo estágio, dialeticamente superior:
o da negação antitética da base anterior. Uma base marcada pela ruptura, pelo
distanciamento em relação ao nível anterior, marcadamente biológico e
funcional, amparado numa concepção mítico-mágica da natureza. Uma concepção
religiosa de cunho panteísta, sem condições de oferecer espaço para o amor.
A nova fase, a que
corresponde ao segundo momento evolutivo, apresenta um cunho nitidamente dualista,
já que se apoia em concepção religiosa diametralmente oposta à anterior.
Enquanto a concepção panteísta confunde Natureza e Deus, a concepção
racionalista distingue e separa Deus do mundo. Daí à conclusão de que espírito
e matéria são realidades distintas e separadas, só foi preciso dar um passo. Só
restou colocá-los em oposição frontal. Foi o que aconteceu. Só faltou dar mais
um passo: decretar a superioridade do espírito sobre a matéria; identificar a
matéria (carne e sexo) como o lugar do “pecado”, e caracterizar o espírito (e a
atividade espiritual) como o lugar próprio do bem e da virtude. Sendo espírito
e matéria (alma e corpo) o homem transformou-se em campo de batalha entre o bem
e o mal. A vida, vista sob este prisma, é a eterna luta entre o vício e a
virtude, a grandeza e a baixeza. E assim por diante. O mérito desta concepção
está em que liberta a relação do enredo de servidões cósmicas, da tirania do
ritual monotonamente imutável. O casamento já não é mais visto como função
biossocial apenas. É visto em nova dimensão: como gesto pessoal. Perdeu em
grande parte a ingênua espontaneidade “animal” de outrora. Mas adquiriu um
toque novo: o respeito pela dignidade da pessoa do cônjuge. É evidente que a
evolução não para, nem vai parar aqui.
Falta um terceiro
momento, dialeticamente superior, onde os dois momentos anteriores se
reencontrem estaticamente unidos em nova dimensão humana. É muito difícil
apresentar em visão compreensível o quadro de uma sociedade marcada por
relacionamentos que viessem a corresponder ao terceiro momento dialético.
Quando a Igreja católica apresenta a virgindade e celibato como valores
escatológicos, sem os quais a vida da comunidade de fé não se alçaria nunca
além da modesta mediania das construções puramente humanas, ela se faz eco do
futuro e protagonista da evolução. O futuro está do lado da liberdade e do
amor. Ora, basta um olhar de relance para descobrir que o futuro não está nem
um pouquinho do lado do nosso tipo modelar de casamento.
Como deve ser então o
casamento para responder às exigências da evolução? Muito simples: um casamento
de amor do começo ao fim; desde o primeiro sorriso encabulado até o derradeiro
suspiro! Isso aí. Só isso e nada mais. Na proporção em que o amor dominar o quadro das relações
todas, especialmente o relacionamento conjugal, o futuro se fará presente.
Padre Marcos Bach
TERRITÓRIO MINADO
Por que a Igreja católica insiste em tratar a mulher como se ela fosse um
ser humano de qualidade inferior? Será que procedendo assim a Santa Madre
Igreja está sendo justa e fiel a uma lei de Deus?
Enquanto a Igreja continuar a dar ao mundo uma demonstração tão flagrante
de discriminação social, sua credibilidade no trato de questões de natureza
sexual só poderá continuar decrescendo.
Todo ser humano traz em si as consequências de um pecado que não cometeu:
é o famigerado “pecado original”, fonte primigênia de todos os pecados da
humanidade. Além de continuar a causar estragos sem conta, é geneticamente
transmissível. Por mais santos que sejam seus pais, a criança sempre nasce
carregando em sua alma a maldição do “pecado” de Adão. A acreditar nos
ensinamentos da Igreja, não há terreno em que este pecado mais estragos causou
do que no terreno sexual. O desejo sexual é visto não como dispositivo do
Criador, mas como consequência do pecado do primeiro pai da humanidade. Santo
Agostinho foi o pensador cristão que mais contribuiu para fazer da vida sexual
um território “minado”, altamente perigoso à prática das virtudes cristãs. Só
faltava-lhe dizer que a sexualidade é a porta escancarada por onde o diabo
consegue penetrar com mais facilidade no interior das almas.
De todos os prazeres, o que mais contribui para corromper e degradar um
homem, é o “prazer venéreo”, a “concupiscência da carne”. A decadência moral da
sociedade romana no tempo de Agostinho explica o extremo rigor dele, mas não o
justifica. O prazer sexual pode ser substituído com facilidade por outros
prazeres bem menos superficiais e fugazes. O amor, a vida em sociedade oferecem
uma variedade muito maior de prazeres do que uma “noitada de amor” num motel.
Há mais prazer em ampliar a sua “faixa de conhecimentos” do que em “colecionar”
orgasmos insípidos e sem graça alguma.
O problema causado por um sistema moral demasiadamente rigorista não se
resolve substituindo-o por um sistema moral mais “frouxo” e mais indulgente. A
compaixão não é uma virtude moral, mas uma atitude “política”. “Compassivo é
aquele que sabe por experiência como é difícil ser bom” (Deepak Chopra).
Se é difícil ser bom, muito mais difícil é ser perfeito! Recebe o nome de
“moralismo” a atitude de quem não admite “abatimentos” na avaliação moral de
uma pessoa. É “perfeccionista” aquele que confunde o ato “bom” com o ato
“perfeito”. Se for “fariseu” prenderá a “perfeição” do ato mais à “letra” da
lei do que a seu “espírito”.
Toda lei justa e que não
seja “draconiana” admite uma interpretação flexível e um modo “sábio” de
aplicá-la, pois a lei é apenas meio. Aponta para um objetivo maior, que é a
realização do “bem comum”. Está, além disso, submetida à lei suprema do amor e
da liberdade espiritual.
Padre Marcos Bach
DE MÃOS DADAS NA UNIDADE CONJUGAL
A integração num organismo social mais amplo é essencial para a
sobrevivência moral da unidade conjugal. Individualismo e egoísmo a dois é
vício tão pernicioso quanto o egocentrismo individual. A “pessoa conjugal”, que
nasce da união matrimonial, necessita do “oxigênio” de espaços bem mais vastos
do que o acanhado espaço familiar.
Como todo bem, também o
amor tende a se difundir, a ocupar espaço sempre maior. É no interior das
pessoas que existe em profusão “espaço vazio”, ainda não ocupado. Um amor não
compartilhado acaba por extinguir-se, sufocado pela estreiteza. O medo de
perder o amor do companheiro ou companheira é um dos resultados de uma política
de “confinamento”. Termina-se por sufocar o que se pretende proteger e
resguardar. O ciúme é considerado por muitos como “prova” de amor. Na realidade
é indício de medo e de falta de fé no outro. É fruto “venenoso” de uma das
manifestações mais primitivas de amor que é o chamado “amor possessivo”.
Quem tem medo de perder o amor de alguém, não o merece. Também no terreno
afetivo é preciso “saber perder”. Uma farta dose de “espírito esportivo” também
aí é indispensável a quem faz questão de “não fazer feio”.
Amigo é aquele que está disposto a “dar a sua vida pela do amigo” (Jo
15,13). É aquele que abre mão da preocupação por sua própria felicidade,
colocando em lugar dela a preocupação pela do amigo.
Uma vida a dois adquire
maturidade na medida em que de lado a lado cresce a solicitude pelo bem-estar
físico e espiritual do outro cônjuge. Quem não está disposto a perder a sua
vida não a merece. Quem não está disposto a renunciar a si e a sua felicidade,
não a merece. A vida conjugal não é um terreno livre de frustrações e derrotas.
Bem depressa chega a hora em que o belo “arco-íris”, tecido de sonhos e de
fantasias, começa a empalidecer. Este fato não deve ser interpretado como
“perda” e como “fracasso”.
Se o casamento fosse uma “sinecura” e a vida conjugal uma “excursão
turística”, o despertar do sonho romântico para a realidade da vida poderia ser
classificado como “decepção”. Mas já
que o matrimônio nada mais é do que um “caminho” e a vida conjugal uma “jornada
a dois”, por que pensar em abandonar o caminho quando ele começa a se tornar
mais íngreme? Em vez de pensar em separar-se do companheiro de jornada, não
seria melhor tomá-lo pela mão?
Padre
Marcos Bach
FÉ E ÉTICA
Faz parte da fé adulta crer em algo mais do que em si mesmo. O pacto
matrimonial inclui a fé no futuro cônjuge. O “sim” pronunciado ao pé do altar é,
antes de tudo, um ato de fé, mais que de amor e de esperança. É em sua essência
um ato de “loucura”, pois tudo o que os noivos prometem ser um para o outro
encontra-se muito além e muito acima da sua real capacidade de pôr em prática.
Pode ser sincero, mas falta ao “sim”, em tantos casos, a
“incondicionalidade” própria do amor. Existem por demais “reservas” e
desconfianças na mente de homens e mulheres acerca do “sexo oposto”, para
permitir que este “sim” possua este mínimo de “confiabilidade” que dele se deve
exigir, tendo em vista que não se está permitindo a dois “adolescentes” fazer
uma “experiência” de vida conjugal. Não se pode desligar a opção pelo
matrimônio de outra escolha muito mais abrangente que é a “opção existencial”.
O matrimônio entre cristãos é considerado “sacramento” pela Igreja
católica e quem o abraça o faz em obediência a uma “vocação divina”, a um
chamado especial de Deus. É, portanto, prova de leviandade pura, o modo como na
Igreja católica são feitos os casamentos! A facilidade com que se declara
“unido para sempre”, o que já nasceu “separado” por dentro. O Apóstolo Paulo
define o matrimônio e o amor conjugal como “grande mistério” (Ef 5,32).
O que confere caráter “sagrado e sacramental” à união matrimonial é sua
analogia e semelhança com o Amor com que o próprio Deus ama a si mesmo e a obra
de seu Amor.
Paulo chama ao amor que impele homens e mulheres a se unirem para sempre e
em caráter definitivo, irreversível e “eterno”, de “grande mistério”. A palavra
“grande” chama a atenção porque Paulo não era dado a exageros. Todo mistério é
“insondável”. E um “grande mistério” deve ser ainda muito mais “imperscrutável”
do que os “pequenos” mistérios de fundo de sacristia.
A integração num organismo social mais amplo é essencial para a
sobrevivência moral da unidade conjugal. Individualismo e egoísmo a dois é
vício tão pernicioso quanto o egocentrismo individual. A “pessoa conjugal”, que
nasce da união matrimonial, necessita do “oxigênio” de espaços bem mais vastos
do que o acanhado espaço familiar.
Como todo bem, também o amor tende a se difundir, a ocupar espaço sempre
maior. É no interior das pessoas que existe em profusão “espaço vazio”, ainda
não ocupado. Um amor não compartilhado acaba por extinguir-se, sufocado pela
estreiteza. O medo de perder o amor do companheiro ou companheira é um dos
resultados de uma política de “confinamento”.
Termina-se por sufocar o que se
pretende proteger e resguardar. O ciúme é considerado por muitos como “prova”
de amor. Na realidade é indício de medo e de falta de fé no outro. É fruto
“venenoso” de uma das manifestações mais primitivas de amor que é o chamado
“amor possessivo”.
Padre Marcos Bach
ESPAÇO E POTENCIALIDADES DO CASAL MODERNO
Hoje vivemos numa sociedade em que o indivíduo usufrui, no que tange à
vida sexual, de uma liberdade invejável, se a compararmos com a do primitivo.
Já passamos a admitir, embora timidamente, que o objetivo primário da
sexualidade é proporcionar à pessoa espaço para a sua realização humana plena.
Como o único espaço que comporta realização autêntica é o da liberdade, é
preciso ter a coragem de excluir, como degradantes, todas as formas de
enquadramento antissocial da sexualidade que não respeitam a livre opção
pessoal. As que fazem caso omisso da soberania da consciência moral.
O casamento, além de constituir o único espaço que a lei reserva à
atividade sexual, é considerado o lugar ideal para a plena realização sexual.
Aí é que começa o jogo dos equívocos. Embora o tipo de casamento a que
costumamos encaminhar com tanto orgulho o jovem casal de namorados represente
um avanço copernicano em relação ao que o Homem Neolítico entendia por esta
instituição, não se pode afirmar que atingimos o limiar do plano ideal. Quem,
ao ver a realidade divorcista (da qual a legislação é apenas o reflexo lógico),
teria a audácia de dizer que descobrimos a forma ideal de casamento, e que
pouco resta a pensar e a definir neste assunto? A verdade é outra.
O espaço, que o casamento proporciona à realização pessoal, continua
muitos pontos abaixo das exigências e potencialidades do casal moderno. Todos
os problemas sexuais estão basicamente relacionados com tempo e espaço. A
amplitude do espaço físico se traduz em milhões de anos-luz. Esta descoberta
força e amplifica os espaços interiores do homem, rompendo defesas e
seguranças. No campo psicológico tal fato se traduz como mal-estar frente às
dimensões acanhadas em que são concebidas instituições sociopolíticas e
religiosas. Dão a impressão de terem sido concebidas para homens de outras
épocas. Em nenhuma delas há lugar para a pessoa humana toda, sem forçá-la a
amputar uma parte essencial de si e deixá-la do lado de fora.
A outra alternativa é marginalizar-se para manter íntegra a unidade
psíquica e escapar assim da neurose.
Padre Marcos Bach
ASPECTOS FRÁGEIS DA ÉTICA SEXUAL
Homens e mulheres se “conhecem” mais como “figuras imaginárias” do que
como seres de carne e osso. Quando o primeiro casal humano verdadeiramente
consciente de si se encontrou pela primeira vez, o homem prorrompeu na exclamação:
“Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos”!
Não é partindo de lados contrários que homens e mulheres se dirigem ao
encontro um do outro. As diferenças entre homens e mulheres são relativamente
poucas e pertencem todas elas à mesma “natureza”. O modo de “encarnar” a
natureza humana é substancialmente o mesmo. As diferenças tipicamente sexuais
são de ordem formal e estilística. Salientar por demais as diferenças é o que
se encontra por trás da “guerra dos sexos”. Assim como toda guerra, também esta
é totalmente desnecessária, e só acontece lá onde o bom senso foi expulso do
diálogo social.
A mulher não é a encarnação exterior da “metade” que lhe falta. Finalidade
da união sexual não é juntar “partes” para com elas formar um “todo” maior. Se
assim fosse, não haveria como justificar o celibato. O casamento seria o fruto
de uma “necessidade” biopsicológica.
Onde situar o amor numa união dominada pela necessidade e regida por
determinismos psicofisiológicos? O Código de Direito Canônico declara
“consumado” um matrimônio após a realização do primeiro ato sexual completo. O
que torna o matrimônio “indissolúvel” e faz do “sim” dado na devida forma
canônica uma “opção irreversível”, é o ato sexual. Basta um único ato
fisicamente completo para “amarrar” um casal em caráter definitivo ao “sim”
dado ao pé do altar. Em momento algum o Código se preocupa com os aspectos
“qualitativos” do ato. Esta supervalorização dos aspectos fisiológicos do ato
sexual continua fazendo parte da Moral Sexual católica. A ausência de qualquer
espécie de preocupação pelos aspectos afetivos e psicológicos do ato sexual é
gritante. Uma ultrapassada concepção “fisicista” contribuiu e continua
contribuindo mais do que se supõe para a desagregação da vida familiar e para a
“degradação” do relacionamento sexual do mundo ocidental “cristão”. É evidente
que um dos aspectos mais falhos da moral católica é de natureza antropológica.
Ao optar por Aristóteles em detrimento do pensamento platônico, a Igreja
católica “baixou” o perfil antropológico do homem. Na opinião de Platão o homem
é um “espírito” condenado a viver numa “prisão”, o corpo material. Já era bem
outra a opinião de Aristóteles, pois segundo ele, o homem é sob todos os
aspectos um “animal”. O que o distingue dos outros animais é sua racionalidade,
isto é, sua inteligência. À concepção “idealista” do platonismo Aristóteles
contrapôs uma visão mais “fisicista” do comportamento sexual humano. No campo
moral continua prevalecendo o pensamento de Aristóteles. No terreno da “espiritualidade”
continua prevalecendo a concepção “idealista” de Platão. No terreno moral
continua em vigor a Lex Naturae: todo
ato sexual que não permanece “aberto à vida” (em sentido biológico), é imoral,
por ferir um princípio básico da Lei Natural. É o papa Paulo VI quem o diz.
O envolvimento afetivo não faz parte dos critérios de aferição ética de um
ato sexual. Os únicos critérios que determinam sua “liceidade moral” são de
natureza biofisiológica e jurídico-social. O amor não faz parte dos critérios constitutivos
da “moralidade” de um ato sexual. É admitido como “obrigação”, como exigência
“colateral”. Como imperativo “extrínseco”, como valor “acrescentado” e
agregado, mas que por si nada acrescenta ao modo correto de “cumprir” o dever
conjugal. O fato de estarem casados na “forma da lei” confere a cada ato
conjugal a sua “liceidade” e seu valor moral básico.
A Moral católica se contenta com prestigiar a forma exterior “correta” e
os aspectos de natureza “ritual” do intercurso sexual. A falta de “envolvimento
afetivo” não torna um matrimônio nem “ilícito” nem “inválido”. Mesmo que o
último resquício de “calor” tenha desaparecido, o casamento continua “válido”,
e “lícito” o cumprimento do dever conjugal.
O matrimônio que deveria ser visto como proteger e promover uma incipiente
“comunidade de amor”, demasiadamente “frágil” e inexperiente para poder
bastar-se a si mesma, tornou-se uma espécie de “camisa de força” e de “gaiola
dourada”. Foi transformado em território “sagrado” do qual não é permitido “fugir”.
Uma espécie de “Muro de Berlim” destinado a manter “prisioneiro” um povo
escravizado.
In: Manuscrito.
O AMOR AUTÊNTICO ENTRE IGUAIS
“Nosotros no tenemos una teologia de
la sexualidad”. Foi com estas palavras que um padre jesuíta argentino abriu
um “Seminário” sobre aspectos problemáticos da conduta sexual moderna. O que
ele disse nada mais é do que a pura verdade!
O que temos é muito filosofismo, legalismo e sociologismo barato e
totalmente superado, isto sim. Mas teologia de verdade, é o que mais falta faz
nos debates sobre moral sexual.
Acho que vale a pena iniciar o debate convidando o leitor para “virar a
cadeira” e pôr-se a olhar o assunto a começar pelo lado oposto. Esqueça tudo o
que foi dito e ensinado, pregado e imposto ao longo do passado. Lembre-se de
que homens e mulheres são seres espirituais, acima de tudo, e não animais “um
pouco” mais inteligentes do que seus “primos” das florestas africanas.
A condição “espiritual” faz do homem um ser essencialmente diferente de um
gorila. Já nos Livros Sagrados do Antigo Testamento está escrito: “E o fizeste
pouco menos do que um Deus” (Salmo 8,5). É ao homem que o salmista se refere!
Os “anjos” que circundam o Trono do Altíssimo são apenas “um pouco maiores
do que o homem. Seremos um dia, se assim o quisermos, “como os anjos do Céu”
(Lc 20,36).
Como ter na conta de cristão um marido que bate na mulher e se deita com
ela na mesma cama bêbado, sujo e fedendo? Mas este é um aspecto que a moral
católica inclui entre os “deveres” de uma boa “esposa cristã”.
Procuramos “aprender dos animais” como “fazer sexo”! Consultamos
“pensadores gregos” e procuramos encontrar nos Livros Sagrados do Antigo
Testamento o que Deus, o Criador, pensa a respeito do assunto. Preferimos o
Antigo ao Novo Testamento porque este último praticamente nos “deixa na mão”
quando o assunto é de natureza sexual. Nem Jesus, nem Paulo, acharam necessário
pregar e implantar uma espécie de Nova Moral Sexual. Nem Jesus, nem Paulo,
pregaram a abolição da escravatura, nem tomaram o partido da mulher em sua luta
contra o homem. Na época de Cristo e de Paulo não existia o que hoje
classificamos como “Movimento Feminista”. Não era do feitio de ambos “soltar
balão” em festa errada. Só hoje, 2000 anos depois, o segmento masculino da
sociedade está se dispondo a conceder à mulher um novo espaço no terreno
social.
Homem inteligente e
digno da sua condição sexual não é aquele que subjuga a mulher e usa os seus
talentos, mas aquele que se associa a ela num “pacto de amor”!
Homem que se preza não
quer repartir a sua vida com um ser “inferior” a ele! Nem Deus quer ser servido
por seres inferiores a Ele. Nem se satisfaz com o amor de “escravos”. O amor
autêntico só acontece entre iguais!
In: Manuscrito.
O PRIMADO DA CARIDADE
A virtude que predispõe uma pessoa a se servir do amparo da lei com
prudência e moderação, é a virtude da “epikéia”,
como a chamam Aristóteles e Tomás de Aquino. Sem esta disposição, o exercício
da autoridade, como o da obediência, facilmente descamba para o lado da
injustiça e da tirania. Pelo termo “liberdade espiritual” deve entender-se toda
liberdade que nasce do amor.
“Ama e faz o que queres”! “Dilige,
et quod vis, fac”. A frase é de Santo Agostinho. Ela sintetiza tudo o que
Santo Tomás de Aquino definiu como “primado da caridade”.
O número de casais que resolvem separar-se aumenta de forma assustadora,
mesmo entre católicos. De acordo com os dispositivos do Código de Direito
Canônico, estes casais continuam “casados”. O vínculo jurídico permanece e com
ele o vínculo “sacramental”, mesmo quando já não resta mais vestígio de “amor
mútuo”. Como castigo pelo fracasso do primeiro matrimônio a “justiça” da Igreja
lhes nega o direito a um novo casamento.
De que outra coisa se nutre a vida conjugal senão do amor mútuo? Que outro
“colágeno” tem o poder de manter unido um casal? Uma vida em comum que deixou
de ser “interessante” só pode ser considerada como “morta”! Não é o amor a
razão de ser da sexualidade humana? Não é para se amar um ao outro que Deus
criou o homem e a mulher? Coitado do filho que nada mais é do que fruto de um
“cálculo” mal feito, e de uma fatalidade biológica cega e imprevisível!
Todo ser humano tem o direito de nascer como fruto desejado do amor de
seus pais! O direito humano de procriar só o homem o possui. Entre animais ele
obedece a regras bem diferentes. O que é natural entre animais não é
necessariamente natural entre seres humanos. O amor é que faz a diferença! Não
havendo amor, a troca de “favores sexuais” nada mais é do que “bestialidade
pura”! Se o cenário é um cabaré ou um honesto leito conjugal, pouca diferença
faz. Se os “atores” de tal espetáculo são cristãos ou não, também é
irrelevante. Se diferença existe, ela só contribui para agravar a situação moral
do cristão.
In: Manuscrito de Pe.
J.Marcos Bach, sj.
CULTIVANDO A UNIDADE A DOIS
No início da vida conjugal existe uma efervescência passional e erótica de
extraordinária criatividade e poder de imaginação. É que os fatos e gestos de
comunhão se inserem na dialética do tempo pessoal. Bem depressa o erotismo cede
lugar ao “bom senso”. O realismo toma o lugar do romance. A profissão toma o
lugar e o tempo da paixão. O trabalho se impõe ao lazer. Lazer é confundido com
ócio. O casal dá os primeiros passos em direção à degradação do tempo pessoal.
Paga o tributo de morte à sociedade de consumo. Da efervescência inicial só
resta a agitação profissional.
Antes tinham horas à disposição do amor. Hoje já não têm mais tempo para
nada. A falta de tempo é indicador inequívoco e eloquente de que o tempo
pessoal está morto, só restando o tempo físico-biológico. O tempo da pedra e do
animal. O amor morreu. Só resta a cópula. Os eventos se sucedem ciclicamente,
linearmente. Não há mais novidade, já que cada acontecimento é a repetição
matemática de outro acontecimento que o precedeu no tempo. Pouco importa se as
pessoas têm um nome, uma história.
Ora, o tempo pessoal é biográfico. O tempo conjugal, essencialmente
pessoal, obedece ao ritmo dialético e dialogal da reciprocidade, onde cada
cônjuge se concentra, antes de mais nada, na tarefa de construir (e escrever) a
biografia do(a) companheiro(a) de jornada. Devota-se a esculpir a imagem do
outro com o cinzel da ternura, assim como lhe revelam os sonhos de amor. Um
casamento vivido integralmente ao ritmo e ao embalo humilde e sincero da
paixão, marcado pelo devotamento recíproco, encontra-se ao abrigo da ação
corrosiva do tempo físico-biológico. Esta consiste em marcar a vida conjugal
com uma só tonalidade, a da monotonia. A sinfonia terminou. De todas as cordas
só restou uma: o sexo. A mais monótona de todas, quando desacompanhada das
outras.
Existe uma antinomia radical entre o tempo profissional (econômico) e o
tempo conjugal, em nossa sociedade. O tempo profissional é marcadamente físico.
Ao passo que o tempo conjugal só pode ser pessoal. A transição da agitação
profissional para a serena e tranquila “curtição” do amor conjugal se torna
impraticável quando um ou ambos os parceiros passaram o dia escravos do
relógio. Se fôssemos tão simples e pequeninos como Cristo adoraria ver-nos,
confessaríamos que um dos nossos piores inimigos é o relógio. Não o
relógio-memória. Mas o relógio-senhor do nosso tempo. O inimigo número um do
lazer e do tempo pessoal. Inimigo, portanto, do amor, pois este é incompatível
com a nossa maneira (neurótica e neurotizante) de usar o relógio. Por que não
se refugiar no campo (ou numa atividade livre da pressão do tempo físico, isto
é, do horário), onde sempre há tempo para o que se quer? Onde o tempo se põe à
nossa disposição, puro e acolhedor. O tempo, em seu significado humano, único e
original. É preciso dizer não ao tempo prostituído pela “civilização”, que
endeusa o trabalho “produtivo”, confunde lazer com consumo e lhe reserva (ao
lazer) a porção morta do dia. Chegam a ter sabor de piada os apelos dos
moralistas, os sermões do padre (ou do pastor), a indignação escandalizada dos
bem-casados: enfim, a grita tonta dos que ainda acreditam na possibilidade de
tapar o sol com peneira.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de J.Marcos Bach,sj – INEF/Vozes.
ESPAÇO CONJUGAL
O espaço conjugal reservado ao casal nas sociedades
primitivas é limitado. Só é permitido no relacionamento conjugal o que a
tradição e os costumes consagraram como lícito e bom. Nenhuma variação é
permitida. O casamento é como que uma fatalidade, um destino a que ninguém se
pode furtar, sob penas de ostracismo. O número de filhos, como a escolha do
cônjuge fogem da alçada individual. A vida conjugal é regulada em seus mínimos
detalhes.
Hoje vivemos
numa sociedade em que o indivíduo usufrui, no que tange à vida sexual, de uma
liberdade invejável, se a compararmos com a do primitivo. Já passamos a
admitir, embora timidamente, que o objetivo primário da sexualidade é
proporcionar à pessoa espaço para a sua realização humana plena. Como o único
espaço que comporta realização autêntica é o da liberdade, é preciso ter a
coragem de excluir, como degradantes, todas as formas de enquadramento
antissocial da sexualidade que não respeitam a livre opção pessoal. As que
fazem caso omisso da soberania da consciência moral.
O casamento, além de constituir o único espaço que a lei
reserva à atividade sexual, é considerado o lugar ideal para a plena realização
sexual. Aí é que começa o jogo dos equívocos. Embora o tipo de casamento a que
costumamos encaminhar com tanto orgulho o jovem casal de namorados represente
um avanço copernicano em relação ao que o Homem Neolítico entendia por esta
instituição, não se pode afirmar que atingimos o limiar do plano ideal. Quem,
ao ver a realidade divorcista (da qual a legislação é apenas o reflexo lógico),
teria a audácia de dizer que descobrimos a forma ideal de casamento, e que
pouco resta a pensar e a definir neste assunto? A verdade é outra.
O espaço,
que o casamento proporciona à realização pessoal, continua muitos pontos abaixo
das exigências e potencialidades do casal moderno. Todos os problemas sexuais
estão basicamente relacionados com tempo e espaço. A amplitude do espaço físico
se traduz em milhões de anos-luz. Esta descoberta força e amplifica os espaços interiores
do homem, rompendo defesas e seguranças.
No campo psicológico tal fato se traduz como mal-estar
frente às dimensões acanhadas em que são concebidas instituições
sócio-políticas e religiosas. Dão a impressão de terem sido concebidas para
homens de outras épocas. Em nenhuma delas há lugar para a pessoa humana toda,
sem forçá-la a amputar uma parte essencial de si e deixá-la do lado de fora. A
outra alternativa é marginalizar-se para manter íntegra a unidade psíquica e
escapar assim da neurose.
O espaço
moral da maioria das instituições se presta sofrivelmente às necessidades e
condições de auto-realização do homem de 200 anos atrás.
In: “Evolução do Amor Conjugal” –
Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
TER QUE ESCOLHER ENTRE DOIS MALES
Todo ser humano tem o direito de nascer como fruto desejado
do amor de seus pais! O direito humano de procriar só o homem o possui. Entre
animais ele obedece a regras bem diferentes. O que é natural entre animais não
é necessariamente natural entre seres humanos. O amor é que faz a diferença!
Não havendo amor, a troca de “favores sexuais” nada mais é do que “bestialidade
pura”! Se o cenário é um cabaré ou um honesto leito conjugal, pouca diferença
faz. Se os “atores” de tal espetáculo são cristãos ou não, também é
irrelevante. Se diferença existe, ela só contribui para agravar a situação
moral do cristão.
Quem se faz passar por “discípulo” de Cristo, mas se
comporta como “animal”, está desonrando o nome de Cristo e enxovalhando a sua
própria dignidade! Prostituição, promiscuidade sexual, poligamia são fenômenos
cuja frequência manifesta de forma eloquente o nível de desenvolvimento humano
de uma sociedade.
Há na vida
situações em que nos vemos colocados diante do dilema de ter que escolher entre
dois males. Numa situação destas, a moral católica nos recomenda optar pelo mal
menor.
A Igreja católica não permite a um católico divorciado
casar outra vez com outra pessoa. Declara ilegítimo e nulo este novo casamento
e imoral toda relação sexual entre os novos parceiros. Nega-lhes o acesso aos
sacramentos.
Cresce de
ano para ano o número de casais que se encontram nesta situação. Excluí-los
drasticamente da vida da sua Igreja é atitude que só pode ser tomada como
injusta e pouco caridosa. Para todos os efeitos práticos, o casamento anterior
deixou de existir. Mas mesmo assim, continua sendo “favorecido” pelo direito
eclesiástico em detrimento de toda e qualquer tentativa de recompor a sua vida
sexual em base mais sólida que a do casamento anterior.
O perigo de abrir espaço a abusos é, sem dúvida, muito
grande, mas seguramente menor do que imaginam os homens que têm o poder de
“ligar e de desligar” aqui na terra!
Abuso por
abuso: o exercício do “poder absoluto” oferece muito mais riscos de abuso do
que o sexo. Manter aferrolhadas “portas” que deveriam estar “escancaradas” é um
desses “abusos de poder”.
Um sistema moral que favorece a dubiedade e o fingimento
merece as críticas de um Nietzsche. É vício típico de teólogos verem tudo
distorcido, dizia ele.
O mal todo no caso do divórcio não é a separação do casal e
o fim da vida conjugal, mas a pouca seriedade, a quase displicência com que
casais se unem e com que a Igreja “abençoa” tais uniões. Comprometer Deus e
envolver a sua autoridade com esta espécie de “brincadeira de mau gosto”, só
pode ser visto e interpretado como presunção e falta de respeito pelo Criador.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
A NOVA MORAL EM NOVAS BASES
A nova moral
não pode ser construída sobre as ruínas da antiga, nem pode ser encarada como
simples emenda e prolongamento melhorado desta. Tem como ponto de partida a
pessoa, identificando-se com suas aspirações mais secretas, com suas
potencialidades mais elevadas, com seu dinamismo social, com as leis de seu
desenvolvimento espiritual.
É nova porque está a serviço do “novo homem”.
É radicalmente cristã, já que o homem novo é em sua
essência o “homo christianus”.
É muito mais exigente por ser muito menos tímida, menos
individualista, definindo o bem em termos muito mais amplos e universais do que
a ética convencional.
Supõe uma consciência muito mais cosmocêntrica, de acordo
com o papel cósmico, que a sua condição de pessoa reserva ao homem.
É mais homogênia e unitária por situar o esforço moral do
homem no centro energético do universo.
Confere à ação humana uma função muito mais ampla do que a
tímida moral do “cidadão bem comportado”.
Encara a sexualidade não apenas como função, mas como
dimensão sacramental de um universo ontologicamente radicado em Deus e
intrinsecamente voltado para Ele.
Não se contenta com a prática do bem. Exige como postulado
de base para a realização do bem a intenção de construir em si e em torno de si
um “mundo melhor”. É, portanto, maximalista e dinâmica por essência.
Distancia-se por esta razão de todos os parâmetros
jurídicos. Embora sejam úteis e até certo ponto limites necessários, estes não
podem ser utilizados como padrão moral de comportamento. A partir do Direito
não existe nenhuma via de acesso à ordem moral. A ordem jurídica e a ordem
moral pertencem a dois mundos perfeitamente distintos, embora convergentes. A
ordem moral pertence a um plano essencialmente superior ao da ordem
jurídico-social. A ordem moral tem em comum com a religião o fato de
pertencerem ambas à ordem do Amor. Uma ordem que constantemente se questiona,
se desequilibra para reagrupar seus postulados em novas formas de síntese
existencial. Por isso pode ser qualificada como “moral de movimento” segundo a
definição que lhe dá Teilhard de Chardin.
As bases desta nova moral estão assentadas na fé, entendida
aqui como função da consciência. Como espécie de previsão da totalidade do Ser.
Uma moral assentada apenas na justiça e nos postulados da razão não oferece
mais suporte válido à pletora de energias e aspirações desencadeadas por dois
mil anos de cristianismo.
Para Lopes Ibor todos os problemas sexuais têm sua origem
em conflitos morais. Para Wilhelm Reich todos os problemas sexuais podem ser
atribuídos à moral. Ambos, partindo de posições contrárias, chegam a ressaltar
a importância da moral. Não se entende, portanto, como pesquisadores sérios e
competentes (Kinsey e Hite, por exemplo) tenham deixado de lado toda e qualquer
questão relativa à moralidade da conduta sexual de seus entrevistados. Por esta
razão tais relatórios pouco valor têm como fonte de informações sobre a
situação real do relacionamento sexual. Passam à margem da questão essencial, a
única que realmente tem importância, a saber, o grau de qualificação humana da
conduta sexual. A verdade é que é difícil captar em números e porcentagens o
índice de qualificação moral ou o grau de maturidade de um comportamento tão
marcado pelas sutilezas do amor. Tudo o que é passível de ser expresso em
números não revela o essencial da coisa. Sob este aspecto os relatórios
geralmente nada mais são do que o resultado de um giro pela periferia da
questão, quando o assunto é sexo. Tem razão López Ibor quando reduz todo e
qualquer problema sexual humano à sua verdadeira dimensão, que é de natureza
moral. Razão tem igualmente, ao menos em grande parte, Wilhelm Reich quando
atribui tantos dos males, que os moralistas costumam verberar, à má moral que
pregam e impõem às atemorizadas consciências de seus fiéis.
Não se pode
definir como cristã simplesmente a moral católica tradicional, nem a ética
cristã convencional. Nela não está refletida a imagem do homem novo do
Evangelho, o arauto da Boa-Nova da libertação.
Vista à distância
crítica, a moral sexual opressiva e puritana da década de 30 só podia exasperar
um espírito como o de Reich, já que não encontrava nela o respeito pela pessoa
que deveria ser o apanágio de todo e qualquer sistema moral. Foi em grande
parte sob a égide e ao abrigo desta moral dita cristã que Hitler construiu a
maior máquina de destruição da História, ao menos até aquela data. Existem
indícios bem significativos de que o advento da nova ordem moral já está em
vias de se tornar realidade, e que o centro do interesse e da preocupação moral
será constituído em torno da dignidade inalienável e da grandeza divina da
pessoa humana.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.
ESPAÇO AMPLIADO
A integração num organismo social
mais amplo é essencial para a sobrevivência moral da unidade conjugal.
Individualismo e egoísmo a dois é vício tão pernicioso quanto o egocentrismo
individual. A “pessoa conjugal”, que nasce da união matrimonial, necessita do
“oxigênio” de espaços bem mais vastos do que o acanhado espaço familiar.
Como todo bem, também o amor tende
a se difundir, a ocupar espaço sempre maior. É no interior das pessoas que
existe em profusão “espaço vazio”, ainda não ocupado. Um amor não compartilhado
acaba por extinguir-se, sufocado pela estreiteza. O medo de perder o amor do
companheiro ou companheira é um dos resultados de uma política de
“confinamento”. Termina-se por sufocar o que se pretende proteger e resguardar.
O ciúme é considerado por muitos como “prova” de amor. Na realidade é indício
de medo e de falta de fé no outro. É fruto “venenoso” de uma das manifestações
mais primitivas de amor que é o chamado “amor possessivo”.
Quem tem medo de perder o amor de
alguém, não o merece. Também no terreno afetivo é preciso “saber perder”. Uma
farta dose de “espírito esportivo” também aí é indispensável a quem faz questão
de “não fazer feio”.
Amigo é aquele que está disposto a
“dar a sua vida pela do amigo” (Jo 15,13). É aquele que abre mão da preocupação
por sua própria felicidade, colocando em lugar dela a preocupação pela do
amigo.
Uma vida a dois adquire maturidade
na medida em que de lado a lado cresce a solicitude pelo bem-estar físico e
espiritual do outro cônjuge. Quem não está disposto a perder a sua vida não a
merece. Quem não está disposto a renunciar a si e à sua felicidade, não a
merece. A vida conjugal não é um terreno livre de frustrações e derrotas. Bem
depressa chega a hora em que o belo “arco-íris”, tecido de sonhos e de
fantasias, começa a empalidecer. Este fato não deve ser interpretado como
“perda” e como “fracasso”.
Se o casamento fosse uma
“sinecura” e a vida conjugal uma “excursão turística”, o despertar do sonho
romântico para a realidade da vida poderia ser classificado como “decepção”.
Mas já que o matrimônio nada mais é do que um “caminho” e a vida conjugal uma
“jornada a dois”, por que pensar em abandonar o caminho quando ele começa a se
tornar mais íngreme? Em vez de pensar em separar-se do companheiro de jornada,
não seria melhor tomá-lo pela mão?
A estrada está ficando ruim porque
ninguém pensou em conservá-la. Nem o Estado, nem as Igrejas têm demonstrado
interesse em assegurar, a quem casa, ambiente condigno à realização de uma vida
de amor. De que adianta casar numa “igreja” bem limpinha e perante um “ministro
do altar” bem trajado e bem alimentado, quando a continuação e até a própria
“lua de mel” vão ter como cenário o alto de um morro dominado por traficantes?
Por que as “igrejas” não incluem em seu conceito de “forma canônica” um pouco
mais de preocupação social? A continuidade do que foi sacramentado ao pé do
altar depende das condições do ambiente social mais que da boa vontade do casal
ou do sermão (homilia) dominical do padre (ou pastor)!
Pelo casamento que legitimam,
Estado e Igreja autorizam um casal a ter filhos. Na prática este gesto equivale
a conceder a um “barbeiro” carteira de motorista.
In: Manuscrito de Pe. José
Marcos Bach, sj
ADULTÉRIO, O QUE É
O adultério significa uma ruptura fatal da unidade
conjugal. Não é o fato externo que determina este rompimento radical do laço
conjugal. Nem mesmo um número qualquer de relações extraconjugais. O que é
decisivo, no caso, são a motivação e o contexto ambiental. Quase não existe mal
no mundo que não possa trazer algum bem. Um “passo em falso” de um dos cônjuges
pode alertar o companheiro para a realidade. Quantas uniões há por aí que do
casamento só conservam ainda a casca. Tudo o que representa a medula já morreu,
ou está em estado adiantado de decomposição moral. O casal vive, no entanto, na
maior segurança quanto aos eventuais riscos de infidelidade. Dopados pela
rotina, não advertem os perigos que rondam o casamento. Não notam o verme que
silenciosamente rói, o câncer que mina sorrateiramente a vitalidade do amor
conjugal.
Um adultério pode servir para pôr a nu a realidade. Quantos
há que só acordam no leito da morte, depois de se terem servido do leito
conjugal apenas para dormir.
O adultério é um pecado. Mas o pecado tem também uma função
importante na pedagogia divina. Traumatiza, acorda, desperta, humilha. Sua “luz
negra” é sinistra, mas ilumina mesmo assim. O adultério põe fim à mentira, à
ilusão. Tem o poder de chocar.
Sob que condições o adultério pode ser benéfico e quando
somente serve para selar o fim do que talvez já tenha sido algum dia um
casamento promissor?
Poderá haver um adultério capaz de trazer benefícios para o
casal? Pode. Quando? Quando serve para pôr fim a uma ilusão. A ilusão de que um
outro homem ou uma outra mulher é capaz de nos dar a felicidade que não
encontramos no próprio lar.
A intimidade continuada põe de manifesto os menores
defeitos. O relacionamento sexual não consegue satisfazer todas as necessidade
e aspirações de uma pessoa. Nem sequer no terreno genital. Por isso o casamento
geralmente é decepcionante. Renasce da fantasia a imagem do príncipe ou da
princesa encantada. Essa imagem se encarna projetivamente na pessoa de alguém.
Esse alguém pode ser uma pessoa igualmente desencantada com a rotina da sua
vida conjugal. Um encontro casual junta a fome ao apetite, dando origem a um
desses muitos casos amorosos de que as crônicas sociais andam repletas. Devido
ao caráter projetivo, estas novas uniões têm fôlego curto. Com um mínimo de bom
senso estas pessoas poderiam chegar à conclusão de que nenhuma aventura é capaz
de preencher o papel reservado tão somente à fidelidade. Acabariam retornando
ao primeiro amor. Voltariam para os braços da esposa outrora desprezada, para
junto do marido, que lhe permaneceu fiel o tempo todo, trazendo no coração a
experiência de que a alma do amor é a fidelidade, e não o êxtase erótico. Qual
o marido ou esposa que tem o heroísmo de continuar esperando contra toda a
esperança? Quem os incentiva a isso?
O subconsciente interfere muito mais no relacionamento
conjugal do que se pensa ordinariamente. A boa vontade por si só é impotente
diante do quadro de condicionamentos neuróticos e neurotizantes. É preciso ir
até a raiz do problema, lá onde se está configurando uma situação de “pecado
radical”. De pouca utilidade são, neste caso, as diretrizes de um sistema moral
racionalista e voluntarista em excesso.
Um falso moralismo
procura resolver este tipo de problema com apelos à obrigação. Apela para as
exigências de um amor transformado em dever.
Um falso espiritualismo
pretende resolver tudo com oração e práticas religiosas. Tudo isso é útil, ou
melhor, pode sê-lo. Mas não substitui a autoanálise das motivações
subconscientes, portanto, das causas. Estas têm que ser atingidas, se se tem a
intenção de atingir os efeitos.
In: “Evolução do Amor
Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes
ARRANJOS PROVISÓRIOS
Não sei se
existe terreno em que a “brutalidade” humana consiga chegar a extremos de
violência como os que ocorrem no campo do relacionamento sexual.
“Fazer amor” no banheiro, no banco de um carro, com a
cabeça cheia de vapores etílicos, com uma mulher “de programa”, com uma
prostituta de beira de estrada: tudo isso e coisas ainda piores fazem parte
“normal” do panorama sexual do nosso ambiente urbano “moderno” e
supercivilizado.
E as “religiões”, quê estão fazendo? Abençoando
“casamentos” que nada mais são do que “arranjos provisórios” e despidos de
qualquer outro interesse que não seja o de natureza social. Quem casa deveria
fazê-lo com aquele mínimo de “seriedade” com que um comerciante abre uma loja.
Nenhum “empresário” sério se propõe a construir uma “fábrica” se não tiver a
certeza de que terá sempre a seu dispor o capital necessário para custear a
produção e a clientela necessária para absorver a sua produção. O mínimo que se
deveria poder esperar de um casal de noivos é que tenha a mesma preocupação.
Tratamos o amor como se fosse fonte inesgotável de recursos destinados ao
“consumo”.
Para um
casamento ser bem sucedido é preciso dedicar-lhe cuidado ainda bem maior do que
a que um “empresário” inteligente dedica à “saúde financeira” de sua empresa.
Não havendo “investimento” e reposição de capital, não só uma empresa
comercial, mas toda e qualquer “empreitada” humana, vai à falência.
In: Manuscrito de Pe.
J. Marcos Bach, sj.
ÉTICA DO AMOR
Entre os romanos o que importava era a “voluptas”. O amor não tinha o mesmo
valor que nós lhe atribuímos hoje. Era tarefa reservada a esposas e concubinas.
Platão considerou como superior e mais nobre do que o de uma mulher, o amor de
um homem adulto para com seu discípulo mais jovem.
Deixar-se fascinar pela beleza de um jovem éfebo não
depunha contra a nobreza moral de um mestre sábio, como Sócrates. Só homens
vulgares caíam na teia de logros que cercam o amor feminino e acabam por prendê-los
a um pobre e conspurcado leito conjugal. Ainda hoje confundimos sexo com amor.
A expressão “fazer amor” diz muito bem que nossa maneira de relacionar sexo com
amor pouco progrediu nestes últimos 2.000 anos de civilização ocidental. No
terreno sexual ainda estamos longe do dia em que tivermos atingido a plena
maturidade psicológica e moral.
Dum lado está o contingente dos adoradores da deusa Vênus,
a deusa do prazer livre e descomprometida da obrigação de amar. O amor
“venéreo”, tal como é praticado em prostíbulos e em motéis de beira de estrada,
prova que é grande o número de pessoas que ainda vivem nos subúrbios da Antiga
Atenas e da Roma Imperial.
Não conheço mercado em que se esteja vendendo mais “gato
por lebre” do que no terreno sexual. Homens e mulheres estão incrivelmente
longe de se compreenderem mutuamente. As mulheres querem apoderar-se de um
homem que satisfaça todas as suas necessidades! Os homens vão à procura da
mulher que possa satisfazer todos os seus desejos. No terreno sexual nada mais
escasso do que o amor.
“Amizade é coisa rara”, dizem grandes psicólogos como Rollo
May, Erich Fromm e Victor Frankl. Um “grande amor” é ainda mais raro: “dois ou
três a cada século”, na opinião de Albert Camus. Sendo assim, não é de causar
surpresa o que nos é dado observar no terreno das relações sexuais.
Um certo
romantismo religioso leva os jovens a superestimar as virtudes mágicas do
matrimônio, atribuindo-lhe poderes que só o amor possui. Esperam do casamento o
que só um grande Amor é capaz de proporcionar.
Este Amor, “mais forte do que a morte”, não é o amor
romântico de filmes e novelas. É o modesto amor “feijão com arroz”, que luta
dia após dia por sua sobrevivência. É modesto e humilde e não se alimenta de
grandes gestos e de atitudes heroicas. Não é operístico, nem trágico; sequer
dramático é! Não se sustenta “fazendo teatro”.
É discreto e nisso se parece com a respiração que só chama
a atenção em raros momentos do dia. Amor barulhento é como respiração ofegante!
O Amor de Deus é infinito e onipresente! Quem, no entanto, o nota e percebe?
O Amor de Deus é Eterno e sem limites! Mas entre nós,
humanos, até o mais apaixonado dos amores não consegue sobreviver por muito
tempo ao impacto corrosivo da vulgaridade e da passagem do tempo. Como tudo o
que é vivo, também o amor que herdamos da mãe natureza está sujeito à lei da
entropia: pode envelhecer e morrer, a menos que venhamos em sua ajuda!
Há em algum
lugar do Cosmos uma fonte de Amor Eterno! Tem que ser assim, já que “Deus é
Amor”, e “a suprema natureza do universo é uma energia de amor” (na opinião do
físico David Bohm).
O Amor é muito mais do que um gostoso e belo sentimento,
uma experiência arrebatadora! “Deus nos ama loucamente”, dizem os místicos!
Existe em todo amor autêntico um traço de “loucura”.
O amor não
obedece a leis, não aceita limites e não se submete a restrições! É soberano
absoluto e não precisa que alguém lhe diga até onde pode ir! Quem ama
“loucamente” “perde a cabeça”, passa a “pensar com o coração”!
In: Manuscrito de Pe.
José Marcos Bach, SJ
DIFERENÇA ENTE VERGONHA E PUDOR
De promessas
não cumpridas o mundo está cansado, é verdade. Mas é ainda mais vergonhoso o
espetáculo proporcionado por pais e por mães solteiras, de homens que procedem
como cachorros e de mulheres que engravidam sem o menor pudor.
A vergonha
faz parte da moral cristã. Como eu, você terá aprendido que o sexo é um dos
terrenos mais escorregadios da vida humana. Só tardiamente a vergonha foi
introduzida no código moral da humanidade.
O primeiro
casal, do qual somos todos descendentes, só descobriu o aspecto vergonhoso da
nudez depois que descobriu o pecado.
Uma coisa é
a nudez de um corpo infantil e sadio. Outra coisa é a exibição de corpos nus
numa praia ou num desfile carnavalesco. Pudor e vergonha não são a mesma coisa.
Pudor é respeito, ao passo que vergonha é fuga da realidade e falta de
respeito.
Usar o sexo
como arma e como isca é uma coisa e usá-lo como meio de comunicação
interpessoal é coisa bem diferente. A palavra concupiscência é usada nas
Escrituras Santas para distinguir o desejo sexual desvirtuado do impulso sexual
saudável, tal como o herdamos de nossos ancestrais pré-hominídeos.
O animal age
por instinto. Não raciocina nem calcula. Age sem ter consciência do que está
fazendo e sem medir as consequências do que faz. O instinto assegura ao animal
uma vida sexual tranquila e sem grandes percalços. A limitadíssima consciência
que o animal tem de si, permite-lhe um nível de autorrealização com o qual
homem ou mulher alguma se contentaria.
Só em sociedades extremamente primitivas é possível reduzir
as exigências morais de uma mulher ao espaço mínimo que separa a cozinha da
alcova.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ.
CONSTATANDO A REALIDADE
Pergunta a que todo passageiro deve
responder é a seguinte: aonde você vai? O termo de chegada determina os passos
todos. O destino da viagem determina o seu sentido! Aproximar-se cada vez mais
do ponto de chegada significa boa viagem. Se o avião é um Concord ou um
supersônico; se o navio é um Queen Mary, um transatlântico de luxo, isso é
secundário. De que adianta embarcar no mais suntuoso paquete ou no mais veloz
avião do mundo, quando o navio permanece ancorado no porto e o avião parado no
hangar?
O assunto que vamos analisar juntos está
ligado à qualidade humana da vida sexual que levamos. Você, como casado, e eu
como celibatário. Você vê sua vida sexual passada e presente como fato. Em boa
parte como fato consumado, como águas que já passaram e não voltam mais. É
possível que você olhe para boa parte das suas façanhas sexuais com um misto de
saudade, de orgulho e de vergonha! O seu casamento não é aquilo que você
queria. Os filhos que tem não são o fruto generoso de um “grande amor”. O
prazer que sua esposa (ou marido) lhe pode oferecer é pobre demais e não
consegue competir com o que a prostituta ou amante lhe estão a oferecer!
Você cumpre seu “dever conjugal” porque
precisa do prazer e da descarga fisiológica que o ato sexual lhe pode
proporcionar.
Você tornou-se escravo do seu sexo
permitindo que ele se transformasse em necessidade.
Você fez da “cópula” o momento culminante
e a manifestação máxima do amor entre homem e mulher.
Você fez do orgasmo o objetivo máximo da
união sexual e critério psicológico destinado a distinguir no terreno sexual o
ato bem sucedido do ato frustrado. Querendo ou não, você criou para si uma
moral pessoal própria. Para você, bom é o que dá prazer, porque o que dá prazer
está em sintonia com a natureza. E o que está em sintonia com a natureza é bom!
O prazer é o sinal de aprovação que a natureza envia aos que agem de acordo com
suas leis. O que sobrou do seu casamento, agora que os filhos já estão
crescidos e os primeiros netos começam a aparecer chamando-o de vovô ou de vovó? O
sol da sua vida cruzou o zênite e já começa a inclinar-se perigosamente em
direção ao ocaso. Você que nunca teve tempo para isso, começa a pensar. Sente
que ainda lhe restam uns bons anos de vida. Que nem tudo o que restou do seu
passado é saudade ou tristeza! Existe ainda pela frente um bom lapso de tempo
que, bem aproveitado, pode compensar o que o passado se recusou a oferecer.
Talvez fosse um erro seu esperar que a felicidade viesse até você indo morar
com você na mesma casa e dormir com você na mesma cama. Em vez de ir ao
encontro dela, abrindo-lhe os braços, convidando-a a vir morar em sua casa,
você ficou à espera dela.
Você fez da felicidade um direito, um
direito pessoal, em lugar de ver nela parte essencial dos seus deveres e de
suas responsabilidades sociais. Ninguém lhe tinha ensinado que a sua felicidade
particular não podia ser tratada como assunto particular. Felicidade gera
felicidade e atrai entre si os que são felizes.
Você achou que tinha feito tudo o que
honesta e justamente se pode esperar de um casal cristão. Você tinha a
consciência de ter cumprido fielmente seus deveres religiosos, familiares e
patrióticos. Para você é cristão perfeito aquele que cumpre fielmente todos os
seus deveres. Sua falta de sorte foi não ter encontrado nunca um padre ou
pastor que lhe dissesse: “Depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado,
dizei: somos servos inúteis” (Lc 17,10).
Deus não te chamou para ser servo, mas
para ser seu amigo! (Cf. Jo 15,14).
In: Manuscrito de Pe. José Marcos
Bach, sj
TERNURA É DELICADEZA
Que influência
construtiva pode exercer sobre a vida conjugal e sexual de seus membros uma
igreja ou religião que há muito não fala mais a linguagem do povo e não
compartilha com a multidão de pobres, desempregados e sem-terra as mesmas
necessidades e problemas? Amor é, acima de tudo, compartilha. Até Deus achou
que seu discurso sobre amor seria incoerente e falso caso não viesse à Terra
dos homens para compartilhar com eles da mesma vida.
O discurso moral não
é suficiente e não tem o poder de suprir a falta do discurso religioso. A moral
impõe limites. O discurso religioso cristão rasga horizontes e derruba fronteiras.
Mesmo o mais generoso sistema moral contenta-se com a tarefa de circunscrever o
campo psicológico e o espaço social dentro do qual um casal pode dar vazamento a
seu impulso sexual. Tem por objetivo definir as normas que regulam o bom
comportamento sexual e o legitimam. Acontece que amar significa tomar alguém
pela mão e pôr-se com ele a caminho.
À pergunta: “estou
certo ou errado?”, vem juntar-se outra, bem mais crucial e difícil de
responder: “estamos indo na direção certa, ou não?” Para as águas de um rio,
nenhuma outra pergunta é tão essencial quanto esta. Mas há uma outra necessidade
tão fundamental quanto a anteriormente citada. Ela envolve crescimento e
aumento de volume. Até o majestoso rio Amazonas acrescenta volume ao longo do
seu curso, incorporando e fundindo com as suas as águas de inúmeros afluentes.
O mesmo princípio deveria valer para a vida conjugal: filhos, netos e amigos se
encontram no mesmo amor que une entre si o casal de avós.
Todo amor só é
legítimo e autêntico na medida em que acolhe e confere sentido aos amores
tateantes das gerações novas. Cometemos um erro crasso quando encarregamos um padre
ou pastor da tarefa de nos dizer o que é amor! O mesmo erro cometemos quando
confiamos a um psiquiatra ou conselheiro matrimonial a solução de nossos
problemas afetivos e sexuais. Feliz o neto que pode conversar sobre estes
assuntos com um avô experiente ou com uma avó sábia.
Quem não sabe por
experiência que não existe amor sem sofrimento, nem virtude sem tentação, não
deve meter-se a conselheiro matrimonial. O bom conselheiro não é aquele que
fala para as pessoas em lugar de falar com elas e que não fala como se ele
mesmo não tivesse problemas e como se não conhecesse as mesmas tentações que os
demais.
“O crescimento da fé
depende da demolição sempre renovada de concepções imperfeitas da fé” (A.
Sapple, Nossa Fé Está Mudando? - Ed. Paulinas, p.10). O mesmo vale para o
casamento.
Também no matrimônio
há lugar para muita demolição. Quantos sonhos tiveram que ser abandonados e
quantas esperanças tiveram que ser enterradas antes que a realidade pudesse
impor-se!
O medo de ter que
abrir os olhos e encarar a realidade leva inúmeros casais à crença de que o bom
casamento é aquele que não muda nunca. Cedo ou tarde vem o dia (ou a noite) em
que deixa de possuir o mesmo sabor romântico dos tempos da “lua de mel”. Não é
esta a hora de pensar em trocar de parceiro. Menos ainda é a hora de pensar em aposentar
o sexo e fazer voto de castidade. Pior do que outra resposta qualquer é a
simples continuação rotineira do mesmo ritual, sem modificação substancial
capaz de melhorar a qualidade do relacionamento. A resposta não pode consistir
em melhorar apenas a qualidade técnica do intercurso sexual, pois ela pouco tem
a ver com orgasmo. Ou, para ser mais exato: é preciso ir à procura de outras
formas de orgasmo, de êxtase e gratificação, o que até então não fazia parte
nem do desejo nem das necessidades sexuais.
Assim como um vinho
nobre melhora de bouqué com o passar do tempo, de modo análogo o amor sexual
adquire nobreza na medida em que concede à ternura parcelas crescentes do
espaço antes reservado à satisfação do desejo sexual.
Ternura é
delicadeza, respeito e admiração pela pessoa amada. É ela que faz a diferença
entre o ato sexual humano e a cópula animal. Ela representa no relacionamento
amoroso entre humanos o que o perfume significa para a flor. Nada há capaz de
degradar qualquer manifestação de amor entre humanos mais do que a ausência de
ternura. Não sei se existe terreno em que a brutalidade humana consiga chegar a
extremos de violência como os que ocorrem no campo do relacionamento sexual.
In: Manuscrito de Padre José Marcos Bach, sj
U M A T A R E F A U R G E N T E
Uma das tarefas mais urgentes da moderna antropologia
consiste em sintetizar numa visão global e coerente os conhecimentos que vão se
acumulando a respeito da sexualidade humana.
A síntese cristã tradicional agostiniano-tomista não
consegue preencher todos os espaços abertos pelas descobertas e interrogações
da moderna antropologia. Demasiadamente presa a concepções estáticas da
natureza em Santo Agostinho. Por demais condicionada pela lógica da razão em
Santo Tomás de Aquino. Excessivamente ligada à ordem da Criação atribui ao
exercício da sexualidade objetivos que a definem em função da procriação
biológica, antes de tudo. Numa época em que a relação sexo-amor não constituía
mais que um acidente romântico, quando não trágico, na vida de uns poucos
Romeus e Julietas; quando havia a necessidade de preencher os enormes claros
demográficos, obra da fome, de pestes e guerras, uma visão metafísica
procriativa representava o que de mais conveniente era possível imaginar e
impor como diretriz-base em matéria de exercício sexual.
Mas hoje já nos defrontamos com outro problema: o excesso
demográfico. O homem, e mais ainda a mulher moderna, repele o tipo de
realização sexual com que nossos antepassados se contentavam. O endeusamento da
mulher como mãe é coisa que não “cola” mais. Dificilmente o homem dos grandes
centros urbanos vai pôr o seu orgulho no número de filhos. É bem o contrário
que se está a verificar, mesmo entre os representantes da classe operária. A
família numerosa não é mais símbolo de generosidade ou realização sexual. A não
ser em almanaques beatos. Em muitos círculos até passa a ser prova de
irreflexão e inconsciência. As normas e exigências da moral convencional
constituem respostas a questões que ninguém mais está colocando da forma como o
foram. As grandes interrogações, as que dizem respeito ao sentido da vida, da
sexualidade em particular, certamente não encontram resposta adequada por parte
de uma moral muito mais medrosa e pessimista do que criativa e empolgante. Uma
moral empolgante! Arrebatadora e apaixonante, em substituição à moral piegas,
cujo objetivo parece ser o de manter a mente e o coração do homem confinados
aos subterrâneos dos determinismos da natureza. Uma moral que traía com seu
rigidismo naturalista a origem divina do homem. O homem de hoje quer uma moral
que tenha cheiro de Terra. Que ressuma leite e mel, e não somente suor e
trabalho. Uma moral capaz de arrancar da inércia e da mediocridade, da timidez
prudencial e da casuística safada o espírito do homem moderno, cuja relação
para com as Igrejas, sejam quais forem, é muito mais viril e altaneira do que
convém ao gosto dos aiatolás e outras
raridades fósseis de um mundo medieval, totalmente deslocado no tempo. Em
nenhum setor da vida humana pesam com mais força o medo e o falso pudor do que
sobre a atividade sexual. Mais se parece com uma ave a que tiraram as asas.
Obrigado a andar a pé, a se arrastar pelo pó dos caminhos e descaminhos do
tempo, o casal humano terminou por endossar como ideal de realização um tipo de
convívio construído na base da conformidade passiva. O que poderia ser uma bela
aventura, tornou-se rotina. O que poderia ser o mais poderoso manancial de
energia espiritual, acabou sendo encarado como a fonte típica do pecado. Os
mais “generosos”, os que se refugiavam na solidão asséptica da vida
celibatária, as mais das vezes se fechavam na prática de uma espiritualidade
inofensiva em lugar dos sonhados voos espirituais. Sem diminuir com isto o
mérito dos grandes espíritos que na solidão do celibato dedicaram as suas
existências à contemplação ou à ação desprendida em prol de seus irmãos.
Texto do livro “EVOLUÇÃO DO AMOR CONJUGAL” de Pe. José
Marcos Bach, sj - Ed.Vozes e INEF.
“GUERRINHA DE NERVOS”
A moral sexual dos compêndios continua atrelada a uma
concepção dualista e dicotômica da sexualidade humana. Segundo esta concepção,
homens e mulheres se encontram em “lados opostos”. O matrimônio resulta de um
“pacto” onde uma série de “concessões” determina o espaço social reservado a
cada um. Ao lado de uma harmonia mais aparente que real, ferve uma “guerrinha
de nervos” mal disfarçada.
A mulher, à qual o homem declara dedicar todo o seu amor, é
geralmente uma “ilustre desconhecida”, a respeito da qual ignora praticamente
tudo. O mesmo se pode constatar a respeito da mulher.
Homens e mulheres se “conhecem” mais como “figuras
imaginárias” do que como seres de carne e osso. Quando o primeiro casal humano
verdadeiramente consciente de si se encontrou pela primeira vez, o homem
prorrompeu na exclamação: “Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos”!
Não é partindo de lados contrários que homens e mulheres se
dirigem ao encontro um do outro. As diferenças entre homens e mulheres são
relativamente poucas e pertencem todas elas à mesma “natureza”. O modo de
“encarnar” a natureza humana é substancialmente o mesmo. As diferenças
tipicamente sexuais são de ordem formal e estilística. Salientar por demais as
diferenças é o que se encontra por trás da “guerra dos sexos”. Assim como toda
guerra, também esta é totalmente desnecessária, e só acontece lá onde o bom
senso foi expulso do diálogo social.
A mulher não é a encarnação exterior da “metade” que lhe
falta. Finalidade da união sexual não é juntar “partes” para com elas formar um
“todo” maior. Se assim fosse, não haveria como justificar o celibato. O
casamento seria o fruto de uma “necessidade” biopsicológica.
Onde situar o amor numa união dominada pela necessidade e
regida por determinismos psicofisiológicos? O Código de Direito Canônico
declara “consumado” um matrimônio após a realização do primeiro ato sexual
completo. O que torna o matrimônio “indissolúvel” e faz do “sim” dado na devida
forma canônica uma “opção irreversível”, é o ato sexual. Basta um único ato
fisicamente completo para “amarrar” um casal em caráter definitivo ao “sim”
dado ao pé do altar. Em momento algum o Código se preocupa com os aspectos
“qualitativos” do ato. Esta supervalorização dos aspectos fisiológicos do ato
sexual continua fazendo parte da Moral Sexual católica. A ausência de qualquer
espécie de preocupação pelos aspectos afetivos e psicológicos do ato sexual é
gritante. Uma ultrapassada concepção “fisicista” contribuiu e continua
contribuindo mais do que se supõe para a desagregação da vida familiar e para a
“degradação” do relacionamento sexual do mundo ocidental “cristão”. É evidente
que um dos aspectos mais falhos da moral católica é de natureza antropológica.
Pe. José Marcos Bach, SJ
ATO PLENAMENTE HUMANO
Seria, sem dúvida, mal avisado o
casal que subordinasse sua vida sexual ao império do Acaso e da Necessidade. Um
bem elaborado código de moral não basta como receituário. As luzes da razão
podem ser úteis, mas são insuficientes e fracas demais para iluminar os
caminhos imprevisíveis por onde a vida costuma passar. Para ser plenamente
humano ou bom, isto é, integralmente de acordo com a natureza do homem, um ato
humano, por mais modesto que seja, deve obedecer a cinco requisitos básicos:
1. Deve ser racional, fruto de uma reflexão bem ponderada.
2. Deve ser livre, pois é a liberdade que torna o homem verdadeiramente
soberano de suas ações.
3. Deve ser consciente, isto é, deve resultar de uma forma de conhecimento tão
completo e perfeito, quanto possível. Só a consciência pode oferecer a uma
pessoa o grau de “infalibilidade” que representantes de regimes autoritários
costumam reclamar para si.
4. Deve ser um ato de amor. O oposto do amor é, neste contexto, o ódio, o medo
e o predomínio do interesse pessoal sobre o social.
5. Deve contribuir para tornar a vida mais agradável e feliz.
A atualização do discurso moral cristão supõe mudanças mais do que
cosméticas. Exige uma radical mudança de
direção. Da preocupação pela forma correta de comportar-se, o cristão deve
ser estimulado a se preocupar menos com aspectos formais e externos do seu
comportamento, passando
a prestar muito mais atenção e a dar muito mais valor à sua qualidade ética.
“Não mato, não roubo”: que mais querem de mim”?
Com esta justificativa muitos
cristãos se contentam. Se é verdade, como ensina Santo Tomás de Aquino, que
para ser integralmente bom um ato humano deve preencher todos os cinco
requisitos acima mencionados, então a “integridade moral” deve ser um fenômeno
bastante raro.
A passagem de um sistema moral destinado
a padronizar comportamentos para um comprometido com os aspectos subjetivos do comportamento
humano é um processo que ainda não encontrou nas altas cúpulas eclesiásticas o
apoio e a compreensão que merece. Todas as preocupações em que predomina a
supervalorização da forma correta terminam por desembocar em becos sem saída!
Há muitas formas diferentes de
fabricar pão. O que importa é a qualidade da massa e seu valor nutritivo.
A moral católica peca por excesso
de formalismo. No terreno sexual este formalismo beira às raias da hipocrisia.
Pe. José Marcos Bach, SJ
AUTONOMIA ÉTICA
Só pode-se definir como pobre um
sistema moral que se contenta com definir deveres e direitos. Existe um
território moral enorme além daquele que abrange tão somente o obrigatório e o
proibido. É o território reservado ao domínio da consciência onde a Lei Suprema
é a Lei da Liberdade dos Filhos de Deus! Por mais racional que seja, um sistema
moral só merece ser definido como cristão se o critério que o inspira é a Fé em
Cristo.
A Encíclica Humanae Vitae do papa Paulo VI é a prova mais cabal de
que a formulação do sistema moral católico se apoia mais em critérios
filosóficos ultrapassados, se não de todo, ao menos em aspectos essenciais. Na
Bíblia não se encontra nada que autorize a condenação do uso da pílula como
contraceptivo. É no terreno do comportamento sexual que a Igreja católica
perdeu quase que por completo o contato com a realidade de um mundo em
transformação, tanto quanto com as exigências de uma Fé em Cristo que seja mais
do que mera fidelidade ao magistério da Igreja!
O campo do relacionamento sexual é
sem dúvida o que mais necessidade tem de passar por transformações radicais. A
supervalorização do celibato e a imperdoável discriminação da mulher são chagas
que é preciso extirpar do corpo da Igreja.
Uma Igreja em que um só irmão é
tratado como menor e é obrigado a pedir esmola o que lhe cabe por direito, só pode
ser vista como suspeita de simonia. A
pobreza da moral sexual católica se manifesta na preocupação pela determinação
do caminho correto e pela pouca preocupação com os detalhes da viagem e com os
meios de locomoção. Também no terreno do relacionamento sexual pode-se andar a
pé, a cavalo e de ônibus. A moral católica oficial se preocupa com aspectos
éticos relacionados com velocidade? Uma moral de tartarugas que mal conseguem
sair do lugar em que se encontram, é a impressão que me dá a moral dos
compêndios e das encíclicas papais.
Como teria que ser formulado um
sistema moral inspirado em valores oriundos da experiência viva da vida de Fé
em Cristo? Um aiatolá (vigia), quando do alto da gávea solta o seu grito de
alerta, está fazendo exatamente o mesmo que a consciência moral do homem é
encarregada de fazer. A vigilância não seria tão necessária se fosse possível
impedir ao máximo o surgimento de surpresas. Se fosse possível regular o
comportamento humano com boa antecedência; e se fosse possível separar com
precisão o bem do mal, um bom e preciso código moral poderia substituir a
consciência nesta sua função crítica. Mas este código teria que ser tão
complexo e detalhado que ninguém teria condições de lembrar-se dele na hora da
decisão.
O sistema de alarme da consciência
moral humana tem a vantagem de funcionar na hora e sem outro esforço que não o
de escutar o que diz. Para ser bonzinho basta fazer o que é prescrito. Quem
quer atingir a maturidade moral e tornar-se adulto como Cristo o foi, não pode
contentar-se com figurinos morais. Para ser um cristão de verdade não basta imitar
o Divino Mestre e reproduzir gestos da sua vida terrena. Quem se contenta com
ser apenas bom e irrepreensível não necessita de um elevado nível de
consciência. A consciência não foi dada ao homem para que confirme e sancione o
que já foi decidido e decretado.
Para ser legítima, toda decisão
moralmente válida tem que ser criativa. É a vontade ou a intenção da pessoa que
fazem com que seus atos sejam bons ou maus. É por isto que o homem precisa da
sua consciência, pois sem ela não saberia onde colocar seu “tijolo”. Não há
ordem jurídico-moral tão vigilante, tão capaz de atender na hora, quanto a
consciência. Ela possui a flexibilidade e a prontidão que nenhum código moral é
capaz de apresentar.
Boa parte dos problemas conjugais
da atualidade está relacionada com o baixo nível de consciência de casais que
não estão à altura das exigências éticas de uma vida de amor a dois. Esperam de
outros o que deveriam fazer por si. Quantos religiosos esperam da graça de Deus
a solução de problemas que um simples diálogo poderia resolver! Quem não sabe
governar-se por si mesmo acaba invariavelmente servindo de peteca na mão de
terceiros. Casal que precisa de ajuda de fora para se entender entre si, casou
cedo demais. O melhor que pode fazer é pensar em reformular o seu casamento por
inteiro, de ponta a ponta. Assim como não é possível curar um doente aos
pedaços, do mesmo modo é impossível restaurar a saúde de um matrimônio
adoentado, por etapas, atacando um após outro, os focos de mal-estar! A pessoa
humana é um todo, ou se cura por inteiro, ou continua mais doente do que antes.
Pe. J. Marcos Bach, sj
O COMPARTILHAR NO “MAIS” E NO “ALÉM”
Os pais tornam-se cada vez menos
necessários e importantes à medida que os filhos crescem! O mesmo vale para o
casal. A felicidade de cada cônjuge consiste em ver o outro feliz. A genuína
felicidade, a que brota do amor, não é artigo de consumo individual. Não é
“façanha” reservada a “solteirões”. Ou se é feliz no “plural”, a dois, para
início de conversa, ou, então, se está a caminho do “inferno”, que é por
essência solidão e abandono! O caráter bipolar da sexualidade exige
compartilha. Mas esta compartilha não pode restringir-se aos aspectos
exteriores do relacionamento. Se as almas não se comunicarem entre si é inútil
esperar do intercurso sexual mais do que cansaço e enfado progressivo. Não é
apenas o “instinto” sexual que clama por satisfação. O impulso sexual humano
possui uma componente espiritual. O mais arrebatador dos “orgasmos” deixa de
ter qualquer sentido verdadeiramente “humano” se lhe faltar o apelo para um
“mais” e um “além”. Um ato sexual que permanece restrito às dimensões de uma
cópula semelhante a dos animais, não só é incompleto, mas constitui um “ato
falho”, um “equívoco” de graves consequências.
Em que consiste este “mais”, esta
dimensão espiritual?
Pouco consentâneo e coerente com o
nimbo “romântico” com que costumamos cercar tudo o que envolve amor e sexo é a
ideia de associar-lhe o conceito de “morte”. Também neste terreno vale o
princípio formulado por Jesus nestes termos: “Se o grão de trigo que cai na
terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo
12,24). É o grão que “morre”, mas o gérmen permanece vivo. Nem sequer a morte é
real, pois a matéria condenada a morrer, na realidade não desaparece, já que é
usada pelo gérmen para participar do nascimento da nova planta.
Vivemos num mundo à beira de se
transformar num gigantesco Supermercado Global. Tudo está sendo transformado em
objeto de “troca”. Produzir para vender; vender para poder comprar. E assim por
diante. Ninguém mais pensa em “dar de graça”, seja lá o que for! Até as
instituições religiosas cobram por seus “serviços”. Há tempo que o “interesse
econômico” passou à frente do amor solidário como fautor de progresso! “É
preciso aguçar os ânimos e jogar as pessoas umas contra as outras, se quisermos
passar do terceiro para o primeiro mundo”! Competir é agora a palavra de ordem!
Este “espírito de competição”
passou a fazer também parte do relacionamento entre homens e mulheres. Uma boa
dose de “emulação” em substituição ao tradicional servilismo feminino só pode ser
aceita com aplausos. Mas emulação e rivalidade não é a mesma coisa. Existem
formas bem mais “educadas” de dizer “não” do que as que costumamos praticar.
Para merecer respeito, o “não” tem que ser o fruto amadurecido de um “diálogo”
honesto e respeitoso. Além disso, tem que vir acompanhado de um “sim”. Só um
“sim” justifica um “não”. O “sim”, por sua parte, só é honesto quando nele
continua havendo espaço para um “não”. O caráter “dialético” da natureza humana
faz com que nossas afirmações e negações contenham sempre um pouco do seu
oposto.
A Igreja católica condenou a
teoria que pregava o “amor puro” como única forma genuína de amor. Por “amor
puro” os seus promotores entendiam um amor totalmente desinteressado e
absolutamente isento de egoísmo. A capacidade humana de amar é imperfeita e não
comporta tratamento tão radicalmente “perfeccionista”. Também neste terreno a
perfeição é um “horizonte” e não um ideal. Não somos obrigados a amar mais e
melhor do que no-lo permite nossa condição.
O “perfeccionista” diz: “se não
podes fazer perfeito, então deixa de fazer”! Em tudo o que fazemos se encontra
sempre uma pitada tanto de interesse quanto de egoísmo. O “pecado” não está em
procurar-se a si mesmo e cuidar dos seus interesses, mas em “esquecer” tudo o
mais. Está em amar-se a si mais que aos outros em lugar de envolvê-los num só e
único “abraço” do tamanho do Universo inteiro.
In: Manuscrito de Pe. J.
Marcos Bach, sj
DESAFIO DE CASAIS COMO MODELOS ÉTICOS
Em meados do século XVIII surgiu
na França um movimento cultural que tinha por objetivo reconduzir o homem
europeu de volta à natureza. O “bom selvagem”, o “inocente filho da natureza”
passou a ser endeusado e visto como o ideal do homem social e sexualmente
evoluído. Submetido aos postulados da razão, o instinto perdeu boa parte da sua
sabedoria nativa e com isso já não oferece mais ao homem a mesma segurança de
que o animal pode desfrutar.
A razão perverteu o instinto,
dizem os “hippies”. A moral cristã contribui para esta perversão na medida em
que tentou racionalizar a vida sexual, restringindo o campo da liberdade
pessoal a um mínimo compatível com estruturas político-sociais ainda mais
estreitas que o próprio código de moral por elas promulgado.
Podemos tomar o “bom selvagem” da
floresta amazônica como protótipo do futuro companheiro ideal da mulher?
Pode-se pensar em um acampamento hippie
como nascedouro de uma nova ética sexual? Será que a galeria de santos canonizados
com que o papa da Igreja católica tenta enriquecer a lista de homens e de
mulheres, tidos como espiritualmente mais evoluídos, contempla realmente o que
de melhor a humanidade produziu até hoje?
É bem possível que o nosso
problema moral mais agudo seja a falta de modelos éticos verdadeiramente
confiáveis. Será que é no alto de altares que é preciso procurá-los?
Também não é por decreto que se
promove a prática da santidade. O simples culto dos santos canonizados pode
muito bem obedecer a razões que nada têm a ver com santidade. Casados pouca
chance têm de serem um dia elevados à honra dos altares. O santo matrimônio não
santifica ninguém. A castidade conjugal não possui o mesmo poder de
santificação que na prática é atribuído à castidade virginal. O exercício do
amor conjugal parece diminuir e rebaixar a estatura moral. Só falta proclamar a
abstinência conjugal como manifestação superior de amor entre casais.
A moral sexual católica revela a
cada passo a sua procedência monástica e sua origem clerical. É muito generosa
na hora de impor vetos, porém, extremamente parcimoniosa, na hora de socorrer
casais em apuros.
O padre procede como o policial
rodoviário: verifica a documentação, xinga o motorista displicente e lhe aplica
uma penitência (multa) e depois o entrega à sua sorte. “Não tem gasolina? Está
com o pneu furado? Vire-se! Não é função da Igreja resolver problemas! Ainda
mais quando se trata de problemas criados pelo próprio casal”!
É
com estas ou palavras semelhantes que o padre procura lavar as mãos.
O sexo é tratado no campo
teológico como se fosse fruto de um descuido do Criador. Lendo certos teólogos
tem-se a impressão de que o sexo é o terreno mais propício à ação deletéria do
pecado original. Parece que em parte alguma o demônio consegue triunfos mais
retumbantes do que neste campo.
A maioria esmagadora dos um bilhão
e duzentos milhões de católicos do mundo estão comprometidos com o santo
sacramento do matrimônio. Se o casamento possuísse realmente o poder de
transformar egoístas inveterados em modelos de virtude como se diz, a Igreja
católica deveria encontrar-se anos-luz à frente, e a moral sexual deveria ser a
mais criativa do mundo. Em lugar de confiar a celibatários profissionais a
tarefa de encarnar as formas mais perfeitas e sublimes da caridade cristã,
deixaríamos esta tarefa entregue a casais.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj
CONSCIÊNCIA MORAL
O conceito de “consciência moral”
pouco mudou desde os tempos de Tomás de Aquino. De lá para cá o sol deixou de
girar em torno da terra, o homem foi até a lua e está se preparando para
iniciar viagens espaciais ainda bem mais longas. Não foram “deuses”, foram
homens que inventaram a bomba atômica.
Nietzsche se insurgiu contra a
imagem cristã do homem por achá-la por demais parecida com a de um “mendigo” do
que com a de um “senhor”. O seu “super-homem” não é cristão porque no cristianismo
o “humano” e em especial o “demasiado humano” é sempre sacrificado em proveito
do “divino” e o “natural” em proveito do “sobrenatural”.
A moral cristã é um dos sistemas
de valores culturais que mais teima em permanecer fiel ao passado. O mundo
mudou tanto desde a época de Pio X, mas no “interior” da Igreja dos papas os
ventos que sopram são os mesmos de 150 anos atrás. O culto da letra e a
preocupação pela “forma correta” ocupam o espírito dos representantes do
magistério eclesiástico mais do que a compreensão e aceitação dos seus
conteúdos por parte dos destinatários do discurso moral.
“Quidquid recipitur per modum recipientis recipitur”, diz um aforismo
filosófico. É o destinatário que interpreta a mensagem. É da sua capacidade de
compreendê-la e da ressonância que ela vier a encontrar em seu próprio interior
que depende o sucesso de uma mensagem mais que do seu nível “acadêmico”. O que
é claro e óbvio para o professor, pode ser obscuro e até mesmo incompreensível
para o aluno!
A linguagem em que foram expressos
os conteúdos da Mensagem Divina não é mais a mesma que hoje se fala em
ambientes mais abertos ao progresso do conhecimento humano. A linguagem de uma
sociedade de “servos” dominados por “senhores” não é a mesma que é usada numa
sociedade em que todos são “irmãos” e por isso basicamente iguais entre si.
Numa
sociedade onde o “decreto” substitui o diálogo e a submissão a “comunhão”
fraterna, onde autoridade e poder são vistos e aceitos como base de sustentação
da unidade eclesial, a “língua” que se fala em “cima” nos altos escalões
hierárquicos não é a que os “de baixo” entendem e gostariam de “ouvir”. Normas
morais formuladas em tonalidade dissonante e alheias a qualquer preocupação de
“agradar”, acabam “irritando” mais do que cativando o ânimo dos seus
destinatários.
Um sistema moral que não pode
contar sequer com o consentimento do povo, menos ainda com a sua participação
criativa, está fadado a “morrer” nas areias de um “deserto”. A elaboração de um
“código moral” é obra da Fé de toda a Igreja. É um erro dos mais funestos
atribuir esta tarefa tão somente aos membros da Igreja Docente.
O que um cristão honesto e crítico
pensa ser bom ou mau merece o mesmo respeito que a “voz do pastor” de sua
Igreja! “Vox populi, vox Dei”, diz um
provérbio.
O papa Pio XII reconhece ao povo o
direito de participar ativamente da vida da Igreja. O Concílio Vaticano II
endossou este ensinamento.
No plano político concreto os
altos escalões hierárquicos da Igreja se comportam como se o mundo em que vivem
e exercem sua autoridade fosse o mesmo dos tempos de Pio X. Uma época anterior
à Primeira Guerra Mundial lhes fornece os “parâmetros” de suas decisões e os
seus critérios de agir. Há decênios que já não se faz mais “ciência” como se
fazia antes da era de Einstein e de Max Planck. O mundo não mudou, e o homem é
ainda o mesmo de sempre. O que mudou é a “imagem” que tínhamos do Universo, do
Homem e, por conseguinte, de Deus. Nosso conhecimento tornou-se tão vasto e tão
profundo que indivíduo algum é capaz de abarcá-lo todo. A cada passo surgem
teorias novas em substituição a outras consideradas obsoletas e ultrapassadas.
Na interpretação dos fenômenos do
Universo material a teoria da relatividade de Einstein veio tomar o lugar da
teoria mecanicista de Newton. Desde então já passaram cem anos, mas a “física”
que se ensina nas escolas é ainda a de Newton.
Um provérbio alemão define o ser
humano como “Gewohnheitstier”, animal
de hábitos. É alérgico a mudanças. Acrescente a esta “resistência” inata ao
“novo” uma dose bem “sacudida” de preguiça mental, de comodismo e de “covardia”
moral, e você terá a explicação para o fato de obrigarmos nossos jovens
católicos a assistir “cursos de noivos” onde são “preparados” para a vida num
tipo de sociedade que há muito deixou de existir. O “recado moral” que recebem
é pobre e não os capacita a tomar posição crítica em relação aos desafios que
uma “sociedade sem Deus” representa para a vida de Fé em Cristo.
Com o advento da televisão o pior
crápula adquiriu a possibilidade de entrar nas casas e “vender” o seu “peixe” e
pregar sua “filosofia” de valores. Assistir a um “filme pornô” é mais
“divertido” do que assistir a uma missa do papa. Assistir a uma “missa” do papa
compromete menos do que meditar sobre o Sermão da Montanha. Tomar parte numa
procissão é sempre mais “chique” do que participar de uma manifestação
política.
Só pode-se definir como pobre um
sistema moral que se contenta com definir deveres e direitos. Existe um
território moral enorme além daquele que abrange tão somente o “obrigatório” e
o “proibido”. É o território reservado ao domínio da consciência onde a Lei
Suprema é a Lei da Liberdade dos Filhos de Deus! Por mais “racional” que seja,
um sistema moral só merece ser definido como “cristão” se o critério que o
inspira é a Fé em Cristo.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj
CONSCIÊNCIA E LIBERDADE INTERIOR
Toda
síntese se realiza no plano da consciência. Será, portanto, o resultado de um
esforço consciente cujo objetivo social é a formação de uma espécie de
superconsciência coletiva. Será um processo em que se visa alcançar um estágio
novo, de nível superior no plano evolutivo. O diálogo entre Ciência e Fé, Arte
e Mística, Técnica e Política exige um máximo de imaginação e de amor. Da
síntese que daí vier a surgir dependerá o futuro da nossa civilização e sua
sobrevivência.
As
condições para a realização deste esforço coletivo de síntese já existem. O
estudo aprofundado da natureza humana revela a existência de uma sintonia entre
consciência profunda e a intencionalidade divina original. Existe, por
conseguinte, uma sintonia das consciências, pondo-as a vibrar em uníssono ou em
harmonia, toda vez que uma corda essencial for tocada.
Esta
sintonia profunda tem sua origem em Deus, de quem todos procedem. Por isso, o
anseio generalizado de harmonia e paz é de natureza religiosa. O avanço em
direção a este objetivo representa um avanço no campo religioso da Fé, mais que
um avanço no campo moral e social. Significa um novo estágio religioso, cujos
reflexos serão sentidos por ressonância no campo ético-social.
Sentimos
todos na própria carne as consequências de uma ordem religiosa, moral e social
que só permite às grandes multidões anônimas um mínimo de participação ativa.
Uma ordem moral, religiosa e socialmente adulta é incompatível com a
permanência de multidões anônimas e massificadas. Isto é, a maioria silenciosa.
Ela cria e alimenta em seu bojo uma margem de irresponsabilidade demasiadamente
perigosa para ser admitida sem consternação. Demasiadamente vergonhosa para ser
tolerada por mais tempo.
Liberdade
e responsabilidade moral correm paralelamente. Diminuir uma é diminuir a outra.
Encaramos a liberdade como um convite para a irresponsabilidade. Isso vale para
a liberdade tal qual a concebem o libertino e o liberal, o déspota e o grande
Inquisidor. Não se aplica, porém, à liberdade como a entende o Evangelho. A
liberdade puramente externa pouco valor tem sem a liberdade interior. Esta gera
a responsabilidade moral e religiosa, base de todo e qualquer compromisso
social.
Responsabilidade moral significa compromisso com a própria consciência.
Responsabilidade religiosa quer dizer compromisso com Deus, sintonia com as
intenções de Deus. Compromisso com algum tipo de hiperconsciência em formação. Senso de
responsabilidade ou vem da consciência ou então é farsa. Onde não há lastro
pessoal, social, moral e religioso nada mais resta senão o estado policial.
Seria
tapar o sol com peneira não reconhecer que existe um estado generalizado de
opressão sexual, caminhando lado a lado com as mais vergonhosas formas de
desperdício e alienação. Só a mais absoluta imprevidência consegue imaginar a
realidade sexual de outra forma, menos pessimista. Despertar a consciência de
cientistas e teólogos, ateus e cristãos para a tarefa de canalizar as energias
criadoras da sexualidade para a concretização da sociedade com que todos
sonhamos, a “Sociedade do amor” (Puebla), é o que, modestamente, se propõe o
autor deste livro.
Texto do livro “EVOLUÇÃO DO AMOR
CONJUGAL” de Pe. J. Marcos Bach, SJ – Vozes/INEF.
P R A Z E R E A M O R
“O prazer do amor inspira o amor no
prazer”!
O ser humano é um “animal movido a
prazeres”, diria Freud. O grande desafio com o qual todo ser humano se defronta
é como transformar prazer em
amor. E como transformar necessidade em liberdade.
Há prazeres sensíveis e
há prazeres espirituais. Os sensíveis são tidos como inferiores devido ao seu
caráter epidérmico. Não há mal em saboreá-los. O mal acontece quando uma pessoa se
prende a eles a ponto de esquecer as satisfações de ordem espiritual. Não é só
o corpo que “adora” o prazer. Nossas almas e nosso espírito os apreciam ainda
mais. A diferença está em que nossa alma espiritual não se
contenta com o que em matéria de prazer o corpo e os sentidos lhe oferecem. Os
sentidos são mais vorazes do que as faculdades espirituais do homem. Atraem
para si e para a sua satisfação sempre mais tempo e energia quando não se toma
o cuidado de moderar seus desejos. A disciplina ascética é tão necessária para
a boa saúde psicomoral, quanto o dique o é para o escoamento racional das águas
de uma represa.
O amor é livre por natureza e não
tem a menor necessidade de que lhe venha em socorro algum Don Quixote. O que
precisa de mais liberdade é o campo do prazer humano. É aí que a maioria de nós
tem que aprender a arte de separar o joio do trigo.
Falso é todo prazer que impede outro maior. “Nunca
devemos renunciar a um prazer, a não ser em vista de outro maior” (Santo Tomás
de Aquino).
A verdadeira sabedoria consiste menos em dizer não do que
em dizer sim. “A primeira palavra do amor é não” (Erich Fromm).
O glutão olha para a quantidade de comida que o garçom
lhe está trazendo. A arte de comer bem não consiste em devorar o mais que se
pode ingerir. O bom “gourmet” sabe
escolher e saborear o que de melhor lhe é apresentado. Como distinguir um
prazer superior de outro de qualidade inferior? O bom vinho é aquele que não
deixa ressaca.
O bom prazer é aquele que melhora a nossa disposição de ânimo. Os melhores prazeres não são os que uma certa indústria do prazer fácil nos quer impingir. Os mais saudáveis não são os prazeres que importamos de fora. São, antes, os que desabrocham dentro de nós.
O bom prazer é aquele que melhora a nossa disposição de ânimo. Os melhores prazeres não são os que uma certa indústria do prazer fácil nos quer impingir. Os mais saudáveis não são os prazeres que importamos de fora. São, antes, os que desabrocham dentro de nós.
Há uma
teoria que diz que a bem-aventurança faz parte essencial da estrutura de cada
uma dos 50 trilhões de células do corpo humano. A felicidade é mais do que
um simples epifenômeno da natureza humana. É elemento constitutivo do homem e
se irradia pela pessoa toda a partir de cada uma das células do seu corpo. É, portanto, falsa a crença de que o
corpo só serve para atrapalhar o espírito.
A maneira pessimista como a moral católica encara o
prazer sexual continua impedindo um diálogo sincero e honesto entre teólogos e
psicólogos. Os representantes do mundo eclesiástico têm a pretensão de dizer a
um pesquisador científico até onde ele pode ir. O cientista reclama para si e
seu trabalho uma autonomia de que a verdade não necessita. Tanto clérigos como
cientistas sucumbem facilmente à tentação de se colocar acima da verdade. De
intérpretes transformam-se em donos da verdade. Julgam-se no direito de definir
e determinar o que é verdadeiro em lugar de contentar-se com o papel mais
humilde e modesto de servidores da verdade.
Antropólogos
e teólogos cometem em comum o mesmo “pecado”, o de tratarem o fenômeno sexual
humano como se fosse primariamente um atributo biológico que a humanidade
possui em comum com os demais membros dos planos superiores da biosfera. A
moral católica apoia grande parte das suas normas em princípios derivados da assim
chamada Lei Natural.
Esta “Lex Naturalis”
é interpretada como exigência da natureza entendida em sentido físico. Mas o
homem é essencialmente mais do que mero representante do mundo físico. É um “ens rationale”,
dotado de consciência reflexa e, portanto, não se pode obrigá-lo a organizar
sua vida sexual como o fazem chimpanzés e gorilas. Não basta ao homem perguntar
donde veio. Há outra pergunta
muito mais crucial que é esta: para onde você está indo? Você está evoluindo:
qual o termo de chegada deste processo?
No céu ninguém é obrigado a casar. Mas seria uma casa
muito pobre e triste se nele só houvesse lugar para monges, padres e freiras e
se tudo o que de encantador admiramos
numa mulher e elas apreciam em seus homens não fizesse mais parte da comunhão
dos santos e da bem-aventurança eterna!
A sexualidade e tudo o que ela
envolve de belo e de arrebatador não é propriedade e atributo de um corpo
mortal. É, antes de tudo, privilégio de uma alma espiritual e destinada à
imortalidade!
A alma humana é mais do que hóspede passageiro do nosso
corpo material. Ela é chamada pelos antigos mestres espirituais do Oriente de
Corpo Astral, feito de matéria infinitamente mais sutil do que esta de que é
feito este nosso corpo físico. À medida que nossa alma
assume o comando de nossas vidas, estamos evoluindo e crescendo. Não é fugindo
da matéria que nos espiritualizamos, mas apropriando-nos das suas energias mais
poderosas.
Um faquir oriental pode contentar-se com a aquisição de
formas de energia cada vez mais poderosas. Um
místico cristão se preocupa pouco com o poder de produzir fenômenos
paranormais, como levitar. Usa este acréscimo de poder e de energia em suas
relações sociais. Investe-os em seu potencial afetivo, transforma-os em amor,
em dom gratuito de si. O resultado é que nele, Deus, o universo e a humanidade
inteira formam um Todo Indivisível. O místico cristão consegue unir dentro de
si o que na realidade só existe como Totalidade, como Unidade indissolúvel.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj
ANÁLISE DA QUALIDADE NO
RELACIONAMENTO SEXUAL
No campo do
relacionamento sexual o problema é notoriamente uma questão de qualidade, de
subdesenvolvimento. Não é o que está acontecendo, que traduz a extensão do
problema, mas o que não acontece e poderia estar acontecendo. No ponto da
evolução em que nos encontramos, chega a ser ridículo o quadro da vida sexual
apresentado pela sociedade ocidental. Valores essenciais como fidelidade,
sinceridade e respeito à pessoa são postos de lado como resquícios de uma era
de obscurantismo cultural. A palavra está com as Ciências, quando não está
apenas com o desejo desenfreado. A Moral foi aposentada. A Religião passou a
“bode expiatório” de todos os “pecados” do passado. É longe da Moral e da
Religião que parecem sorrir as mais fagueiras esperanças de um futuro “paraíso”
sexual. A “pílula” passou à condição de “sacramento de libertação sexual”.
Não há necessidade nenhuma de apelar para a Religião ou
para a Moral, mas basta uma análise honesta da estrutura da sexualidade humana
para descobrir o absurdo em que estamos metidos.
Creio que
não é ousadia demasiada afirmar que as riquezas em potencial da sexualidade
jazem ocultas e inexploradas no subsolo cultural, à espera de aproveitamento
mais racional e menos perdulário.
Um conhecimento mais
exaustivo da própria sexualidade pode significar um primeiro passo à frente. A
sexologia moderna apresenta a sexualidade como realidade complexa, dinâmica e
estruturada, capaz de se expressar em níveis e planos, qualitativamente distintos.
Texto do livro SENTIDO
ESPIRITUAL DA SEXUALIDADE de Pe. Marcos Bach,SJ – Vozes/INEF.
NOVA ÉTICA SEXUAL
Uma concepção
evolutiva, dinâmica e personalista da sexualidade só pode conduzir a uma ética
do mesmo tipo.
A moral tradicional, ao
definir a procriação como fim primário do ato sexual, acaba por girar
basicamente em torno da criança. O que mais alvoroça a consciência dos
antidivorcistas é a sorte dos filhos. Embora o direito dos filhos constitua um
argumento de peso, não basta para justificar a condenação do divórcio ou do
desquite. Não se pode atrelar a solidez interna da união conjugal a fatores
extrínsecos. O interesse real dos filhos em nada é servido por um matrimônio do
qual apenas restam as aparências. Na mais benigna das hipóteses justifica uma
protelação do desquite ou divórcio.
A moral tradicional
fecha os espaços legitimamente reservados à liberdade e à consciência do homem.
O direito do casal de planejar a dimensão da família é consagrado na teoria,
cerceado, porém, na prática pela proibição de todo e qualquer método
contraceptivo “artificial”. Qual o método que não é artificial? Outro exemplo:
a liberdade de consciência é reconhecida em teoria, mas na prática se defronta
com tantas imposições e tal profusão de leis, que parte substancial desta
liberdade se perde.
Apoia-se num
intelectualismo acadêmico inacessível ao homem comum. As linhas concretas de
ação são deduzidas de princípios tão universais que terminam por se perder no
espaço vazio de abstração.
A moral tradicional
foge da vida e acaba por perder o contato com a existência.
Uma casuística sutil e
complicada toma o lugar da intuição.
É excessivamente
dogmática por subtrair à discussão a legitimidade de suas exigências,
princípios e normas.
É impessoal, já que
parte da rigidez da lei, em lugar de partir da pessoa.
É hipócrita, já que
opera em dois planos contraditórios: o foro externo onde não há lugar para a
misericórdia; e o foro interno (ou plano pastoral), onde é admitida a
condescendência misericordiosa.
É perfeccionista, pois
aponta para modelos inacessíveis ao esforço mais bem intencionado. Os santos,
modelos de perfeição, na realidade, são encarados pelo povo mais como fazedores
de milagres do que como modelos a serem imitados. Na verdade ninguém procura
imitá-los. Assim os santos servem mais à superstição do que aos objetivos da fé
e da moral.
É pessimista, e, por conseguinte,
anticristã, já que pauta suas normas dentro de uma visão negativa da natureza
humana. Exagera dum lado o poder normativo da natureza. Minimaliza, ao
contrário, o poder normativo da natureza humana.
É dualista, dicotômica
e maniqueísta, pois identifica o bem com o mundo espiritual e o mal com o mundo
material.
Uma moral estática, de
equilíbrio, e não de desenvolvimento individual e social. É minimalista por
força do próprio sistema, já que se prende excessivamente aos aspectos externos
da ação.
É indubitável que o
homem e a mulher de nossos dias possuem um grau bem mais elevado de maturidade
moral, contam com uma consciência mais aguda de sua real identidade, um sentido
religioso mais refinado e um senso de responsabilidade social mais inquieto em
relação a todas as formas de injustiças e opressão. A salvaguarda dos direitos
fundamentais da pessoa humana transformou-se em bandeira política. Os
movimentos de emancipação da mulher costumam chocar-se frontalmente com a
concepção tradicional do casamento. E por redundância com os postulados da
moral convencional.
A nova moral não pode
ser construída sobre as ruínas da antiga, nem pode ser encarada como simples
emenda e prolongamento melhorado desta. Tem como ponto de partida a pessoa,
identificando-se com suas aspirações mais secretas, com suas potencialidades
mais elevadas, com seu dinamismo social, com as leis de seu desenvolvimento
espiritual.
É nova porque está a
serviço do “novo homem”.
É radicalmente cristã,
já que o homem novo é em sua essência o “homo
christianus”
É muito mais exigente
por ser muito menos tímida, menos individualista, definindo o bem em termos
muito mais amplos e universais do que a ética convencional.
Supõe uma consciência
muito mais cosmocêntrica, de acordo com o papel cósmico, que a sua condição de
pessoa reserva ao homem.
É mais homogênia e
unitária por situar o esforço moral do homem no centro energético do universo.
Confere à ação humana
uma função muito mais ampla do que a tímida moral do “cidadão bem comportado”.
Encara a sexualidade
não apenas como função, mas como dimensão sacramental de um universo
ontologicamente radicado em Deus e intrinsecamente voltado para Ele.
Não se contenta com a
prática do bem. Exige como postulado de base para a realização do bem a
intenção de construir em si e em torno de si um “mundo melhor”. É, portanto,
maximalista e dinâmica por essência.
Distancia-se, por esta
razão, de todos os parâmetros jurídicos. Embora sejam úteis e até certo limite,
necessários, estes não podem ser utilizados como padrão moral de comportamento.
A partir do Direito não existe nenhuma via de acesso à ordem moral. A ordem
jurídica e a ordem moral pertencem a dois mundos perfeitamente distintos,
embora convergentes. A ordem moral pertence a um plano essencialmente superior
ao da ordem jurídico-social. A ordem moral tem em comum com a religião o fato
de pertencerem ambas à ordem do Amor. Uma ordem que constantemente se questiona
se desequilibra, para reagrupar seus postulados em novas formas de síntese
existencial. Por isso pode ser qualificada como “moral de movimento” segundo a
definição que lhe dá Teilhard de Chardin.
As bases desta nova
moral estão assentadas na fé, entendida aqui como função da consciência. Como
espécie de pré-visão da totalidade do Ser. Uma moral assentada apenas na
justiça e nos postulados da razão não oferece mais suporte válido à pletora de
energias e aspirações desencadeadas por dois mil anos de cristianismo.
(Texto do Livro “EVOLUÇÃO DO AMOR
CONJUGAL” de Pe. Marcos Bach, SJ – Vozes e INEF).
A SEXUALIDADE HUMANA
A sexualidade e tudo o que ela envolve de belo e de
arrebatador não é propriedade e atributo de um corpo mortal. É antes de tudo,
privilégio de uma alma espiritual e destinada à imortalidade!
A alma humana é mais do que hóspede passageiro do nosso corpo
material. Ela é chamada pelos antigos mestres espirituais do Oriente de Corpo
Astral, feito de matéria infinitamente mais sutil do que esta de que é feito
este nosso corpo físico. À medida que nossa alma assume o comando de nossas
vidas, estamos evoluindo e crescendo. Não é fugindo da matéria que nos
espiritualizamos, mas apropriando-nos das suas energias mais poderosas.Um faquir oriental pode contentar-se com a aquisição de
formas de energia cada vez mais poderosas. Um místico cristão se preocupa pouco
com o poder de produzir fenômenos paranormais, como levitar. Usa este acréscimo
de poder e de energia em suas relações sociais. Investe-os em seu potencial
afetivo, transforma-os em amor, em dom gratuito de si. O resultado é que nele
Deus, o universo e a humanidade inteira formam um Todo Indivisível.
O místico cristão consegue unir dentro de si o que na
realidade só existe como Totalidade, como Unidade indissolúvel.Onde as Igrejas cristãs falharam lamentavelmente foi no
descaso com que trataram as potencialidades mistagógicas da sexualidade humana.
O casal cristão é tratado por seus pastores como se Cristo não tivesse incluído
em sua graça redentora a sexualidade! É a “gata borralheira”, o “sapo feio”, a
“serpente venenosa” dos contos de fadas!
“Sereis como
os Anjos do Céu” (Mt 22,30).
Quem são estes Anjos do Céu cuja condição Cristo nos
apresenta como modelos?
São seres eminentemente espirituais, mas não são puros
espíritos. Possuem corpos, só que seus corpos não são feitos da mesma espécie
de matéria como os nossos. A palavra “castidade angélica”, muito empregada em
biografias de santos, nunca é usada para descrever a “castidade conjugal”. O
termo castidade perfeita só se aplica a pessoas que optaram pela abstinência
sexual total e definitiva. Qual o estímulo moral e espiritual que pode
encontrar um casal quando vê sua opção pela vida matrimonial sistematicamente
inferiorizada e colocada sob suspeita de egoísmo?
Renunciar ao prazer sexual não possui valor moral em si. Este
lhe advém do motivo, da intenção e das circunstâncias que o envolvem. O
celibatário, mais que o casado, corre o risco de isolar sua sexualidade e de
eximi-la de qualquer compromisso de natureza social. Sob o pretexto de amar a
todos com o mesmo amor, acaba sendo vítima de uma autoestima mais narcisista e
autolátrica do que cristã. Quando e onde um celibatário é solicitado a
condividir e a compartilhar o seu prazer com o de um outro?Um casado tem esta oportunidade a cada passo. Pode haver
prazer mais gratificante e puro do que a companhia de uma pessoa amada? O que
celibatários podem esquecer facilmente é que a razão de ser do celibato cristão
é melhorar as suas condições de serem companheiros dos seus irmãos!O bom companheiro não é o que vai à nossa frente, nem aquele
que vem atrás, mas aquele que caminha a nosso lado, preferivelmente de “mãos
dadas”.
Deus criou a mulher quando percebeu que o homem precisava de
uma “companheira”, diz a Bíblia. Homem e mulher não foram criados por Deus para
se completarem mutuamente. A relação sexual nada tem a ver com realização
pessoal. Não é suficiente que se façam felizes um ao outro. No dia do casamento
colocaram-se a serviço de um projeto muitíssimo mais amplo do que o da sua
felicidade pessoal.Quando dois átomos de hidrogênio se unem, liberam uma
poderosa carga de energia. O mesmo acontece quando duas almas humanas se unem
por um laço de amizade! Assim como cada átomo, também cada alma humana é dotada
de uma energia muito mais explosiva e poderosa do que a energia atômica. Esta energia
já existe no interior de cada um. Resta aprender como liberá-la!
“Vim para lançar fogo sobre a terra, e como desejaria que já
estivesse aceso” (Lc 12,49). Onde topar hoje com este fogo abrasador do Amor de
Cristo? Os Sumos Sacerdotes da Nova Aliança se encarregaram de recolhê-lo em
seus turíbulos e lâmpadas sagradas! O fogo se apagou, mas os bombeiros
continuam vigilantes e sempre prontos a apagar qualquer espécie de incêndio
indesejado!
“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se vos
amardes uns aos outros” (Jo 15,12). Jesus associa o testemunho de fé ao amor
para com o próximo.
Quem se encontra em melhores condições de dar este testemunho
do que um casal cristão, do que um pai amoroso e uma mãe bem “brasileira”?Além dos subsídios com que os dotou a mãe natureza, podem
dispor dos recursos inesgotáveis da graça de Cristo. Que mais querem e qual a
desculpa que podem invocar em caso de fracasso?
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj
Nenhum comentário:
Postar um comentário