Se nossos teólogos
fossem mais coerentes teriam que reconhecer que para granjear a simpatia de
Deus é preciso ter a coragem de assassiná-Lo! Nem Agostinho, nem Santo Tomás,
nem Lutero tiveram a audácia de ir tão longe!
O Deus que Jesus veio
revelar-nos certamente não é um Senhor Poderoso que se nega a morrer pelo bem
dos homens. Jesus morreu e era Deus. Por mais que ultimamente se tente provar
que sua morte foi apenas aparente, o fato é que os Evangelhos são unânimes em
afirmar que Jesus estava realmente morto quando foi retirado da cruz.
A morte de Deus faz
parte da História da Salvação. Muito antes de ter morrido na cruz, Deus já
tinha morrido no coração da maioria dos homens. Deus morre continuamente de
muitas formas. Morre sempre que uma determinada imagem sua é arquivada ou
jogada no esquecimento. Deus não morre, o que morre são imagens e
representações nossas. Somos nós que morremos e renascemos toda vez que mudamos
drasticamente nosso modo de nos relacionar com Ele. Dizer que Deus não muda é
força de expressão. Sempre que eu mudo, Ele também muda.
A ideia de um Deus que
pode mudar parece chocante à primeira vista. Estamos tão acostumados a ver Deus
como entidade monolítica, imutável e inabalável, que a ideia de um Deus capaz
de jogar o jogo dos homens seguindo regras que o homem ajudou a estabelecer,
parece sacrílega. O homem, neste caso, é o Filho do Homem, Jesus, o Filho de
Deus, que por esta sua condição divino-humana tinha o direito de falar em nome
de gregos e troianos.
Passou o tempo em que
era permitido falar mal dos homens. Hoje quem desconfia deles só pode fazê-lo
comprometendo a imagem do Homem-Deus, que é Jesus, o protótipo de uma Nova
Humanidade.
O valor do sacrifício
não está no fato de se destruir um bem, mas no agrado que o gesto sacrifical
iria proporcionar ao deus. O que interessava a um deus sumério não era o sangue
do novilho, mas a sua carne. Ao lado dos chamados cruentos, havia os
sacrifícios incruentos, onde não ocorria matança.
Quando dizemos que
Jesus ofereceu sua vida em sacrifício, deveríamos ter o cuidado de não acentuar
por demais aspectos que não são essenciais, como o sofrimento físico e o sangue
derramado. O que nos salvou a todos foi o amor generoso e sem restrições com
que Jesus consentiu em ser imolado. Não morreu como vítima indefesa, à
semelhança de um cordeiro. Comportou-se em tudo muito mais como sacerdote. Ele
é o único Sacerdote que se ofereceu a si mesmo a Deus, em lugar de lhe oferecer
animais ou produtos da terra. A morte de Jesus não foi uma exigência do Pai.
Nem deve ser considerada como condição prévia para a reconciliação de Deus com
a humanidade.
Se crueldade houve na
morte de Jesus, ela corre por conta e responsabilidade dos que o levaram à
morte, mas não da parte de Deus. Qual o pai que sente prazer ao ver um filho
sofrer? Qual o pai que vendo-o sofrer, não sofre com ele? Por que o Pai Celeste
teria que ser diferente?
O que salvou a
humanidade não foi a morte de Jesus, nem o seu sangue derramado, mas o amor
infinito que o levou a assumir voluntariamente a morte mais infamante no seu
tempo, a morte na cruz.
Por tudo isso não é
admissível que se associe a morte de Jesus aos sacrifícios como eram praticados
no templo. A época dos sacrifícios passou. Ao entregar a sua vida em holocausto
tornou obsoleto qualquer outro sacrifício e com isso desautorizou qualquer tipo
de sacerdócio que não seja o seu. Só temos um Sacerdote, Cristo, pois só temos
um Mediador entre Deus e a humanidade legitimamente constituído.
Qualquer analista
perspicaz pode chegar, lendo os Evangelhos, à conclusão de que Jesus não tinha
a intenção de introduzir no seio da sua Igreja algo semelhante ao que se
praticava no Templo. Seu projeto de Igreja tinha mais em comum com o que
acontecia numa sinagoga. Lá a figura dominante era o rabino, e não o sacerdote.
Lá se aprendia, em lugar de fazer procissões. Lá todos podiam participar, a seu
modo, da vida de uma pequena comunidade local. Referindo-se a seu projeto de
comunidade, Jesus a define como “Pequeno Rebanho”.
(Texto do manuscrito
“A FONTE ORIGINÁRIA” de Pe. Marcos Bach, SJ –in memoriam).
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