EM QUE CONSISTE O AMOR À VIDA
Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear
estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético.
Creio que a maioria dos defensores da dignidade da pessoa humana esqueceu um
pouco demais estes aspectos mencionados acima. A pessoa humana tem o direito de
viver a vida de tal modo que se possa sentir a qualquer momento satisfeita com
a parte de vida que lhe toca.
Quem vive a sua condição humana em estado permanente
de insatisfação e frustração, continua vivo, mas não vive de acordo com a
dignidade inerente à sua vocação humana. A pessoa humana é um ser a quem foi
dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se
gerar a si próprio. É, portanto, um ser que não se pertence. Se quiser um dia
pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules.
-Terá que operar mais e maiores milagres do que
Cristo realizou.
-Terá que libertar-se.
-Terá que passar da liberdade-dependência para a
liberdade-autonomia.
-Terá que sair do casulo protetor, como o faz a
borboleta.
-Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero
materno. Do mundo seguro das certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou
pelo bafejo benevolente das autoridades.
-Terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo
que a sociedade oferece.
-Terá que romper com o princípio da autoridade.
-Terá que enfrentar a “Traição”, como diria
Nietzsche.
-Terá que aprender que não existe fidelidade nem Fé
sem uma dose maciça de “Traição”.
O mais dramático paradoxo da vida está em que
devemos matar em nós aquilo que queremos que viva. Devemos matar a “criança” em
nós para que a “Criança” possa viver e crescer. O grão deve morrer para que a
espiga possa nascer. Sem rebeldia não poderá haver libertação. Todo o acréscimo
de liberdade é o fruto de uma ruptura. O gérmen rompe a casca protetora da
semente. Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.
Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis
de paz. Mas a vida que se oculta por detrás desta aparência, nada tem de
pacífico. A vida não descansa nunca. Não tem nem sábado, nem domingo. Se a vida
não descansa, por que o homem tem que ter um dia cada semana para descansar? É
porque o homem é mais que vida, é espírito. O homem pode atrelar-se ao trabalho
de modo tão servil que acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com
sua parte melhor, aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.
Quando postulamos, como Nietzsche, a primazia da vida
sobre a verdade, estamos pensando a vida em termos humanos e não meramente
biológicos. Pensamos na sua dimensão psicológica, no seu aspecto ético, e
também em tudo aquilo que torna a vida bela e encantadora.
Não temos a intenção
de regredir aos tempos de Virgílio. O encanto bucólico de uma vida no campo
está fora do alcance da esmagadora maioria dos que moram nas metrópoles
modernas. Isto, porém, não muda em nada a necessidade que todo o homem tem de
viver uma vida bela. O aspecto estético é para o homem tão essencial quanto o
ético, o psicológico e o social.
Para sentir-se bem e para elevar-se, o
espírito humano precisa de beleza. Onde falta beleza não pode haver lugar para
o homem. O acesso à beleza só se dá pelo caminho da liberdade. Onde não há
liberdade não pode haver arte, leveza e encanto. É inútil ornamentar e embelezar
uma prisão.
Padre Marcos Bach
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