JUSTIÇA CONSCIENTE
Entre bandidos o que
vale é a força, a astúcia e a boa pontaria. O gatilho rápido é a marca
registrada do bom bandido. Se queremos cantar vitórias dignas de um ser
inteligente como o ser humano, temos que ir à procura de um modo mais evoluído
de organizar nossos relacionamentos sociais.
Os demais membros da
biosfera parece que ainda não o descobriram, mas o homem já descobriu o nível
de organização social, que é o jurídico. Um bando de babuínos não se preocupa
com este detalhe, mas um corpo social humano deixa de ser humano quando nele
não existe a preocupação pela justiça. Para ser humana, uma organização social
tem que ser justa.
Nela a distribuição de
direitos e deveres deve ser equitativa. Quem tem mais direitos, tem também mais
obrigações; e quem tem mais obrigações, tem também mais direitos. A esta forma
de distribuir as responsabilidades sociais damos o nome de justiça comutativa
ou justiça distributiva.
Pode-se considerar justa
uma organização social em que o exercício do poder e a autoridade de impor a
sua vontade aos demais é definida de tal maneira que todos tenham acesso a ela.
Numa organização social em que isto não acontece, não pode ser considerada
justa no sentido jurídico do termo. Pode ser eficiente, mas é estruturalmente
injusta.
Onde o exercício do
poder é privilégio reservado a poucos, onde a transmissão deste poder é feita a
portas fechadas e sem a participação da comunidade, o que nos é dado ver é um
tipo de organização social que só consegue sobreviver em ambientes sociais em
que o nível de consciência dos indivíduos é o mesmo que assegura a um bando de
babuínos a possibilidade de sobreviver.
Existe uma diferença
essencial entre a liberdade de viver a vida e a luta pela sobrevivência. Quando
um chimpanzé bonobo se deita na grama e passa a contemplar o firmamento, não
estamos presenciando um espetáculo relacionado com o passado, mas nos
encontramos defrontados com uma atitude tipicamente humana ou pré-humana, que é
o “dolce far niente”. Nos momentos de
lazer, dedicados ao “otium cum dignitate”
dos romanos, tomamos consciência do que somos sem tomar em consideração o que
fazemos ou deixamos de fazer.
A ordem moral representa
um patamar evolutivo superior ao meramente jurídico. Para que se tenha um organismo
social justo, basta “que se dê a cada um de acordo com suas necessidades,
exigindo dele, em contrapartida, de acordo com sua capacidade”, como queria
Karl Marx. Já a criança se irrita quando não a deixamos fazer o que ela quer e
como o quer fazer. É preciso matar, por completo, a sensibilidade moral de uma
pessoa se queremos que ela se submeta a um regime social como o que Stalin
pretendeu impor ao povo russo.
A ordem jurídica, essa
sim, pode ser imposta, mas a ordem moral não. Ou é aceita livre e espontaneamente,
ou, então, perde sua identidade e baixa de nível, indo fazer companhia aos atos
determinados pelo império da lei. A criança tem razão: “o brinquedo perde a
graça na medida em que deixa de ser espontâneo”.
Do ato moral se pode
afirmar o mesmo: “Ele só é bom se for o fruto de uma decisão livre e
espontânea”. Se formos bons apenas porque temos a obrigação de sê-lo, nossa
justiça ou nossa virtude merecerá o mesmo comentário com que Jesus se
pronunciou em relação aos fariseus: “Se vossa justiça não for maior do que a
dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20).
É um erro crasso reduzir
a moral a um código de leis, e reduzir o ato moral às dimensões de um simples
ato de submissão. Um cristão adulto não concebe mais o erro de confundir
maioridade ética e ordem moral com submissão a normas e leis. “Depois que
tiverdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis” (Lc
17,10). Ao cristão não basta cumprir ordens, fazer tudo o que é prescrito. Isto
os fariseus sabiam fazer muito bem, e os de hoje são especialistas nesta arte
de “tapar o sol com peneira”.
Por falta de conceitos
claros a quase totalidade de nossos cristãos se dá por satisfeita quando atinge
um nível moral geralmente mais modesto do que ousa admitir. Quando a sua
consciência não os acusa de infração séria, já se dão por bons cristãos. Acham
um exagero a afirmação do Pe. Häring quando diz que “hoje em dia, os piores
pecados e os que mais se cometem, são pecados de omissão”.
O bem que se podia
fazer, mas que não se fez, também pesa num balanço moral honesto e sincero.
Para estar em dia com as exigências da fé em Cristo não basta estar em dia com
os Mandamentos de Deus. Bons cumpridores da lei, isto os fariseus também eram.
Mas seu comportamento foi criticado com veemência por Jesus porque era
hipócrita. “Sois como sepulcros caiados, belos por fora, mas repletos de
podridão por dentro” (Mt 23,27).
Seria injusto afirmar
que o cristianismo é composto em sua quase totalidade por hipócritas. Que os
monsenhores da Cúria romana ou os membros do Santo Sínodo ortodoxo são todos
falsários. Mas o que se pode afirmar é que todos eles se encontram bem
distantes do ideal cristão. Todos aqueles que se consideram superiores aos
outros são hipócritas. No Reino de Deus não há lugar para classes e lá ninguém
é maior ou menor que os outros, pois lá todos são irmãos e irmãs.
Numa boa Comunidade
Cristã não há espaço para superiores e súditos. Numa boa família, o caçula não
é apenas o irmão menor, mas é também o mais querido de todos. Não há, numa
Comunidade de Fé em Cristo, lugar para a presença de quem pode mais que os
outros.
Padre Marcos Bach
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