NASCER PARA A VIDA EM JESUS CRISTO
A palavra Cristogênese foi empregada por Teilhard de
Chardin para descrever o processo pelo qual Jesus Cristo se encarna sempre de
novo toda vez que uma alma abraça a fé n’ELE. Em vez de depositar sua esperança
em sucessivas reencarnações, o cristão a deposita no Cristo Ressuscitado que
volta a se encarnar toda vez que uma alma nasce para a Vida em Cristo. E isto
só acontece quando ela abandona a fé em deuses e ídolos e passa a depositar
toda a sua esperança no amor com que Cristo a amou muito antes que ela pudesse
despertar e tomar consciência deste Amor!
É este o momento de salvação ao qual Jesus se refere
quando diz: “Convertei-vos, pois o Reino de Deus está próximo” (Mt 4,17).
Converter-se significa muito mais do que arrepender-se do mal praticado.
Significa mudança total e radical de conduta. Quem se converte para a Vida em
Cristo passa a queimar o que adorava até então e a adorar o que até então não
fazia parte do seu campo de interesses. Converter-se significa essencialmente
mais do que mudar seu modo de agir. É todo o seu modo de ser que muda
radicalmente de sentido. Sua autoconsciência não é mais a mesma de antes! Já
não entende a autorrealização do mesmo modo como a entendia antes, como a
entende um budista, por exemplo.
Assim como a Phenix, a mitológica ave que renascia
periodicamente das próprias cinzas, um cristão só se torna cristão de verdade
se vier a renascer das próprias cinzas. É neste sentido que temos que passar a
interpretar a palavra de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida a perderá” (Mt
16,25). Algo do que herdamos de nossos antepassados tem que morrer se quisermos
participar da Vida Eterna prometida por Jesus! A criança quando nasce troca uma
vida despreocupada por outra cheia de imprevistos!
A ideia de que a Encarnação do Verbo é um processo
que ainda não foi concluído, parece tão estranha que quase não aparece nos
manuais de Cristologia. A maioria dos teólogos não sabe o que fazer com a tese
de que em toda alma humana há espaço para completar o que falta à Encarnação
plena de Cristo. Foi o apóstolo Paulo que melhor compreendeu esta tão
misteriosa necessidade que Cristo tem de nascer sempre de novo na alma dos que
nele creem. “Sofro até ser Cristo formado em vós”, escreve ele na carta aos gálatas
(Gl 4,19). “Nenhum de vós vive para si mesmo” (Rm 14,7). “Para mim o viver é
Cristo” (Gl 2,20). “Cristo vive em mim” (Gl 2,20). “Logo, já não sou eu quem
vive” (Gl 2,20). No Evangelho de São João lemos esta frase atribuída a Jesus:
“Se alguém não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,3). Este
novo nascimento em nada se parece com o nascimento biológico, pois é de
natureza espiritual (Cf. Gl 4,29). É pela fé e pela ação da graça que Cristo se
torna presente na alma humana.
A ideia de que o cosmos
todo está grávido de Cristo, se não é original de todo, ao menos é bastante
inusitada. Mais estranha é a crença de que a Cristo ainda falta uma dimensão e
que o Cristo Total ainda está por nascer. Aceitamos, sem dificuldade, que à
humanidade lhe falta muito e que ela se encontra longe de ter alcançado a sua
estatura plena, que é a de Cristo, mas repugna-nos admitir que à estatura plena
de Cristo lhe falte algo de tão importante quanto à plenitude e que cabe a
pobres seres humanos a missão de fornecer a Cristo o que ainda lhe falta.
Poderá faltar a Cristo algo sem o qual permanecerá incompleto? E não será
pretensão atribuir ao homem a faculdade de prestar a Cristo o mesmo serviço que
toda a mãe presta a seu filho?
São poucos os escritos que Teilhard conseguiu
publicar em vida. Mas o fato de ser alvo de uma censura implacável parecia não
perturbá-lo muito, pois tinha plena consciência não só do valor de seu
pensamento, como do tempo em que seria visto como atual. Teilhard era, acima de
tudo, um intelectual, um pensador. O fato de ser um pensador cristão é
responsável pelo modo personalizado como trata a relação do homem com Deus.
Para ele a Verdade é uma Pessoa, a Pessoa de Cristo e se manifesta
primariamente como amor muito antes de fazer parte de um ensinamento.
A verdade não se aprende como se aprende uma língua.
A verdade ou se aceita, deixando-se possuir por ela ou nos contentamos com o
produto de nossa própria mente. A verdade de Teilhard é Cristo e o seu Cristo é
onipresente, pois ocupa todos os espaços deste imenso universo.
É este o Cristo que pede para nascer sempre de novo
em cada ser humano. O eleito já não é mais o representante de uma raça superior
ou o membro de uma classe social privilegiada, mas todo aquele que, escutando a
voz interior da graça de Deus, abraça a fé em Cristo.
Uma das primeiras providências que o feto recém
instalado no útero da mãe adota consiste em criar um cordão umbilical através
do qual se abastece com os nutrientes indispensáveis ao seu crescimento. No
caso que estamos analisando, cordão é a fé amparada pela graça. Sem a fé a
graça divina não teria como operar. A fé é o chão onde a graça deita suas
raízes. Depois de tê-la curado do seu mal, Jesus despediu a mulher,
dizendo-lhe: “Vai em paz que tua fé te curou” (Mt 9,22).
Mas até a fé não teria este poder não fosse a graça a
animá-la. Por isso pode-se resumir todos os passos que conduzem à salvação das
almas a um único denominador comum: “Tudo é graça e dom gratuito de Deus, e
nada do que necessitamos para a nossa salvação pode ser merecido por nós”!
Qualquer tentativa de planejar o futuro da humanidade sem Cristo nos levará
mais uma vez a criar uma civilização próspera, mas culturalmente tão selvagem
quanto o que nos é dado ver nas selvas da ilha de Bornéu. Ou será que os campos
de extermínio nazistas eram mais civilizados do que o espetáculo de um ritual
antropófago proporcionado por nativos das ilhas dos Mares do Sul?
Se o Cristo Total ainda está por nascer e se cada ser
humano está predestinado a participar deste novo Natal, deste novo Nascimento
do Filho de Deus, então é hora de abrir em nossa fé uma janela nesta direção!
Podemos, apoiados nos ensinamentos dos apóstolos Paulo e João, acrescentar a
Cristogênese, não apenas ao nosso conhecimento teológico, mas incorporá-la como
experiência mística à nossa vida de
fé! Com o mesmo enlevo e felicidade incontida com que a mãe acompanha dia após
dia o que se passa em seu seio!
Padre Marcos Bach
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