CRISE DE IDENTIDADE SOCIAL
Hoje só uma pessoa muito mal informada
pode negar a existência de uma “crise de identidade” social. Tudo aquilo que no
passado fazia as pessoas se sentirem “idênticas” e identificadas com o ambiente
cultural em que viviam, já não tem mais o mesmo poder. Em épocas de
“consolidação cultural” (Erikson), como em tempo de paz, predomina a figura do
cidadão “pacato” e “solidamente” fiel às tradições.
Em períodos de transição cultural,
como em tempos de conquista, destaca-se a figura do “pioneiro” desbravador de
terras virgens.
A identidade do “homem moderno” condiz
muito mais com a imagem do “bandeirante” e do “pioneiro”.
Identidade é a “consciência de um
conjunto subjetivo de valores (sancionados ou não).
As virtudes do soldado e as do cidadão
conflitam entre si em muitos aspectos. Um soldado sedentário e um camponês
nômade são um contracenso in terminis.
Vivemos num mundo “em crise”, isto é, em transição. Num mundo “de passagem”.
Transição histórico-cultural, logo, obra da consciência e da vontade do homem.
O futuro, ao encontro do qual nos
encaminhamos, não é um declive por onde se pode escorregar à mercê da
fatalidade. Se houver um “amanhã” para a humanidade ele será obra da história,
isto é, do homem. Não existe em parte alguma um “paraíso” à espera das gerações
futuras. O relevo histórico é pontilhado de altos e baixos, de progresso e de
estagnação, que correspondem a outras tantas decisões ou omissões históricas da
humanidade. A identidade social se revela, portanto, na história.
À medida que alguém se envolve nos
acontecimentos e se compromete com o futuro dá a estatura de sua identidade e o
nível de sua consciência social.
A moderna crise de identidade social é
um fenômeno altamente positivo e se deve ao modo substancialmente diverso do
homem se relacionar com o mundo, provocado pela “revolução”
científico-tecnológica. Ela está apenas se esboçando. Sua evolução depende
muito do grau de consciência que a humanidade estiver disposta a investir neste
processo.
De que modo pode o desenvolvimento
técnico-científico influir de forma tão ampla e radical no ambiente
sociocultural humano?
Aqui é preciso pensar um pouco na
linha de Marx. Uma mexida no mundo das relações econômicas sempre traz consigo
uma reviravolta equivalente no campo sociocultural. O advento da máquina
modificou profundamente todo o sistema de relações sociais e políticas. O
advento da cibernética abre perspectivas praticamente imprevisíveis.
Quando o trabalho deixar de ser
atividade nobre; quando o tempo deixar de valer dinheiro, muita coisa na vida
diária das pessoas vai mudar.
Na medida em que o “tempo econômico”
(produção – consumo) for substituído pelo “tempo social”, surgirão problemas
éticos com que por ora ninguém se preocupa. Surgirão também oportunidades e
formas de relacionamento social com que ainda não é possível sonhar. O reflexo
de todas estas modificações sobre a “consciência de identidade” do cidadão
médio do ano 2.100 é difícil de adivinhar, mas certamente será mais profundo
que se possa pensar a partir do pequeno ângulo de visão de hoje.
Como é que as pessoas irão se sentir
num mundo com tanto “tempo livre”? Num
mundo em que o computador toma o lugar da memória, da inteligência, das
bibliotecas e dos arquivos? É difícil imaginar. Nosso atarefado “homem de
negócios” certamente morreria de tédio se tivesse que viver nele. Como se pode
ver facilmente será necessário não só modificar a estrutura interna das
pessoas, mas todo o sistema éticossocial.
À ideologia do “trabalho produtivo”
será preciso opor outra. O progresso terá que passar a ter outra conotação. A
ideologia “desenvolvimentista” terá que ser relegada à penumbra venerável de
algum hipotético “museu ideológico”. A maior parte da humanidade ainda está às
voltas com problemas de sobrevivência pura e simples. É evidente que neste caso
o econômico prevaleça sobre todos os demais aspectos da vida.
Padre Marcos Bach