É óbvio que o conceito de
Igreja hierárquica não é evangélico. É obra humana e resulta do processo de
inculturação que levou a Igreja a se integrar no ambiente cultural do seu
tempo. Não foi a Igreja que forjou a civilização ocidental. Ela é basicamente
pagã e já existia antes de Cristo. Do cristianismo ela tomou o nome, mas sua
moral e seus valores culturais são praticamente os mesmos dos filósofos gregos
e dos conquistadores romanos. No papel e no discurso oficial tudo parece ser
muito mais cristão do que pagão. Mas um olhar mais aguçado e honesto revelaria
o tamanho da impostura que tanto irritou o pensador alemão Friedrich Nietzsche.
O fato da Igreja católica
ser dominada por um punhado de hierarcas, autopromovidos à função de
representar Cristo na terra, já não mexe mais com os nervos de ninguém.
Nietzsche ainda se irritava ao ver como a cristianíssima Europa se encaminhava
a passo firme ao encontro de duas das mais sangrentas guerras da história.
Hoje, quem é que se
irrita seriamente com o fato de ver o destino espiritual de mais de um bilhão
de católicos entregue a um único homem, sempre mais disposto a passar o
ferrolho em portas e janelas do que em abri-las? Uma Igreja que não incomoda
mais a ninguém, que futuro pode ter? Num mundo tão injusto como o nosso, quem
não se incomoda não é sério.
“É na mudança que as
coisas repousam”! A afirmação é do pensador grego Heráclito e foi feita muitos
séculos antes da nossa era.
A Igreja católica
certamente não é a única instituição que se esqueceu de que tempo é sinônimo de
movimento e que continuar vivo significa acompanhar o fluxo do tempo, mas é
seguramente uma das que menos se preocupam com a passagem do tempo.
Cada dia que nasce é uma
oportunidade nova. Não se pode viver um dia como o outro e a existência do
homem não é feita de dias sucessivos. Onde cada dia é igual aos anteriores é
absurdo falar em história, em progresso e em evolução. Esta última resulta, em
sua essência, de mudanças ou mutações que não permitem continuar a viver a vida
como antes.
Uma instituição que se
julga imune à passagem do tempo, além de monótona, coloca-se a si própria na
lista das “espécies em extinção”. Há tempos e tempos. Existem os anos das
“vacas gordas” e os das “vacas magras”.
A Igreja também está
sujeita às vicissitudes do tempo histórico. Como toda e qualquer instituição
social ela corre o risco de perder o “trem da história”. Tudo o que é humano
está sujeito à Lei da Entropia, da desagregação irremediável. E existem no seio
da Igreja muitas coisas puramente humanas, demasiadamente humanas, como o medo
atávico da liberdade e as virtudes criativas de uma consciência verdadeiramente
livre. Existe na Igreja de Roma uma quantidade exagerada de desconfiança
sistemática dos “grandes” em relação aos “pequenos”. Percorrendo os parágrafos
do Código de Direito Canônico e os corredores do Vaticano, tem-se a impressão
de que o Espírito Santo já não é mais o chefe da Igreja, cuja “direção” passou
do sopro da liberdade divina para a competência “ministerial” de peritos em “administração
eclesiástica”.
Séculos de um processo
sociocultural de “inculturação” fizeram com que a Igreja integrasse em suas
estruturas traços e elementos que hoje só podem ser vistos como “lixo” cultural
e social. O computador mal teve tempo para dizer a que veio. E, no entanto, não
são poucos os que têm medo dele. Por quê? Porque a ele só lhe falta o poder de
se autorreproduzir. Por ora sua autonomia é limitada. Mas, mesmo assim, ele
inspira desconfiança.
Uma revolução cultural
patrocinada por sistemas cibernéticos como computadores, seria conduzida
segundo princípios éticos novos. No eixo desta ética estaria o princípio de que
existe uma correlação intrínseca entre responsabilidade e liberdade. Não se
pode ser livre sem ser responsável e não se pode ser responsável sem ser livre.
Perto de dois mil anos de
história fizeram da Igreja católica um lugar pouco propício à expansão de
ideias verdadeiramente criativas. Mas este é um estado de coisas que pode
mudar. O seu passado é prova cabal de que ela é capaz de se tornar muito
diferente do que é atualmente.
Os antigos chineses
dividiam as forças que regem a história em duas categorias aparentemente
contraditórias: o yang e o yin. As energias yang são agressivas, masculinas,
voltadas para atividades de conquista e de posse. As energias yin são, ao
contrário, brandas, soft, mais cooperativas, mais femininas e mais aptas à
formulação de sínteses.
O que caracteriza nossa
época de um modo verdadeiramente traumático é que atingimos o clímax de uma
civilização predominantemente influenciada por energias do tipo yang. O
instrumento político era a guerra. Dividir e dominar pela força das armas era o
objetivo de todo bom governante. Dividir a sociedade em classes e instaurar
nela uma atmosfera de medo permanente: nisto se resumia a “sabedoria” política
de todos os monarcas absolutos, ditadores e tiranos, até os dias de hoje. É só
pensar no número de guerras que assolaram a humanidade pós-diluviana durante os
últimos cinco milênios da sua história. A guerra já não é mais uma opção
política alternativa. Passou a ser a pior das opções de que um político pode
dispor atualmente. A Europa Unida nasceu da convicção de que o tempo de dividir
e dominar já passou. Chegou a hora de unir, de somar e de cooperar. A
competição, arma de dois gumes, representa o último grito de uma época. É
perfeitamente possível e viável substituí-la por tratados e gestos de
cooperação.
A palavra concorrência
vem de concorrer, o que significa correr juntamente com outros. Certamente não
é à sã concorrência que o mundo deve suas desgraças. Não é em fila indiana ou
em procissão que os soldados atacam num campo de batalha.
Texto do Manuscrito: “PERFIL DE UMA IGREJA NOVA” de Pe. José Marcos Bach,
SJ
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