A passagem da Igreja dos poderosos para a
Igreja dos pobres é um processo doloroso que vai levar séculos até deixar de
ser o que é hoje: uma bela abstração teológica, sem a menor ressonância
política.
Muitos
dos problemas com que nos defrontamos não são causados por uma perda de fé, ou
por falta de consciência moral. Muitos dos que “abandonam a fé” o fazem por ter
chegado à convicção de que na Igreja católica não há mais espaço para quem
deseja “crescer”. Crescimento é sinônimo de mudança. Onde não ocorrem mudanças,
não há espaço para crescimento! O que pretendemos com nosso projeto é devolver
à Igreja católica um pouco da fecundidade social que ela foi perdendo ao longo
dos séculos. A maré da opinião pública vai se voltar de novo a nosso favor, no
dia em que os pobres e deserdados da vida vierem a perceber que a Igreja
católica voltou a ser um lugar onde é possível “crescer”, onde as diferenças
são minimizadas em proveito das semelhanças, que são muito mais numerosas. Se
do ponto de vista genético a diferença que nos separa de um chimpanzé é
pequena, por que insistimos tanto em manter longe dos altares de nossas igrejas
e das cátedras de nossas faculdades teológicas as mulheres, nossas irmãs em
tudo, e cuja natureza é exatamente igual a do homem?
Uma
comunidade deixa de ser cristã na medida em que praticar a discriminação. Nela,
ou todos são iguais, ou ninguém merece o título de discípulo de Cristo. Não
podemos dar abrigo em nossas comunidades a critérios sociais provenientes do
mesmo mundo que condenou Jesus à morte na cruz! Os que acham que estamos na
iminência de dar um grande passo, ou até mesmo um passo revolucionário e
perigosamente radical, são os mesmos que recomendam uma leitura retrospectiva
dos Decretos do Concílio Vaticano II. Segundo este critério de interpretação, o
que o Concílio Vaticano II decretou só é válido na medida em que não contradiz
o que Concílios anteriores, como o Vaticano I e o Concílio de Trento definiram
e decretaram. A Igreja não pode trair-se a si mesma, dizem os tradicionalistas.
A Igreja de hoje não pode ser o oposto da de ontem, e a de amanhã deve ser a
mesma dos sonhos de Pio IX e de Pio X.
Acho
que boa parte de nossos problemas provém da nossa incapacidade de lidar com o
tempo. Achamos que o tempo histórico é feito de momentos sucessivos e
retilíneos. Desconsideramos o caráter dialético e contraditório do tempo
histórico e o caráter escatológico do tempo da salvação. Deixamos tudo como o
herdamos dos antepassados, convictos de que o futuro será automaticamente
melhor se permanecermos estaticamente parados no tempo. Sei que está se
tornando cada vez menor o número dos que não admitem mudança alguma. Não
disponho de dados estatísticos que me permitam formular teses, mas é bem provável
que a maioria dos que aceitam mudanças não as queiram muito drásticas e
radicais. Minha opinião pessoal a respeito das mudanças que estou submetendo ao
seu veredito, é que elas são moderadas e até mesmo limitadas, quando comparadas
com o montante de desafios históricos a que a Igreja está devendo resposta”.
Percebendo o mal-estar que suas palavras estavam produzindo
na assembleia, calou-se e mandou vir um “capuccino” (café com nata), levantou-se e foi
saudar “velhos amigos”!
Este gesto contribuiu para “derreter o gelo” que
eventualmente poderia formar-se no relacionamento do Papa com seu auditório.
Quando o Papa retomou a palavra, a atmosfera não era mais a
mesma. Percebendo que não estavam sendo pressionados e impelidos a sacramentar
uma decisão já tomada, e que a palavra decisiva cabia a eles pronunciá-la,
puseram-se a rir e a brincar.
“Não
só Deus, mas também nós temos motivos de nos envergonhar da Igreja que
representamos e apresentamos ao mundo como Esposa de Cristo. Para sorte nossa,
temos do nosso lado o Espírito Santo e muito tempo para imprimir um ritmo mais
acelerado ao curso da história. A Igreja não está comprometida com a
civilização que está aí e que de civilizada tem pouco. O Reino de Deus, como
Cristo o imaginou, é o nosso objetivo maior. E este se constrói a partir de
dentro das pessoas e juntamente com elas. A Igreja não pode crescer
independentemente do que acontece no interior dos fiéis que a compõem.
Fundamental não é o que acontece nas celebrações litúrgicas, mas o que se passa
no interior das consciências, na intimidade das almas com seu Criador e Pai”.
O projeto proposto pelo Papa foi aprovado como era de se
prever. Duas semanas de convívio fraterno com colegas vindos dos cinco
continentes e mais o contato com o Papa, os tinham convencido de que não podiam
voltar para casa de mãos abanando e deixando a “ver navios” os membros mais
conscientes de suas comunidades.
(Texto: Manuscrito “O
NOVO PAPA” de Pe. José Marcos Bach, SJ)
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