A HUMANIDADE TEM O DIREITO A UM FUTURO
Antes de tudo é preciso crer que a humanidade tem o
direito a um futuro. E que este futuro só merece fé na medida em que vier a ser
melhor do que o passado e o presente. Este futuro será fruto de um gigantesco esforço
humano. Não são, no entanto, os rios de sangue, suor e lágrimas que
caracterizam este esforço. Um dos aspectos originais do cristianismo está em
que associa o esforço do homem a um esforço correspondente de Deus. A imagem de
Deus que Jesus nos veio revelar não é a de um Deus expectador, distante de um
drama que não o afetava. Quem olha para o Cristo pendurado numa cruz sem ideias
preconcebidas, só pode chegar a uma conclusão: Deus levou muito mais a sério a
sua parte no esforço comum do que a humanidade.
O que as Igrejas cristãs estão fazendo não merece nem
o nome de esforço. O tempo gasto no esforço de salvar os náufragos de um barco
que está afundando não tem o mesmo valor nem pode ser enfrentado com a mesma
displicência com que um burocrata despacha a sua papelada.
Se a humanidade é realmente tão necessitada de
salvação como parece, então o mais sensato é arregaçar as mangas e tirar
passageiros e tripulantes de seus barcos à deriva. A nau de Pedro não afunda
porque está firmemente encalhada nas margens do Tibre tanto quanto às margens
do próprio tempo histórico. História se faz e não se sofre.
Ter fome é uma coisa e passar fome é outra, bem
diferente. Os acontecimentos historicamente significativos foram realizados por
pessoas que tinham fome e muita fome, mas não passavam fome.
Um exército composto de esfomeados e subnutridos não
ganha batalhas. Alexandre Magno, César e Napoleão sabiam disso. Um bom soldado
só será verdadeiramente bom combatente se tiver a mesma fome de vitórias e a
mesma sede de glória que seus comandantes. Por ocasião do seu triunfo em Roma,
o general contemplado com esta honra suprema, vinha acompanhado da elite de
suas legiões vitoriosas.
No mundo religioso o mérito é dos pastores quando as
coisas vão bem e quando algo de errado ocorre a culpa é das ovelhas.
Num mundo em transformação como o nosso, os piores
pecados costumam ser os de omissão. Numa organização religiosa que obriga os
fiéis a se reunir lá onde se encontra o seu pastor, não entendeu Jesus, que não
tinha residência fixa e ia lá onde o povo costumava reunir-se. Se os templos
estão ficando vazios, isto não quer dizer que o povo está perdendo a fé, mas
que os pastores não estão onde deveriam estar. São seus escritórios
eclesiásticos que estão perdendo freguesia. A quem pode interessar um
cristianismo burocratizado, uma fé que faz do sujeito desta fé um instrumento
submisso e cego de vontades alheias e de verdades sobre as quais o tempo perdeu
o direito de influir?
A história é feita de oportunidades bem aproveitadas.
A contra-história é feita por pessoas sem consciência de que o tempo
cronológico é composto de momentos oportunos como de momentos inoportunos. A
primavera é tempo oportuno para semear e plantar. O outono, ao contrário, é
tempo de colher o fruto do que foi semeado e plantado.
Nos Evangelhos este tempo recebeu o nome de “Kairós”. Quando ao anoitecer
contemplamos um por do sol e percebemos que as nuvens se cobrem de vermelho,
sabemos que não vai chover durante a noite. O contrário vale para um novo dia:
se o sol tingir de vermelho as nuvenzinhas que o vieram receber, isto significa
prenúncio de chuva. “Sabeis muito bem como interpretar os sinais do tempo
metereológico, mas ignorais por completo a arte de interpretar os sinais do
tempo histórico” (Cf. Mt 16,3).
A arte de interpretar corretamente os acontecimentos
faz parte da virtude da prudência e do carisma profético de uma Comunidade
Cristã. O tempo torna-se significativo quando aponta para uma verdade que está
querendo revelar-se.
Padre Marcos Bach