A LOUCURA DA CRUZ DE JESUS CRISTO
O que distingue o projeto messiânico de Jesus dos de
outros salvadores da história anteriores e posteriores a Ele é o fato de ter
encontrado nele um lugar e um papel positivo para o sofrimento. Quem contempla
Jesus pregado numa cruz, o instrumento de morte mais cruel inventado pelo
homem, contempla um fato inédito na história. Nem Buda nem Maomé permitiram que
seus inimigos os prendessem e condenassem à morte. O que foi possível ver e
assistir naquela memorável “Sexta-feira Santa” em que o Filho de Deus foi
executado como se fosse um criminoso qualquer e na companhia de dois ladrões,
isto é, de dois “homens-bomba” pilhados antes de terem tido tempo de pôr em
prática o seu intento, só pode ser classificado adequadamente como manifestação
de loucura.
Loucos eram os que mataram a Jesus Cristo, uivando de
júbilo por terem conseguido livrar-se dele. Mais louco do que eles, seus
assassinos, era o Homem que escolhera livremente esta forma de se despedir da
vida.
Quando o apóstolo Paulo sintetiza a essência da fé
cristã com a palavra loucura da cruz (I Cor 1,18) como a essência da sua
pregação, tomou o cuidado de distinguir o que entende por loucura de Deus do
que entende por loucura do mundo. A “loucura de Deus é sabedoria” (I Cor 1,25),
enquanto a loucura deste mundo é insanidade mesmo! Até “a sabedoria deste mundo
é loucura”, diz Paulo (I Cor 3,19).
Quando os carrascos puseram fogo à pilha de lenha em
que Joana d’Arc iria morrer, apareceu um representante da Santa Inquisição e
lhe apresentou um crucifixo para que ela o beijasse em sinal de arrependimento,
tornou-se visível que a Igreja do século de Joana d’Arc já não era mais a mesma
do tempo dos mártires!
Tudo o que lembra cruzada destoa por completo do
espírito de Cristo, pois a cruz de Cristo é símbolo de redenção e não de
perseguição. Aquele que mata para não ser morto não pode fazê-lo em nome de
Cristo que deu a sua vida, mas não tirou a de ninguém (cf. Mt 20,28).
“Eu vim para que tenham vida” (Jo 10,10). As cruzadas,
como a jihad islâmica, não brotaram da lei do amor nem do espírito de Jesus.
Jesus era manso e humilde, mas não era pusilânime ou
covarde. Dispunha de tamanha energia e força que podia permitir-se o luxo de
ser manso e de responder com um sorriso indulgente às artimanhas de seus
inimigos. A cruz de Cristo coloca a humanidade toda, e a cada alma em
particular, acima do sofrimento e fora de seu alcance. Enquanto o corpo e a
alma sofriam, seu espírito continuava unido a Deus.
O masoquista é um doente mental que encontra prazer
no sofrimento. O místico cristão, ao contrário, não sofre por amor ao
sofrimento. Não ama porque sofre, nem é a cruz que abraça, mas Jesus Cristo
pregado nela. Não vê a Cristo como companheiro de sofrimento com o olhar com
que num hospital um doente olha para outro. A “Cruz de Cristo” nos ensina que
não é o sofrimento que nos santifica nem o amor com que o abraçamos. O que nos
santifica, em verdade, é o amor com que respondemos ao amor infinito de Deus.
A cruz, instrumento de morte, Jesus a transformou em
altar e em sacramento de salvação. A “Cruz de Cristo” não é apenas aquele
madeiro em que foi pregado perto de dois mil anos atrás. A “Cruz de Cristo” é o
sofrimento da humanidade toda desde que foi expulsa do Paraíso até o último
minuto de sua história.
Jesus morto foi tirado da cruz, mas o Cristo
Ressuscitado continua comprometido com o sofrimento humano mais do que nunca. O
fato de ter subido ao céu e de ter ocupado o seu lugar na “Glória do Pai” não
significa que, além do pecado e da morte, deixou de compartilhar com os homens
também o sofrimento.
Diz a lenda que quando escavadores encontraram no
alto do Gólgota a cruz em que Jesus morrera, o Imperador Constantino tomou a si
a tarefa de carregá-la até a basílica onde seria exposta à veneração pública.
Com o fito de conferir à cerimônia um brilho maior, ele mesmo se vestiu com o
máximo de pompa. Mas no momento em que ia colocar a cruz às costas notou que
ela era pesada demais para seus ombros. Alguém então lhe sugeriu que fosse
trocar de roupa, substituindo o manto de púrpura e a coroa imperial por um
traje mais condizente com o simbolismo da cruz. Foi o que Constantino fez e
quando a tomou de novo em suas mãos percebeu que ela era leve e fácil de ser
carregada!
O que torna a vida humana pesada é o sofrimento
absurdo que as pessoas se infligem a si próprias e a seus semelhantes.
A morte de Jesus não é o remate de uma vida
fracassada nem o capítulo final de uma tragédia. A Paixão de Cristo forneceu a
Johan Sebastian Bach a inspiração para uma bela composição musical. O que
Katharina Emmerich descreve em suas “visões” pode ser descartado em boa parte
como obra de uma mente “seriamente perturbada”.
Jesus sofreu, é verdade, mas não passou a vida
sofrendo. Se tomou parte em festas é porque sabia divertir-se. Se compartilhou
um copo de vinho com seus amigos certamente não o fez chorando. A morte na cruz
é apenas um pequeno capítulo na vida de Jesus, extremamente importante, é
verdade, mas pouco significativo no conjunto total de sua vida terrena. Não foi
o único a morrer na cruz naquela sexta-feira.
A Paixão de Cristo foi isolada do contexto geral de
sua vida e sofreu um tratamento político-ideológico que fez dela um
acontecimento único na história e totalmente fora do comum, quando na realidade
não passou de episódio corriqueiro na época e na Palestina de Jesus.
O fato de ter morrido na cruz não contribui para
fazer de Jesus um herói digno de veneração. O fato de ter morrido na cruz não
significa que derramou, para nos salvar, todo o seu sangue. É sabido que a
morte na cruz não acarreta grande perda de sangue. Por que o cristianismo
descambou para uma forma tão sadomasoquista e esquizofrênica visão da Paixão de
Jesus?
Jesus desceu do madeiro da cruz há muito tempo e nada
indica que volte a repetir a mesma dose. Mas a humanidade continua tão
crucificada como nos tempos de Jesus. Crucificada a leis iníquas, a uma ordem
social visceralmente injusta. Metade da humanidade passa fome! O povo
norte-americano representa seis por cento (6%) da população mundial, mas
consome e desperdiça quarenta por cento (40%) do que é produzido no mundo. Não
há Igreja cristã que não necessite de uma corajosa vassourada!
Jesus gostaria que a Sexta-feira Santa durasse o ano
todo e todas as Comunidades Cristãs a chorar com os que choram, em vez de
carpir e lamentar a morte de Jesus. Jesus não pede que tenham pena dele, mas
aceita com prazer e carinho toda e qualquer demonstração sincera de amor! E foi
explícito num pormenor: a medida do genuíno amor a Deus é o amor ao próximo!
“Filhinhos, amai-vos uns aos outros”, recomendava o apóstolo São João a seus
ouvintes. Estes se queixaram a ele, dizendo: “Mestre, por que pregas sempre a
mesma coisa?” “Porque é mandamento do Senhor. E se for cumprido, tudo o mais
deixa de ser importante” (cf. I Jo 4,7).
Todo aquele que se reveste de um máximo de autoridade
e poder é mau pastor, porque se esquece de que no seio de uma Comunidade Cristã
não há espaço para senhores. Nela só há lugar para irmãos, onde todos podem
tomar o seu prato e servir-se no mesmo “buffet”.
Padre Marcos Bach
Nenhum comentário:
Postar um comentário