FAMÍLIA E PATERNIDADE RESPONSÁVEL
O termo Paternidade Responsável é recente, embora seu
conteúdo tenha feito parte dos assuntos tratados pelos moralistas em seus
compêndios. O conceito nasceu da necessidade de enquadrar a atividade
procriativa numa moldura ética nova, mais adulta e exigente do que a anterior,
essencialmente procriativa e natalista.
O que levou os moralistas e legisladores eclesiásticos a
mudar de posição? Em primeiro lugar foi o crescimento descontrolado da
população mundial: a chamada explosão demográfica. E as outras ameaças que a
acompanham, como o perigo de convulsões sociais em virtude da miséria, a qual
aumenta na mesma proporção em que cresce o número de bocas, pedindo pão.
Um número excessivo de habitantes representa um risco ao
equilíbrio ecológico, que só aumenta em vez de diminuir. As grandes metrópoles
são verdadeiras armadilhas: um punhado de loucos pode paralisar com relativa
facilidade uma cidade como São Paulo. A energia elétrica, a água e os
mantimentos, tudo isso vêm de longe! Sem falar no problema causado por
verdadeiras montanhas de lixo. O risco da espécie humana se extinguir por falta
de nascimentos está excluído. A mortalidade infantil só é alarmante em regiões
aonde o progresso da medicina ainda não chegou. A estes fatores é preciso
acrescentar um dado estatístico típico de países civilizados: o aumento da
idade média das pessoas.
A educação de um filho passou a significar um investimento
bem mais pesado que no início do século XX. Como força de trabalho o filho
menor não conta. Um filho a mais significa uma despesa a mais. É evidente que
um pai responsável vai pensar duas vezes antes de acrescentar ao seu minguado
orçamento doméstico um gasto para o qual não possui cobertura orçamentária. O
tempo em que a situação deste tipo de problema ficava por conta da divina
providência já passou, se é que houve alguma vez uma época em que Deus tomava a
si o encargo de fechar o balanço de pais irresponsáveis.
Eugenia ou eugenética passou em nossos dias a ser um ramo
da biologia. Pena que ainda não tenha encontrado espaço e abrigo no pensamento
moral católico. A eugenia se ocupa com a qualidade do produto procriado. Ela
faz parte e é capítulo importante da paternidade responsável.
Ser bem gerado e bem nascido é um direito de todo ser
humano. Parte essencial da obrigação dos pais é colocar no mundo um produto de
primeiríssima qualidade, se possível. Esta preocupação constitui parte
essencial do seu compromisso com a humanidade toda.
Alguém poderá perguntar: “Que culpa tem a criança por
nascer com graves defeitos congênitos?”. Nenhuma é claro. Mas seus genitores
podem ser responsabilizados quando se expõem ao risco de ter filhos
defeituosos, sabendo da possibilidade ou até da probabilidade que isso
aconteça. Ser pai responsável significa muito mais do que ter um filho. Criá-lo
significa bem mais do que providenciar para que não morra de fome.
Por que não se pensa em dedicar um dia do ano à memória
daquelas mulheres que evitam ter filhos que não estão em condições de criar? Se
honramos a mulher que abraça a virgindade, nada nos impede honrar com um dia
especial os casais obrigados pela realidade a renunciar às alegrias que uma
família mais numerosa lhes poderia proporcionar.
Nas entrelinhas dos documentos papais encontra-se a
suspeita totalmente gratuita de que o egoísmo tomaria conta da vida familiar
não fosse a atitude enérgica e firme da Igreja de Roma. Quem já conviveu mais
intimamente com casais sabe do montante de renúncias que a vida conjugal exige
de um casal razoavelmente consciente.
As atrações que a vida conjugal oferece pode induzir alguém
a abraçar o matrimônio. Mas seria ilusório imaginar que só o prazer interessa a
um casal. Bem cedo nossos casais mais conscientes aprendem uma das lições mais
elementares da vida: a de que “a primeira palavra do amor, é não”!
A ideia estapafúrdia de que são os egoístas que optam pelo
casamento enquanto os generosos escolhem a vida celibatária, continua tão viva
hoje como nos tempos de Santo Agostinho. Quem quer ter uma ideia dos estragos
que este preconceito já causou e continua causando deve ler o livro de Eugen
Drewermann: Kleriker. E o livro de Uta Heinemann: “Eunucos por Causa do Reino
de Deus”. Este último já foi traduzido para o português.
O diálogo entre casais e os celibatários profissionais da
Igreja católica é dificultado não só pelo autoritarismo clerical, mas, acima de
tudo, pela nuvem de equívocos, suspeitas recíprocas e de preconceitos que sobre
ele paira. Tomei parte em muitos encontros de casais com clérigos. Em todos
eles não houve nada que se pudesse contabilizar como passo para frente.
Foi a hierarquia católica que desarticulou os movimentos
leigos destinados a confiar à autoridade de leigos todas as tarefas que o
Vaticano II definira como atribuição específica do laicato católico. Leigos
mais conscientes e adultos, mais livres e autônomos, iriam colocar em cheque a
supremacia e o autoritarismo clerical. Mataram a cobra com medo de que ela
viesse a mordê-los. Pior: mataram uma cobra mansa, imaginando tratar-se de uma
cobra venenosa.
Não são as renúncias em perspectiva que atraem um jovem casal
a se unir em matrimônio. Só o prazer tem o dom de atrair a vontade de uma
pessoa.
Quem acha que os/as candidatos/as à vida religiosa ou ao
sacerdócio são masoquistas natos, engana-se. O que leva um rapaz a optar pelo
celibato não é o celibato, em si, mas as riquezas a que dá acesso. A renúncia
ao prazer seria tão estúpida quanto a opção pelo sofrimento, se a opção pelo
prazer não dependesse da capacidade de renunciar a ele. Quem quer ter acesso a
prazeres de qualidade superior, deve aprender a renunciar a prazeres de ordem
inferior. Os prazeres que um macaco pode ter não são dignos do homem. O homem
não seria o que é se não tivesse tido a capacidade de abrir mão de tudo aquilo
que faz a felicidade de um chimpanzé.
Quantos, mesmo em nossos dias, ainda estão por descobrir
esta verdade? Quem se considera melhor e mais generoso por ter renunciado ao
matrimônio, não o faz por amor ao sofrimento e à solidão, a menos que seja
masoquista ou solipsista inveterado. O que leva um jovem a optar pelo
sacerdócio são as alegrias e prazeres que a condição de padre lhe oferece.
Nenhuma pessoa normal abraça o celibato por amor ao sofrimento. O mesmo vale
também dos que optam pelo casamento.
Só há um tipo de pessoa que precisa do sofrimento para ter
prazer. É o sadomasoquista. Também a renúncia à atividade sexual pode ser fonte
de prazer. Pois há outros prazeres bem mais nobres do que qualquer espécie de
prazer físico. Casados e celibatários só começam a se entender e a falar a
mesma língua quando o assunto da conversa é o amor. A simples troca de
preconceitos não merece o nome de diálogo.
Padre Marcos Bach
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