CONSCIÊNCIA E LIBERDADE SÃO SINÔNIMOS
Autodisciplina significa ser capaz de responder de forma
plena por sua liberdade. Ela inclui como elemento essencial o respeito pela
liberdade do outro.
Por que restringir a liberdade de quem sabe usar dela sem
prejudicar a de seus semelhantes? Em nome de Deus? Em nome do bem comum? Em
nome da moral? Que moral é essa que tem medo da liberdade?
O que derrubou o comunismo não foi o desastre econômico por
ele provocado, mas a ânsia de liberdade. É o que dizem analistas sérios e
competentes. O mesmo destino terão todos os outros regimes semelhantes. Não
pode haver progresso verdadeiramente digno do homem sem ampliação constante e
significativa do espaço social, psicológico e ético destinado à ação criativa e
à iniciativa moral da consciência do homem.
Consciência e liberdade são, até certo ponto, sinônimos:
uma não poderia existir sem a outra. Por isso é altamente prejudicial sob o
aspecto psicomoral separar as duas. A consciência sem a liberdade torna-se
órfã. E a liberdade sem consciência é precisamente aquela que nos está
conduzindo à desgraça e à desorganização social.
Todo organismo vivo precisa de um espaço apropriado para se
desenvolver. Esta é uma lei que também se aplica ao ser humano. O espaço do
homem é bem mais complexo e exigente do que aquele em que uma planta consegue
medrar. O ambiente físico, a atmosfera psicológica, o nível ético, a estrutura
socioeconômica e a atmosfera espiritual mais que tudo, formam o mundo do homem.
O que a ecologia é para a planta, a sociedade é para o homem. “Diz-me com quem
andas e dir-te-ei quem és”, diz um ditado popular. Também vale para o
desenvolvimento moral de uma sociedade o princípio da livre iniciativa. Onde o amor
é tratado como uma espécie de epifenômeno moral ou como um dever entre muitos
outros, não existe clima propício à eclosão de uma consciência moralmente
adulta.
O crime premeditado, a violência gratuita, não são obra da
consciência, mas nasceram da falta de consciência. Sensibilidade moral,
respeito pela pessoa humana e pela natureza são disposições que só desabrocham
na consciência de pessoas que sabem amar. E o amor é um sentimento que não é
possível prescrever nem impor. O amor é um sentimento nobre, é como a
princesinha dos contos de fada: só acorda quando despertada por outro amor. Só
aprende a amar quem se sabe e se sente amado por alguém. De nada adiantam
receitas, doutrinas, instruções. A princesinha adormecida no coração de cada
ser humano merece respeito. Acordá-la com gritos e pauladas é o mesmo que
tentar matá-la. O príncipe que tiver a intenção de despertá-la só dispõe de um
meio verdadeiramente eficaz: o beijo!
É da natureza do ser humano só amar a quem for capaz de
cativá-lo. Em toda relação de amor está presente um jogo de sedução.
Será que não é possível substituir uma moral que afugenta
precisamente os mais audaciosos por outra mais atraente e mais sedutora? Qual o
futuro de uma religião e de um sistema moral que não atrai nem desperta entusiasmo?
O que os jovens querem é saber o caminho que conduz à felicidade! Um sistema
ético deveria ser exatamente isso: um roteiro que aponta o caminho para a FELICIDADE!
Saber o que se deve fazer é uma coisa. Estar em condições
de realizá-lo, é outra bem diferente.
Os documentos da Igreja insistem em sublinhar as obrigações
e responsabilidades de um casal católico. Aos casais que encontram dificuldade
em praticar o que a Igreja prescreve, recomenda-se a oração e a frequência dos
sacramentos. É o mesmo que receitar churrasco gordo a um subnutrido. É remédio
demais para a maioria dos casais atormentados por problemas familiares. A
oração é um santo remédio, não há dúvida, mas não é porrete, remédio capaz de
curar tudo. Apelar para a fé também pouco adianta, pois a fé serve para
iluminar o caminho, mas não tem o poder de resolver qualquer espécie de
problema.
Um dos grandes defeitos do discurso moral da Igreja está na
falta de uma base psicológica adequada ao nível em que ela coloca as exigências
do sistema moral que apresenta. Sem o apoio de um substrato psicológico e
material satisfatório, o dever conjugal se transforma bem depressa em fonte de
frustrações e de conflitos. Para fazer do ato conjugal um ato de amor, um casal
necessita de muito mais do que uma cama e um pouco de paciência. Uma cama
limpa, um ambiente tranquilo, uma disposição festiva e uma vontade de sair da
rotina do dia para mergulhar no mundo encantado e místico, que é o mundo do
amor: tudo isso é, no mínimo, tão importante quanto qualquer prescrição moral.
Ignorar o substrato psicofisiológico é grave. Ninguém
constrói uma casa sem examinar bem o solo do lugar em que pretende construí-la.
Os Papas da Igreja católica se preocupam até por demais com a solidez do
edifício, isto é, do sistema doutrinário a que chamam de Sagrada Doutrina da
Fé. Pouca atenção prestam às condições do solo a que este edifício se
destina. As estruturas sociais e
familiares existentes e as condições psicológicas dos candidatos ao casamento
não recebem a mesma atenção.
Pior do que ignorar e menosprezar as condições de natureza
infraestrutural é supor que o matrimônio perfeito é aquele que em tudo responde
às exigências da lei moral. Também aqui vale a palavra de Jesus: “Depois que
tiverdes feito tudo o que vos foi prescrito, dizei: somos servos inúteis”. No
Reino de Deus não há lugar para os que só fazem o que é da sua obrigação. Para
ser um bom cristão não basta cumprir a lei. Por defender e sustentar esta tese
é que São Paulo entrou em choque com os representantes do judaísmo oficial do
seu tempo.
A moral representa tão somente uma etapa na caminhada do
homem. Para ele só há um termo final de chegada: a perfeita união com Deus! O
comportamento moral não produz a união com Deus, mas é condição indispensável
para que ela aconteça. O homem só tem o direito de propor aliança com Deus
depois que tiver tomado posse plena de si mesmo. Quem quer conhecer a Deus tem
que conhecer primeiro a si mesmo, dizia Santo Agostinho. Antes de se tornar um
pressuposto moral, o conhecimento de si mesmo é o fruto de um esforço
pré-moral, que é o esforço psicológico.
Mas o ser humano é mais do que a síntese de tudo o que já
foi através das gerações que o precederam. A preocupação pelo futuro faz a
diferença entre homens e animais. A diferença existente entre a biologia e a
história é a mesma que separa o animal do homem. O futuro da espécie humana não
se encontra registrado em genes: deve ser criado. O ponto de partida não é o
passado, mas é com base nas potencialidades ainda inexploradas do homem e da
natureza que se há de construir a humanidade da Nova Era, a das viagens
interplanetárias e do diálogo com civilizações extraterrestres.
Este novo representante da raça humana deve ser criado. O
modelo já existe: é o Homem Novo, nascido do Espírito, ao qual se referem
Cristo e o apóstolo Paulo. Ele não sairá da retorta de algum alquimista, nem da
proveta de um geneticista. Só pode ser o produto de um novo processo cultural e
de um modo novo de despertar no homem o potencial imenso de faculdades até hoje
inaproveitadas. Em matéria de recursos tecnológicos quanto resta por ser
inventado!
É uma lástima que o progresso tecnológico, embora bem
modesto, se encontre tão à frente do progresso moral e espiritual da
humanidade. É só pensar na capacidade humana de dar e receber amor. Psicólogos
há como Rollo May, Viktor Frankl e Erich Fromm, que não hesitam em afirmar que
amor e amizade são algo de muito raro. São terrenos praticamente inexplorados.
Um “grande amor” é tão raro quanto à passagem de um cometa. “Dois, três a cada
século,” dizia Albert Camus.
Padre Marcos Bach
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