ERA DA “AMORIZAÇÃO”
Estamos entrando na Era da “Amorização”, como a chama
Teilhard de Chardin. Tudo o que esperávamos alcançar competindo e rivalizando,
matando-nos e nos explorando mutuamente, o podemos conseguir de maneira muito
rápida e fácil, amando-nos uns aos outros como Cristo nos ensinou. Cristo se
atreveu a cruzar o Rubicon que separava o Céu da Terra e os homens de seu
Criador. Veio trazendo consigo um “fogo” desconhecido até então, o “fogo do
Amor”. “Vim para lançar fogo sobre a terra e o que mais desejo é que ele se
alastre” (Lc 12,49).
“O dia em que a humanidade descobrir o Amor será como
no dia em que descobriu o fogo” (Teilhard). É com este “fogo” que Cristo deseja
“batizar” a cada um de nós (Cf. Lc 3,16).
A jornada espiritual de uma alma em demanda do seu habitat definitivo é precedida de muitos
preparativos, mas a viagem propriamente dita só tem início a partir de certo
momento: é quando o “avião” está pronto para decolar!
Cada passageiro em sua poltrona, a despensa bem fornida
de “provisões de boca” e os tanques abarrotados de combustível: verificado tudo
isto, o piloto pede autorização para levantar voo! Dá para voar sem passageiros
e sem “munição de boca”. O que não dá é voar sem combustível.
O combustível que impulsiona uma alma em sua jornada
espiritual rumo ao infinito e ao desconhecido é o Amor de Deus. É Deus que
fornece à alma o combustível de que ela necessita. Todos os místicos cristãos
são unânimes neste ponto: “a santidade é obra exclusiva de Deus”! Ninguém se torna
santo, como Deus é santo, por mérito próprio! O máximo que a alma pode fazer
por conta própria é abandonar-se inteiramente e sem resistências ao “fogo do
Amor Divino”. Nenhum autor descreveu todo este processo tão bem quanto São João
da Cruz.
O processo de santificação da alma começa no momento
em que alguém, inspirado pelo Espírito de Deus, toma a decisão de se confiar
totalmente ao Amor do seu Deus! De esperar só dele o que até então esperara de
si e de outros. Esta decisão equivale a uma sentença de morte e a uma
capitulação incondicional do Eu em benefício do Self. Representa o início de
uma jornada em direção ao seu próprio interior. O verdadeiramente santo é
alguém que se conhece melhor que ninguém, pois aprendeu a arte de se “ver como
Deus o vê”. Quem se abandona de todo ao Amor Divino acaba vendo tudo com “os
olhos de Deus”: vê as coisas todas em sua verdadeira dimensão! Não despreza o
verme que rasteja a seus pés! O santo é alguém que valoriza tudo e não despreza
nada. Consegue ver grandeza e beleza onde outros só veem baixeza!
O primeiro passo que Paulo deu após a conversão foi
“cair do cavalo”. Logo em seguida “ficou cego” até o dia em que lhe vieram a
cair dos olhos as “escamas” que o impediam de ver as coisas como Cristo as via!
Nos tratados de espiritualidade a jornada espiritual
é dividida em três vias: a via purgativa; a via iluminativa; e a via unitiva.
Em síntese: o candidato à vida perfeita deve passar por um processo preliminar
de “purificação”. Tudo o que o impede de refletir com perfeição a imagem de
Deus deve ser eliminado.
Paralelo a este, um segundo processo tem início: o da
“iluminação”, como o chamam os místicos. Um último passo é dado quando a alma
começa a trilhar a chamada “via unitiva”.
Desintoxicar a mente, o espírito e a alma,
descarregar lastro inútil, livrar-se de dependências viciosas e de toda e
qualquer espécie de medo: eis a primeira tarefa que aguarda o candidato à
perfeição cristã.
Muitos principiantes desistem já no meio do primeiro
estágio, pois ele exige paciência, perseverança, honestidade fora do comum e
muita humildade. Hábitos adquiridos ao longo de anos são pertinazes e não cedem
facilmente. Certamente não é com uma “confissão geral” que é permitido
considerar encerrada a via purgativa. Vícios são matreiros e têm o mau hábito
de camuflar-se transformando em “virtude” o que em verdade continua sendo
vício. Substitui a falta de fé colocando em seu lugar o fanatismo e em lugar do
zelo pelo bem coloca o escrúpulo, e assim por diante. Cria falsas virtudes que
sob muitos aspectos são piores e mais prejudiciais à alma do que o vício
declarado e consumido.
Nos Evangelhos aparecem os fariseus como mestres
consumados na arte de fingir e de ostentar como virtude o que na realidade nada
mais era do que vício camuflado, vaidade e orgulho disfarçado.
O diabo, diz Santo Inácio, é especialista na arte de
imitar Deus. Suas “luzes” são traiçoeiras, pois ofuscam em lugar de mostrar o
caminho!
A Via Iluminativa é marcada pelo desejo de saber e de
aprender.
Aprender é mais do que colher informações e do que
decorar lições. Na opinião de Einstein só havia um modo de adquirir
conhecimento: passar da simples reflexão para a experiência. Conhecimento é,
segundo ele, informação que passou pelo crivo da experiência pessoal.
Conhecimento é, pois, uma informação que nos afetou em profundidade e de forma
irreversível e que nos enriqueceu espiritualmente.
Está desaparecendo do cenário cultural o cientista
que julga poder “fazer ciência” sem se envolver subjetivamente com o objeto da
sua pesquisa. A tal de objetividade científica está virando mito e quimera!
Experimento e experiência não têm o mesmo significado
e pertencem a atitudes diametralmente opostas! Conhecer algo é mais do que
saber como explicá-lo. Um mistério escapa de qualquer tipo de explicação. Seria
impossível conhecê-lo se conhecimento e explicação fossem inseparáveis. Creio
que não estamos longe do dia em que será axioma a tese de que só se consegue
conhecer o que se ama!
O universo dos átomos e de suas subpartículas está
tão sedento de amor quanto o mais apaixonado amante. Todos eles vibram e o que
esta vibração é, senão amor? Quem julga que está amando, mas é incapaz de
vibrar, se engana rotundamente: seu amor não passa de ilusão! Se a energia que põe
um átomo a vibrar é uma “energia de amor”, como quer o físico David Bohm, então
Francisco de Assis teria razão se voltasse para tratar o átomo como “irmão”!
Átomos, elétrons, quarks são “irmãos” nossos,
participam em comum conosco da mesma vida sem fronteiras nem limites de tempo.
São “eternos” como nossa alma, já que também eles têm alma!
Está havendo uma aproximação entre a cosmovisão do
místico cristão e a do cientista de última geração! Conclusão: o espírito e a
matéria não existem separados. E não podem ser compreendidos um sem a sua
relação com o outro! O “espírito” é o “dentro” e a “matéria” representa o lado
de “fora” de um cosmos que é simultaneamente “espiritual” e “material”.
Espírito e matéria não se excluem mutuamente, mas se complementam, convergindo
para uma síntese de ordem superior!
Padre Marcos Bach
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