ESPAÇOS
AMPLOS E RESTRITOS À PARTICIPAÇÃO
Há sociedades que oferecem
espaço amplo à participação de todos na condução dos negócios públicos. E há
sociedades que reservam este espaço a uns poucos detentores do poder decisório,
reduzindo a maioria à condição de instrumentos passivos.
As sociedades totalitárias,
absolutistas e paternalistas dispensam quase por completo a participação ativa
da consciência individual de cada um. Reprimem até toda e qualquer forma de
conscientização. A alienação psicológica e moral lhes serve melhor aos
interesses. A autonomia moral das consciências não se ajusta a seus modelos
paternalistas de governo. A tutoria moral é uma das muitas tentativas mais bem
sucedidas de esvaziar a liberdade de consciência de todo e qualquer sentido e
conteúdo.
Em muitos casos a tutela moral
é exercida em nome da religião e por seus representantes. Ou, então em nome da
pureza ideológica do partido. O paternalismo se oculta por detrás de atitudes
aparentemente inspiradas na mais pura das solicitudes. O que, no entanto, não
impede que a consciência da grande maioria de “menores morais” fique impedida
de atingir a plena autonomia.
Como Deus não se dirige ao
ser humano a não ser através da sua consciência, não podem ser tomados como
legítimos representantes de Deus e interlocutores morais válidos aqueles que se
atribuem autoridade e poder sobre as consciências dos que consideram seu
rebanho e feudo.
Em todas as sociedades existem
as figuras do “sábio”, do “sacerdote” e do “médico”. A cada uma dessas figuras
o povo atribui um poder especial, que os demais membros da coletividade não
possuem.
O “sábio” é fonte de saber
arcano e secreto, cuja posse lhe garante uma posição social privilegiada.
O “sacerdote” é aquele que
priva diretamente com a divindade. Conhece os caminhos que levam até os deuses.
O “Pajé” ou médico oficial da
tribo possui o segredo das plantas, raízes e ervas medicinais. Emana dele um
fluido misterioso que cura o doente, desde que tenha fé.
O homem do povo não conhece a
relação direta com Deus. Em suas rezas e devoções se dirige ao “santo”, à
“Santa Virgem” e ao sacerdote. Este lhe oferece como alimento espiritual a
“palavra” de Deus e os “Sacramentos da Salvação. Em tudo isto o aspecto menos
cultivado é o contato pessoal, direto e imediato com Deus.
As coisas de devoção tomam o
jeito de um comércio. Bastante bem explorado. O excesso de elementos
intermediários entre o homem e Deus tem o inconveniente de coisificar e
despersonalizar e relação religiosa, alienando a pessoa de uma das mais poderosas
fontes de energia espiritual.
O homem de hoje já adquiriu o
hábito de procurar o médico por qualquer motivo. Em lugar de cuidar de sua
saúde pessoalmente, faz um pouco de tudo para estragá-la.
Todo cortejo de dependências
conflita de maneira frontal com o princípio moral da autonomia. Segundo uma lei
básica da vida o ser se organiza a partir “de dentro”. À medida que recorre à
assistência externa diminui a sua capacidade de autonomia.
A questão que ainda hoje
coloca as autoridades em guarda diante das exigências da liberdade de consciência,
pode ser formulada deste modo: “merece a consciência tamanho voto de confiança,
quando se tem em conta a situação sociocultural concreta?”. A autocensura é
ótima onde existem pessoas capazes de exercê-la.
Para a consciência cristã o
sentido da autoridade não coincide nem com o exercício do poder nem com a
conservação de um determinado sistema de ordem. O objetivo imediato da
atividade de um magistrado cristão (seja ele religioso ou civil) é a promoção
moral da comunidade humana, a que serve. Esta, por sua vez, não é idêntica à
ordem. A qual, portanto, não pode ser identificada com as necessidades e
exigências de um sistema.
O conflito entre autoridade e liberdade de
consciência ocorre as mais das vezes em virtude de uma formulação errônea do
conceito de autoridade e ordem e sua relação com o desenvolvimento de uma
comunidade. Tratar os seus membros como “menores” do que são na verdade, não é
o modo mais inteligente de conduzi-los à maioridade ética e social. A autonomia
moral não constitui nenhuma ameaça séria ao exercício legítimo da autoridade.
Somente não se dá com o arbítrio, o autoritarismo, o absolutismo. Os piores
inimigos da autonomia moral e que constituem as camadas mais parasitárias da
sociedade são o tecnocrata, o burocrata, o plutocrata. E no campo religioso, o
hierocrata, o administrador das realidades sagradas.
Padre Marcos Bach
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