UNIDADE NA DIVERSIDADE
O Movimento Ecumênico Cristão é formado por pessoas que se deram conta de
que o maior inimigo do cristianismo não são as divisões de Stalin ou Hitler,
mas a divisão das Igrejas. O Papa João XXIII percebeu isto como poucos.
O Concílio Vaticano II não conseguiu convencer os setores mais ativos da
Igreja católica que chegara a hora de saber morrer para poder ressuscitar. Sou
católico e a mim me interessa o futuro da minha Igreja. Na minha vida a fé em
Cristo é essencial. Minha fé na Igreja católica é condicionada à capacidade de
seus “pastores” de se adaptar às exigências de uma sociedade sujeita a
violentas transformações. Incondicional é a fé em Cristo, mas a fé numa
determinada Igreja só pode ser condicional. A mais cristã das Igrejas é tão
imperfeita quanto o são as estruturas da sociedade à qual se integrou.
Tanto a Igreja católica quanto as de rito oriental incorporaram em seus
regimes de governo vícios do antigo Império Romano. Citemos um exemplo que fala
por todos os demais: o poder de governar a Igreja está concentrado na vontade
soberana de um único homem, o Papa. É ele a única pessoa que só é responsável
perante Deus e à sua consciência. Além dele não há mais nenhum católico que
tenha tamanha liberdade.
Quem acha que tamanha concentração de poder favorece a salvação das almas
engana-se, tanto quanto aquele tipo de empresário da era industrial que ainda
podia permitir-se o luxo de tratar sua empresa como propriedade pessoal.
Por toda parte começam a surgir movimentos políticos destinados a unificar
determinados setores da vida humana. Fronteiras começam a desaparecer ou perder
seu caráter de trincheira. Tudo isto é altamente positivo e desejável do ponto
de vista cristão, desde que não se faça confusão entre unidade e uniformidade.
A uniformidade resulta de um processo em que só uma única medida se torna
obrigatória. A palavra ideologia expressa muito bem o que os regimes
totalitários têm em vista.
Idion é uma palavra grega e significa, o
mesmo. Daí vem o termo idiota: o homem de uma só ideia. Daí vem também o termo
ideologia que representa a redução da multiplicidade de ideias e formas de
organização social a um único denominador comum.
“Ein Volk, ein Reich, ein Führer”
proclamavam os epígonos do pesadelo nazista.
Uniformidade é unidade mutilada.
Existe uma diferença fundamental entre a unidade que é imposta de cima para
baixo e de fora para dentro e a que resulta de algo que se poderia definir como
consenso interior.
A unidade orgânica e ecossistêmica que a natureza adotou é uma unidade
consentida e livre, e se impõe por si mesma. Criar e organizar unidades sempre
mais complexas: é este o objetivo último de todo processo evolutivo. Este
objetivo o perseguem tanto os componentes da biosfera quanto os da noosfera. A
natureza pode servir muito bem de modelo já que nela todo progresso resulta de
uma síntese mais complexa do uno com o múltiplo.
Eliminar as diferenças é o mesmo que enfraquecer o elo de união que mantém
vivo um corpo, seja ele biofísico ou social.
Sistemas sociais inspirados no conceito totalitário e autocrático de
unidade são por natureza inimigos declarados da liberdade por serem hostis por
princípio ao direito que cada entidade individual tem de ser diferente das
demais. É este o lado fraco de qualquer religião, ao qual a Igreja católica
sucumbiu tanto quanto o Islamismo.
Quem vai escrever daqui para frente a história da humanidade vai ser o
homem. Quem vai escrever a história futura da Igreja de Cristo serão aqueles
que descobrirem, por conta própria, que o cristianismo é em sua essência um
modo desmesuradamente generoso e ousado de viver a vida sem peias nem
restrições.
O autêntico discípulo de Cristo dispensa leis, currais protetores e
qualquer tipo de tutor. Quem é verdadeiramente livre como Cristo o era, mede a
sua liberdade e o direito de vivê-la, tomando como critério sua própria
liberdade. O verdadeiramente livre não precisa justificar sua liberdade. Ele
obedece em tudo o que faz de certa forma a si mesmo, segundo impulsos que lhe
vêm do íntimo da sua consciência livre.
Padre Marcos Bach