QUE O ESPÍRITO SANTO
NOS CONDUZA
“Quem não
receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele” (Mc 10,15).
Todos os Evangelistas, menos João, fazem referência a
esta palavra de Jesus. Este fato revela a importância que o assunto tinha na catequese
da Igreja dos primeiros tempos. “Se não vos tornardes crianças de modo algum
entrareis no Reino dos Céus”. Mateus é incisivo: “de modo algum”, diz ele (Mt 18,3).
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque
ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”
(Lc 10,21). Foi num arroubo de alegria e gratidão que Jesus proferiu estas
palavras e “sob a ação do Espírito Santo” como diz o Evangelista (Ibid.).
Se alguém quisesse já naquele tempo irritar a Jesus e
bulir com a sua paciência, bastava-lhe ferir a inocência de uma criança (Lc
17,2). “Da boca de pequeninos e crianças é que sai o perfeito louvor a Deus”
(Mt 31,16).
Nenhuma das Igrejas cristãs soube até hoje o que
fazer com os textos que acabei de mencionar. Em nenhuma delas há lugar para
crianças por não haver nelas lugar para mulheres. Foram as mães que trouxeram
seus filhos a Jesus para que Ele os abençoasse. As Igrejas, ditas cristãs, tornaram-se
lugares exageradamente solenes, já que nelas não há espaço para o choro e o
riso de crianças.
Como se pode recomendar a alguém voltar a ser
novamente criança, se o objetivo da pedagogia cristã é formar o cristão adulto?
Será que é necessário deixar de ser criança para tornar-se adulto? Será a
infância uma espécie de pele da qual temos que nos desfazer se nos quisermos
tornar adultos?
O caminho da Infância Espiritual é hoje capítulo
obrigatório em qualquer obra que trate de espiritualidade cristã. O primeiro
que se refere de modo mais explícito ao assunto é São Francisco de Sales. Mas
quem contribuiu mais para conferir status
teológico ao tema foi Santa Teresinha de Lisieux. Já o seu nome como freira
carmelita, Teresinha do Menino Jesus, é sintomático.
Tudo na vida, como na pessoa de Teresinha, era
pequeno, “petit”. Como em economia,
também em se tratando de santidade, “o bom é ser pequeno”!
“Tamanho não é documento”, reza um ditado. O que tem
de especial a criança a tal ponto que Jesus a propõe como paradigma de
perfeição e de santidade?
A primeira virtude de uma criança normal e não
pervertida é a simplicidade: ela não complica e não cria regras desnecessárias.
Seu comportamento é transparente e previsível. Cada uma tem o seu temperamento
e um modo próprio de fazer as coisas, é verdade, mas num ponto todas se
parecem: basta conhecê-las para saber como lidar com elas!
Outra virtude tipicamente infantil é a sinceridade.
Uma criança não mente. Ainda não aprendeu a distinguir o real do imaginário. É
visionária, pois consegue ver o que um adulto sofisticado já não é mais capaz
de perceber.
Uma criança crê no que vê e sem mais rodeios aceita
como verdadeiro o que lhe foi dado ver. Não sei de nenhum brinquedo de criança
destinado a descobrir quem é que está mentindo.
Uma criança tem da verdade um conceito bem diferente
do que dela tem um adulto. Sua noção do que é verdadeiro ou falso e do que é
digno de fé é mais digna de respeito do que a profissão de fé de um papa.
Nossos mestres e intérpretes da Verdade Divina fariam
bem se em lugar de perder seu tempo em longos e cansativos discursos acadêmicos
fossem brincar com um bando buliçoso de crianças, com vontade de aprender delas
o que só elas ainda estão em condições de ensinar!
Um dos vícios mais comuns no mundo social adulto é a
hipocrisia. Fingir ser o que não se é; ter o que não se tem; pensar o que não
se pensa; querer o que não se quer e sentir o que não se sente: não é esta a
ocupação favorita dos que são colunáveis e frequentadores dos ambientes da alta
sociedade?
Um dos piores defeitos de uma pessoa é a misantropia. Misantropo é alguém que é
alérgico ao convívio com outros e que não se sente bem na presença de outros.
Muitos confundem santidade com misantropia.
Temos toda razão quando consideramos saudável a
pessoa que se sente bem na companhia de outros. Toda criança sadia é
comunicativa e quer conviver com outras crianças. Escolhe, se puder, os seus
amiguinhos e companheirinhos.
Poderíamos todos aprender da criança a arte de
escolher com quem queremos andar, pois a companhia dos que nos cercam define a
nossa própria identidade humana. “Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”.
Por mais quente que seja uma jarra de água, misturada com água morna, ela
rapidamente perde o seu calor. Essa lei também se aplica ao convívio humano. Na
companhia de gente medíocre, acovardada e preguiçosa é difícil ser herói da
virtude por muito tempo!
Uma criança sabe divertir-se como adulto algum é
capaz de fazê-lo! Pergunte a ela: “Como foi que você passou o dia? Foi bonito”?
E ela provavelmente lhe dirá: “Foi maravilhoso! Brincamos a tarde toda! Depois
fomos à casa de fulana, tomamos suco de fruta e comemos torta até não poder
mais”! E por aí afora!
Para o Criador criar o Universo foi um “brinquedo”,
um divertimento, afirma o salmista. “A terra está cheia da bondade do Senhor”
(Sl 33,5).
É da criança que temos que aprender como
divertir-nos. Quem já não sabe mais o que é divertir-se, sente-se no meio de
crianças, e aprenda. Pois uma criança ainda sabe como fazer para que a vida
venha a ser um folguedo!
Uma criança tem facilidade em aceitar como verdadeiro
o que se lhe diz. Dizemos que ela é ingênua, mas a sua ingenuidade a coloca
mais perto da Verdade Suprema do que a fé de um teólogo esclarecido.
Nada torna o amor de uma criança tão encantador e
irresistível quanto o modo singelo com que se abandona a este amor e a ele se
entrega de corpo e alma. Foi assim que Teresinha de Lisieux entendeu o amor a
Deus. Em se tratando de amar a Deus ela não era de meias medidas. Compreendeu
que o amor é “totalitário” e que não pode ser dividido ou distribuído em parcelas. Praticou
a “Opção Fundamental” (Cap.III) como poucos antes e depois dela. Por isso foi
declarada Doutora da Igreja merecidamente.
Antes de Gandhi ela já tinha descoberto esta grande
verdade: “O amor é a mais potente força do Universo e é, ao mesmo tempo, a mais
humilde de todas”!
O amor de uma criança parece pequeno, mas não o é.
Pequeno e frágil é o amor dos que se julgam grandes, e, no entanto, o máximo
que conseguem é viver juntos como namorados!
“O amor das pessoas grandes é muito pequeno, não é vó?”.
A menininha de quatro anos que proferiu esta “sentença” tem toda a razão!
O mundo em que vivemos tornou-se “super-adulto”!
Aumenta de dia para outro o número de crianças “de rua” que não têm família,
nem sabem o que é ser “querido”. Parece que a maioria dos homens já não sabe
mais o que é ser pai, pai de verdade, como Deus é Pai! Até a mulher já não sabe
mais o que é ser mãe, mãe em tempo integral. Não admira, pois, que até as
crianças não saibam mais como ser criança.
Padre Marcos Bach
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