quarta-feira, 25 de novembro de 2015


O SER HUMANO NO SEU CENTRO


O que torna o homem verdadeiramente senhor de si, autônomo, isto é, legislador em causa própria, está no fato de ele ser o seu próprio centro. O ser humano é espírito na medida em que ocupa efetivamente este centro. Isto só uns poucos “rarinantes” conseguem em vida. Para a maioria vale a constatação de Roberto Assagioli: “Em nossa vida cotidiana somos limitados e atados de mil maneiras, presas de ilusões e fantasmas, escravos de complexos irreconhecidos, empurrados de um lado para outro por influências externas, ofuscados e hipnotizados por aparências enganadoras.


Não admira que num tal estado o homem se mostre frequentemente insatisfeito, inseguro e variável em seu estado de espírito, em seus pensamentos e ações. Sentindo intuitivamente que é uno e, no entanto, descobrindo que está dividido em si mesmo, ele fica perplexo e não consegue entender-se a si mesmo nem entender os outros.


Não surpreende, pois, que o homem, não se conhecendo nem se compreendendo, não tenha autocontrole e esteja continuamente envolvido em seus próprios erros e fraquezas; que tantas vidas sejam fracassos ou, pelo menos, estejam limitadas e entristecidas por doenças do corpo e do espírito, ou atormentadas por dúvidas, desânimo e desespero” (Psicossíntese, Cultrix, p.34).


Durante muito tempo se achou que a raiz do problema era a falta de ajuste social e que a solução tinha que ser procurada no relacionamento do indivíduo com seu ambiente social e cultural. Assagioli, Groff, entre outros, optaram por um diagnóstico diferente. O modo como este problema é diagnosticado e enfrentado habitualmente, costuma ser desastroso. A maioria se “joga de cabeça numa vida de atividade febril, de excitação constante, emoção tempestuosa e temerária aventura” (Assagioli, o.c.p. 34).
     

Para boa parte dos diretores de consciência a causa do problema é a falta de ocupação e a falta de oração. Um moralista dirá que o problema é de natureza moral e que a solução só pode ser da mesma ordem que a causa.


Um psiquiatra ou psicólogo imbuído do espírito de Freud dirá que o problema é médico e é causado em última análise por um distúrbio neuronal. Trata o paciente como doente, e diagnostica os sintomas como patológicos.      


Nem João da Cruz, nem Jung, nem Assagioli atribuem o fenômeno por eles descrito a alguma forma de desordem moral. Não são os pecadores que entram em crise, seja ela de “Emergência Espiritual” (Assagioli), de “Individuação” (Jung), ou a “Noite Escura” de João da Cruz. Também não são os perfeitos, os que têm méritos a oferecer, que são contemplados com esta graça. Os poderosos e os eruditos raramente despertam o suficiente para perceberem o estado real de suas consciências.
     

Um dia destes “os discípulos se aproximaram de Jesus e perguntaram: quem é o maior no reino dos céus? Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus. Quem se faz pequeno como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E quem acolher uma criança como esta, estará acolhendo a mim mesmo” (Mt 18,1-5).

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 18 de novembro de 2015


A FÉ EM DEUS E A FÉ NO HOMEM SÃO INSEPARÁVEIS


Do ponto de vista religioso cristão a fé em Deus é absolutamente inseparável da fé no homem. Se Cristo redimiu a Humanidade, então é no homem redimido, no homem de fé que devemos depositar nossa esperança de um futuro melhor.

E por homem de fé não se deve entender o que prega a fé e a ensina a outros, mas aquele que a vive e dela dá testemunho. Não são apenas padres ou moralistas que andam preocupados com a situação pré-falimentar da nossa civilização. Stanislav Groff é psiquiatra. O que ele diz concorda plenamente com o que o autor destas linhas pensa a respeito da situação do mundo atual.

Diz ele o seguinte: “Está cada vez mais claro que estamos numa rota suicida. Corremos contra o tempo para tentar corrigi-la. Sanções econômicas, medidas administrativas, negociações políticas e diplomáticas, intervenções militares, tudo isso foi um grande fracasso na busca de soluções viáveis. Em muitos casos estas coisas pioraram mais do que ajudaram. E só podia dar nisso mesmo porque tais providências de solução se baseiam na mesma filosofia e nas mesmas estratégias que deram origem ao problema. Para mim não há dúvida de que a única solução possível é uma profunda transformação psíquica e espiritual da humanidade. A questão é saber que isso vai ocorrer a tempo de evitar o desastre” (Revista Época - Fevereiro de 1999 - p.66).
     
Insistimos em continuar a ver o mundo, o homem e a Deus como viam os homens da era pré-científica. Queremos resolver nossos problemas da maneira mais indolor possível. Agimos como se fosse possível banir da história tudo o que há nela de errado recorrendo a decretos. A maioria de nós está disposta a mudar tudo contanto que não se veja na obrigação de mudar a si mesmo. No entanto é exatamente esta, no momento, a necessidade mais urgente.
 
Não basta querer mudar a sociedade, ou os outros. O essencial é a autoconversão da qual Jesus falou no início da sua pregação. Quem se julga dispensado da responsabilidade de se transformar internamente a cada ano que passa, não entendeu o recado de Jesus. É no interior das consciências que deve acontecer a revolução capaz de salvar a humanidade.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 11 de novembro de 2015


A FÉ DOS MÍSTICOS


“Eu sou a Verdade”, disse Jesus. É uma lástima que os cristãos sejam induzidos por seus pastores a crer mais em doutrinas do que na Pessoa daquele que é a síntese de toda a Verdade. Crer e amar são sinônimos. Não se pode amar sem crer, nem é possível crer sem amar. Ninguém, a não ser um alienado, ama teorias e dogmas. Só podemos amar a quem é capaz de retribuir nosso amor.

O objeto da nossa fé, como da nossa caridade, só pode ser uma pessoa, isto é, um sujeito igualmente capaz de nos amar e de crer em nós. Não cremos em doutrinas. Como cristãos não somos obrigados a fazê-lo. É em Jesus que um cristão deposita a sua fé e seu amor. Ensinamentos e doutrinas são meios e instrumentos, nada mais do que isso.

A fé em Cristo personaliza nossos relacionamentos com Deus e com os homens dando-lhes um calor, um sentido e uma profundidade que de outra forma não teriam. A Verdade não está na Palavra de Deus, mas no próprio Deus que na Pessoa de Jesus se tornou a Palavra de Deus por excelência.

O que aconteceu nas Igrejas cristãs foi uma tentativa de submeter a vida de fé do povo cristão ao controle das autoridades eclesiásticas. A expressão que melhor define esta tentativa é a palavra reducionismo doutrinário. Tanto teólogos como representantes do magistério eclesiástico tomaram conta do cenário depois de terem expulso dele os místicos, que não admitiam que a fé cristã pudesse ser domesticada, racionalizada e reduzida a um simples ato de adesão à Igreja ou a um simples voto de conformidade com o ensinamento oficial de uma Igreja.
Padre Marcos Bach

quarta-feira, 4 de novembro de 2015


O SER ESPIRITUAL E O NÍVEL DE CONSCIÊNCIA

A evolução do homem é feita de ascensões a níveis cada vez mais elevados, com a consciência no papel de vetor deste processo. O homem cresce, se desenvolve e se aperfeiçoa como ser espiritual na mesma proporção em que desenvolve e aperfeiçoa a sua consciência. Do homem pode-se afirmar com razão que ele é, acima de tudo, consciência. Ela é a essência do seu ser espiritual.

Posta e aceita esta premissa, surge a pergunta: que forças produzem este movimento gradual de elevação¿ São as mesmas forças misteriosas que levaram a evolução até o limiar da consciência¿

Ou são forças que têm outra fonte de origem¿ É do “barro”, do chão e da terra que vêm a energia propulsora humana, ou pode-se admitir a hipótese de outra fonte de energia, colocada no “alto”, cujo poder de atração é responsável pelos estágios ulteriores do desenvolvimento humano¿

Ou encontra-se ela no interior da pessoa humana, constituindo o seu centro psíquico e elemento estrutural superior, como algo análogo ao neocórtex, ou algo semelhante ao interior de um elétron¿

Todas estas perguntas são relevantes e têm a seu favor a presunção de serem em futuro próximo as mais atinentes e sugestivas, capazes de abrir horizontes novos ao estudo da consciência do homem.

Com o cristianismo e a vinda de Cristo à terra, inaugurou-se uma nova fase da história. Os Evangelhos são explícitos quanto a este aspecto da mensagem cristã.

Para alcançar a salvação é preciso nascer de novo, diz Cristo a Nicodemos. É preciso nascer do alto.

O “novo homem” ao qual Cristo se refere, não nasce do sangue e da terra, mas de Deus.

É uma “nova criatura”, a quem cabe, entre outras tarefas, a de libertar o universo inteiro. Sua consciência é essencialmente superior, mais lúcida e penetrante que qualquer outra forma de consciência conhecida dos cientistas.

É ela que põe o homem, “que vive da fé” (como diz Paulo), em contato direto e imediato com a consciência Divina (Logos).

É do alto que irrompe a luz divina, que mostra o caminho da esperança cristã.

Não é apenas luz que se derrama, mas é força que atrai o espírito para o alto.

Doravante o homem passa a ser arrebatado pelo poder de atração do seu próprio futuro pós-histórico, pela força de atração do “Ponto Ômega” diria Teilhard.

Cristo veio inaugurar uma nova ordem, que afeta profundamente o relacionamento do homem com Deus, com seu semelhante e com o universo inteiro.

Veio (para usar a terminologia de Paulo) substituir a lei pela graça, a obrigação pelo amor.

Padre Marcos Bach