LIÇÕES DE VIDA QUE O ESPORTE OFERECE
O primeiro requisito logístico para uma boa partida
de futebol diz respeito ao campo. Quanto mais técnico um time é, tanto mais
exigente será em relação à qualidade do gramado em que vai pisar. Se fôssemos
comparar os debates entre teólogos cristãos com o que entendemos como uma boa
partida de futebol, teríamos que reconhecer que a quase totalidade dos entraves
que costumam emperrar qualquer tentativa de aproximação é a má qualidade do
campo. Depois vem a falta de respeito pelas regras básicas, sem as quais é
impossível praticar esporte.
O bonito de uma competição esportiva está em que
todos têm chances de vencer, ficando, porém, os melhores e mais competentes com
as melhores chances.
Que outra coisa é a Encarnação do Verbo e tudo o que
com ela se relaciona senão uma etapa a mais num projeto evolutivo mais amplo?
Um novo capítulo do experimento homem.
Nós, cristãos, atribuímos a autoria do experimento
homem, como da natureza em geral, a Deus, Senhor onisciente Todo-Poderoso do
universo. Tudo o que com Teilhard de Chardin atribuímos à Evolução,
atribuímo-lo também a Deus. A evolução nada mais é do que outro nome para a
atividade criadora de Deus. Para um crente evolucionista Deus não se retirou do
palco após o sexto dia da Criação. Pelo contrário. Não é do feitio do gênio
Criador de Deus terminar a obra logo no primeiro dia. Quando a Bíblia diz: “E
Deus viu que isso era bom” (Gn 1,12), não quer afirmar que tudo era perfeito,
pronto e acabado. Logo, há espaço para crescimento, desenvolvimento, progresso
e evolução ulterior. O que o pensamento evolucionista quer afirmar é o caráter
dinâmico e progressivo da ação criadora de Deus.
Foi um erro metafísico separar o Criador da sua Obra.
Distinguir não é separar sem mais. Se fosse possível separar o Ser de Deus do
Ser de suas criaturas, estas desapareceriam sem deixar vestígio. Pois o Ser de
todos os seres só pode ser o Ser Absoluto do qual são manifestações
contingentes e limitadas. Foi o temor de incorrer na heresia panteísta que
levou os pensadores cristãos a definir a relação entre o Criador e a Criatura
em termos que beiram o nihilismo. Se Deus é tão Outro que suas criaturas nem
mais se assemelham a Ele, então o universo só pode ser visto como um barco sem
piloto e sem timoneiro. Se é verdade que o Criador continua descansando; se
Jesus continua dormindo na barca de Pedro, então não admira que os homens não
consigam entender-se nem sequer à beira da vala comum que os aguarda a todos,
cristãos e pagãos.
A briga, envolvendo criacionistas e evolucionistas, é
uma bela demonstração de incompetência teológica. Opor entre si Criação e
Evolução é criar um dilema falso, pois tanto uma como a outra representam modos
diferentes de ver a mesma coisa. São formas convergentes de análise dos dados
da fé. Se existe oposição, ela é metodológica, apenas isso. É, pois, uma
questão de método e como tal não envolve o conteúdo do “Depositum Fidei”.
Onde ocorre um debate teológico sempre aparece a
figura do representante da Sé Apostólica, do Celam ou da Conferência Nacional
dos Bispos. É ela que determina o tipo de resolução a que o debate pode chegar.
Por exemplo: um Seminário sobre Planejamento Familiar não pode chegar a
conclusões que divirjam das manifestações oficiais da Igreja católica. Nesses
debates teológicos predomina a figura do teólogo mais comprometido com os
ensinamentos dos papas do que com a situação concreta de milhões de casais. Se
alguém dissesse que os representantes da Igreja não gostam de jogar fora de
casa e em campo alheio, não faria mais do que dizer a verdade. Em poucas
palavras: falta à maioria dos teólogos e representantes do Magistério
Eclesiástico aquele espírito esportivo que caracterizou as polêmicas discussões
de Jesus com os fariseus. Jesus fustigou com veemência o comportamento dos seus
interlocutores sem que essa sua crítica envolvesse alguma espécie de agressão
moral. Sempre e em todos os debates aparece o respeito que Jesus tinha pela
liberdade e pelo direito que cada qual tinha de ter opiniões próprias. O alvo
de seus anátemas foram as opiniões e não a pessoa do interlocutor. É isso que
está fazendo falta no campo do debate teológico. Falta aos nossos treinadores e
dirigentes eclesiásticos aquele espírito esportivo que transforma uma partida
de futebol num verdadeiro espetáculo. Só pode haver espetáculo de verdade onde
o resultado é imprevisível. Jogar com cartas marcadas é sujo e imoral. Mas não
é precisamente este o jogo preferido dos que costumam falar em nome de Deus e
da Igreja?
Digo isso tudo com a intenção de desmascarar os
habituais defensores da ortodoxia. Não os critico pelo que estão defendendo,
mas pelo modo com que o fazem. Não sabem competir intelectualmente. Querem
explicar as verdades de modo tão claro que não possa haver mais lugar para
dúvidas, ignorando que desta forma atentam contra o caráter misterioso da
mensagem divina.
Crer não é apenas compreender. Bem no fundo não é
mais possível crer quando se compreendeu. Basta ver, isto sim. Ter fé apenas no
invisível e espiritual é um modo mutilado de crer em Cristo. Uma fé abstrata e
intelectual que se ocupa mais com o pensamento de Jesus do que com a sua Pessoa
e obras, e que, além do mais, pretende submeter o próprio texto sagrado a uma
análise histórico-crítica, resulta estéril por lhe faltar o essencial que é seu
caráter testemunhal. Uma leitura materialista da Bíblia é tão essencial quanto
a outra, que consiste em ver o que nela vem narrado com os olhos da fé. O
invisível torna-se completamente ininteligível no momento em que não tiver mais
relação alguma com o visível.
Aplicando o que foi exposto ao Reino de Deus, temos
que tomar o cuidado de não relegá-lo ao mundo das realidades invisíveis e
espirituais. O Reino de Deus é um Anúncio, é, portanto, parte da Boa Nova. É
também uma promessa e, como tal, faz parte de um Projeto a ser executado. Não
deve ser visto apenas como uma espécie de oceano destinado a recolher, um dia,
todo o esforço que os homens despenderam ao longo da história com o intuito de
realizar seus pequenos sonhos de felicidade.
Padre Marcos Bach