O AMOR GERA IGUALDADE NA RELAÇÃO DO CASAL
O grande problema ético com que um casal de hoje se
defronta não é a ignorância ou desconhecimento da lei moral, mas a energia
necessária para pô-la em prática. De pouco adianta apelar para a coragem de um
soldado que não vê o menor sentido em expor-se ao risco de perder a vida. Não
há sistema moral capaz de gerar por si as energias que sua implantação requer.
Todo apelo moral é impotente. Por isso é necessário ir além do discurso e da
pregação moral.
A frequência dos sacramentos, a oração e a penitência são
meios que nenhum tratado de espiritualidade deixa de mencionar. Mas também tudo
isso não basta porque representa uma forma de ajuda externa. Temos que ir mais
longe, isto é, temos de penetrar no íntimo das pessoas, pois é lá que está a
chave da solução. Não há truques mágicos capazes de proporcionar a um casal a
energia necessária para recomeçar sempre de novo, pois o casamento é um
edifício que é preciso consertar e remodelar sempre de novo. Casar é como ir
morar numa casa que nunca vai ficar pronta.
Donde tirar a paciência para não desanimar? Este é o
problema para o qual a espiritualidade cristã tenta encontrar uma solução. Ela
se baseia na crença de que a salvação não vem de fora, mas do interior do
próprio homem. Não há juramentos e convenções capazes de suprir a falta de
convicções pessoais. Não é a Igreja que deve proteger a um casal católico. É o
próprio casal que deve fazer isso. E se ele não estiver empenhado em fazer do
seu casamento uma experiência digna de ser levada até o fim, isto é, até a
plenitude, então é inútil cercá-lo com muros de proteção. O tentador sabe muito
bem como escalar um muro. A única coisa que não consegue é penetrar em recintos
onde o homem e Deus estão unidos num propósito comum.
A fidelidade conjugal é uma graça de Deus, o resultado de
um amor que une entre si o homem e Deus muito antes de se tornar imperativo
moral. Pobre é a fidelidade quando resulta tão somente do sentido de obrigação
moral. A fidelidade conjugal ou é um desdobramento da fé em Cristo, ou só terá
condições de sobrevivência sob a forma de um compromisso que não se pode trair.
Hoje a infidelidade conjugal é vista menos como traição ou tentação do que como
alternativa e como válvula de escape. O adultério tornou-se chique. A
fidelidade deixou de ser vista como prova de amor. Agora o sinal de exuberância
sexual é a infidelidade.
Entre os judeus adúltero era apenas o
homem que se passava com a esposa de outro judeu. Adúltera, no entanto, era
toda a mulher casada que fosse pilhada na cama com outro homem. Dois mil anos
de cristianismo não foram suficientes para apagar por completo a diferença
entre o modo como é encarado o adultério. Nesta área o peso maior do compromisso
conjugal recai ainda sobre a mulher. Ora, se o cristianismo tivesse fermentado
a fundo a nossa assim chamada cultura cristã, esse tipo de discriminação já não
poderia existir. A existência de uma dupla moral sexual prova que nesta área
ainda há muito caminho a ser percorrido. A mulher é pessoa tanto quanto o
homem, não em sentido análogo, mas unívoco. Se tomarmos o fato de alguém ser
pessoa como base de valoração, qualquer tipo de duplicidade moral é
simultaneamente injusta e errônea. Paternalismo e machismo são fonte de pecado
e não apenas preconceitos.
É próprio do amor gerar uma relação de igualdade entre duas
pessoas. Por isso é preciso ter consciência de que qualquer forma ou tentativa
de inferiorização de um dos parceiros é muito mais do que uma inócua
manifestação de ignorância. Não é somente pecaminosa. É fonte envenenada de
injustiças sem conta. Não podemos contentar-nos com apelos à boa vontade de um
casal. Temos que pensar em reformar a casa em que são obrigados a viver. Isto
é, temos que reformar o tipo de matrimônio que lhe impomos em nome da lei e do
direito. Essa mudança o casal não tem condições de realizar. Mas pode começar a
tarefa, rompendo com alguns dos elementos estruturais que mais contribuem para
inferiorizar um dos parceiros em proveito do outro. A educação dos filhos é uma
dessas áreas em que as responsabilidades são, via de regra, mal distribuídas,
para mencionar apenas um exemplo.
Um casal que não tem a consciência nítida de que sua união
envolve, acima de tudo, um compromisso com Deus, ainda não descobriu o caráter
sacramental e religioso do matrimônio. Todo matrimônio é por sua natureza um
ato religioso, pois foi o Criador que o instituiu, já na aurora dos tempos
históricos, como muito bem o demonstra a Bíblia. O casamento entre cristãos é
duplamente sagrado, pois, além do compromisso com a vontade e as intenções do
Criador, envolve outro compromisso, muito mais radical e cimentado com o Amor
de Cristo.
A indissolubilidade do matrimônio cristão resulta de um
laço duplo, o natural e o sobrenatural. O casal cristão dispõe de energias
espirituais de que o casamento não-cristão não dispõe. Quando um casal de
cristãos apresenta e revela o mesmo grau de instabilidade que um casal de
ateus, faria bem em casar de novo pelo religioso. Pois é inadmissível que possa
contentar-se com enfrentar em tudo o mesmo tipo de problemas com que se
defrontam os que vivem o seu casamento completamente desligados de qualquer
compromisso religioso.
Um casal cristão dispõe da vantagem de poder contar não só
com os recursos da natureza, embutidos na sexualidade de cada um dos parceiros,
mas tem o privilégio de poder contar com as energias poderosas da graça de
Cristo. O fracasso de um casamento entre cristãos sempre envolve um grau de
culpabilidade muito maior do que o de casais que nunca ouviram falar em Cristo
ou em Deus. Seria, porém, cometer uma tremenda injustiça, imputar a culpa toda
apenas ao casal.
Grande parte dela deve ser imputada às Igrejas que têm o
dever sagrado de zelar pelo progresso espiritual de seus fiéis. No terreno da
Fé em Cristo ou se progride, ou se regride. Não há como permanecer num meio
termo confortável. Nas coisas do espírito ou se avança ou se estagna, dizia São
João da Cruz. Acontece aí algo parecido com a situação em que se encontra uma
pessoa colhida por uma tempestade de neve: sentar-se à beira do caminho é o
mesmo que pedir para morrer. De uma nevasca se pode fugir, mas é impossível
fugir do mundo e de si mesmo.
Um casal experiente sabe que a vida conjugal e familiar
oferece oportunidades sem conta a quem quiser aproveitá-las. As chances de
crescimento espiritual são em certa medida bem mais abundantes e convidativas
do que as que o celibatário encontra na solidão de seu mosteiro. Só um modo
muito unilateral e preconceituoso de pensar pode levar alguém a atribuir ao
celibato poderes sobrenaturais que nega ao sacramento do matrimônio.
Quem não casa não é por essa razão melhor que aquele que
resolve casar. A capacidade de amar independe por completo do estado de vida
que uma pessoa abraça. Não existe essa coisa chamada graça de Estado. O Estado
de Graça, esse sim, existe, mas nada tem a ver com Estado de vida.
Tudo o que acontece entre Deus e a alma é absolutamente
íntimo, misterioso e indevassável a tal ponto que nem a própria alma sabe a
quantas anda. É terreno sigiloso em que qualquer julgamento não merece mais
crédito que outro palpite qualquer.
Todos são chamados à santidade. Só há uma condição: a
entrega total e absoluta de si mesmo ao Amor Incondicional de Deus que assumiu
forma e expressão humana na Pessoa de Jesus.
Padre Marcos Bach