EMERGÊNCIA ESPIRITUAL

CAMINHO DO BEM E DO MAL
“O caminho do céu é íngreme e estreito”, diz Cristo, “e poucos são os que se animam a trilhá-lo” (Mt 7,l4). Desta passagem muitos ascetas se servem para sustentar a tese segundo a qual o difícil é que é bom. O fácil é sempre suspeito para eles. Não alimentariam este tipo de preconceito se tivessem em mente que a finalidade da virtude é facilitar a prática do bem. Uma das virtudes típicas do gato é a elegância com que caminha e a facilidade com que se movimenta. Creio que seríamos bem mais inteligentes se deixássemos de associar pesadume e falta de elasticidade com o conceito de virtude. São Francisco de Sales era especialista em “espiritualidade feminina”, já que eram mulheres as que mais o solicitavam como Diretor Espiritual. Ele mesmo, oriundo de uma estirpe de nobres franceses, fazia questão que suas filhas e filhos espirituais fossem os mais bem vestidos em qualquer ambiente social. Lamentava o pouco caso que os monges da sua época e da sua terra faziam da limpeza e da boa educação. “São mais sujos do que santos”, dizia.
Procurar o caminho mais fácil não é necessariamente sinal de preguiça. Pode ser também prova de inteligência. Se a vida fosse um mar de facilidades, até poderia ser aconselhável acrescentar-lhe vez por outra uma dose de wermuth. Como a vida da maioria é tudo menos isso, o excesso de rigor pode servir para entornar de vez um caldo mal equilibrado. É bom notar que o Mare Tranquillitatis só existe na Lua. Aqui na Terra até o Oceano Pacífico não consegue honrar o nome que lhe deram. Temos que fazer o possível e o razoável para facilitar a vida das pessoas. Tanto do ponto de vista material, quanto sob os aspectos psicológico, moral e social.
Quando Cristo comparou o caminho do bem com o do mal, um estreito, outro amplo e folgado, descreveu apenas uma realidade social. Falou dos homens do seu tempo acostumados às facilidades de um moralismo hipócrita. O que Jesus quis dizer provavelmente foi o seguinte: sem esforço não se chega ao céu! Dessa premissa não se pode concluir que “o que não custa, não presta”! Se a natureza fosse má só teríamos como alternativa válida opor-nos a seus desejos e impulsos. Mas como ela não é má em si, temos que aprender a distinguir o que em seus movimentos favorece o nosso desenvolvimento espiritual do que tende a nos arrastar para o mal. Remar sempre e em tudo contra a corrente não é a maneira mais segura de não se desviar do rumo da virtude, já que existe em cada um de nós uma tendência para o bem. Seria loucura desperdiçar essas energias preciosas. Elas são tão naturais quanto as que nos impelem para o vício. Podemos contar, portanto, com a natureza, tanto com a nossa quanto a que nos cerca, para o bem, assim como para o mal. A natureza não é a culpada quando cedemos à tentação. Dizer que a natureza é fraca é apenas meia verdade. Existe nela também um lado forte que naturalmente irá perdendo sua força na medida em que não for utilizado. Quando o cumprimento da lei moral se torna pesado, isso não se deve à lei em si, mas a uma postura errada, ou da parte do legislador ou da parte daquele sobre o qual recai a obrigação de pô-la em prática. Tanto o rigor e o excesso de leis podem constituir-se em peso e sobrecarga intolerável quanto a falta de motivação adequada da parte do súdito. Renúncia é atitude que não se pode impor ou exigir de alguém, a menos que se lhe ofereça, em contrapartida, um benefício capaz de compensá-la. Onde não há lugar para benefícios, também não há lugar para sacrifícios.
“O meu jugo é suave e o meu fardo é leve”, disse Jesus (Mt 17,30). E, voltando-se para os fariseus e sacerdotes, acrescenta: “Ai também de vós, doutores da lei, que lançais pesadas cargas sobre os homens, enquanto vós mesmos nem com um dedo as tocais”! (Lc 11,46). “Cada um tem de carregar a sua própria carga”, diz Paulo (Gl 6,5). Cristo não encarregou ninguém com a tarefa de impor a seus semelhantes mais cargas do que cada um deles já tem para carregar. Precisamos, isso sim, de companheiros de jornada dispostos a dar-nos uma mão na hora em que precisamos de ajuda. “Carregai os fardos uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2). 
O perigo maior em todo este terreno não é o pecado, mas o desânimo. Perder o ânimo é muito mais prejudicial do ponto de vista ético-pedagógico do que eventuais deslizes morais de menor gravidade. Para levar uma pessoa ao desânimo basta sobrecarregá-la com exigências. Ou então exigir e impor sem oferecer em contrapartida nada a não ser promessas vagas de recompensa numa outra vida.
Aos pais Paulo recomenda moderação para que os filhos não venham a perder o ânimo (Ef 6,4). Pedro foi encarregado por Cristo com a missão de animar e confortar os seus companheiros. A palavra confirmação ocorre seguidamente nas cartas de São Paulo. Confirmar na Fé em Jesus a seus irmãos é tarefa tão essencial na atividade de um Apóstolo de Cristo quanto pregar o Evangelho.
Pedro, que fora chefe de um grupo de pescadores, sabia que a pesca é uma atividade sujeita a muito imprevisto. Exige paciência e a tentação de desânimo se introduz com demasiada facilidade na alma de um pescador. Pedro nunca foi pastor (ao que se sabe). Mas foi pescador profissional antes de largar as redes e seguir a Jesus. “Far-vos-ei pescadores de homens”! (Mc 1,l7; Lc 5,l0). É com estas palavras que Cristo os atraiu à sua causa. Prender ovelhas não é a mesma coisa que apanhar peixes. Seria bom se nossos superiores eclesiásticos se comportassem mais como pescadores de almas e menos como pastores de um rebanho que já não aceita mais ser tratado como tal.

Padre Marcos Bach


GOVERNAR COM JUSTIÇA

O pecado mortal da maioria dos políticos, inclusive dos políticos cristãos, é o imediatismo, o hermetismo ideológico que leva os setores religiosos da sociedade a se contentarem com o que o passado lhes legou como herança. A justificativa pelo que está acontecendo hoje não faz parte do que já passou. O passado explica, mas não justifica coisa alguma. As justificativas pertencem à parte da História global que ainda está por acontecer. Só o futuro está em condições de justificar o presente.

Partindo desta premissa e tomando-a por base, chega-se à conclusão de que é prematuro pronunciar julgamentos. Cristo tem toda a razão quando diz: “Não julgueis para não serdes julgados. Com a medida com que medirdes, sereis medidos também vós” (Mc 4,24).
           
Não são precisamente os homens encarregados de zelar pela justiça os mais propensos à corrupção? Se quisermos organizar uma sociedade justa não basta que tenhamos um Judiciário forte ou um Legislativo atento. Nenhum sistema jurídico é autossustentável. A justiça é uma virtude moral, de alcance limitado. Como os ovos de um pássaro, ela necessita do calor de uma mãe e do abrigo de um ninho. O ninho no caso é a comunidade e a mãe é o amor. Onde não há espírito comunitário, nem amor, também não há lugar para estruturas verdadeiramente justas. A justiça corre o perigo de tornar-se inimiga de si própria. “Summum jus, summa injuria”, dizem os romanos.
           
O amor cria relações livres do perigo de se transformar em seu oposto. O único risco que ronda a quem ama é o pouco conhecimento que temos da verdadeira natureza do amor. Se Deus é Amor, então é preciso compreender, ao menos um pouco, quem é Deus, para ter uma ideia do que significa “Amar, como Deus ama”!
           
Dois são os grandes inimigos do primado do Amor. Dum lado estão as tendências que podemos classificar como reducionistas. Do outro lado estão os que têm mais medo do amor do que das mais perversas formas de servilismo.
           
No pensamento de Freud o amor assume a forma de libido. Nos Compêndios de Moral católica o amor é tratado como se fosse uma obrigação moral, igual a muitas outras. Ao reducionismo ético-moral dos Tratados de Moral Freud veio acrescentar outra forma de reducionismo, o reducionismo biopsicológico.
           
Nem a Moral católica, nem Freud vieram acrescentar algo de essencialmente novo ao pensamento de Platão. Platão foi o último filósofo a falar do amor com a liberdade que o assunto exige e com o respeito que merece. Para Platão Eros é a expressão de amor mais próxima do homem e de Deus, ao mesmo tempo. Definindo Eros como centelha divina, disse duas verdades essenciais: 1. Todo amor humano vem de Deus, fonte absoluta de todo amor; 2. Todo amor leva a Deus, estuário último de tudo o que costumamos associar à palavra Amor!
           
A ideia de incorporar o amor à atividade política não ocorreu nem a Aristóteles, nem aos “pais” do moderno pensamento liberal. Dois erros colossais respondem pela situação político-social pré-falimentar em que nos encontramos.
           
Primeiro erro: pretender construir sociedades justas com base em “leis”, ignorando que a verdadeira fonte de toda a justiça é o Amor e não a Lei.
           
Segundo erro: imaginar que a humanidade, isto é, os habitantes deste planeta já atingiram um estágio evolutivo que os capacita a resolver por si mesmos problemas que eles mesmos criaram.
           
Sob este último aspecto o cristianismo é bem claro e preciso: “Só a Graça e o Amor de Deus podem salvar a humanidade”! “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Essa palavra de Jesus nada tem de pretensioso. Pelo contrário, ela é tão realista e sincera quanto à da mãe que diz ao filho: “Sem mim e sem meu amor, tu não existirias”! Paulo de Tarso, homem brioso e pouco propenso a rapapés e salamaleques, entendeu muito bem a palavra de Jesus: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4,13).

Humilde não é aquele que se rebaixa, mas aquele que se exalta. A diferença entre o humilde e o orgulhoso não é a mesma que separa o grande do pequeno, a fraqueza da força ou o poder da impotência. O humilde sabe como o sabe a criança que é na sua fraqueza que está a sua força. “Quando sou fraco é que sou forte” (2 Cor 12,10).
           
O orgulhoso não admite ser ou passar por fraco. O humilde sabe que é forte, mas sabe também que toda sua força lhe vem do Todo-Poderoso. O orgulhoso rejeita qualquer espécie de dependência. Julga-se capaz de ser por si mesmo tudo o que ambiciona ser. Confunde interdependência com dependência e com privação. Supõe que para ser absolutamente livre é preciso ser absolutamente independente. Nutre acerca da liberdade como de si mesmo um conceito totalmente falso. O pior ateu não é aquele que nega a existência de Deus, mas aquele que tem a pretensão de poder substituí-lo e tomar o seu lugar.

Padre Marcos Bach


DESPERTAR EXIGE ATENÇÃO E AÇÃO

Comparada com o que poderia ser, a Igreja católica de hoje é um embrião. Seus membros são “crianças” e seu nível de consciência é rudimentar, quando comparado com o de um Gandhi ou de um Mandela, por exemplo. Um sistema democrático de governo pressupõe a atuação de líderes e cidadãos radicalmente diferentes do que a Igreja católica tem a oferecer. Democracia não se faz com “pastores” e “ovelhas”.
           
A democracia é o pior de todos os sistemas de governo, dizia Churchil, mas, mesmo assim, ainda é o melhor de todos. Dá muito mais trabalho e exige muito mais paciência, sabedoria e inteligência, amor e compreensão da parte de um povo do que de tudo aquilo que um ditador, um déspota, um dono absoluto da faca e do queijo necessita para manter um povo dócil e submisso.
           
Futuro político só tem um regime de governo baseado no mais profundo respeito pela liberdade de todo cidadão verdadeiramente livre. Dentro de uma sociedade democrática há espaço para prisões e centros de reeducação. Quem não valoriza de forma criativa a liberdade, não a merece.
           
O libertino não tem direito ao mesmo grau de liberdade social que os demais. O esquizofrênico não pode ser tratado como se tivesse o direito de ser tratado como os outros. Um homossexual não tem o direito de impor aos demais membros da família humana o orgulho gay de que tanto se vangloria. Mais importante e crucial para o futuro político da humanidade que o direito à liberdade é o uso que dela vierem a fazer as gerações futuras.
           
O homem, como o leão e a gazela, é um “animal” criado para viver em liberdade. Jaulas e jardins zoológicos foram inventados por “mercadores”, interessados em facilitar a vida de turistas preguiçosos e sem coragem de pôr o pé no habitat natural de um leão ou de um rinoceronte. Que futuro pode ter uma cidade que perdeu o contato com a natureza viva e livre e dela só toma conhecimento através de jardins zoológicos ou botânicos? Tirar um animal do seu habitat natural significa adulterar por completo sua identidade. Como poderá sentir-se “rei dos animais” um leão metido numa jaula? Onde fica a sua dignidade quando submetido ao chicote de um domador de circo?
           
O ambiente natural em que somos obrigados a viver não é mais o mesmo de 100 anos atrás. O ar que somos forçados a respirar não é mais o mesmo, a água não é mais a mesma, o alimento já não possui o mesmo sabor e o mesmo valor nutritivo de antes. Bem mais calamitosa é a situação do ambiente social. Somos obrigados a aceitar absurdos como a crença de que pesticidas só prejudicam insetos. Que herbicidas só matam ervas daninhas.
           
O universo é um todo. Prejudicar a um dos seus componentes é o mesmo que prejudicar a todos. O bebê que a mãe tem nos braços gozaria de saúde bem melhor se a mãe não fosse uma fumante inveterada. O futuro da humanidade não depende apenas do que os homens fazem, mas também de tudo o que estão deixando de fazer.
           
A política é uma arte e consiste essencialmente em “sair à frente”, em antecipar-se, em fazer acontecer, já e agora, o que sem ela só iria acontecer sabe Deus quando. Fazer política é fazer história. Messianismo e profetismo são pilares que nenhum político digno do nome pode ignorar. O povo hebreu foi sempre e continua sendo até hoje um povo eminentemente político: tinha um rumo e sabia que o tempo iria trabalhar sempre em seu favor. Tinha fé e tinha esperança. Faltava-lhe a terceira alavanca, a mais poderosa de todas, o Amor.
           
O seu conceito de amor ao próximo era pobre comparado com o que Cristo veio pregar e pôr em prática. Nada atrapalha mais a vida de um político pragmático e “realista” do que as exigências do amor e da liberdade! Não sabe como tratar com pessoas livres e apaixonadas! Também não sabe o que fazer com pessoas felizes! Aos infelizes promete dias melhores. Aos que se dizem felizes não sabe como responder. “Quem foi que inventou esta: para progredir na vida e realizar-se como ser humano é preciso ser feliz?”. Foi Aristóteles, antes de Cristo. Depois dele, foi Jesus.
           
A felicidade não é mera consequência de uma vida bem vivida. Ela é pré-requisito e elemento fontal e constitutivo do humano. O infeliz é alguém que já deixou de ser humano. A infelicidade é mais do que um acidente, uma simples desgraça. É sempre “culposa”, pois quando não nasce de um modo errôneo de valorizar a vida humana, gera atitudes destrutivas e antissociais. Geralmente são pessoas extremamente infelizes, insatisfeitas consigo, com Deus e com o seu ambiente que costumam cometer os piores crimes. O povo alemão apoiou o nazismo porque estava passando por um dos piores momentos da sua história.

Padre Marcos Bach


COMO É O HOMEM NOVO

O cristianismo é a religião que anuncia ao mundo o advento deste novo homem, com o qual não é lícito confundir o cristão comum de nossos dias. O “homo christianus” de amanhã terá bem pouca semelhança e pouco parentesco com a figura tradicional do cristão praticante de hoje, mais dualista e maniqueísta do que cristão. A consciência de sua condição divina transformará o “homo christianus” de amanhã em agente privilegiado de todo e qualquer progresso humano autêntico. Erram os que consideram a religião cristã superada, assim como se enganam os cristãos que restringem a repercussão do desenvolvimento tecnológico à esfera exclusiva do profano.
           
A superação das tradicionais categorias de sagrado e profano é consequência lógica da nova concepção evolutiva. Se tudo o que é e existe deve o ser e a existência em última instância ao Criador, isto é, ao Ser fonte de todo o ser, tudo é sagrado, onticamente impregnado da marca divina de sua origem. A esta dimensão essencial de todo ser seria mais indicado aplicar outra denominação a que o pensamento tradicional reservou um conteúdo demasiadamente restrito e limitado. É a categoria do sacramental a que me refiro.

Enquanto a concepção dualista, pessimista e estática não ceder o espaço espiritual que ocupa indevidamente a uma concepção monista, dinâmica e evolutiva, o cristianismo não deixará a luz mortiça das “catacumbas espirituais” a que se refugia sem tentar o risco de se defrontar com a realidade da existência humana concreta, onde a luta entre o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, o Pecado e a Virtude se transforma num corpo a corpo cruel e implacável.

A piedade devota e sentimental das assembleias litúrgicas e o choque frontal com sistemas opressivos no ramerrão cotidiano da vida profissional marcam os extremos de duas concepções da vida cristã. A paz idílica das igrejas parece oferecer à fé o terreno ideal, na opinião da grande maioria. Ao passo que a brutalidade que circunda a vida profissional e política parece pertencer em definitivo ao domínio de Satanás, onde um cristão autêntico não tem sequer condições de sobrevivência moral.
           
A nova concepção define a fé cristã como atividade de vanguarda. E leva esta concepção a sério, a ponto de questionar a sua própria fé, no que ela ainda abriga e oculta de covardia prudencial e omissão política. Tira o cristão da penumbra tranquila das igrejas e o lança na luta de trincheiras, onde só sobrevivem os que vencem. Onde só vencem os melhores. Os melhores não são os truculentos agitadores, os tecnocratas frios, os calculistas e equilibristas espertos. A respeito deste aparato de poder alguém já proferiu uma sentença peremptória: “Eu venci o mundo”! O cristão sabe que está do lado do Vencedor. Por isto está tranquilo, mesmo quando mede forças com as mais poderosas e implacáveis máquinas de poder, como foi o Império Romano. A vitória, embora escrita em letras de sangue, sempre acabará por lhe sorrir no término da jornada.

Padre Marcos Bach


QUEM É O MÍSTICO

O místico é alguém que adquiriu grande familiaridade com os planos superiores da sua consciência. Com o seu Self, diria Jung. Com a sua consciência espiritual, diria Assagioli.
           
Os conhecimentos que o Supraconsciente lhe fornece não são iguais aos que sua razão e seus sentidos lhe proporcionam, pois são de natureza intuitiva. Por intuição se entende uma espécie de conhecimento em que o sujeito entra em contato direto e imediato com a verdade, a qual se lhe revela sem o concurso de intermediários.
           
O conhecimento místico é essencialmente visionário. É por isto que os místicos preferem servir-se de imagens e de símbolos, de comparações e de extrapolações e hipérboles para descrever suas experiências. O falso místico se apega às imagens como se elas fossem a verdade, assim como o mau teólogo se prende a dogmas e o mau cientista se escraviza a uma visão teórica da realidade.
           
O que caracteriza a mente visionária de um místico é sua extraordinária abertura mental e elasticidade intelectual e moral. Um místico sempre está disposto a aceitar mudanças, caso elas se imponham.
           
A teologia mística é essencialmente negativa: não descreve Deus, mas dá apenas o que deve ser excluído da sua Imagem.
           
Um místico autêntico, como São João da Cruz, sabe distinguir muito bem o que é de Deus e o que faz parte da tentativa humana de se apoderar de Deus. E de usar uma imagem sua com o fito de tirar proveito da sua familiaridade com Deus. O que se dá neste caso é que alguém se ajoelha diante de uma “imagem” que ele mesmo criou, em lugar de se ajoelhar perante Deus.
           
O místico sabe que Deus é infinitamente maior do que o poder da imaginação do homem. É como quando alguém vai a Roma e se ajoelha diante do papa imaginando se encontrar com Deus.
           
Deus não cabe em ícones, em imagens e conceitos teológicos. Menos ainda em dispositivos canônicos!
           
Motivo de sofrimento é para um místico sentir-se condenado a viver num mundo que além de não ser o seu, é em tudo o oposto do seu.

O instrumento de pesquisa preferido do místico é a !
           
Einstein já admitiu que o melhor das suas descobertas científicas devia-o à fé e não à pesquisa propriamente dita. Como cientista sabia que “quem não procura, não acha”! Como “religioso” ele sabia que não basta procurar, que é preciso procurar no lugar certo, com os meios certos e no tempo certo! Tudo isto ultrapassa a racionalidade do esforço científico e lhe acrescenta algo de essencial.
           
A atitude de fé se baseia na certeza de que o universo tem um sentido e que a história da humanidade obedece a um plano. Sem esta fé é inútil tentar compreender o homem e o mundo em que vive.
           
A inglória luta entre fé e ciência está com os dias contados. Não fosse a quantidade de interesses e vaidades investida nesta luta, ciência e fé já teriam realizado, há muito, o “matrimônio sagrado”, o “Hierós Gamós” dos alquimistas. Decretar a separação entre fé e ciência é o mesmo que condenar tanto o homem de fé como o cientista a viver divorciado de si mesmo. Há aspectos da verdade humana que só a fé nos pode revelar! Mas há outros aspectos da verdade que só a ciência consegue desvendar.
           
A fé não supre a razão. Sobrepõe-se a ela e lhe dá “asas”. Asas mais poderosas que a capacitam a voar mais alto.
           
A fé de que falo não é a fé teológica que se baseia em “verdades reveladas” e pode ser controlada por autoridades eclesiásticas. Não é sobrenatural, pois embora venha do “Alto”, não representa um dom acrescentado à capacidade natural da consciência humana. O sobrenatural pressupõe a existência de uma base natural.
           
A experiência mística é um ato de fé na sabedoria do universo material e na natureza antes de ser um ato de fé sobrenatural. Sem esta fé natural a fé sobrenatural apoiada em “verdades reveladas” e na Palavra de Deus carece de apoio que toda planta encontra em suas raízes.

Padre Marcos Bach


A FONTE DE TODA DOUTRINA CRISTÃ

A mentira começa a tomar corpo e forma quando se passa a identificar a verdade com um corpo de doutrinas ou com um sistema ideológico. Toda formulação doutrinária é um leito de Procusto: nela só cabe uma parte da verdade total.

A formulação teórica do conhecimento é necessária para a ação. O que mais importa, porém, é a ação, pois é nela que a verdade se torna vida. Toda teoria é relativa em vista da ação. A fonte reveladora de toda verdade é sempre alguma espécie de ação. A fonte de toda a doutrina cristã é a vida e são as obras de Cristo. Sem o testemunho de sua vida e sem a eloquência de suas obras a palavra de Cristo seria hoje tão morta quanto as palavras de Napoleão.

A fé cristã se dirige de forma direta e imediata à Pessoa de Cristo e só de modo mediato à sua palavra. E esta não é discurso, sermão, doutrina ou fabulação teórica. De um mensageiro do Amor Divino se espera mais do que sermões, milagres, pronunciamentos, sentenças. Cristo é o Messias, porque veio trazer aos homens uma energia nova, um novo poder. Veio acrescentar às faculdades humanas uma faculdade nova. Veio enriquecer o espaço social com uma dimensão nova.
           
Na Igreja católica, quando seus chefes falam em verdade, sempre se referem em primeiro lugar a um corpo de doutrinas. A salvação dos homens coincide sempre de modo tão hermético com a Sã Doutrina elaborada no Vaticano que Cristo já passou a não ser mais necessário. O lugar dele foi tomado por mestres e inquisidores. Sua palavra cheia de vida cedeu o lugar à Sã Doutrina, tão árida quanto a mente de seus patrocinadores.

Reduzindo o conteúdo da fé cristã a um corpo de doutrinas, os mestres da Igreja tornaram as coisas mais claras e até mais cômodas para o fiel comum. Ao mesmo tempo desviaram a fé do plano subjetivo e pessoal para o plano intelectual. O objeto da fé passou a situar-se fora do contexto subjetivo e pessoal. Deste modo cavou-se um fosso entre a fé e o seu conteúdo. A preocupação pelos artigos de fé absorveu quase por completo as atenções do Magistério Eclesiástico. A própria fé enquanto atitude subjetiva e existencial não mereceu maiores cuidados. Promover a vida de fé tornou-se preocupação da iniciativa privada. É neste terreno que deve ocorrer uma inversão de sentido. Padres, bispos e papas têm por missão primeira servir à promoção da fé. A promoção da justiça é coisa que podem deixar a cargo do leigo cristão. Saberá fazer isto muito melhor que eles.

Crer é um modo de se pôr em contato com uma fonte de energia vital e espiritual. A verdade e as verdades da fé não são fórmulas abstratas. Também não é o que chamamos simplesmente de realidade. A verdade que abraçamos pelo ato de fé é sempre uma realidade trabalhada, modificada por um pensamento e uma intenção. Em suma, a realidade elaborada em vista de um propósito. Crer na vida significa crer no sentido da vida.

Crer no amor e na liberdade é estar certo de que não pode haver crescimento humano onde ambos não estiverem presentes. Crer em Deus significa estar certo de que sem Ele a existência humana deixa de ter qualquer sentido transcendente. Não crer em Deus é o mesmo que declarar o homem prisioneiro do tempo cósmico. Um homem preso aos ciclos de eventos que sempre voltam a se repetir: é este o homem sem Deus. Mas este não é o homem que mora no íntimo de cada um de nós. Crer em Jesus Cristo significa viver na certeza de que o tempo cíclico foi substituído por um novo tempo humano, o tempo escatológico. A verdade é, portanto, sempre o aspecto promissor da realidade.

Padre Marcos Bach



CONVIDADOS A NOS CONSTRUIR

Nada corrompe tanto o espírito do homem do que o apego aos bens materiais. “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” (Mt 19,24). “Coais os mosquitos, mas engolis os elefantes” (Mt 23,24).
           
Ganância e avareza são vícios a que um cristão se encontra tão exposto quanto o banqueiro mais avarento. Ao morrer, cada qual, seja ele quem for, poderá colher apenas o que semeou. Não há indulgência plenária capaz de suprir eventuais falhas de natureza administrativa. De nada adianta ter em vista fins elevados se os meios empregados para alcançá-los não são adequados. Para ser adequado um meio tem que ser, acima de tudo, eficiente.
           
Nada impede tanto a eficiência espiritual de uma pessoa quanto o apego aos bens materiais. Não são os bens em si que dificultam a maratona espiritual de uma pessoa, mas o fato de ter-se identificado com eles.
           
Quando bens materiais são promovidos à condição de objetos de um culto idolátrico, quando a ausência de Deus já não é mais sentida como vício e como doença, as condições sociais de um povo estão atingindo um nível de degradação simplesmente irrecuperável. No campo religioso já atingimos este nível de degradação.
           
Como no campo da aviação, também no campo religioso existe a figura do controlador de voo. O controlador de voo é responsável pela segurança dos aviões em voo, nada mais que isso. Quem tem que cuidar dos aviões estacionados no aeroporto não são eles, os controladores. Se um avião parte em boas ou más condições de voo, verificar isto já não faz mais parte dos seus deveres profissionais.
           
A Igreja católica é a que mais se dedica a tarefas relacionadas com a morte e o destino que aguarda os que estão para se despedir da vida mortal. O escritor inglês Aldous Huxley lhe dá este elogio.
           
Em muitas igrejas, ditas cristãs, ensina-se que a morte é o termo final de um processo irreversível: “Assim como alguém vive, assim será sua morte. E assim como foi sua morte, será também sua eternidade”. É o que um pregador pentecostal provavelmente lhe dirá ao ser solicitado a dar uma resposta.
           
O reencarnacionista lhe diria o contrário, pois é possível viver muitas outras vidas iguais a esta depois da primeira morte. Que muitas mortes são necessárias antes de se encontrar devidamente preparado para a vida eterna.

O apocalipse menciona em três passagens a possibilidade de uma “segunda morte” (Ap 21,8). Menciona também a possibilidade de uma “segunda ressurreição” após a “primeira ressurreição” (Ap 20,5). Não conheço teólogo que tenha dedicado alguma atenção a esse aspecto da escatologia cristã. Depois da morte o que aguarda a alma do falecido é um julgamento severo. Primeiro será submetido a um juízo particular. Muito depois, no limiar do fim dos tempos, será submetido com os demais membros do gênero humano a um julgamento coletivo que na bíblia recebeu o nome de juízo final.
           
Pessoas que tiveram morte clínica e passaram pela “Experiência de Quase Morte” narram que tiveram que responder à pergunta feita por um Ser de Luz: “Que Fizeste da Tua Vida?” Responder a esta pergunta fora fácil porque tinham acabado de ver sua vida inteira numa espécie de filme o que lhes permitiu distinguir, sem possibilidade de engano ou erro o que nela fora positivo e o que não o fora. Ninguém mencionou algo que se pudesse definir como julgamento. Parece que na hora final cada qual é convidado a fazer seu próprio julgamento.
           
Ao iniciar sua vida todo ser vivo é incumbido da tarefa de construir-se a si mesmo. Dois biólogos chilenos, Maturana e Varela, deram a esta tarefa o nome de autopoiese. Assim como um poeta usa palavras para construir sua poesia, do mesmo modo cada ser vivo usa células para edificar um novo representante de sua espécie, semelhante a si mesmo. Como, porém, pode um punhado de células embrionárias ter uma ideia do que é preciso inventar para edificar um ser tão complexo, com órgãos tão diversificados, como é todo ser vivo?
           
Um engenheiro trabalha com um olho na obra em andamento e o outro na planta. Bom arquiteto é aquele que obedece a uma planta que consegue visualizar antecipadamente o que está por nascer como fruto do seu trabalho. Bom arquiteto é aquele que sabe usar pedras e tábuas como o poeta usa palavras e rimas. A curvatura de um arco é tão importante quanto à cadência de um verso.

Padre Marcos Bach



IMPORTA MUITO SERMOS SANTOS      

“A única coisa que nos deveria deixar tristes é não sermos santos”!

Esta frase é de Léon Bloy, jornalista francês do início do século XX.

As linhas deste pequeno ensaio que estou entregando à curiosidade do leitor ou leitora brotou do desejo do autor de repartir com seus irmãos e irmãs de fé as infinitas riquezas espirituais que a fé em Cristo é capaz de despertar no íntimo da alma dos que se dispõem a cultivar o seu Jardim Interior.

“Meu Pai é Agricultor” (Jo 15,1). E o Espírito Santo é o jardineiro divino. Todos os prazeres que o jardineiro colhe em seu jardim Deus os encontra no cultivo das Almas. Assim como a gleba se entrega à solicitude do jardineiro, do mesmo modo a alma sábia se entrega à ação santificadora do Espírito Santo. Como um bloco de mármore se abandona ao cinzel do artista, a alma que tem sede de perfeição se entrega à mão amorosa do artista divino.
           
Omne carum, rarum”, diziam os romanos. “Tudo o que é caro é raro”! Esta é uma verdade que até os homens de negócios respeitam. Inundar o mercado de dólares seria o mesmo que privá-lo de qualquer valor econômico.
           
Não há dúvida: a santidade é um fenômeno raro! Parece, no entanto, não ter o valor que habitualmente se atribui ao que é raro.
           
Numa de suas parábolas Jesus descreve a atitude de um homem que encontrou um tesouro enterrado num campo. “Voltou para casa, vendeu tudo o que tinha e comprou o campo”. Quantos são os que têm a sorte de descobrir o tesouro que é a santidade? E quantos têm a coragem de vender tudo o que tem para poder comprá-la?
           
Por que os santos são raros? “Porque tudo o que vale a pena de ser perseguido, é difícil” (Platão). O caminho que conduz à santidade culmina no alto do Gólgota e no alto de uma Cruz.
           
Quando o Papa canoniza alguém fá-lo cercado de pompa. A vida de um santo costuma ser, em geral, a coisa mais despretensiosa que se pode imaginar.
           
O ambiente brutal em que São Pedro Claver, SJ, o apóstolo dos escravos viveu, desapareceu por completo da imagem do homem sofredor a quem o Vaticano concedeu a honra dos altares.
           
É possível que os verdadeiros santos nunca venham a ser alvo da devoção popular. Para ser canonizado pelo Papa, o candidato tem que fazer ao menos um milagre para provar que é santo. Pesam muito na balança do processo de beatificação ou de canonização as obras que o candidato a beato ou santo de Igreja realizou. Todo este procedimento juridicoprocessual contribui para dar ao simples fiel católico a ideia de que ser santo só podem ser padres, frades, bispos e freiras. Em outras palavras: para ser santo é preciso manter alguma relação amistosa com a Igreja hierárquica. Os que criticam o papa e sua Igreja jamais serão canonizados. Basta uma dose modesta de discernimento para perceber que estamos a caminho de um mundo crescentemente laicizado.
           
O Físico David Bohm era judeu, mas adquiriu em vida a fama de ser um autêntico santo, um santo secular. Um santo de casaca, em substituição ao santo de batina.

Padre Marcos Bach


FÉ ADULTA          

A base psicológica da fé em Cristo não é nem racional nem matemática. É no próprio inconsciente de cada pessoa que se encontra a raiz arquetípica da fé em Cristo. O Cristo da fé cristã não é o personagem histórico que os Evangelhos descrevem. Nem é o Cristo que continua presente na história dos homens na pessoa de representantes credenciados. Não é um Cristo que subiu ao céu. É o mesmo que sempre esteve presente na alma humana. É o mesmo de que fala Platão quando define sua presença na alma humana como “centelha divina”. Foi este conhecimento que levou Tertuliano a definir a alma humana como “naturaliter christiana”.
           
Freud ainda achou que era possível definir o homem sem Deus. Carl Gustav Jung foi mais inteligente e também mais honesto que Freud. Viu que sem a presença do divino o humano descamba para o infra-humano, quando não chega a descambar para o infra-animal.
           
Adulta é a fé que saiu do talvez e partiu para um novo “sim”. A diferença entre a fé infantil com que o catequista se dá por satisfeito e a fé adulta está em que esta última pressupõe a liquidação de tudo o que pertence à superestrutura político-ideológica que as Igrejas costumam identificar como artigos de fé.
           
Muito daquilo que é apregoado nas Igrejas como artigo de fé nada mais é, na realidade, do que crença, crendice, superstição. São frutos da uma fé que ainda não ultrapassou o terreno da credulidade infantil. Os que ao ver o papa desmaiam de emoção ou entram em delírio, fornecem a medida do que se deve interpretar como fé infantil. E todos aqueles que acolhem como autêntica manifestação de fé este fanatismo religioso demonstram com seu gesto que sua fé é tão infantil quanto a dos que os estão aplaudindo. A criança quer ser aplaudida. Detesta ser criticada.
           
Para tornar-se adulta uma criança deve deixar de ser criança, passar pela adolescência. Só depois de passar por um violento quebra-quebra é que o adolescente pode pensar em tornar-se adulto.
           
Comportar-se como criança é uma coisa e comportar-se como adulto na fé é outra coisa radicalmente diferente. Quem diz isto é o apóstolo Paulo (I Cor 3,2). A criança é crédula, o adulto é crítico. A criança prefere o leite ao feijão com arroz. Como ainda não possui dentes, a criança prefere o que pode engolir sem mastigar.
           
Não há crime em ser criança. Nem é necessário expulsar a criança que mora em cada ser humano. O adulto que já não sabe mais o que é ser criança, sentir como criança, ainda não é adulto ou deixou de ser adulto. O mundo ideal não é aquele em que não há mais lugar para crianças. Conventos e mosteiros são lugares impróprios para quem aspira tornar-se adulto em Cristo. O alimento espiritual com que pastores cristãos costumam saciar a fome de suas ovelhas é pouco nutritivo.
           
O pão eucarístico e a palavra de Deus são meios insuficientes para alimentar a fé, a esperança e a caridade de quem vive num mundo tão competitivo e socialmente tão dividido e insensível quanto o nosso.
           
Essencial sob o aspecto religioso é o que se passa no interior das pessoas. Assim como o hábito não faz o monge, também não são práticas exteriores que fazem o religioso. Todo conhecimento científico resulta de uma experiência interior. A constatação é de Einstein.
           
A razão é a síntese que resulta do confronto dialético entre inteligência e sentimento. O ato verdadeiramente racional é só aquele que inclui a sabedoria do instinto e a contribuição dos sentidos.
           
O que caracteriza a experiência religiosa cristã de outras é seu cunho personalizado. Para um cristão Deus não é mais um objeto, mas um parceiro com o qual pode dialogar.
           
Crer em Deus e crer em Cristo tornaram-se sinônimos. A fé nos torna filhos de Deus e não meros servidores seus na medida em que aceitamos a Jesus como nosso irmão e amigo íntimo.
           
A salvação que Cristo veio oferecer inclui uma grande intimidade com Deus totalmente desconhecida tanto por judeus quanto por pagãos. Crer em Cristo significa crer em Deus de um modo totalmente novo. Significa também crer no homem e depositar em cada irmão uma fé que o mais elementar raciocínio político desaconselha.
           
Um cristão sabe que não pode renegar a Deus sem renegar-se a si mesmo. Sabe também que tudo o que fizer de bom ou de mau a seus irmãos será considerado como feito a Deus. Jesus veio valorizar a condição humana como ninguém o fizera antes dele. Tinha um coração sensível, atento ao pequenino e ao humilde.

Padre Marcos Bach


PROGRESSO ESPIRITUAL

É impossível progredir sem sair de um tempo e passar para outro. Há no caminho do progresso espiritual momentos de calmaria, de paz e tranquilidade e momentos de tempestade. Períodos de tranquilidade têm o mesmo sentido que o espaço de tempo entre duas batalhas ou duas ofensivas. Quem atravessa um oceano sempre está mais perto do perigo do que da segurança. “Tudo o que vale a pena é difícil” (Platão).
           
A paz que Cristo veio trazer não é a mesma que o mundo promete. “Militia est vita hominis”, diz a Escritura. “Combati o bom combate” (II Tm 4,7). “Combate o bom combate da fé” (I Tm 6,12). O povo de Israel, protótipo do Povo de Deus da Nova Aliança, só conheceu raros momentos de verdadeira paz. “Não vim trazer a paz, mas, sim, a espada” (Mt 10,34).
           
Jesus não excluiu a violência, isto é, a força, do seu projeto de desenvolvimento espiritual da humanidade. O emprego da força (= violência) não é condenável desde que não venha a ferir a liberdade da pessoa humana. O amor e a beleza são forças que arrebatam, cativam e conquistam! É a elas que Jesus se refere quando diz que o acesso ao Reino de Deus é reservado aos que se dispõem a lutar por ele.
           
Lutar não significa tanto tentar arrebatar o Reino dos Céus, quanto deixar-se arrebatar por sua beleza.

O progresso espiritual representa mais do que um simples avanço horizontal e linear. Progredir tem aqui o mesmo sentido que subir, ascender.
           
Subir significa partir de um plano inferior e mais baixo para outro mais alto. O que é mais alto e o que é mais baixo? Do ponto de vista topográfico mais alto é o que só se consegue perceber erguendo a cabeça. Subir uma montanha sempre exige mais esforço do que descer a um vale. A lei da gravidade favorece os que descem e dificulta a vida dos que pretendem subir. O mesmo princípio é válido para o campo do progresso espiritual. As dificuldades que encontramos pela frente em nossa caminhada para a perfeição espiritual são a prova de que estamos indo no rumo certo e de que estamos em condições de progredir.
           
“Céu de brigadeiro”, todo azul e sem nuvens, é ótimo para quem quer voar sem correr riscos. Mas a vida humana não foi feita para passeios e para a distração de “brigadeiros”!
           
Conhece coisa mais arriscada e perigosa do que a vida de um antílope? A vida de um ser humano conhece perigos que um animal desconhece. Aos perigos e ameaças que rondam sua saúde e segurança física o homem deve acrescentar uma lista de perigos de ordem psicológica, ética e espiritual. Infeliz daquele que se dá por salvo antes do tempo. 

Mesmo o cristão mais identificado com sua fé em Cristo não tem o direito de se colocar do lado dos que já estão definitivamente salvos. Também para um cristão a salvação é um horizonte. A humildade cristã consiste precisamente na aceitação desta realidade. Até o apóstolo Paulo confessa que não sabe se pode ter-se na conta de amigo ou inimigo de Deus!

Padre Marcos Bach


PHILIA, AMOR DE AMIZADE

Em suas considerações sobre o amor, Aristóteles não permanece fiel às lições do seu mestre Platão. Mais político do que Platão e mais cientista que filósofo, Aristóteles tirou o amor do nebuloso mundo ideal de Platão e o trouxe de volta ao terreno das realidades físicas. Suas experiências sexuais hauridas de contatos homossexuais o capacitaram a compreender que o amor para ser belo, generoso e autêntico não precisa ser erótico como supunha Platão. A esta outra forma de amor ele a chamou de Philia, isto é, de amor de amizade!
           
Philia não possui o caráter arrebatador, irrequieto e possessivo do amor erótico. Dispensa intimidades de natureza sexual.
           
O amor erótico depende de atrativos físico-corporais que a amizade dispensa. Ambos possuem uma dimensão estética, pois se alimentam da beleza do bem-amado! Num caso esta beleza é vista como objeto de conquista e de posse.

No caso da amizade o objetivo não é a posse ou a fruição erótica, mas a mera contemplação e fruição estética. O que caracteriza o amor de amizade é a tranquila serenidade com que dois amigos se amam um ao outro.
           
Dois amigos se admiram mutuamente e se adoram, mas não fazem o menor alarde deste seu sentimento. Dois amigos raramente dizem um ao outro o quanto ele, o outro, significa para ele. Existe no relacionamento entre amigos algo de secreto e de misterioso totalmente intraduzível e que retórica nenhuma é capaz de honrar. É deste amor que falam Erich Fromm, Rollo May e Viktor Frankl quando dizem que a amizade é uma forma de amor muito rara em nosso ambiente social. Mais difícil do que topar com dois amigos de verdade é topar com um Grande Amor. Um casal verdadeiramente unido pelo que consideramos um Grande Amor é uma raridade! O escritor francês Albert Camus acusa o cristianismo de ser o responsável principal por este lamentável estado de coisas!
           
O cristianismo comercializou a prática do amor! “Ama o teu próximo, a tua esposa e teus filhos porque, se assim o fizeres, terás como recompensa o fabuloso lucro de cem por um”!
           
Camus tem razão. E eu acrescentaria a suas críticas esta outra: “O cristianismo oficial rebaixou a sublimidade do amor ao transformá-lo em obrigação moral”.
           
O que você responderia a alguém que lhe dissesse: “Eu amo a quem quero, porque quero e como quero! Não admito que alguém venha a intrometer-se neste assunto com a intenção de me fazer prescrições”! O que Camus quer afirmar é que nós, cristãos, por culpa de marqueteiros religiosos, perdemos de vista a mais característica de suas riquezas que é a gratuidade.
           
Quem ama não ganha nada, mas perde tudo o que não é essencial! O amor enriquece a quem ama e ao que é amado! O amor dispensa acréscimos e compensações. Assim como o valor intrínseco do ouro nada tem a ver com a cotação que possui no mercado, do mesmo modo o amor independe da cotação moral ou religiosa.

Padre Marcos Bach


SOMOS FORMADOS POR MAIS QUE UM CORPO

O que chama a atenção na carta de São Paulo aos Coríntios é a insistência com que ele atribui o fenômeno da ressurreição ao corpo. São três os corpos a que ele se refere: o corpo material, o corpo psíquico e o corpo espiritual. Sempre haverá um corpo fazendo parte da dimensão espiritual da natureza humana. Esta não subsiste separada do espírito como este não faz parte de um mundo superior. Os sábios do Antigo Oriente admitiam como comprovada a existência de vários corpos, além do corpo físico. À semelhança das várias camadas sobrepostas que formam uma “cebola”, o homem é formado por mais que um corpo.
           
Parece que Paulo tinha conhecimento destas teorias, todas elas muito antigas e bem mais dignas de fé do que nossa maneira simplória de dividir o homem em duas metades que não se harmonizam entre si, o espírito e a matéria. Possuímos atualmente conhecimento científico bastante para saber que os átomos e elétrons do nosso corpo não desaparecem com a morte. Todos eles continuam existindo e temos razões de peso para supor que continuem levando em sua consciência a memória de cada uma das experiências por que passaram.
           
Um elétron ou um fóton que já fez parte de uma célula viva do meu corpo deve guardar uma grata lembrança do tempo em que tivera o privilégio de fazer parte não só do meu corpo físico, mas da minha pessoa toda. “Dois elétrons que estiveram alguma vez juntos, fazendo parte de um todo comum, guardam a lembrança do fato e mesmo que se encontrem anos-luz distantes um do outro, continuam se comunicando entre si”. É o que nos afirmam cientistas de respeito.
           
Se é assim, podemos imaginar a ressurreição dos corpos como o reencontro entre si de todas as partículas que já fizeram alguma vez parte da nossa pessoa.

 A ressurreição não consiste no retorno à vida de um corpo morto. Deve ser interpretada como a passagem de um corpo vivo a uma outra forma de viver a vida, uma forma de vida essencialmente superior.
           
Esta superioridade a expressamos dizendo que o corpo ressuscitado é espiritual, como faz o apóstolo Paulo. Melhor seria defini-lo como corpo energético. É perfeitamente admissível imaginar um corpo de luz. Muitos dos sobreviventes a uma experiência de morte clínica definem como “seres de luz” as pessoas com as quais se encontraram no além.
           
Os Evangelhos descrevem a Transfiguração de Jesus no Monte Tabor como uma espécie de manifestação luminosa: “Sua face se alterou e sua veste tornou-se refulgente” (Lc 9,29). Transfigurando-se, Jesus deu uma demonstração antecipada do que iria acontecer com Ele dentro em breve!
           
A ressurreição é também uma forma de transfiguração, um fenômeno luminoso, acima de tudo. Não é um morto que ressuscita, como não é um cadáver que é transformado. É um corpo vivo que passa por este processo de transformação. A palavra transformação diz tudo, pois ela significa que se mudanças houve, elas atingem tão somente a forma e que no terreno do ser não houve nem mudança nem troca de identidade.
           
Se fôssemos perguntar à borboleta se ela é ainda o mesmo ser que fora antes, ela com certeza diria que sim. “Apenas mudei de roupagem”, diria, “mas continuo sendo essencialmente o mesmo ser que sempre fui”. O mesmo se pode afirmar do ser humano. O ser que sobrevive à morte é a mesma pessoa cujo corpo acabou de ser enterrado. O fato de agora poder dispor de um corpo mais sutil, não significa que ela não possui mais nenhuma vinculação com o mundo material. A energia que leva dois átomos a se atraírem mutuamente também é material.
           
A Física moderna não nos permite mais tratar energia e matéria como entidades separadas. O físico americano (já falecido) David Bohm chegou à conclusão de que todo o universo poderia ser reduzido a uma “única forma de energia”, que ele definiu como “energia de amor”.
           
Depois que Einstein chegou à conclusão de que “a essência da matéria é espiritual”, não podemos mais pensar espírito e matéria como realidades excludentes, ou até como inimigas. Fugir da matéria é o mesmo que renegar o espírito. Se penetrarmos mais a fundo no interior da matéria vamos encontrar o seu espírito, um mundo do qual o nosso espírito faz parte.

Padre Marcos Bach


PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO INTERIOR

É uma lástima que hoje Marx e Freud sejam mais ouvidos e acatados do que Jesus de Nazaré!
        
O Jesus que as Igrejas pregam realmente não pode competir com Marx e Freud, apesar de ser judeu como eles. É muito manso e por demais distante da realidade social do mundo em que vivemos.
           
Parte nobre da nossa vocação cristã consiste em trazer Cristo para mais perto dos homens, dos seus problemas, das suas angústias e sofrimentos.
           
Como pode, porém, trazer a Cristo de volta ao centro dos acontecimentos historicamente relevantes, alguém que não traz a Cristo no centro de sua própria vida de fé?
           
Com Marx e com ele erram todos os que depositam no homem a mesma fé que negam a Deus. O método empregado por Marx para interpretar a história é o exato oposto do método que Cristo empregou. Para Marx a sociedade justa é aquela que corresponde perfeitamente às exigências da justiça.
        
Cristo foi muito além: para Ele a sociedade humana perfeita é a que se organiza de acordo com a Lei do Amor e os princípios da Liberdade dos Filhos de Deus.
           
É difícil imaginar dois mundos mais antagônicos do que o mundo sonhado por Freud e Marx e o mundo prometido por Jesus. Não são poucos os cristãos para quem crer em Cristo é o mesmo que não mexer na tradição. Para eles o passado é sagrado por conter o essencial da História da Salvação. É pequeno o número de cristãos que se preocupam mais com o futuro do cristianismo do que com o seu lugar no mundo atual.
           
Muitos dos que passaram pela “Experiência de Quase Morte” (EQM) mudaram completamente de vida tomando como fonte inspiradora uma das lições aprendidas no período em que estiveram quase mortos. “Agora sei o que é importante!”, diziam.
           
No processo de transformação interior a que nos estamos referindo acontece o mesmo, embora de forma mais lenta. Ao longo do seu desenrolar a pessoa começa a distinguir cada vez melhor o que é verdadeiramente importante do que não o é. Descobre paulatinamente e para grande pesar seu que perdeu boa parte, senão o melhor do seu tempo, por não saber distinguir o verdadeiramente significativo e precioso do que é de valor fictício. Melhorando seu poder de discernimento passa a aproveitar melhor o seu tempo.

João Batista passou sua curta vida de precursor do Messias pregando no deserto. Os que o iam procurar lá eram pessoas dispostas a ouvi-lo, pois ninguém se mete num deserto só para matar a curiosidade.
           
Ainda hoje é assim: quem quer converter-se precisa, antes de tudo, reconhecer que necessita de conversão, isto é, de uma mudança radical em seu modo de viver. Num momento posterior deve desligar rádio, TV, e fechar o jornal da sua predileção. Deve deixar de escutar toda e qualquer voz que não seja a da sua própria consciência. Até mesmo a voz da Igreja. Escutar a si próprio em silêncio respeitoso e com muito amor é pré-condição indispensável. O processo todo, para ser correto e positivo, não pode parecer-se com um julgamento. É de natureza psicológica e não moral. Visa a compreensão mais correta de uma realidade subjetiva. Seu objeto último é a verdade, porque só a partir do encontro com a verdade a libertação se tornará possível. Máscaras, véus e tudo o que obscurece a verdade interior deve ser arrancado. Tudo o que Jung definiu como sombra, isto é, o lado negativo da psique não reconhecido nem admitido, deve ser despido de sua fantasia. Em poucas palavras: é preciso parar de se culpar e de se desculpar. Nem falsa humildade ajuda neste caso, nem hipocrisia.
           
A destruição da culpa real só se alcança assim: admitindo-a, arrependendo-se dela e reparando o mal praticado.

Tudo isso não se consegue numa confissão de meia hora. O processo todo pode levar anos ou meses, dependendo do esforço e da vontade da pessoa.

Padre Marcos Bach


DIFERENÇAS ENTRE LOUCURA E SANTIDADE         

Na psicologia moderna este fenômeno que São João da Cruz define como Noite Escura, é tratado mais como distúrbio psíquico do que como fase positiva e saudável dentro de um processo normal. É visto mais como ponto de ruptura do que como início de uma nova fase de desenvolvimento espiritual. O doente é tratado como alguém que fugiu do mundo real, indo a se internar num universo de fantasia. É considerado um alienado social, um psicopata. A cura consiste em trazê-lo de volta ao mundo real e à vida “normal”.
           
Jung foi o primeiro a salientar os aspectos positivos do processo. Viu a esquizofrenia como parte de um processo “religioso”, de natureza mais espiritual do que psicossomático. No fim de sua carreira até Freud reconheceu que o psicótico é alguém que está à procura de algo que a vida “normal” não lhe oferece. Não é, por isso, justo tratá-lo como alienado e doente mental. Onde Jung falhou foi na determinação dos limites que fazem a diferença entre a psicose e a experiência mística. Assagioli, entre outros, encarregou-se de fechar um pouco esta lacuna, fornecendo-nos critérios mais confiáveis acerca da diferença entre loucura e santidade.
           
Um dos critérios mais confiáveis é o que se refere ao modo como um e outro, o louco e o santo, se relacionam com o mundo real em que vivem. O louco rompe qualquer ligação ou compromisso com o seu ambiente. O santo continua comprometido com as exigências da sociedade em que vive. Se for cristão, fará do amor ao próximo a pedra de toque da sua santidade.
           
Aqueles que, como Freud, consideram como normal e psiquicamente saudável toda pessoa harmonicamente adaptada ao seu ambiente social, acabarão por descobrir um dia que este critério é insatisfatório. Para ser feliz não basta dar-se bem com todo o mundo. É ótimo, mas não basta.
           
Precisamos de um critério que seja simples e fácil de ser entendido. E critério algum responde a tal exigência melhor do que este que Jesus Cristo nos propõe: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,35). Que sinal de normalidade mais claro e eloquente do que este? É este “pormenor” que faz a diferença entre a psicanálise de Freud e a pedagogia social de Jesus!
           
Existe, sem dúvida, uma diferença radical entre o conceito de saúde de Jesus e o da medicina convencional do seu tempo. Para Jesus a doença sempre tem algo a ver com pecado, isto é, com um modo errado de viver a vida. Toda doença envolve, em grau maior ou menor, a alma e a condição espiritual do respectivo doente.
           
Quem quer obter a cura tem que ir até a raiz do seu mal, erradicá-lo e partir para uma nova filosofia de vida.
        
As Igrejas cristãs sempre trataram mal os místicos, enquanto viviam. Seu lugar no index dos candidatos à fogueira ficava próximo do dos inimigos da fé e das bruxas.
        
Os psicólogos sempre trataram como loucos, anormais e doentes mentais todos aqueles cujo comportamento não correspondia a seus critérios de normalidade.

Padre Marcos Bach


EXPERIÊNCIA DE AMOR

Fenômeno que a mim pessoalmente impressiona e deixa muito confuso para não dizer escandalizado, é a displicência com que classificamos como amor e como caridade o que na realidade permanece anos-luz abaixo do que Jesus entendia quando empregava estes termos.
        
Não é só o papa que se considera mestre divinamente credenciado a falar ex cathedra sobre este e outros assuntos em que a experiência pessoal é mais importante que o dogma! Muitos dos que passaram pela assim chamada “Experiência de Quase Morte” ou morte clínica, saíram dela com a consciência de terem feito uma descoberta nova. “Agora sei o que é amor”! Atribuíram esta descoberta a uma visão: “Vi um Ser de Luz! Ele me sorriu e seu sorriso era amor, amor puro e incondicional! Senti que ele me amava com um amor que excedia tudo o que até então eu tivera na conta de amor”!
           
Pessoalmente não passei por esta experiência. Mesmo assim me animo a falar do assunto por julgá-lo de capital importância. Vou restringir-me ao amor de amizade a respeito do qual se fala muito pouco. Um dos defeitos mais alarmantes da nossa cultura é a mania de associar entre si amor e sexo.
           
Admitimos que existem outras formas de manifestar amor, mas amor por excelência é o amor erótico que une num sentimento comum um homem e uma mulher. Na mitologia grega o deus do amor é Eros, um menino armado com um arco e uma aljava repleta de flechas, o que salienta o caráter infantil inerente às manifestações do amor erótico e seu cunho agressivo.
           
O amor platônico é essencialmente erótico, possessivo e agressivo. Resulta de um movimento de conquista. À semelhança da mariposa atraída pela luz, amante e amado sucumbem ao poder de atração de uma força misteriosa maior que eles!
           
A teoria segundo a qual existem almas gêmeas destinadas a viver um amor ao qual não podem fugir, repisa o conceito fatalista do amor como destino (moira, em grego). O aspecto trágico do amor como o concebiam os pensadores gregos é o fato de não ser o resultado de uma opção pessoal livremente assumida.


Em sua obra “A Condição Humana” a autora Hannah Arendt aponta Platão como o último filósofo a falar do amor de forma verdadeiramente criativa e original. Por não ser cristã, a autora ignorou o que Jesus ensinou a respeito do tema. Como também passou ao largo do que sobre o assunto disseram Santo Agostinho e os místicos cristãos em geral. As obras de Santa Teresa, São João da Cruz são de leitura obrigatória para quem quer compreender mais a fundo a natureza desta energia tão misteriosa. 
Padre Marcos Bach


NOVA FASE DE DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL

Na psicologia moderna este fenômeno que São João da Cruz define como Noite Escura, é tratado mais como distúrbio psíquico do que como fase positiva e saudável dentro de um processo normal. É visto mais como ponto de ruptura do que como início de uma nova fase de desenvolvimento espiritual. O doente é tratado como alguém que fugiu do mundo real, indo a se internar num universo de fantasia. É considerado um alienado social, um psicopata. A cura consiste em trazê-lo de volta ao mundo real e à vida “normal”.
           
Jung foi o primeiro a salientar os aspectos positivos do processo. Viu a esquizofrenia como parte de um processo “religioso”, de natureza mais espiritual do que psicossomático. No fim de sua carreira até Freud reconheceu que o psicótico é alguém que está à procura de algo que a vida “normal” não lhe oferece. Não é, por isso, justo tratá-lo como alienado e doente mental. Onde Jung falhou foi na determinação dos limites que fazem a diferença entre a psicose e a experiência mística. Assagioli, entre outros, encarregou-se de fechar um pouco esta lacuna, fornecendo-nos critérios mais confiáveis acerca da diferença entre loucura e santidade.
           
Um dos critérios mais confiáveis é o que se refere ao modo como um e outro, o louco e o santo, se relacionam com o mundo real em que vivem. O louco rompe qualquer ligação ou compromisso com o seu ambiente. O santo continua comprometido com as exigências da sociedade em que vive. Se for cristão, fará do amor ao próximo a pedra de toque da sua santidade.
           
Aqueles que, como Freud, consideram como normal e psiquicamente saudável toda pessoa harmonicamente adaptada ao seu ambiente social, acabarão por descobrir um dia que este critério é insatisfatório. Para ser feliz não basta dar-se bem com todo o mundo. É ótimo, mas não basta.
           
Precisamos de um critério que seja simples e fácil de ser entendido. E critério algum responde a tal exigência melhor do que este que Cristo nos propõe: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,35). Que sinal de normalidade mais claro e eloquente do que este? É este “pormenor” que faz a diferença entre a psicanálise de Freud e a pedagogia social de Jesus!
           
Existe, sem dúvida, uma diferença radical entre o conceito de saúde de Jesus e o da medicina convencional do seu tempo. Para Jesus a doença sempre tem algo a ver com pecado, isto é, com um modo errado de viver a vida. Toda doença envolve, em grau maior ou menor, a alma e a condição espiritual do respectivo doente.
           
Quem quer obter a cura tem que ir até a raiz do seu mal, erradicá-lo e partir para uma nova filosofia de vida.
           
As Igrejas cristãs sempre trataram mal os místicos enquanto viviam. Seu lugar no index dos candidatos à fogueira ficava próximo do dos inimigos da fé e das bruxas.
           
Os psicólogos sempre trataram como loucos, anormais e doentes mentais todos aqueles cujo comportamento não correspondia a seus critérios de normalidade.
           
Os sistemas morais de todos os tempos tiveram sempre por objetivo assegurar à sociedade o máximo de controle sobre a consciência individual de cada um dos seus membros.
           
Se queremos uma sociedade radicalmente diferente da atual, temos que inverter o esquema e passar de uma moral deontológica (de obrigações) para uma moral de responsabilidade. Um sistema deontológico é composto de normas e o outro compõe-se de oportunidades e desafios. O primeiro é fruto de vontades alheias a da pessoa a quem estes preceitos se dirigem. O outro é fruto de consciências individuais irmanadas entre si, constituindo um prolongamento do inconsciente coletivo de cada membro de uma comunidade. Resulta da comunhão de consciências pessoais que desta forma se unem para formar algo que se poderia denominar como supraconsciência coletiva. Desta forma o controle da ordem moral passa da alçada de superiores para a do próprio corpo comunitário.

Padre Marcos Bach


O AMOR EM SUA ESSÊNCIA

O amor é em sua essência uma energia de atração, “a mais potente e ao mesmo tempo a mais humilde do universo”, na opinião de Gandhi. O amor é tudo e onde não há amor nada mais resta que mereça um segundo de atenção. Quanta energia perdida numa única aventura sexual! Quanta energia malbaratada durante uma guerra! Tudo isso é criminoso! Os grandes criminosos e inimigos da humanidade não são apenas os que decretam o extermínio de um povo. São, acima de tudo, os que se servem do poder para impor a outros a sua vontade em lugar de renunciar ao poder e substituir o seu exercício pela prática generosa de um amor sem limites, como fez Jesus.
           
A capacidade de amar não depende nem de riqueza nem de instrução. Até uma criança pode amar. Por ser “a mais humilde de todas as energias”, o amor se dá bem no meio dos que Jesus chama de “pequeninos” e de “pobres de espírito”.  A verdadeira felicidade não está em ter, mas em saber repartir o que se tem. Para chegar a esta conclusão é preciso descobrir que os verdadeiros tesouros não são os que a terra nos oferece, mas os que se encontram em nosso próprio interior.
           
Quem quer aprender a repartir de forma inteligente tem que aprender a tirar de dentro de si o que pretende compartilhar com outros. Os bens espirituais e os tesouros da alma não sofrem quebra ou diminuição pelo fato de serem repartidos. A capacidade de amar é um tesouro inesgotável, porque sua fonte é o próprio Amor Divino. Para despertá-la não basta ficar à espera de alguém que nos acorde e nos ensine como fazê-lo. O “despertador” se encontra dentro de cada um. Quem quer ouvi-lo tem que fazer duas coisas: desligar-se dos ruídos insistentes do mundo exterior e entrar no silêncio do seu próprio interior. Feito isso, é praticamente impossível não mudar de vida, pois o amor, uma vez descoberto e ativado, tende a assumir o comando. Seu poder de atração é tão avassalador, que com o passar do tempo, se torna impossível resistir-lhe.
           
É difícil encontrar uma pessoa que não se tenha na conta de perito e especialista na arte de amar. É quase impossível convencer um adolescente apaixonado de que nada sabe a respeito desta tão nobre arte.
           
Muitas pessoas que passaram pela “Experiência de Quase Morte” ou morte clínica, mas voltaram à vida, contam que uma das lições que aprenderam está relacionada com amor. “Agora sei o que é amor!”, disseram muitas delas.
           
Poucos de nós sabem o que é amor. Contentamo-nos com muito pouco! Agimos como o garimpeiro: ciscamos a superfície na ilusão de que abaixo dela não existe mais ouro que valha a pena trazer à tona.
           
Mais ricas do que as reservas de ouro do nosso planeta são as reservas de amor ocultas na alma de cada ser humano, pobre ou rico, bom ou mau, religioso ou não. Na verdade, não passamos de “faiscadores” e de escaravelhos, empenhados mais em explorar a superfície de nossas vidas e a casca de nossas personalidades!

Padre Marcos Bach


LEMBRANÇAS DE UMA AVENTURA

Boa parte da nossa autoconsciência está ligada a propriedades do nosso corpo físico. O sexo, a idade e até mesmo a cor da pele tem seu peso específico na hora de determinar o valor social de uma pessoa. Até a roupa que uma pessoa usa serve para realçar e às vezes até para determinar o seu valor como membro da sociedade em que vive. Tire a farda a um militar e a batina a um padre se quiser destruir parte substancial da sua autoimagem.
           
Com a morte uma pessoa se despede do seu corpo físico, é verdade, mas seria totalmente falso interpretar esta separação como ruptura total com qualquer vínculo do seu espírito com o mundo material. O corpo físico se decompõe, mas cada átomo que um dia fazia parte dele continua sendo o que já era antes. Através  da sua passagem pelo corpo humano cada átomo que já foi um dia parte de uma célula viva, adquire uma identidade nova.

Desde que passou a fazer parte viva do corpo de uma pessoa este átomo deixou de ser a partícula “plebeia” que era antes. Adquiriu um novo status hierárquico. Deixou de ser apenas matéria ao adquirir um componente espiritual. Este componente espiritual lhe vem, à partícula, da sua passagem pelo corpo humano. Sua condição espiritual é da mesma natureza que a do homem.
           
Algo que sempre intrigou os biólogos é a grande quantidade de alimentos de que até um animal necessita para se manter vivo. “A cada sete anos o corpo físico se renova completamente”. É o que nos dizem os mais modernos compêndios de Biologia. Nada há que nos impeça de admitir que cada partícula material, ao abandonar o corpo, leve consigo e em sua consciência uma lembrança desta sua aventura. Podemos admitir que ela se tenha tornado mais espiritual. Se Einstein tinha razão ao afirmar que “a essência da matéria é espiritual”, então é a própria matéria que pede esta passagem por um corpo humano. A fruta madura pede para ser comida.
           
Ao assimilar um alimento não apenas o estamos incorporando ao nosso corpo físico, mas o estamos incorporando à nossa pessoa. E mais ainda: o estamos incorporando a um plano cósmico mais elevado.
           
Jesus soube, como poucos, dar valor a uma refeição em comum. Compara o Reino dos Céus a um “banquete” (Lc 22,30). Despediu-se dos seus amigos mais chegados oferecendo-lhes uma Ceia. Associou o sacramento da Eucaristia ao Pão e ao Vinho.

Padre Marcos Bach


PRINCÍPIO DA NATUREZA LIVRE      

Todos os que passaram pela “Experiência de Quase Morte” (EQM) descrevem a sua experiência, ao menos a sua fase inicial, como de separação do corpo físico. Viam o próprio corpo deitado numa mesa de operações, ou no meio dos ferros retorcidos de um carro acidentado, enquanto uma outra parte de sua personalidade flutuava no alto sem a menor ligação com “aquela coisa estranha” cuja sobrevivência tanto preocupava os médicos.
           
O corpo físico parecia não fazer parte da sua autoconsciência. O fato de se verem separados do corpo físico não era sentido como falta ou como ausência ou como perda. Antes, pelo contrário, tudo era sentido como parte de um processo de libertação. É sem dúvida causa de estranheza a indiferença do “quase morto” pela sorte do seu corpo físico. Ao ler seus relatos tem-se a impressão que para eles o corpo não faz parte substancial da personalidade humana. O corpo físico mais se parece com uma gaiola cuja finalidade principal consiste em manter a alma prisioneira dos sentidos. É crença comum que é ao seu cérebro que o homem deve sua maravilhosa capacidade de produzir pensamentos, de criar imagens e de raciocinar. Mas os que retornaram à vida após sua breve passagem pelo mundo dos mortos não dispunham de um cérebro e, contudo, continuavam a manter uma atividade mental verdadeiramente assombrosa.
           
A telepatia, a arte de ler o pensamento de outros, era o meio de que dispunham para se comunicar entre si, mas tinham juntamente com esta faculdade a de bloquear o pensamento, impedindo deste modo que estranhos e pessoas indesejadas penetrassem em seu interior e se apoderassem dos poderes da sua mente. Lá, diziam alguns, existe uma liberdade bem maior do que a que conseguimos atingir nos dias de nossa existência temporal. A única decisão que alguns consideraram obrigatória foi a que os condenou a ter que retornar à vida que tinham deixado pouco antes. No mais cada qual faz o que quer sem que alguém o force a fazer o que não quer fazer. Em outras palavras: a ordem moral, tal como a conhecemos, deixa de vigorar e uma nova forma de realizar o bem e de definir a verdade ocupam o seu lugar. Um novo princípio, mais consentâneo com a natureza livre do homem, passa a vigorar em substituição ao princípio da obrigatoriedade moral.
           
Ninguém descreve algo que pudéssemos definir como remorso ou sentimento de culpa. Ninguém se sentiu repreendido ou acusado de não ter procedido como era da sua obrigação. Até mesmo o Ser de Luz contentou-se com a pergunta: “O que fizeste da tua vida?”.
           
Parece que após a morte a pessoa fica mais entregue a si mesma do que nunca. Cabe a ela determinar o rumo da sua nova vida nos mundos invisíveis. É ela mesma que deve tomar a iniciativa de pôr ordem na sua casa.

Quem não aproveitou os dias da sua existência terrena para fazer amigos, naquela hora se deve sentir só como nunca antes. Também lá, nos planos inferiores do mundo astral, não há falta de bons e experimentados mestres espirituais. Mas por lá deve ser igualmente grande o número de estagnantes, isto é, de pessoas que não procuram progredir.

Padre Marcos Bach


A MORTE NÃO EXISTE

Morre bem aquele que morre na hora certa. Como se pode saber que alguém já está pronto e preparado para morrer?

O modo como uma pessoa termina a sua vida e as condições em que se encontra são fatores decisivos. A qualidade da vida inclui a qualidade da morte.

Passado o tempo da gravidez, o feto no seio da mãe descobre que para ele chegou a hora de nascer. Cabe a ele tomar uma série de medidas destinadas a facilitar o trabalho da mãe.

De que adianta uma gravidez tranquila e sem problemas se na hora de nascer o feto se vê às voltas com problemas? Pode parecer absurdo admiti-lo, mas há fetos que não sabem nascer e que terminam por vir ao mundo na condição de natimortos.
        
Metade dos óvulos fecundados não consegue anidar-se no útero da mãe. Algo semelhante pode estar acontecendo com as pessoas. Mesmo dos que morrem em idade adulta ou até provecta, pode-se afirmar que aproveitaram o seu tempo de vida para crescer e desenvolver as qualidades que distinguem um primata de um ser humano?

Encontrar um lugar apropriado ao seu desenvolvimento ulterior é para um feto uma questão de vida ou morte. De todo ser humano pode-se dizer o mesmo: ou ele encontra no seu ambiente sociocultural um lugar que o ajude a crescer e a desenvolver-se como ser humano, ou então morre antes de nascer.

O processo de desenvolvimento a que um ser humano é destinado a percorrer é de natureza espiritual. Não é automático e não termina quando uma pessoa morre.

Um dos ramos mais recentes da Antropologia tem o nome de tanatologia. A palavra tanathos é grega e significa morte.
        
O progresso da medicina permite reanimar e devolver a vida a pessoas consideradas mortas.
        
Um médico moderno sabe que a morte é um processo complexo e que ocorre aos poucos. A chamada morte clínica representa apenas um estágio de um processo que necessita de certo tempo para ser concluído. O processo todo só se torna irreversível após um determinado tempo. Pessoas que passaram pela assim chamada “Experiência de Quase Morte” (EQM) afirmam ter se defrontado com uma espécie de barreira que as impedia de ir adiante. Algumas afirmam terem sido aconselhadas a voltar atrás, de retorno à vida. Foi lhes dito que sua hora de morrer ainda não chegara.

Todos os que após a morte clínica voltaram à vida confessam que o fizeram a contragosto. Admitem que havia muito mais, além daquilo que lhes foi permitido experienciar. Declaram que em momento algum se sentiam como “mortos”. Mas que em toda a sua vida nunca se tinham sentido mais cheias de vida, mais lúcidas e mais autoconscientes do que naquele curto lapso de tempo de sua passagem pelo tão mal compreendido mundo dos mortos.
        
A morte não existe. Ao menos já não pode mais ser vista como castigo e como fim de vida. A moderna tanatologia aconselha-nos a não tratar o assunto como antes. Uma quantidade considerável de experimentos científicos confirmam a tese de que a morte é uma forma de metamorfose semelhante a que faz de uma crisálida uma borboleta.

Padre Marcos Bach


O VOLTAR-SE PARA O IMPORTANTE

“Agora sei o que é amor! Agora sei o que é importante”! É com esta exclamação que muitos dos sobreviventes de uma EQM saúdam seu retorno à vida anterior. Implicitamente presente nesta exclamação está a confissão de que a vida como a tinham vivido até então era equivocada e ilusória. A EQM os tinha despertado para a apreciação de valores para os quais não tinham sido programados anteriormente. Estudos sobre os efeitos de uma EQM davam a impressão de que ela só ocorria em caso de perigo de vida e em pessoas que se encontravam na iminência da morte.

Estudos recentes, como os de Kenneth Ring, levantam a suspeita de que o fenômeno citado não é causado pela iminência da morte física, mas que é preciso ir à procura de um outro fator, capaz de determinar mudanças tão profundas nos aspectos valorativos da vida. A “Experiência de Quase Morte”, melhor seria associá-la à vida, e ver nela o renascer para uma nova vida.

Quem sai desta experiência mais morto que vivo é o ego. “Eu era uma pessoa mundana, materialista e superficial” são termos com os quais muitos dos sobreviventes descrevem o modo como viviam antes de sua EQM. Confessam que em algum patamar remoto da sua consciência ocorreu um violento “Tsunami”, um maremoto que abalou as bases mais profundas da sua “Consciência Total”. Impressiona, no entanto, o caráter espontâneo com que estas mudanças se impõem!

Não se trata de pôr em prática lições que a proximidade da morte despertou. O que parece ter acontecido é um despertar de níveis mais sutis da consciência. A psicologia moderna não se contentou com o “mapa psíquico” de Freud cujas descobertas não foram “além do ego”. Termos como “Eu Superior” (Assagioli), como “Self” (Jung), “Eu Transpessoal” (Grof) começam a ser empregados para descrever níveis e planos da “Consciência Total” para os quais Freud e Adler ainda não tinham encontrado espaço.

Padre Marcos Bach


A DEMOCRACIA AINDA NÃO CHEGOU NA IGREJA

Existe uma defasagem escandalosa entre o que definimos como consciência política, como consciência de cidadania e o que apregoamos como quintessência do que convencionamos definir como consciência cristã. Achamos normal e natural que mais de um bilhão de católicos sejam ainda submetidos a um regime de governo absolutista. Se a democracia é realmente a melhor forma de governo, por que a Igreja Católica demora tanto em adotá-la?

Para não poucos católicos politicamente ativos, esta pergunta coloca-os numa situação de constrangimento do qual só conseguem sair mediante alegações pouco convincentes.

Não é pequeno o número de cristãos católicos para os quais o fato de ver como sua Igreja recorre a dois discursos distintos e contraditórios é motivo de estranheza quando o assunto e regime de governo deixam de ser ponto pacífico. A consciência política de um militante cristão não pode prestar-se a essa espécie de “jogo duplo” sem descambar para um discurso político ambíguo e suspeito.

Não será esta razão que leva a maioria a entrar em Crise de Emergência Espiritual? Mas é possível e até mesmo provável que seu número venha a crescer na proporção em que a consciência política dos povos mais cultos e civilizados evoluir em direção a formas de governo mais participativas e democráticas.

Padre Marcos Bach


ATRÁS DO PORTAL DA ETERNIDADE

Quem dedica ao menos parte do seu tempo de vida a perguntas como esta: “Que será que me está esperando quando tiver cruzado o portal da eternidade?” A opinião mais benigna que vão ter desta pessoa é de sonhador inútil. “Pouco ou quase nada sabemos a respeito deste futuro enigmático”. Dizendo isso, dão por encerrado o assunto. Pessoas que passaram pela “Experiência de Quase Morte” EQM afirmam que foram aconselhadas por mestres espirituais a retornar à vida terrena. Foi lhes dito que não estavam preparadas para trocar de vida. Foi lhes dado a entender que havia em suas existências pretéritas muitas potencialidades e chances de crescimento e desenvolvimento que não tinham sido aproveitadas.

O que me levou a escrever estas considerações sobre a morte foi o desejo de ajudar eventuais leitores a se prepararem melhor para a grande jornada.

O falecido físico americano David Bohm divide a realidade em duas partes: a realidade manifesta e a não-manifesta. Conforme a lógica vigente no cosmos, afirma Bohm, os eventos do mundo real manifesto são determinados pela ação invisível do universo não-manifesto. Projetar-se em espírito para este universo que de acordo com os ensinamentos de Jesus está sendo preparado por Ele para nos acolher um dia é tão importante quanto fincar os pés no chão em que se caminha. Por ora ainda não usamos o voo como meio de locomoção. A velocidade da luz é por demais lenta para nos permitir percorrer este universo tão grande de um extremo ao outro. Velocidades muito superiores à da luz são requeridas para viabilizar a comunicação entre os que já desfrutam das benesses da liberdade dos filhos de Deus.

O passarinho enquanto filhote bate as asinhas em formação. Também ele tem que aprender a voar. O mesmo se dá com o espírito do homem. Também ele precisa aprender a voar.

Uma das descobertas mais sensacionais e instrutivas da ciência foi a constatação de que durante o sono o espírito abandona o corpo físico. Este fenômeno pode ocorrer também em pessoas acordadas ou semiacordadas. Tem a denominação de projeciologia o ramo da parapsicologia que se dedica estudar este novo ramo do saber humano.

Projetar-se para fora do corpo físico não implica em ruptura dos laços que unem o espírito do homem ao mundo material. A morte só ocorre quando o assim chamado cordão de prata vier a romper-se.

Padre Marcos Bach, sj


O FUTURO RELIGIOSO

Quem acha que o futuro religioso da humanidade vai ser igual ao que judeus, cristãos e muçulmanos têm a oferecer, engana-se rotundamente. O destino religioso da humanidade seria profundamente lamentável se assim fosse.

Um difuso sentimento de mal-estar está tomando conta do espírito de um número crescente de católicos. A síndrome atinge de preferência homens e mulheres que tiveram uma educação religiosa e moral muito rígida. Emergência Espiritual: é este o nome que Stanislav Groff dá ao fenômeno.

O problema não gira em torno de verdades da fé, mas é o modo como a Igreja atende as necessidades espirituais, morais e religiosas de seus fiéis. Por outra: o pasto que é oferecido ao rebanho não satisfaz mais ao apetite da maioria dos católicos. O linguajar arcaico dos seus pastores e o mundo em que estes vivem destoa por completo do que pode ser visto na televisão. A culpa não é do povo nem do mundo secular. O mundo continua o mesmo de sempre. O povo também não mudou muito dos tempos de Cristo para cá. Continua tão crente e crédulo como foi nas épocas mais obscuras da história. Não fosse assim, o Nazismo não poderia ter feito o que fez.

O que as Igrejas cristãs fizeram no sentido de implementar transformações sociais verdadeiramente significativas? Como iriam fazê-lo com alguma chance de sucesso se elas próprias representam nichos sociais privilegiados? E qual delas está disposta a mudar de rumo?

Jesus não depositou a menor confiança no judaísmo religioso do seu tempo. Não pactuou nem com os representantes do Império Romano, nem com os senhores do templo. Dedicou-se à tarefa de esboçar o perfil de um novo tipo de religiosidade cujo corolário mais “revolucionário” é a formação de um Novo Homem. Um Homem que tanto poderá ser homem quanto mulher. O objetivo principal de Jesus não foi o de fundar uma nova religião, mas o de criar um Novo Homem. Uma Igreja só merece o nome de cristã se for um lugar em que este Novo Homem poderá nascer e desabrochar!

Padre Marcos Bach


PENETRAR “NO REINO DA LUZ”

O que as pessoas comumente não tomam em consideração é o princípio segundo o qual a qualidade psicomoral da morte depende da qualidade da vida que levaram. A hora da morte é um momento destinado a se fazer o resumo da existência toda. Resumir significa separar o essencial do que nunca foi mais que aparência. Resumir significa contabilizar os ganhos e amargar os prejuízos. Quem morre está começando a acordar para a realidade. Morrer é penetrar no “Reino da Luz”. A penumbra distorce a face da realidade. A treva a oculta de todo. Só a luz tem o poder de revelar a verdade. E o que é a verdade? É a realidade sem retoques!

Aquele que inventou a morte é o mesmo arquiteto genial que inventou a vida. Quem é ele? Não creio que faça muito sentido discutir a autoria da ideia que conjuga vida e morte num único binômio existencial. Mais importante, sob todos os aspectos práticos, é tirar de tudo isto as devidas consequências. Se a qualidade da morte depende exclusivamente do modo como se viveu a vida, então a pergunta: “Que fizeste da tua vida?” é realmente essencial. O importante mesmo não é saber “o que fizeste em tua vida?”, mas “o que fizeste de tua vida”? A existência humana não deve ser tratada como se trata um banco de investimentos. Ela é um capital, um talento, uma soma de talentos. Ela não se destina a dar lucros, mas a multiplicar-se.

A hora de morrer não é o momento de conferir lucros e dividendos. É a hora destinada a verificar o montante do capital acumulado. No dia do juízo cada qual será avaliado não de acordo com os lucros obtidos, mas de acordo com o capital que é capaz de colocar em circulação. Um bom capitalista não é aquele que procura reter para si a fatia maior do produto de sua empresa, mas é aquele outro que se preocupa em manter em circulação produtiva o máximo de talentos acumulados. Em outras palavras: o bom empresário não é aquele que pensa a sua empresa em termos de instrumento potencial de investimentos. Na hora da morte vamos ter a oportunidade de fazer um “Check-up econômico” de nossa vida. A pergunta crucial não terá nenhuma relação com lucro, mas com o seu nível potencial de investimento. Os fiéis cristãos com que padres e pastores se defrontam na hora do culto dominical compõem-se de pessoas dedicadas à tarefa de amealhar méritos e boas obras com intenção de trocá-los lá adiante por uma cadeira no céu. A minoria dos cristãos que possuem mentalidade empresarial não costuma frequentar os templos cristãos.

In: Livro “Que fizeste de tua Vida?” – Pe. Marcos Bach, sj – Ed. própria.


VOLTAR DO FUTURO

Embora seja teólogo (melhor: ex-professor de teologia) não vou tratar o tema em pauta sob o aspecto teológico. Não me importo grandes coisas com o que se ensina sobre este assunto. Prefiro inspirar-me em testemunhos e depoimentos de pessoas que tiveram alguma espécie de experiência de morte. Gente simplória e mal informada acha que “ninguém voltou para contar”! Mas esta afirmação está sendo contraditada de uns decênios para cá com centenas de depoimentos feitos por pessoas clinicamente mortas, mas que retornaram à vida. Hoje a medicina está em condições de reanimar um paciente vítima de infarto ou parada cardíaca. É possível ressuscitar uma pessoa aparentemente morta.

Possuímos, hoje, centenas de relatos de pessoas que viram o outro lado da vida. Procurarei extrair da montanha de testemunhos de que tenho conhecimento através de leitura, (e de relatos em conversas) não uma teoria ou a confirmação de um dogma religioso. Não estou interessado em confirmar ou desmentir esta ou aquela doutrina. O que me interessa é explicitar e ressaltar os ensinamentos e as lições de vida contidas nos relatos destas “Experiências de Quase Morte”.

Tudo o que pretendo deduzir legitimamente dessas experiências não tem por objetivo dizer o que é a morte, mas relacioná-la com o sentido global da vida. A morte faz parte da vida do mesmo modo como a morte da semente faz parte do nascimento de uma nova planta, como a ação da entropia é necessária para que haja evolução.

Será que a morte é realmente tão misteriosa, tão indescritível quanto parece? É a morte um acontecimento tão trágico que justifica o caráter fúnebre das cerimônias de sepultamento? É doloroso morrer ou ter que morrer? Tenho para mim que a liturgia cristã contribui para distorcer alguns dos aspectos essenciais deste fenômeno biopsicológico a que damos o nome de morte. O ato de morrer não é sentido e experimentado como desgraça a não ser pelos que ficam. Quando associamos a dor e a tristeza ao fenômeno da morte estamos projetando nossos sentimentos e emoções que na quase totalidade dos casos não têm a menor relação com o que se passa no interior da consciência daquele que está por colher o fruto de sua existência. O resultado desta visão projetiva da morte só serve para amesquinhar o momento mais belo da existência humana. A morte é o fim da existência temporal e terrena, não é o fim da vida de uma pessoa. Por isso coloco a morte no extremo terminal da existência e não da vida. Com a morte termina a existência de um ser humano. Sua vida, porém, continua. O primeiro momento crucial da nossa trajetória através do espaço-tempo existencial coincidiu com o momento em que se deu a nossa concepção. Tudo o que antecedeu e envolveu nosso primeiro momento existencial continua presente em nosso inconsciente influindo de modo decisivo na formação de nossa autoconsciência. O momento de nascer foi o segundo na escala dos momentos cruciais da nossa existência. O modo como fomos gestados e como nascemos paira sobre nossa existência como uma espécie de hipoteca invisível. Aquele que foi gerado com amor, gestado com alegria e nasceu sem complicações é um felizardo. Não tem o menor direito de se queixar da vida. É a única pessoa que não precisa ter medo da morte. Aquele que soube conferir à sua entrada no mundo um caráter festivo, também saberá sair dele do mesmo modo como entrou.

O que as pessoas comumente não tomam em consideração é o princípio segundo o qual a qualidade psicomoral da morte depende da qualidade da vida que levaram. A hora da morte é um momento destinado a se fazer o resumo da existência toda. Resumir significa separar o essencial do que nunca foi mais que aparência. Resumir significa contabilizar os ganhos e amargar os prejuízos. Quem morre está começando a acordar para a realidade. Morrer é penetrar no “Reino da Luz”. A penumbra distorce a face da realidade. A treva a oculta de todo. Só a luz tem o poder de revelar a verdade. E o que é a verdade? É a realidade sem retoques!

In: “Que fizeste da tua Vida?” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj - Ed. Celimar.


MENTE SUTIL

O indivíduo separado dos demais indivíduos e isolado em seu ego deixa de ser uma pessoa e passa a ser apenas uma abstração, um número que se pode dividir, multiplicar e adicionar a outros indivíduos.

O Inconsciente Coletivo da humanidade não é idêntico a uma coleção de consciência. Com uma multidão de consciências fragmentadas, o máximo que se pode conseguir, é multiplicar o processo de fragmentação, dando espaço aos que confundem unidade com uniformidade.

O que impressiona mais a quem toma conhecimento do pensamento científico de David Bohm é a pequena distância que separa a sua cosmovisão de um místico cristão. Um bom professor de teologia não dirá em aula o que pode custar-lhe o emprego. Há um modo conveniente de dizer o que se pensa, mas há outros muitos que não são convenientes.

Conveniente é todo pensamento que se junta (cum venire, em latim) a outro. Numa sociedade conservadora, pensamentos já pensados no passado têm a preferência sobre o pensamento pensante. O hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pela produção de ideias, predomina sobre o hemisfério direito, responsável pelos aspectos intuitivos da atividade mental.

David Bohm atribui a uma espécie de Razão Superior, a que dá o nome de Insight, a função de pôr em ordem a atividade intelectível de uma pessoa. Em vez de produzir pensamentos melhores, a mente desiste da tarefa de produzir pensamentos, dando assim a chance de aproveitar inspirações e com elas o meio de outras em contato direto e imediato com o Insight, isto é, com os planos superiores e mais sutis da mente individual, que por sua vez recebe suas informações de uma mente ainda mais sutil.

Quando um místico cristão fala da “ação do Espírito Santo” está se referindo à mesma inspiração a que Bohm dá o nome de Insight. Bohm não o diz, porque não quer invadir seara alheia, pois é de opinião que a resposta a este tipo de interrogação ultrapassa a competência de um cientista. Embora admita o caráter atemporal deste processo todo, ainda o define como material. Ao fazer esta afirmação, Bohm não descarta a relação do homem como passageira. É o mesmo que afirmar que o espírito do homem será sempre um espírito encarnado e que esta vinculação não o empobrece nem o diminui!
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj.



O HORMÔNIO QUE ELIMINA A DOR DA MORTE

“Madura e preparada para morrer está a alma que morre de saudade de Deus, que morre por não poder morrer” (S. João da Cruz).

Quando dizemos que Jesus redimiu a morte libertando-a da maldição que sobre ela pesava desde os tempos do Paraíso, não queremos sustentar que Cristo veio fornecer a seus discípulos e seguidores uma espécie de anestésico ou dopping que os priva da necessidade de ter que enfrentar a morte em estado de plena consciência. “Jesus mesmo morreu dando um grande brado”, como consta em Marcos 15,37. Quem morre “dando um grande brado” deve ter permanecido plenamente consciente até o fim.

No campo médico existe a tendência de ministrar ao moribundo analgésicos e sedativos. Não é recomendável privar o moribundo da sua capacidade de participar ativa e criativamente da sua morte. Poder morrer é um privilégio. Poder morrer de forma consciente é um direito natural de toda pessoa humana. Médico algum tem o direito de privar o seu paciente deste direito sob o pretexto de aliviar-lhe o sofrimento. Pode haver casos em que o recurso a sedativos seja indicado, mas é falsa a suposição de que toda morte é dolorosa e não corresponde à verdade. A própria natureza ajuda o moribundo a morrer em paz. Na iminência do desenlace final o organismo do moribundo segrega e injeta no sangue um hormônio, definido por uns como “hormônio letal”. Este hormônio elimina a dor. Não provoca nem apressa a morte, apenas a torna indolor. Por isso o adjetivo “letal” é impróprio. Mais correto é defini-lo como “anestésico”.


Quando é natural a morte não causa sofrimento. A própria natureza favorece a morte sem dor. O sorriso de felicidade estampado no rosto de pessoas recentemente falecidas demonstra o que foram os últimos momentos da sua vida. A felicidade eterna não aparece apenas depois da morte, mas a acompanha e a impregna desde o início

Um cristão não pode lamentar a morte como o fazem os que não creem em Cristo. Não pode registrá-la como fonte de perdas, pois a morte bem-aventurada de um discípulo de Jesus é tudo menos motivo de lamentações.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


NECESSÁRIA TRANSFORMAÇÃO

Há na vida humana uma época em que a larva começa a se transformar em crisálida. O psicólogo suíço Jung dá a este estado de alteração da consciência o nome de “Crise de Individuação”. O psicólogo italiano Assagioli a ela se refere como “Crise de Emergência espiritual”. Ela se manifesta entre os 35 e 50 anos. Via de regra passa despercebida ou é mal diagnosticada.

O renomado professor de Universidade se sente insatisfeito consigo mesmo. O bem sucedido homem de negócios não consegue mais adormecer tranquilo sobre sua fortuna. Uma insatisfação sorrateira começa a solapar a solidez de um edifício destinado a durar para sempre.

O que tem início com a Crise de Individuação bem merecia o nome de morte, pois a morte física faz parte do mesmo processo psicológico quando esta morte é natural.

É natural e normal quando ocorre no tempo certo e no modo certo.

A morte violenta não é nem natural nem normal.

A morte natural é a normal. A morte natural é a morte tranquila de quem viveu a vida intensamente, mas agora está cansado dela e sente a necessidade de partir para uma outra vida e um outro mundo. Dá-se com ele o mesmo que a crisálida experimenta no período final da sua metamorfose. O mundo que lhe deu abrigo até então, tornou-se por demais estreito e acanhado. A borboleta dentro dela quer mais liberdade, quer voar, quer dançar e bailar à luz do sol e ao sabor do vento. Pressente o deleite que o néctar das flores lhe pode proporcionar.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj.


A EQM COMO “SALTO QUÂNTICO”

Tudo leva a crer que a (EQM) “Experiência de Quase Morte” visa a morte, não a morte física, mas quem sabe, a morte do ego e com ele a morte de toda uma constelação de falsos valores.

Quando um sobrevivente afirma, agora sei o que é Amor, agora sei o que é importante na vida, estamos nos defrontando com uma declaração verdadeiramente revolucionária. Cientistas que tentam explicar a “Experiência de Quase Morte” como parte e manifestação de um processo meramente evolucionário não conseguem mais convencer os ouvintes de suas palestras que a EQM não possui a profundidade e a radicalidade que muitos dos que a conhecem, por experiência própria, lhe atribuem.

As mudanças que a EQM introduz na vida de seus beneficiários é definitiva e o passar do tempo não consegue apagá-las. O caráter revolucionário desta experiência levou estudiosos a identificá-la como “Salto Quântico”.

“Não sou mais a mesma pessoa que era antes”! Quase todos os sobreviventes confessam que não só a vida deles mudou, mas que esta mudança radical atingiu em cheio a sua pessoa toda!

A crença na existência de um órgão espiritual destinado a pôr o espírito do homem em contato com o divino é anterior a Jesus Cristo. Já o filósofo grego Platão, que viveu três séculos antes de Jesus, fala da existência de uma “centelha divina” presente no interior de toda pessoa humana. Jesus apenas regou com as águas abundantes da sua Graça o que Platão e outros pensadores gregos tinham semeado.

A ideia de que o interior do homem é terreno devastado pela ação de um hipotético pecado original é incompatível com a mensagem otimista de Jesus. “Se alguém me ama e crê em mim, Eu e o Pai viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14,23). Para que isto venha a acontecer só há um único requisito a preencher: abraçar, sem reservas, a causa de Cristo. Além do Amor que Deus nos oferece, não existe mais nada que se possa classificar como exigência.

O amor é gratuito e incondicional, por isso ele é inegociável. Quando após uma briga um casal volta a fazer as pazes, isto não quer dizer que voltou a se amar novamente como antes ou até mais do que antes. Não há, no terreno afetivo, briga que não deixe sequelas.

Quem atingiu no terreno afetivo o nível de um amor perfeito como é perfeito o amor incondicional de Deus, pode fazer o que bem entende. O amor é o limite que separa o que é inegociável do que pode ser objeto de negociação. Deus não castiga ninguém. Menos ainda pensa em privar alguém do seu amor e da sua amizade.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


O MISTÉRIO QUE ESTÁ À NOSSA FRENTE

Muito mais misterioso do que tudo o que deixamos para trás é o que se encontra à nossa frente. São eons e mais eons, tempo incrivelmente longo de que podemos dispor para completar o que iniciamos, seja nesta vida mortal, seja na outra. A eternidade pode ser concebida como unidade compacta, mas também se pode concebê-la como composta de unidades menores. Neste caso faria sentido falar em eternidades (no plural). O futuro que nos aguarda não é uniforme, é antes policromo. Vamos passar (se assim o quisermos) por muitas “eternidades”, crescentemente mais amplas e abrangentes. Passaremos ainda por muitas metamorfoses antes de atingir a estatura de Cristo, o primeiro ser humano plenamente evoluído. A história da humanidade não vai acabar em extinção da espécie. É isto que Jesus nos veio assegurar, como ninguém até hoje o fez.

O convite de Jesus deixa claro que é muito tímido tudo o que conseguimos encarnar em nossas descrições de cristão ideal. Tudo o que juntamos para definir o “estado de perfeição” chega a ser ridículo quando comparado com o esplendor da majestade de Deus tal como no-lo descrevem místicos como Teresa de Ávila. Até mesmo algumas das descrições feitas por pessoas que tiveram morte clínica falam do deslumbramento que sentiram no decurso da sua passagem por esta experiência. Pessoas que já prelibaram e pregustaram em vida as delícias que as aguardam no além, trocam o seu costumeiro modo de vida por outro, radicalmente diferente. Para que isso aconteça, não é necessário passar por uma “Experiência de Quase Morte”. O apóstolo Paulo não esteve perto de morrer quando Cristo lhe apareceu às portas de Damasco. Inácio de Loyola só mudou de vida depois que viu encerrada a sua carreira militar e seu sonho de glórias mundanas.

A perfeição cristã não consiste em ser perfeito, mas antes em ser perfectível. O cristão conservador nega-se a destruir o que já foi construído. É como a crisálida que considera o seu casulo como lar definitivo. Uma crisálida que não sabe o que é ser borboleta e teima em permanecer sempre no mesmo estado, jamais estará em condições de sair do casulo. É ela que deve sair, ninguém irá tirá-la de lá. Bem nascida é a criança que saiu do seio da mãe por conta própria. Mãe e parteira nada tinham a fazer do que assistir.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


TOMAR CONSCIÊNCIA DO AMOR QUE NOS ENVOLVE

O núcleo gerador de uma autêntica fé em Cristo é a consciência de ser amado por Deus com um Amor que excede todos os limites imagináveis.

- “Cristo nos amou quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8). O apóstolo Paulo foi atingido pela graça de Deus quando se encontrava empenhado em destruir a obra de Cristo. Pior e mais perigosa do que a sua maldade é a ignorância dos homens. Ignorância aqui é sinônimo de inconsciência, é desconhecimento de sua verdadeira natureza.

- “Anima humana naturaliter christiana est”, dizia Tertuliano, um dos primeiros “Pais da Igreja”. Se é verdade que “a alma humana é cristã por natureza”, não faz sentido tratar como se fossem opostos irreconciliáveis a graça e a natureza. O homem não é apenas um animal mais evoluído. Menos ainda é um “Anjo Decaído”. O que ele é, então? Um “anjo” em formação? Mais do que isto: é um “Deus” em formação. Jesus nos convida a sermos perfeitos: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5,48). Ser perfeito como Deus é muito mais do que tornar-se parecido com Ele. Envolve uma identificação com Deus tão íntima que tudo o que nos atinge, atinge diretamente a Deus (Cf. Mt 25,40).

O filho possui em comum com o pai a mesma natureza. Se somos verdadeiramente filhos de Deus, então nada mais lógico do que a conclusão de que participamos com Ele da mesma natureza. Somos chamados para sermos “participantes da santidade de Deus” (Carta aos Hebreus 12,10). Presta, por isso, um péssimo serviço à causa de Cristo todo aquele pseudo-mestre espiritual que insiste em tratar as suas “ovelhas” como um bando de pecadores incorrigíveis.

Christiane, recognosce dignitatem tuam”, dizia Tertuliano. É isso mesmo: está na hora de despertar nos cristãos um senso de dignidade que séculos de moralismo doentio levaram à beira da extinção. Da presença do “Ser de Luz” ninguém saiu humilhado ou com a sua autoestima diminuída. Arrependido, sim, mas não derrotado. Desestruturado, mas não esquizofrênico ou antissocial. Pelo contrário: muitos deles retornaram com a consciência de que ainda tinham uma missão a cumprir, aqui e agora.

In: “Do ‘Homem Selvagem’ ao ‘Homem Noético’” – Artigo de Pe. Bach, sj


AUTOGÊNESE E AUTOPOIESE

A atividade de um feto no ventre da mãe pode toda ela ser resumida numa palavra: autogênese! A mãe muitas vezes nem tem tempo para pensar que está grávida. O feto sozinho dá conta do recado. À mãe cabe apenas a tarefa de se alimentar bem para que ao feto não lhe venham a faltar os nutrientes de que necessita para se construir a si próprio. As informações de que necessita para a tarefa, ele já as sabe de cor. Ninguém lhe precisa dizer como proceder para fabricar uma célula-tronco, como armazená-las e como transformar cada uma delas numa célula com função específica.

Todas as transformações e metamorfoses por que passa um ser humano durante os primeiros nove meses de sua existência são autogenéticas, pois o autor de todas elas é o próprio feto. À mãe só cabe fornecer ao feto os nutrientes materiais e psicológicos de que este precisa para se desenvolver. Por nutriente psicológico entende-se o amor com que a mãe acompanha o milagre que está acontecendo dentro dela. Uma gravidez não desejada possui a mesma gravidade psicomoral de uma tentativa de aborto.

A palavra autopoiese é empregada por alguns autores para designar a continuação do processo autogenético ao longo da vida pessoal de cada ser humano. Grande parte do desenvolvimento ulterior do seu projeto o Criador o confiou a terceiros. A terceirização não é apenas uma invenção de administradores espertos. Há muito tempo que a reprodução da espécie passou da competência do Criador para a dos membros da espécie. Se o feto possui todas as instruções e todo o conhecimento necessário para se autogerar, por que o indivíduo humano não continua dispondo de um privilégio análogo pelo resto dos seus dias?

A ideia de que o homem é um ser entregue a si mesmo e com a tarefa de se autoconstruir é por demais escandalosa e revolucionária para ser aceita, sem discussão, e por um número significativo de pessoas. (Continua na próxima postagem).

In: “Autogênese Comunitária” – Artigo de Pe. José Marcos Bach, sj


TROCAR A FÉ HERDADA

O número de cristãos autênticos deve ser pequeno, pois é difícil encontrar numa Igreja um cristão disposto a trocar sua fé herdada dos antepassados por outra menos tradicional. Quem leva a sério o aviso de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á”? (Lc 9,24). Cristão autêntico, digno de ser chamado assim, é alguém que morreu para si e já não vive mais em função de interesses próprios. “Só não morre ao morrer quem já morreu em vida”. Este é um ditado que os monges da Idade Média costumavam repetir.

Cristão autêntico é aquele que já morreu antes, pois só pode ressuscitar quem já morreu. O ressuscitado é um morto que voltou à vida. Não é, no entanto, um simples redivivo, já que a nova vida que o acolhe em seu seio é radicalmente diferente da anterior. Muitos daqueles que experimentaram mais de perto uma forma completamente diferente de vida não conseguiram mais viver como o tinham feito antes. Passaram por um processo de desestruturação psicológica semelhante a do apóstolo Paulo às portas de Damasco.

Não conseguem mais encarar a vida como antes. Já tiveram oportunidade de perceber o quanto era insensato o modo de vida que tinham levado antes. Descobriram que é possível viver a mesma vida de maneira muito mais inteligente, muito mais sensata. Embora não tenham saído da (EQM) mais religiosos, mais piedosos ou melhores que antes, saíram dela mais certos de que são amados por Deus assim como são, independentemente do que tiverem feito e aprontado em vida. Em vez de se verem julgados, saíram do encontro com o Supremo Juiz iluminados e dotados de um discernimento que os torna capazes de substituir a confissão por uma autoavaliação; e a direção espiritual por um encontro pessoal mais profundo com a sua própria dimensão divina.
           
Só Deus pode ressuscitar mortos. Só Cristo ressuscitou dos mortos por iniciativa própria, por ser o Filho de Deus. Ninguém consegue sair de um buraco ou de um atoleiro puxando-se pelos próprios cabelos. Nisto até o ateu Sigmund Freud foi honesto ao reconhecer que não é o analista, mas o paciente, o autor do processo de cura psicanalítico.

Saúde e doença são apenas o resultado de um modo infeliz de organizar o campo das relações humanas. Freud achava que saudável é o indivíduo que “está em dia com as exigências do ambiente sociocultural em que vive”. Jung era de opinião que saudável é o indivíduo que “está de bem consigo mesmo”. São João da Cruz, antes deles, deixou claro que só merece ser considerada saudável a pessoa que descobriu o “Deus que vive em seu íntimo mais íntimo”. O homem é um ser espiritual destinado a compartilhar com o seu Criador a mesma vida e o mesmo grau de intimidade com que um filho participa da vida de seu pai.
In: “Do Bom Selvagem ao Homem Noético” – Artigo de Pe. José Marcos Bach, sj


NATUREZA E DISTINÇÃO DE UMA COMUNIDADE

No estágio atual da evolução, nós, humanos, temos a tendência de nos identificar mais com sub-personalidades, isto é, com aspectos laterais e funcionais da nossa personalidade total. Somos seres em formação, portanto, incompletos, isso sim, mas não imperfeitos. O que nos falta não representa um defeito. Não somos deficientes, como o soldado que perdeu um braço ou uma perna em combate. O ideal seria ter consciência plena do que ainda falta para sermos completos. Pessoas que passaram pelo crivo de uma “Experiência de Quase Morte” são praticamente unânimes em confessar: “Agora sei o que é importante!”. “Dar e receber amor: isso é importante”, dizem muitos deles. “Desapegar-se das coisas desta vida, isso é importante”. “Usar as coisas, mas sem se deixar escravizar por elas, isso é importante”. As coisas verdadeiramente dignas de serem ambicionadas se encontram num outro mundo.

A pobreza do rico não está em ter muito, mas em contentar-se com tão pouco. Condenável não é o desejo como tal, mas o apego. O que torna mau um desejo é o fato de ele abraçar como absoluto o que é relativo. O mal não está em querer sempre mais. Inácio de Loyola descreve o verdadeiro discípulo do Divino Mestre como alguém que sempre deseja mais, não se contentando com o que já alcançou. Existe, por isso, uma diferença fundamental entre um mosteiro budista e uma comunidade jesuítica. Lá onde o tempo é obrigado a parar, não há espaço para um genuíno discípulo de Inácio de Loyola.

O que determina a natureza de uma comunidade e a distingue das demais formas de organização social é a qualidade dos membros que a constituem. São pessoas livres, tão livres quanto é possível sê-lo. Esta liberdade não é usada como pretexto para se isolar dos demais, mas serve para criar formas cada vez mais ricas e generosas de relacionamento interpessoal. São pessoas felizes e satisfeitas que não sentem a menor inveja ao ver que algum companheiro de jornada corre mais que elas, pois descobriram que a sua comunidade toda avança, cresce e se eleva através do progresso individual de cada um dos seus membros. Possuem uma concepção holística da vida em comunidade, diríamos hoje, porque veem o Todo presente em cada manifestação particular. São otimistas, pois sua fé inclui um voto sistemático de confiança na bondade inata da natureza humana. Acreditam firmemente que um ser humano entregue a si mesmo e cercado de amor acabará infalivelmente sendo melhor do que era.

As energias que atuam no interior da consciência de cada indivíduo são positivas e o impelem a ser sempre mais o que já é. A natureza evolutiva dessas energias transparece claramente do relato de pessoas que passaram por uma “Experiência de Quase Morte”. A condição pecadora da natureza humana quase nunca é mencionada nestes relatos. É verdade que as pessoas, a quem devemos estes depoimentos, não eram pessoa más, membros de alguma Confraria do Crime Organizado. Muitas delas, no entanto, confessam que antes da sua (EQM) quase nunca se preocuparam com valores espirituais. Viviam para o trabalho e para a família. O acidente que quase lhes tirou a vida serviu para despertá-las da sua letargia. Nenhuma delas se converteu por ter visto a morte de perto. Não foi a morte ou a ameaça de morte que as assustou e levou a encarar a vida com outros olhos.

Na presença de maravilhosos “seres de luz” ninguém se sente culpado, mas todos se sentem amados, irrestritamente acolhidos por um Amor totalmente diferente de tudo o que até então tinham experimentado. “Agora sei o que é amor”! São poucos os depoimentos em que esta expressão não aparecesse.

No seio de uma autêntica comunidade humana as leis e regras são poucas e se vão tornando cada vez mais desnecessárias à medida que cresce e aumenta o amor com que todos se amam uns aos outros! “Nisto conhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo15,12). O que distingue uma comunidade das demais formas de organização social é o amor que circula em seu interior.

In: “Do Bom Selvagem ao Homem Noético” – Artigo de Pe. José Marcos Bach,SJ.


UM ACRÉSCIMO DE LUMINOSIDADE

O Deus de Ontem fizera o homem livre, mas não queria que seus fiéis servos fizessem da liberdade um uso por demais generoso. Qual a religião que não oferece a seus fiéis seguidores muito mais espaço para a prática de submissão do que para exercícios de voo livre? Quem quer saborear as delícias de um voo sem barreiras, onde é permitido permanecer voando o tempo que se quiser e na velocidade que se quiser, só pode optar por um ambiente social desafogado. As igrejas que estão ficando vazias, há tempo que deveriam ter sido entregues às moscas e às baratas.

Templos não são lugares apropriados para quem deseja adorar Deus em Espírito e Verdade. O futuro espiritual e religioso da humanidade exige uma mudança do terreno formal das obras e práticas para o terreno interior do sentimento e da experiência subjetiva.

Muitos dentre os sobreviventes de uma EQM admitem que saíram dela com uma visão completamente diferente de Deus. Deus passou a ser a Luz Interior. Duvidar da sua existência e do seu Amor seria mais absurdo do que duvidar da existência do Sol. Um acréscimo de luminosidade em suas vidas é o que muitos deles experimentaram. Não só experimentaram, mas continuam experimentando. Esta luminosidade instalou-se em seu interior e lá permanece. O tempo não consegue apagá-la ou diminuir a intensidade do seu brilho. A visão desta luz interior quem a proporciona não são os olhos do corpo, pois estes não foram feitos para suportar tanta luz. Logo, o responsável por esta visão, deve ser um outro órgão, mais sutil e mais apto a ver o que os olhos do corpo não conseguem captar.

Existe no universo muito mais luminosidade do que o pouco que dela os nossos olhos nos revelam. Grande parte dessa luminosidade é composta do que os físicos definem como “luz escura”. A forma de luminosidade que é definida como sendo escura, não é considerada escura por não ter brilho, mas porque o seu brilho não chega até nós. “Não se coloca um candeeiro debaixo de um alqueire. Não se pode esconder uma cidade construída sobre uma montanha. Vós sois a luz do mundo. Que a vossa luz brilhe diante dos homens” (Mt 5,14-16).


Do manuscrito “O DESPERTAR DO EU DIVINO” de Pe. José Marcos Bach, SJ


OBRA DO ESPÍRITO

Se o médico é propenso a reduzir o despertar de uma crise de natureza espiritual às dimensões de uma situação patológica, o padre corre o risco de interpretar a mesma crise com base em critérios morais e religiosos, transformando em tentação do maligno ou em sinal de perda de fé um fenômeno que nada ou pouco tem a ver com pecado ou perda de fé. Bem mais correto é atribuir a Crise de Emergência Espiritual a um estado de saturação moral e religiosa, indicando que um tipo de vida moral e religiosa esgotou suas potencialidades. Um novo modelo está reclamando para si o lugar do modelo esgotado e superado. O espírito reclama para si mais espaço, mais liberdade de movimentos. Como o modelo anterior já não consegue mais atender ao acréscimo de necessidades espirituais da nova fase evolutiva, o próprio espírito se encarrega de sacudir os fundamentos da velha casa, impondo, por este meio, a mudança para uma casa nova. É o próprio espírito que gera a Crise de Emergência Espiritual.

O psicótico opta, quando posto ante um dilema análogo, pela fuga, indo estabelecer-se num mundo visionário totalmente separado do mundo real com o qual entrou em conflito. Tratamo-lo, por isso, como doente mental e como anormal. Classificamos como normais e saudáveis aqueles que optam pela integração no mundo real, o mundo que a maioria aprova e aproveita e que nos acostumamos a considerar o único modo normal de viver a vida. Há na loucura algo do caráter sagrado próprio da experiência mística. Em ambos os casos ocorre um distanciamento radical em relação a uma realidade que um e outro consideram mais louca e mais alienada do que a própria loucura.

Texto do livro “Crise de Emergência Espiritual” de Pe. José Marcos Bach, SJ


A EMERGÊNCIA ESPIRITUAL

Aumenta de ano para ano o número de pessoas envolvidas num tipo de crise, cuja origem e sentido lhes é totalmente incompreensível. O médico fala em stress, o psicólogo em depressão e assim por diante. Quando os sintomas da crise são mais pronunciados, a pessoa é tratada como neurótica. Em casos extremos, ela acha que está ficando louca. Se vier a cair nas mãos de um psiquiatra do tipo convencional, este a enche de sedativos, estimulantes químicos, quando não a encaminha para uma clínica psiquiátrica. Lá o infeliz é tratado como se fosse louco ou estivesse na iminência de perder o juízo.

A psiquiatria tradicional não distingue entre o que é patológico e o que nada mais é do que sintoma de Crise de Emergência Espiritual. Como alguns dos sinais são parecidos, parte-se da premissa de que o fenômeno é o mesmo. Os sintomas que conduzem à implosão psicótica são em certos aspectos parecidos aos que prenunciam a eclosão de uma Crise de Emergência Espiritual. Note bem: são semelhantes, mas não idênticos. A psicose é um fenômeno patológico, anormal e desagregador da personalidade. Por outra: um psicótico é um doente. Stanislav Grof e Roberto Assagioli, entre outros, consideram a Crise de Emergência Espiritual como normal e positiva. Para eles é um despropósito total tratar, a quem está às voltas com uma Crise de Emergência Espiritual, como se estivesse na iminência de perder o uso da razão.

Os que receberam a incumbência de zelar pela saúde, seja qual for a sua área de competência, física, psíquica ou espiritual, deveriam ter um mínimo de discernimento profissional para saberem o que é da sua alçada, evitando intrometerem-se em áreas que não são da sua competência profissional. Existem limites de competência que é preciso aprender a respeitar. Um médico não deve meter-se a psicoterapeuta. Um padre só fará estragos se vier a exorbitar de sua função que é a de ser guia espiritual. E assim por diante.

In: "EMERGÊNCIA ESPIRITUAL" Livro de Pe. José Marcos Bach, sj

Um comentário:

  1. Uau, é bom estar de volta com meu ex novamente, obrigado Dr. Ekpen pela ajuda, eu só quero que você saiba que está lendo este post, caso você esteja tendo problemas com seu amante e esteja levando ao divórcio e você não quer o divórcio, o Dr. Ekpen é a resposta para o seu problema. Ou você já está divorciado e ainda deseja que ele entre em contato com o Dr. Ekpen, o lançador de feitiços agora (ekpentemple@gmail.com) e ficará feliz por ter feito isso

    ResponderExcluir