sexta-feira, 29 de março de 2013

SER RESSUSCITADO É SER FELIZ


                 
         Ser feliz não é apenas um direito, um alvo a ser mirado, uma consequência que acompanha e segue a boa ação. Uma espécie de recompensa moral. O “status” ético que Tomás de Aquino lhe confere é essencialmente superior. A felicidade é elemento constitutivo de toda a ordem moral! Não vem acrescentar-se à boa ação e à opção moral correta, mas deve precedê-la, determiná-la. Só possui valor moral o que contribui para tornar uma pessoa ainda mais feliz do que já é! Somente uma pessoa feliz tem condições de “amar como convém”. Só uma pessoa feliz consegue esquecer-se de si, e só quem sabe amar sabe o que é ser feliz!

         Uma das mais surpreendentes descobertas biológicas da atualidade é a de que a bem-aventurança é uma forma de energia presente em cada célula. Células felizes se juntam para produzir a sensação de bem-estar que caracteriza todo organismo saudável. O corpo não permanece indiferente ao que se passa na alma. Sem a sua base biofísica a felicidade espiritual será sempre parcial e incompleta. O destino último do corpo humano é a ressurreição e não a destruição. Através deste dogma o cristianismo reforça a crença na união indissolúvel entre corpo e alma, espírito e matéria. O corpo é uma das mais brilhantes realizações de engenharia genética. É difícil imaginar o que poderia levar o Criador a destruir definitivamente manifestação tão eloquente do seu poder e de sua sabedoria!

         “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt 5,4). Pode alguém chorar de felicidade?

         As lágrimas que a infelicidade nos leva a verter, não são as únicas e nem sequer as melhores. As que a felicidade consegue arrancar de nossos olhos são muito melhores. O “dom das lágrimas” é um favor que Deus concede a seus mais íntimos amigos.

         Há uma diferença substancial entre sentir prazer e satisfação e ser feliz. O prazer é um contentamento mais superficial e passageiro que a satisfação. A satisfação difere do simples prazer pelo fato de provir de planos mais profundos da alma. Ela é mais duradoura, profunda e mais abrangente que o prazer que nos proporciona uma boa comida, por exemplo.

         A felicidade é uma espécie de alegria permanente, algo parecido com uma música de fundo que acompanha uma pessoa dia e noite. Assim como é impossível imaginar um barco a vela sem vento, do mesmo modo é impossível imaginar um santo infeliz. A felicidade é o vento impetuoso que infla as velas de uma alma em sua viagem para o infinito!

         A palavra bem-aventurança é usada na Bíblia para expressar a felicidade máxima a que um ser humano pode aspirar. É uma felicidade que só podemos pressentir e saborear à distância. Ela é o objeto da esperança cristã. O espaço que a abriga chamamo-lo de Céu. Este espaço possui uma dimensão subjetiva interior. Possui também uma dimensão social, já que basicamente é o mesmo para todos os membros da família de Deus. Possui, outrossim, uma dimensão cósmica, pois o cosmos todo fará parte do Céu de cada pessoa, no singular.

         Por fim, será a morada preferida de Deus e como tal o nosso Céu fará para sempre parte da bem-aventurança do próprio Deus! Para os que consideram esta visão demasiadamente ousada, bela demais para ser verdadeira, podemos responder sem titubear um instante: ela é linda demais para não ser verdadeira!

            “No Céu nos veremos, caro leitor e leitora! Tchau e até lá”!

Texto do manuscrito “SANTIDADE” de Pe. José Marcos Bach, SJ    

sexta-feira, 22 de março de 2013

UMA PROPOSTA DE MUDANÇA


        
      A passagem da Igreja dos poderosos para a Igreja dos pobres é um processo doloroso que vai levar séculos até deixar de ser o que é hoje: uma bela abstração teológica, sem a menor ressonância política.

         Muitos dos problemas com que nos defrontamos não são causados por uma perda de fé, ou por falta de consciência moral. Muitos dos que “abandonam a fé” o fazem por ter chegado à convicção de que na Igreja católica não há mais espaço para quem deseja “crescer”. Crescimento é sinônimo de mudança. Onde não ocorrem mudanças, não há espaço para crescimento! O que pretendemos com nosso projeto é devolver à Igreja católica um pouco da fecundidade social que ela foi perdendo ao longo dos séculos. A maré da opinião pública vai se voltar de novo a nosso favor, no dia em que os pobres e deserdados da vida vierem a perceber que a Igreja católica voltou a ser um lugar onde é possível “crescer”, onde as diferenças são minimizadas em proveito das semelhanças, que são muito mais numerosas. Se do ponto de vista genético a diferença que nos separa de um chimpanzé é pequena, por que insistimos tanto em manter longe dos altares de nossas igrejas e das cátedras de nossas faculdades teológicas as mulheres, nossas irmãs em tudo, e cuja natureza é exatamente igual a do homem?

         Uma comunidade deixa de ser cristã na medida em que praticar a discriminação. Nela, ou todos são iguais, ou ninguém merece o título de discípulo de Cristo. Não podemos dar abrigo em nossas comunidades a critérios sociais provenientes do mesmo mundo que condenou Jesus à morte na cruz! Os que acham que estamos na iminência de dar um grande passo, ou até mesmo um passo revolucionário e perigosamente radical, são os mesmos que recomendam uma leitura retrospectiva dos Decretos do Concílio Vaticano II. Segundo este critério de interpretação, o que o Concílio Vaticano II decretou só é válido na medida em que não contradiz o que Concílios anteriores, como o Vaticano I e o Concílio de Trento definiram e decretaram. A Igreja não pode trair-se a si mesma, dizem os tradicionalistas. A Igreja de hoje não pode ser o oposto da de ontem, e a de amanhã deve ser a mesma dos sonhos de Pio IX e de Pio X.

         Acho que boa parte de nossos problemas provém da nossa incapacidade de lidar com o tempo. Achamos que o tempo histórico é feito de momentos sucessivos e retilíneos. Desconsideramos o caráter dialético e contraditório do tempo histórico e o caráter escatológico do tempo da salvação. Deixamos tudo como o herdamos dos antepassados, convictos de que o futuro será automaticamente melhor se permanecermos estaticamente parados no tempo. Sei que está se tornando cada vez menor o número dos que não admitem mudança alguma. Não disponho de dados estatísticos que me permitam formular teses, mas é bem provável que a maioria dos que aceitam mudanças não as queiram muito drásticas e radicais. Minha opinião pessoal a respeito das mudanças que estou submetendo ao seu veredito, é que elas são moderadas e até mesmo limitadas, quando comparadas com o montante de desafios históricos a que a Igreja está devendo resposta”.

         Percebendo o mal-estar que suas palavras estavam produzindo na assembleia, calou-se e mandou vir um “capuccino” (café com nata), levantou-se e foi saudar “velhos amigos”!

         Este gesto contribuiu para “derreter o gelo” que eventualmente poderia formar-se no relacionamento do Papa com seu auditório.

         Quando o Papa retomou a palavra, a atmosfera não era mais a mesma. Percebendo que não estavam sendo pressionados e impelidos a sacramentar uma decisão já tomada, e que a palavra decisiva cabia a eles pronunciá-la, puseram-se a rir e a brincar.

         “Não só Deus, mas também nós temos motivos de nos envergonhar da Igreja que representamos e apresentamos ao mundo como Esposa de Cristo. Para sorte nossa, temos do nosso lado o Espírito Santo e muito tempo para imprimir um ritmo mais acelerado ao curso da história. A Igreja não está comprometida com a civilização que está aí e que de civilizada tem pouco. O Reino de Deus, como Cristo o imaginou, é o nosso objetivo maior. E este se constrói a partir de dentro das pessoas e juntamente com elas. A Igreja não pode crescer independentemente do que acontece no interior dos fiéis que a compõem. Fundamental não é o que acontece nas celebrações litúrgicas, mas o que se passa no interior das consciências, na intimidade das almas com seu Criador e Pai”.

         O projeto proposto pelo Papa foi aprovado como era de se prever. Duas semanas de convívio fraterno com colegas vindos dos cinco continentes e mais o contato com o Papa, os tinham convencido de que não podiam voltar para casa de mãos abanando e deixando a “ver navios” os membros mais conscientes de suas comunidades.

(Texto: Manuscrito “O NOVO PAPA” de Pe. José Marcos Bach, SJ)

quinta-feira, 14 de março de 2013


                    
SAUDAÇÃO AO PAPA FRANCISCO

É com muita alegria e satisfação que O saúdo, Papa Francisco! Acredito que sua eleição provocou um contentamento generalizado, não somente entre a maioria dos católicos do mundo, como também repercutiu positivamente em muitos outros segmentos religiosos, como ainda em civis! É a mão generosa de Deus que foi levada em consideração! Realmente as nações mais pobres e sofridas do mundo podem ter sua esperança aumentada! A Igreja certamente abrirá mais seus braços e abarcará com muito amor aqueles e aquelas pessoas menos afortunadas. Tal como Jesus fez, viverá mais em contato e comunhão com aqueles e com aquelas que mais necessitam de presença, conforto e desenvolvimento humano e espiritual.

 Sua manifestação primeira ao público Papa Francisco, foi muito comovente, falando por si mesma! Seu cumprimento ao povo, chamando-o de irmãos e irmãs, incluiu de maneira especial também o gênero feminino. Seu gesto de fé, piedade e humildade impressionou pela simplicidade e autenticidade! Seu pedido de oração pela sua pessoa tem razão de ter sido feito e vamos colocá-lo na LUZ DO PAI DAS LUZES para que se sinta encorajado e protegido para empreender as mudanças na Igreja que já se fazem urgentes e há tanto tempo esperadas e necessárias!

     QUE O BOM PAI O CONSERVE NA SUA PRESENÇA, NA DO SEU FILHO JESUS CRISTO E NA LUZ DO AMOR DO ESPÍRITO SANTO! QUE MARIA, NOSSA MÃE E MÃE DA IGREJA O CUBRA COM SEU MANTO DE BENÇÃOS E GRAÇAS! AMÉM.                   

quarta-feira, 13 de março de 2013

A IGREJA HIERÁRQUICA


        É óbvio que o conceito de Igreja hierárquica não é evangélico. É obra humana e resulta do processo de inculturação que levou a Igreja a se integrar no ambiente cultural do seu tempo. Não foi a Igreja que forjou a civilização ocidental. Ela é basicamente pagã e já existia antes de Cristo. Do cristianismo ela tomou o nome, mas sua moral e seus valores culturais são praticamente os mesmos dos filósofos gregos e dos conquistadores romanos. No papel e no discurso oficial tudo parece ser muito mais cristão do que pagão. Mas um olhar mais aguçado e honesto revelaria o tamanho da impostura que tanto irritou o pensador alemão Friedrich Nietzsche.

            O fato da Igreja católica ser dominada por um punhado de hierarcas, autopromovidos à função de representar Cristo na terra, já não mexe mais com os nervos de ninguém. Nietzsche ainda se irritava ao ver como a cristianíssima Europa se encaminhava a passo firme ao encontro de duas das mais sangrentas guerras da história.

            Hoje, quem é que se irrita seriamente com o fato de ver o destino espiritual de mais de um bilhão de católicos entregue a um único homem, sempre mais disposto a passar o ferrolho em portas e janelas do que em abri-las? Uma Igreja que não incomoda mais a ninguém, que futuro pode ter? Num mundo tão injusto como o nosso, quem não se incomoda não é sério.

            “É na mudança que as coisas repousam”! A afirmação é do pensador grego Heráclito e foi feita muitos séculos antes da nossa era.

            A Igreja católica certamente não é a única instituição que se esqueceu de que tempo é sinônimo de movimento e que continuar vivo significa acompanhar o fluxo do tempo, mas é seguramente uma das que menos se preocupam com a passagem do tempo.

            Cada dia que nasce é uma oportunidade nova. Não se pode viver um dia como o outro e a existência do homem não é feita de dias sucessivos. Onde cada dia é igual aos anteriores é absurdo falar em história, em progresso e em evolução. Esta última resulta, em sua essência, de mudanças ou mutações que não permitem continuar a viver a vida como antes.

            Uma instituição que se julga imune à passagem do tempo, além de monótona, coloca-se a si própria na lista das “espécies em extinção”. Há tempos e tempos. Existem os anos das “vacas gordas” e os das “vacas magras”.

            A Igreja também está sujeita às vicissitudes do tempo histórico. Como toda e qualquer instituição social ela corre o risco de perder o “trem da história”. Tudo o que é humano está sujeito à Lei da Entropia, da desagregação irremediável. E existem no seio da Igreja muitas coisas puramente humanas, demasiadamente humanas, como o medo atávico da liberdade e as virtudes criativas de uma consciência verdadeiramente livre. Existe na Igreja de Roma uma quantidade exagerada de desconfiança sistemática dos “grandes” em relação aos “pequenos”. Percorrendo os parágrafos do Código de Direito Canônico e os corredores do Vaticano, tem-se a impressão de que o Espírito Santo já não é mais o chefe da Igreja, cuja “direção” passou do sopro da liberdade divina para a competência “ministerial” de peritos em “administração eclesiástica”.

            Séculos de um processo sociocultural de “inculturação” fizeram com que a Igreja integrasse em suas estruturas traços e elementos que hoje só podem ser vistos como “lixo” cultural e social. O computador mal teve tempo para dizer a que veio. E, no entanto, não são poucos os que têm medo dele. Por quê? Porque a ele só lhe falta o poder de se autorreproduzir. Por ora sua autonomia é limitada. Mas, mesmo assim, ele inspira desconfiança.

            Uma revolução cultural patrocinada por sistemas cibernéticos como computadores, seria conduzida segundo princípios éticos novos. No eixo desta ética estaria o princípio de que existe uma correlação intrínseca entre responsabilidade e liberdade. Não se pode ser livre sem ser responsável e não se pode ser responsável sem ser livre.

            Perto de dois mil anos de história fizeram da Igreja católica um lugar pouco propício à expansão de ideias verdadeiramente criativas. Mas este é um estado de coisas que pode mudar. O seu passado é prova cabal de que ela é capaz de se tornar muito diferente do que é atualmente.

            Os antigos chineses dividiam as forças que regem a história em duas categorias aparentemente contraditórias: o yang e o yin. As energias yang são agressivas, masculinas, voltadas para atividades de conquista e de posse. As energias yin são, ao contrário, brandas, soft, mais cooperativas, mais femininas e mais aptas à formulação de sínteses.

            O que caracteriza nossa época de um modo verdadeiramente traumático é que atingimos o clímax de uma civilização predominantemente influenciada por energias do tipo yang. O instrumento político era a guerra. Dividir e dominar pela força das armas era o objetivo de todo bom governante. Dividir a sociedade em classes e instaurar nela uma atmosfera de medo permanente: nisto se resumia a “sabedoria” política de todos os monarcas absolutos, ditadores e tiranos, até os dias de hoje. É só pensar no número de guerras que assolaram a humanidade pós-diluviana durante os últimos cinco milênios da sua história. A guerra já não é mais uma opção política alternativa. Passou a ser a pior das opções de que um político pode dispor atualmente. A Europa Unida nasceu da convicção de que o tempo de dividir e dominar já passou. Chegou a hora de unir, de somar e de cooperar. A competição, arma de dois gumes, representa o último grito de uma época. É perfeitamente possível e viável substituí-la por tratados e gestos de cooperação.

            A palavra concorrência vem de concorrer, o que significa correr juntamente com outros. Certamente não é à sã concorrência que o mundo deve suas desgraças. Não é em fila indiana ou em procissão que os soldados atacam num campo de batalha.

Texto do Manuscrito: “PERFIL DE UMA IGREJA NOVA” de Pe. José Marcos Bach, SJ

quinta-feira, 7 de março de 2013


SUPERESTRUTURA CLERICAL

No ano 70 d.C. os judeus perderam o Templo. Com o Templo deixaram de existir duas instituições religiosas fundamentais na aparência: o sacerdócio e o sacrifício.

Até hoje os judeus sobrevivem sem templos, sem sacerdotes e sem sacrifícios. O que prova que não eram essenciais.

Na época o cristianismo estava ensaiando seus primeiros passos. Alguém dentro da Igreja achou que chegara a hora de ocupar o espaço religioso que o judaísmo deixara vazio. Criou-se a figura do sacerdote em substituição à do presbítero. O bispo tomou o lugar do apóstolo. O profetismo foi esquecido.

A Celebração Eucarística tornou-se o Santo Sacrifício da Missa. O altar voltou ao centro do culto litúrgico. A mesa eucarística serve para separar o espaço reservado ao ministro do altar do espaço em que um leigo pode movimentar-se. Uma igreja-templo era dividida em duas partes: o coro e a nave.

O coro para os cônegos, a nave para o povo. Não demorou e apareceu outra novidade: o trono episcopal. Com ele vieram a mitra, o báculo e o anel.

Roupas especiais foram inventadas para marcar a distinção entre clero e povo.

A cultura religiosa tornou-se privilégio do clero. O conhecimento mais profundo das verdades divinas ficou reservado a clérigos. Ao povo dizia-se o que tinha a fazer. A salvação da alma de um fiel era assegurada pelo cumprimento da lei moral.

A oração vocal e o cumprimento das obrigações, entre as quais a frequência aos sacramentos, compunham o cardápio religioso do povo. Voltou à tona a crença no poder mágico de certas práticas rituais.

Entre o fiel e Deus foram sendo introduzidos sempre mais instrumentos de mediação. O mais destacado foi a figura do sacerdote. Com o correr do tempo, o clero tornou-se uma instituição, uma corporação à parte, sem vinculação jurídica com as Comunidades de Base. Rege-se por conta própria e só deve explicações a Deus e a seus superiores hierárquicos.

O princípio hierárquico passou a vigorar não só na relação entre clero e povo, mas dentro do próprio mundo clerical.

Surgiu a categoria do superior em oposição a dos inferiores, ou súditos. Traçou-se uma linha divisória bem clara entre os que têm poder e os que a ele não têm acesso. A interpretação das verdades da fé e a sua aplicação prática tornou-se monopólio do clero.

O magistério eclesiástico, representado exclusivamente por membros do clero, assumiu a função de árbitro supremo da verdade e do bem.

À consciência individual ficou reservada a tarefa de orientar-se de acordo com o ensinamento do Magistério da Igreja.

A experiência pessoal, este campo tão fértil em conhecimentos novos, passou a ser menosprezada e posta sob suspeita de parcialidade. Criou-se uma nova divisão dentro da Igreja: a Igreja oficial e a Igreja particular. A Igreja docente e a discente.

Uma boa árvore é aquela que possui raízes fortes e bem fincadas no solo. Mas isto por si só não basta. Ela será boa se tiver um tronco robusto e sólido. Por último requer-se que possua uma ramagem adequada. O que lhe dá vida e saúde é a seiva que por ela sobe e desce.

Cada parte tem a sua função específica e a desempenha de forma bastante autônoma. Mas nenhuma das partes basta a si mesma. Todas interdependem entre si. Uma árvore, como qualquer planta viva, forma um todo holístico. Tudo o que cada parte faz é direcionado para o bem deste todo. Cada folha, cada célula pensa no Todo e dele tira o sentido último de sua atividade.

O mesmo vale do animal. O bem do corpo todo determina a atividade da cabeça. O fato de abrigar o cérebro não confere à cabeça um status independente ou de ordem superior. Não fossem o pulmão e o coração, o cérebro morreria em poucos minutos. O coração fornece o sangue. O pulmão, o oxigênio.

Um organismo social necessita de sangue e oxigênio como qualquer corpo físico mais evoluído. Um organismo vivo não se constrói como se faz um edifício. Planta-se. Depois de plantado, cresce por si. Traz em si as potencialidades todas de crescimento, juntamente com os padrões que lhe são inerentes. Não precisa copiar modelos, pois já os traz em si.

Apliquemos tudo isso à Igreja de Cristo. Ela é uma planta, um organismo vivo e não um edifício ou construção. É uma entidade viva e como tal sujeita à lei do crescimento. Sujeita ao mesmo tempo à lei da entropia, à lei da degradação. Como todo corpo vivo, está sujeita à lei da morte.

Uma árvore sadia desfaz-se continuamente das folhas mais antigas para que novas possam tomar o seu lugar. Um dos maiores problemas da Igreja católica reside na incapacidade de seus dirigentes de desfazer-se de ramos e folhas que a evolução espiritual da humanidade tornou supérfluos e improdutivos. Rebentos novos não conseguem brotar por falta de espaço. A seiva é desviada para setores que na prática só servem para impedir que o passado ceda lugar ao futuro.

Numa planta são as raízes que elaboram a seiva. O tronco a transmite aos ramos. É na copa que crescem os frutos. É o sol que os faz amadurecer.

Aplicando estes princípios de correlação à Igreja, teríamos o seguinte quadro: no alto, expostas à ação direta do Espírito Santo, encontram-se as Comunidades Eclesiais. É em seu seio que floresce a fé cristã. É lá que ela produz frutos. São os frutos que servem de medida de avaliação da fé cristã.

Que frutos são estes? Certamente não é a quantidade de leis e de verdades definidas a que Jesus se refere, quando diz: “É pelos frutos que se conhece a árvore”.

A razão de ser da Igreja-Instituição são as Comunidades Eclesiais, aqueles pequenos núcleos periféricos, quando não esquecidos por seus pastores, aparentemente incapazes de compreender o alcance da sua vocação.

Os pobres e os humildes estão em condições de compreender a sabedoria do Evangelho de Jesus muito melhor do que os ricos e letrados. É a eles que Jesus falou, aos pequeninos, que as elites sociais costumam tratar com mal disfarçado desdém.

Qual é a verdadeira natureza da cúpula hierárquica da Igreja?

É uma superestrutura que se sobrepôs ao corpo eclesial, absorvendo funções que de direito cabem às comunidades. As comunidades locais foram sendo despojadas de grande parte de sua autonomia e deslocadas para um plano inferior.

Agora já não é mais a Igreja que deve servir às comunidades. São estas que devem servir à Igreja. A reta ordem social-eclesial foi invertida.

Dois terços do espaço nobre de um navio de passageiros são reservados a passageiros de primeira classe. Também na Nau de Pedro existem passageiros de primeira classe. A maioria é obrigada a se acomodar no porão do navio.

O Concílio Vaticano I (1869-70) ainda definiu a Igreja (católica, naturalmente) como sociedade perfeita. O Concílio Vaticano II (1962-1965) não teve a coragem de fazer o mesmo.

Nada existe nos Evangelhos que nos autorize a supor que Cristo deixou à Humanidade uma Igreja pronta e acabada. Nem sequer um projeto ou esboço de projeto. Legou à posteridade um espírito, uma intenção e um propósito, juntamente com os meios essenciais de pô-los em prática.

(Do livreto:  É PRECISO PLANTAR UMA NOVA IGREJA de  Pe. José Marcos Bach, SJ)

domingo, 3 de março de 2013

O NOVO PAPA


UM ASPECTO DO PERFIL DO NOVO PAPA
                                            
(Desejo manifesto em ficção)                        

            Mais do que a falta de clero preocupava ao novo Papa a falta de um diálogo honesto da Igreja com o mundo jovem. Doía-lhe na alma ver como tantas vidas esperançosas iam-se extinguindo prematuramente sem que as vítimas tivessem tido tempo de perceber o que estava acontecendo com elas. Morriam por aí aos milhares, sem terem tido tempo de viver a vida.

            As informações que lhe vinham do Brasil, do “país mais católico do mundo”, eram tão pouco encorajadoras quanto as que vinham da África. Na África se morria de fome, no Brasil se morria de bala perdida, de tiro na nuca, além da multidão de doenças endêmicas, que com um punhado de dólares bem aplicados, poderiam ser eliminadas.

            O novo Papa era um homem que detestava receber aplausos e colher elogios. Dizia o que pensava, mas sabia fazê-lo com tamanha simplicidade, humildade e modéstia, que ninguém saía da sua presença com a impressão desagradável de não ter sido compreendido ou de não ter sido levado a sério. Não tinha amigos e até parecia não ter parentes. Uma hora de convívio com ele bastava para deixar a impressão de que ele não era daqui e que viera de outro mundo.

          Havia nesta impressão uma parcela de verdade, que só muito lentamente começou a ser percebida pela opinião pública: a de que ele não tinha a intenção de ser um simples sucessor de Pedro e continuador de um passado repleto de tranqueiras canônicas.

          A Igreja que tinha o propósito de legar a seus sucessores não era aquela que herdara de seus antecessores. Nunca o disse, mas todas as suas decisões davam a entender que não iria contentar-se com soluções “cosméticas” e “cirurgias plásticas” destinadas apenas a melhorar a imagem da Igreja e o prestígio da figura do Papa. Quando a Cúria Romana, guarda-mor das chaves de Pedro, se deu conta da nova realidade, já era tarde. O novo Papa aproveitara os primeiros meses do seu governo para colher o máximo de informações a respeito do estado geral da Igreja. Percebeu que havia grande necessidade de desobstruir os canais de comunicação que punham o Papa em contato com a Igreja universal, que em muitos casos dificultavam as coisas além dos limites do inevitável. Morosidade burocrática e subterfúgios jurídicos eram para ele vícios com que não pretendia pactuar.

            Com o fito de aligeirar os trâmites burocráticos, começou a despachar fora dos muros do Vaticano. Alugou um prédio e montou nele o seu escritório. Lá se reunia com seus auxiliares mais chegados, recrutados todos eles dentre o que as Ordens Religiosas tinham de mais moderno a oferecer. Sendo ele mesmo um intelectual, o novo Papa, além de detestar números e fórmulas prontas, amava trocar ideias. Fazia suas refeições nas imediações do Escritório, pois tinha o hábito de aproveitá-las para comunicar-se com seus auxiliares. Era lá, ao pé de um copo de vinho e de um saboroso prato de “Spaghetti”, que recebia em audiência visitantes ilustres. Poder almoçar com o Papa era uma honra e uma distinção que só a poucos era concedida.

            Os convidados eram quase sempre cientistas, amigos da natureza. Pouco importava sua nacionalidade, credo religioso ou filiação política. Ideólogos, assim como turistas, gente que ia a Roma para ver o Papa, tinham pouca chance de ver satisfeito o seu desiderato. O Papa abolira na prática o regime de audiências. Achou que era uma injustificável perda de tempo, além de ser um resquício bolorento de uma era que já não fazia mais parte de um mundo em que o telefone estava à mão de quem quisesse comunicar-se.

            A Comissão de Assessoramento e Planejamento Pastoral que o Papa criara com o objetivo bem preciso de livrar-se da lerda e pesada máquina administrativa que herdara de seus antecessores, era composta de religiosos, oriundos de mosteiros e conventos. A maioria dos seus membros eram sacerdotes, mas havia entre eles também irmãos leigos e até mesmo uma que outra freira podia ser vista nas reuniões. Ninguém, envergando faixa vermelha ou ostentando título honorífico, fazia parte do Corpo de Auxiliares diretos do Papa. Os Superiores das Ordens e Congregações que tinham cedido ao Papa a colaboração que ele solicitara, tinham também assumido por sua conta a manutenção financeira da Comissão. Com isto o Papa se viu livre da ingerência do IOR (Instituto das Obras Religiosas), sustentado e controlado pelo “Opus Dei” e congêneres.

            Esta liberdade o novo Papa sabia como aproveitá-la. Em lugar da velha e enferrujada ponte de ligação do Papa com o Povo de Deus, construiu uma nova ponte por onde podia passar a qualquer hora do dia ou da noite sem se ver barrado no caminho por um vigilante Monsenhor da Cúria Romana. 

                                             PERFIL DO “NOVO PAPA”

                                                      (continuação da ficção escrita por José Marcos Bach)

Os sinos todos de todas as igrejas de Roma foram postos a badalar festivamente, anunciando “Urbi et Orbi”: “Habemus Papam”!

                Houve época em que era impossível imaginar Roma como centro do mundo sem a figura do Imperador Romano. Hoje o lugar do Imperador passou a ser ocupado pelo Papa. Sem o Papa, Roma não passa de monumento histórico. Roma é, acima de tudo, um centro doméstico. Vive explorando o seu passado. A figura do Papa também faz parte deste passado. Sua presença representa uma atração turística a mais, além do Coliseu e das Catacumbas. Por estas e outras razões o Senado e o Povo de Roma se alegraram ao escutar o alegre bimbalhar de tantos sinos. Isto é, políticos, funcionários e comerciantes que constituem o grosso da população de Roma, respiraram aliviados, pois a presença de um novo Papa significava para eles bons negócios e empregos garantidos.
Enquanto lá fora o mundo católico fervia de curiosidade e os telefones das agências de notícias não paravam de tocar, os cardeais se prepararam para o cerimonial que por lei deve suceder à eleição de um Papa.

            O eleito deve dizer se aceita o cargo para o qual acaba de ser eleito. Só então a eleição é considerada válida ou nula. O “accepto” do eleito é decisivo. É só a partir do momento do sim que ele deixa de ser cardeal para se tornar o novo Sumo Pontífice da Igreja, sucessor de Pedro e “representante de Cristo na terra”.

            Este sim o novo Papa o pronunciou sem hesitação, mas também sem pressa. O Cardeal Camerlengo, que fizera a pergunta, teve que aguardar perto de dois minutos até obter a resposta. A impressão que todos os presentes tinham era a de que o tão esperado sim poderia não acontecer. Mas ele veio afinal, mais tímido que firme, dando a entender que o novo Papa não iria ser um simples sucessor do seu antecessor.

            Instado pelo Cardeal Camerlengo a declarar o nome com o qual desejava ser apresentado ao Povo católico, não hesitou um momento sequer: Pancrácio! É este o nome que decidi adotar!

            O novo Papa adotou o nome de Pancrácio. Não havia quem não estranhasse este nome. Um nome esquisito, pois nunca houve um Papa com este nome. Paulo, João ou até mesmo Pio, vá lá. Mas Pancrácio, esta não! Até o Cardeal Camerlengo coçou a orelha quando ouviu a resposta à sua pergunta.

            Entre os cardeais presentes o nome com que o novo Papa iria passar à história provocou mais hilaridade do que surpresa. O que a maioria deles queria era voltar quanto antes à boa vida de sua condição de Príncipes da Igreja. Voltar para casa, voltar a dormir na própria cama e voltar a saborear seu prato predileto: não há cardeal da Santa Madre Igreja que não morra de saudades delas quando estas coisas boas da vida lhe venham a faltar.

            Agora só faltava apresentar o novo Papa ao povo reunido na Praça de São Pedro. Custou um pouco encontrar o paramento apropriado ao corpo do novo Papa. O homem era miúdo e de pequena estatura, magro, mas de aspecto saudável. Não havia na sua pessoa que pudesse chamar a atenção de um observador bisbilhoteiro.

           Como o guarda-roupa do Vaticano está preparado e pronto para atender qualquer eventualidade, os mestres de cerimônia responsáveis por este detalhe acabaram encontrando em seu enxoval o paramento adequado e o novo Papa pode apresentar-se “fine finaliter” ao bando de turistas e curiosos reunidos na Praça e desejosos de poder contar em casa: “Eu já vi o novo Papa”. O que ninguém sabia é que o novo Papa detestava este tipo de representação teatral. Mesmo assim, tudo decorreu de acordo com o figurino tradicional. O Papa acenou para a multidão, enviou sua bênção “Urbi et Orbi”, foi aclamado, ovacionado e contemplado com tudo o mais com que o populacho costuma bajular seus piores tiranos.

             Um pormenor que só um jornalista alemão percebeu foi o seguinte: em momento algum o novo Papa sorriu. Não era carrancudo nem solene, mas também não homem do sorriso fácil, como o fora seu antecessor João Paulo I.

                O que dele se sabia era muito pouco. Em vez de saudar a multidão estropiando um pouco de italiano como fizera seu antecessor, falou-lhe em inglês, dando a um intérprete tempo de traduzir para o italiano o que estava dizendo. Mesmo assim, o cair da tarde daquele primeiro dia de seu pontificado, foi para Pancrácio o final de um dia cheio. Não que ele desejasse o poder para perpetuá-lo. Havia muito que nascera em seu íntimo a convicção de que a fonte maior dos problemas da Igreja católica tinha por raiz o regime de governo da Igreja.

             O novo secretário do Papa recebeu, já nos primeiros dias do pontificado do novo Papa, a incumbência de organizar um encontro de seu chefe com a imprensa. Agora, passados apenas uns poucos dias de governo, já se sabia que o novo Papa era homem comunicativo, que gostava de dizer o que pensava e o que queria. Não era dado a rodeios e circunlóquios. Bem depressa os prelados e monsenhores da Cúria ficaram sabendo que com o novo Papa pouco espaço lhes sobraria para o exercício do poder paralelo a que os membros do estamento burocrático se tinham habituado.

              O encontro com os jornalistas deu-se numa tarde: reuniu 250 (duzentos e cinquenta) homens e mulheres da imprensa falada e escrita e durou três horas. Foi um sucesso, pois do encontro não houve quem não saísse satisfeito. O Papa não perdera tempo em floreios ou em críticas envolvendo a atuação de algum dos seus antecessores. Em momento algum perdeu a tranquila serenidade que já tinha contribuído para a sua eleição.

             O número de perguntas encaminhadas à comissão preparatória da Conferência fora reduzido a doze. Cada pergunta tinha que ser formulada de viva voz por seu autor. O Papa fizera questão de não ser informado com antecedência do teor do questionário a que iria ser submetido. Deixara bem claro que era avesso a tudo o que se pudesse classificar como censura prévia.

            A primeira pergunta foi formulada por um jornalista italiano.
1. Vossa Santidade assumiu o pontificado com o nome de Pancrácio. Por que escolheu este nome, um nome totalmente estranho, já que até hoje não houve Papa com este nome?

Papa: “O nome Pancrácio vem do grego ‘pan’, que significa todo e de ‘cratein’ que significa dirigir, governar. Assim como a palavra aristocracia é empregada para definir um sistema oligárquico de governo, o governo dos ‘aristoi’, isto é, dos supostamente melhores de uma sociedade, do mesmo modo a palavra democracia se refere a um sistema de governo em que o povo (= demos) participa do exercício do poder político através de representantes por ele escolhidos.

          A Igreja católica não é uma democracia. Basta compulsar o Código de Direito Canônico para tomar conhecimento desta realidade.

               Em seus primórdios a Igreja nascente se encontrava muito mais próxima do povo do que hoje. A maior parte dos cristãos da época dos Apóstolos era constituída de escravos ou de libertos. Na Igreja primitiva havia muito mais espaço para a mulher do que nas Igrejas cristãs de hoje. A discriminação da mulher não corresponde, que eu saiba, a nenhuma exigência explícita de Cristo.

            A palavra Povo não tem mais o mesmo sentido que no tempo de Cristo. Quando o Concílio Vaticano II se refere à Igreja como Povo de Deus, não está dando a entender que a Igreja é um rebanho de analfabetos e de miseráveis.

            Hoje o conceito de Povo mudou de sentido, pois abrange classes sociais que até pouco tempo atrás se viam a si mesmas mais como membros de uma elite social do que como cidadãos comuns. O respeito pela pessoa humana não nos permite tratar como ‘ovelhas’ os que comungam conosco da mesma fé em Cristo. A palavra cidadania veio tomar o lugar do termo súdito. Ser cidadão e ser súdito não é a mesma coisa. Eu, como Papa, me sentiria muito mais à vontade numa Igreja composta de concidadãos do que numa Igreja dividida entre pastores e ovelhas, entre senhores e súditos.

            Aceitei ser Papa sob a condição de ser o Papa de todos, o Papa-Irmão de todos! Não quero exercer o poder que o cargo me confere como direito e como privilégio, mas como fardo e como responsabilidade. Não quero governar. Quero repartir, o que tenho para dar, com todos que também se dispõem a dar o melhor de si”.

(Do manuscrito “O NOVO PAPA” de José Marcos Bach)