quarta-feira, 30 de setembro de 2015


REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA FAMILIAR


A dificuldade maior com que qualquer tentativa de reestruturar as bases socioculturais do nosso sistema familiar tem que contar é com a resistência que irá despertar no inconsciente coletivo das pessoas, incluídos na lista os próprios jovens.

Já são tantas as gerações convictas de que a tradicional distribuição de papéis entre homens e mulheres possui valor definitivo e irreformável, que é praticamente impossível alcançar mudança de atitudes no curto espaço de alguns séculos. Mas é também verdade que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Com muita paciência histórica será possível preparar o advento de uma nova geração de jovens capazes e dispostos a pôr em prática o que de momento não passa de sonho utópico. Faz parte da Esperança Cristã a crença de que a verdadeira história da humanidade nem sequer começou.

Nossas melhores famílias obedecem a critérios culturais e éticos que só com muita boa vontade podem ser definidos como civilizados ou cristãos! Já se passaram 2.000 anos desde o dia em que Jesus dispensou a mulher da submissão ao homem. No programa sociocultural de Jesus não há lugar para posturas discriminatórias. Mas entre o que Jesus pregou e o que seus homens fizeram em seu nome existe um fosso. E este fosso passou a fazer parte do inconsciente coletivo do povo cristão. Enquanto os homens exploram a sua pretensa superioridade, as mulheres procuram tirar proveito da sua pretensa fraqueza.

A criança aprende a amar recebendo amor. Aos poucos percebe que “há mais prazer em dar do que em receber”. A maturidade afetiva atingem-na os que sabem dar e receber com a mesma liberdade interior.

A respiração se torna perfeita quando já não é mais preciso pensar nela e preocupar-se com ela. O amor dispensa qualquer esforço. O amor se derrama em nossa alma com a mesma espontaneidade com que o ar flui através do nosso sistema respiratório. No começo e em seu estágio infantil o amor consiste em dar e receber. Mas em seus estágios mais evoluídos o amor deixa a fase do intercâmbio e passa para a da comunhão, onde dar e receber são a mesma coisa e possuem a mesma importância.

Quando adulto o amor deixa de ser troca e se transforma em partilha e comunhão de bens.

Ama como Jesus amou (e continua amando) aquele que descobriu (e colocou em prática esta sua descoberta) que o amor é, acima de tudo, compartilha. Lição que Ovídeo não conseguiu transmitir a seus fãs foi a de que a arte de amar é em sua essência privilégio de quem sabe compartilhar e repartir!

Quando se diz que todo diálogo amoroso é de natureza dialética, queremos dar a entender com tal afirmação que uma relação amorosa não é feita tão somente de consensos, mas também de dissensos e discordâncias. Na linguagem do amor o não é tão importante quanto o sim.

O psicólogo Erich Fromm é de parecer que “a primeira palavra do amor é não”. Mas a última palavra do amor jamais poderá ser um não. Só pode ser um sim. Um Sim maiúsculo, semelhante ao “Ita Pater”, com o qual Jesus se despediu da cruz no momento final da sua vida terrena.

Entre o primeiro não do nosso tempo de criança e o Sim triunfal com que gostaríamos de encerrar nossa existência terrena e a infinita variedade de nãos e de sins com que somos forçados a nos defrontar a cada dia existe um Sim que é também um Não que nos tratados de espiritualidade cristã leva o nome de “Opção Fundamental”. É dela que todas as opções menores tiram sua validade.

Padre Marcos Bach

 

 

 

 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015


A FAMILIA É A CÉLULA DA SOCIEDADE


Cristão de verdade é o casamento registrado a pedido dos noivos no cartório celestial. Foram os noivos que escolheram a Cristo para ser o avalista de suas promessas e de suas juras de amor! Se não fizeram isso, seu casamento nada mais é do que um simples contrato social, tão repleto de falsas promessas e de expectativas temerárias quanto o de um pagão.

O jovem de hoje julga-se mais realista do que seus antepassados por ter reduzido a um mínimo o volume de expectativas ligadas à vida familiar. Se der certo, será ótimo! Não vou embalar-me em sonhos e expectativas ilusórias!

O amor romântico dos tempos de Romeu e Julieta cedeu lugar ao amor assanhado. Ser fã de um ídolo e desmaiar de amor só ao vê-lo de passagem: isso é o que sobrou!

Amor e sexo fazem parte do estoque de artigos de consumo. Quanto mais barato o artigo e descartável a sua embalagem, tanto melhor. Pode haver algo de mais banal do que registro de casamento?

Antigamente era fácil registrar um casamento. O difícil era apagá-lo. Hoje um juiz passa mais tempo atendendo pedidos de divórcio do que pedidos de casamento.

A falsa crença de que o casamento e com ele o amor terminam com a morte, certamente tem contribuído para fragilizar o pacto matrimonial e abalar assim a solidez da comunidade familiar. Se o amor é eterno por essência, então são igualmente eternos e indestrutíveis os laços por ele gerados.

Um cristão tem toda a razão quando aposta no amor com a certeza de que não há negócio mais seguro e lucrativo do que investir no amor.

Como pode a família ser a “célula da sociedade” se sua vida útil termina muito antes da morte dos seus membros? O que resta da família concreta depois que os filhos saíram de casa e os pais ficaram sozinhos? Em muitos casos nem sequer a saudade permanece viva.

Uma das mais belas e consoladoras facetas da Esperança Cristã é o conceito de imortalidade. O amor é eterno, e tudo o que é ligado na terra com o laço do amor será também ligado no céu. Tudo o que for atado com o laço de um genuíno e sincero amor passa a fazer parte de um grande tesouro, propriedade e depósito bancário comum da humanidade inteira. Todas as obras, boas ou más, nos seguem, com exceção do que tivermos feito com amor. O amor nos precede e suas obras não constituem matéria de julgamento. Aqueles que, como Francisco de Assis e Teresinha de Lisieux, transformaram a sua vida num grandioso Hino de Amor, não serão julgados. O amor coloca aqueles que se amam acima e fora do alcance de julgamentos humanos e até o próprio Deus os isenta do juízo divino. O amor é a única moeda com que podemos pagar as nossas dívidas.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 16 de setembro de 2015


A FAMÍLIA NECESSITA DE LIBERTAÇÃO


É preciso tirar a família da atmosfera pragmático-utilitária que a está sufocando. A família não se destina a produzir resultados contábeis. Não persegue fins, mas se destina a revelar significados. Possui caráter simbólico, pois é sinal, sinal sacramental de uma realidade maior, mais ampla. Este mundo maior do qual é sinal visível, não é nem a nação, nem a Igreja. Temos que situá-la num plano muito mais abrangente, mais próximo do universo dos valores absolutos.

“O Universo está-se expandindo”. É o que nos dizem os astrofísicos. Ora, se é assim, então seus componentes também se encontram em expansão. Logo, também a família tende a se expandir, exigindo mais espaço na medida em que o tempo passa. Manter uma família é hoje um verdadeiro sufoco.

A de pensar em como libertar a vida familiar das muitas teias e peias que a prendem, é necessário analisar em profundidade as causas deste sufoco.

Um primeiro empecilho a ser enfrentado é a falta de vontade política e a coragem de chamar os “bois” pelo nome. Nenhuma instituição social seja ela política, cultural ou religiosa, se dispõe a admitir sua parcela de culpa na situação. Seus porta-vozes não admitem que a situação da família seja tão desastrosa quanto dão a entender as estatísticas. Basta verificar os números para chegar à conclusão de que é preciso pensar em fazer mudanças, mudanças profundas, capazes de abalar a estrutura e até a própria base cultural do atual conceito de família. À crença ingênua de que estas mudanças vão ocorrer à revelia do homem e de sua disposição de operá-las, é preciso opor, não apenas outra crença, mas uma atitude de , como a que Jesus exigia de seus discípulos. O homem crente transfere à competência de terceiros o que na verdade é de sua responsabilidade pessoal. Também no terreno político-moral existe o fenômeno da terceirização.

No campo religioso católico o fenômeno se manifesta na tendência a convocar leigos e até mulheres para exercerem funções antes reservadas a sacerdotes.

Atribuindo à autoridade dos pais sobre os filhos uma origem divina, esta passa a ser exercida em nome de Deus e sob a jurisdição da Igreja, representada no caso por sua classe dirigente. A autoridade dos pais é de inspiração divina, não resta dúvida, mas seu exercício não pode ser terceirizado, isto é, não passa pela jurisdição e intermediação da Igreja ou de outra entidade religiosa qualquer.

Não são os padres que têm o encargo de dizer aos casados como desempenhar a sua vocação de pais e mães. Pelo contrário, são eles, os pais, que têm o encargo de “encarnar”, não só a autoridade, mas, antes de tudo, o Amor de Deus. O casamento é muito mais do que um simples contrato social. A simples definição do quadro jurídico-moral através da distribuição de direitos e deveres passa ao largo do essencial.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 9 de setembro de 2015


AS LIÇÕES DO AMOR


A loucura com que Cristo ama esta humanidade enlouquecida ainda não mereceu a honra de uma Encíclica papal.
     
Quem quer ser médico não pensa em inscrever-se logo de vereda numa Faculdade de Medicina. Passa a frequentar, antes de mais nada, o primeiro ano de um Curso Primário. Onde poderá encontrar esta “schola affectus” aquele que um dia pretende diplomar-se como adulto numa “schola affectus” de grau superior?

Onde vai aprender as primeiras lições de amor? Não é na família que o menino aprende a ser pai e a menina a ser mãe? As mais preciosas lições da vida ou se aprendem na primeira infância e no seio de uma família que mereça este nome, ou não se aprendem nunca mais. É no seio da vida familiar que homens e mulheres aprendem a se respeitar mutuamente e a se amar como irmãos.      

O único pecado que cultura alguma deixa de condenar como imoral é o incesto. É no contato com a filha que um pai aprende como respeitar uma mulher. Quem não aprendeu na família que o desejo pode ser o pior inimigo do amor, poucas chances terá de aprender a lição em outra escola! É, portanto, pela revitalização da família que devemos começar.

É pela reforma do Ensino Primário que é preciso começar se quisermos um dia poder contar com Universidades de elevado padrão cultural e pedagógico. Não há Universidade capaz de substituir a família e de suprir suas deficiências de um sistema educacional basicamente falido.

Boa parte do conflito de gerações provém do fato de que cada geração nova vê o amor com outros olhos que a anterior. Está ficando cada vez mais claro que o futuro da humanidade é uma questão de amor! E se é uma questão de amor, é também uma questão de gosto. O santo que merecia ser canonizado é aquele que declarasse alto e bom som: “Amo porque gosto de amar! É o único prazer capaz de me seduzir a ponto de dar a própria vida por aqueles que amo”!

Se Jesus tivesse tido a oportunidade de pronunciar um discurso de despedida momentos antes de sua morte, talvez teria dito: “Morro feliz, porque morro amando”! Feliz o discípulo de Cristo que pode dizer o mesmo na hora de morrer!      

Jesus amou indo até o extremo limite da capacidade humano-divina de amar! “Amou os seus até o fim” (Jo 13,1).      

Somos capazes de conduzir uma guerra até o seu mais trágico fim, como aconteceu na II Guerra Mundial. Mas somos incapazes de conceder à lógica do amor e da solidariedade fraterna o mesmo direito.      

Por ora só Deus se dispôs a amar a humanidade como todos poderíamos amar-nos se assim o quiséssemos! O que muita gente critica no jovem de hoje é sua alergia a compromissos. Tudo o que nós, adultos, definimos como compromisso não passou pelo crivo da consciência do mundo juvenil. Os jovens não são propensos a continuar prisioneiros do passado e a assumir compromissos que os obrigam a viver a vida de costas para o futuro!     

Houve época em que era praticamente impossível imaginar sequer um futuro diferente do passado. Hoje temos conhecimento suficiente para desdobrar o futuro em uma variedade bem grande de mundos alternativos. Assim como a natureza nos oferece uma impressionante variedade de paisagens, umas tão diferentes das outras que nem parecem fazer parte do mesmo planeta, do mesmo modo a mente humana tem condições de criar uma paisagem cultural igualmente variada. O perigo metafísico que ronda as religiões monoteístas reside na sua incapacidade de integrar o princípio da variação em sua imagem de Deus. Um Deus que não muda nunca e que só possui um único rosto, não combina com um universo tão diversificado como o nosso. É bem curta a distância que separa um monoteísmo mal entendido de outras manifestações monistas como a monotonia, o monolitismo e a monarquia.

“Dia virá em que, depois de dominar os ventos, as marés e a gravidade, buscaremos em Deus as energias do amor, e nesse dia, pela segunda vez na história do mundo, o homem terá descoberto o fogo” (Teilhard de Chardin).

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 2 de setembro de 2015


PREPARAR O FUTURO DA VIDA FAMILIAR

O futuro da vida familiar vai depender em grande parte da capacidade de homens e mulheres de fazer do casamento um autêntico pacto de amor.

A palavra pacto indica que se trata de um compromisso destinado a selar um projeto de vida em comum.

A palavra amor implica em compromisso irreversível. Também o amor exige sacrifícios. Ninguém, no entanto, se dispõe a fazê-los se não tiver a certeza de que vale a pena.

O tempo é o pior inimigo do amor. Só um amor eterno é capaz de sobreviver às vicissitudes da vida. Fidelidade conjugal e indissolubilidade do matrimônio ou brotam do próprio amor, ou não têm como sustentar-se. Impô-las em nome da lei moral não é suficiente para proteger um casal contra a tentação do adultério e do divórcio.

Só um grande amor é capaz de proteger um casal contra a tentação do adultério e do divórcio. Só um grande amor é capaz de proteger um casamento dos perigos que ameaçam a sua estabilidade.

Rezar e frequentar os sacramentos pode ser muito bom, desde que não se destinem a suprir a falta de amor. A oração não tem o poder de substituir a falta de diálogo entre marido e esposa.

Um amor que não vai além da morte está exposto ao risco de morrer a qualquer momento. Só merece a qualificação de religioso o casamento que inclui Deus e a Eternidade em sua perspectiva. A morte só tem o poder de pôr fim ao casamento, mas não a um pacto de amor. Romeu e Julieta morreram, mas o amor deles continua vivo. Não somente na memória do povo, mas também nos registros de Deus.

Casamentos que morrem como moscas em fim de outono, nunca foram mais do que “pau de amarrar égua”, diria o nordestino. Este é o casamento que resulta da conjugação de interesses. Onde o pai dá a sua filha em casamento ao filho de um fulano com a intenção de melhorar o seu próprio cacife social-político, continua vivo.

As Igrejas abençoam estes arranjos com as suas melhores bênçãos. Declaram como sendo religiosos casamentos que não merecem a menor confiança. Desacreditam deste modo a si próprios e ao matrimônio como instituição social séria.  

Engana-se rotundamente quem acha que para assegurar a um casamento a desejada estabilidade basta envolvê-lo numa rede protetora de normas e prescrições. Nem o mais severo e nem o mais belo sistema moral têm condições de assegurar a um casamento nem mesmo aquele mínimo de durabilidade, sem a qual nenhuma espécie de ordem social é possível.

A saúde de uma sociedade está íntima e profundamente ligada à saúde sexual de seus membros. E esta é, por sua vez, determinada pelo nível em que homens e mulheres se relacionam sexualmente.

Celibatários pouco têm a dizer quando o assunto se relaciona com a maneira mais saudável de fazer uso do potencial sexual. O número de celibatários não é indicador de saúde sexual. Assim como o número de divorciados não é indicador de progresso e de maturidade sexual.

O problema crucial não está em saber (ou não) onde ir, mas em saber como chegar até lá.

Padre Marcos Bach