quinta-feira, 29 de maio de 2014

A FÉ EM JESUS CRISTO         

Foi e continua sendo um erro pedagógico-didático dos mais desastrosos reduzir a fé em Cristo a um gesto de submissão da inteligência a um conjunto de verdades reveladas. Crer em Jesus Cristo é muito mais do que aceitar como verdadeiro o que Ele ensinou! É muito mais do que só isto! Ela, a fé em Cristo, nos compromete com a Vida, com todas as formas e manifestações de Vida. Queres encontrar a Cristo, levanta a primeira pedra que encontras pelo caminho, pois debaixo dela encontrarás “Vida” em abundância! O “objeto” da fé cristã é o “modo como Jesus viveu sua Vida”! Identificar-se com Ele é o mesmo que viver a própria Vida como Ele viveu a dele.

A fé cristã é em sua essência um compromisso existencial da alma com Cristo. A vida temporal de Cristo foi tão simples que até um analfabeto pode imitá-la! “Amai-vos uns aos outros”, dizia o apóstolo São João. ”Mestre”, diziam seus ouvintes, “já estamos cansados de ouvir isto sempre de novo”! Ao que João respondia: “É preceito do Senhor, e se for posto em prática, basta para nos justificar”.

O que é verdadeiramente certo, estatisticamente previsível em nossas vidas? A morte é talvez a única certeza estatisticamente comprovada. Mas quando, onde e como ela vai acontecer, isso ninguém sabe!

A fé que Cristo veio pregar nos fornece poucas certezas, mas nos fornece um sem número de pistas, capazes de nos conduzir até a Verdade! Mas esta permanecerá sempre distante e inacessível. A verdade é como a vida, quem quer “possuí-la acabará por perdê-la”, como ensina Jesus (Lc 17,33).

No universo não há entidade que não tenha consciência do espaço-tempo que lhe é destinado. “Vivemos num universo consciente”, diria Deepak Chopra, citando um antigo ensinamento dos Vedas. É verdade: o universo pode ser visto como um “oceano de certezas”. Nele tudo é previsível. Tudo, menos o comportamento de um átomo ou de um elétron quando está sendo observado por um cientista. O mundo quântico ou subatômico é imprevisível, pois sua reação depende do observador humano!

Neste universo tão “certinho” em tudo, o homem é o único ser que destoa, pois tem que aprender como se relacionar com o seu meio ambiente.

É uma ilusão perigosa imaginar que Jesus, o Caminho, a Verdade e a Vida, veio para forrar o caminho da vida de seus discípulos com toda a sorte de certezas. Assim como acontece com quem se joga nas águas de um oceano, também a vida de um discípulo de Jesus não oferece apoio seguro a quem o pretende atravessar! Se quiser manter-se vivo terá que permanecer “nadando”. Se for bom nadador, irá aproveitar a correnteza, caso existir alguma. Para o bem de quem deposita sua fé em Deus, existe no universo esta “correnteza”. Os teólogos lhe dão o nome de Providência Divina. Os Vedas a definem como Consciência Universal.

No universo tudo existe em conexão com tudo o mais. Cada mônada tem consciência da sua ligação com todas as demais. Lá a colegialidade é a regra, pois tudo tende a se unir para formar unidades cada vez maiores e mais complexas.

A incerteza da fé não é um fim em si, mas apenas um meio de se colocar em contato com a Verdade Total. É indo de uma incerteza para outra mais próxima da verdade que se progride no caminho da fé em Cristo. Quem não quer ver-se defrontado com a incerteza nem ser atormentado pela dúvida, não deve aventurar-se a navegar por este oceano sem limites nem fronteiras que é a Vida de Fé em Cristo!

Padre Marcos Bach

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A MUDANÇA NA CONCEPÇÃO DE SAÚDE E DOENÇA

A medicina emigrou ao longo de sua história, passando do método meramente analítico para um modo mais sintético de conceber saúde e doença.
           
A medicina psicossomática não vê mais o paciente como vítima de fatores biogenéticos e ambientais sobre os quais não tem poder. Hoje não há médico bom e em dia com os conhecimentos mais avançados da sua profissão que não trate o seu cliente como responsável pela doença que o levou a procurar ajuda médica. Deixamos de encarar a doença como fatalidade e a saúde como pura dádiva da natureza. Registramos a saúde na lista das responsabilidades fundamentais de todo ser humano. Somos responsáveis pelo bom funcionamento dos órgãos do nosso corpo.
           
Há muito que a medicina do Antigo Oriente já se tinha dado conta de que existe uma relação íntima entre e saúde física e saúde mental. A medicina ayurvédica se baseia na crença de que a doença física é obra de uma mente adoentada. É do poeta romano Juvenal a frase: “Rezemos para ter uma mente sã num corpo são”.
           
Em vez de gastar tempo e dinheiro cuidando do corpo sem se preocupar com o que se passa no interior da mente, melhor seria cuidar um pouco mais da sua saúde mental, isto é, psíquica, moral, política e espiritual. O que acontece em torno de você nada mais é do que o reflexo no campo social externo do que foi gestado no foro íntimo de mentes humanas individuais. É da conjunção de muitas correntes menores que se origina um tufão. Uma epidemia social como o terrorismo e a guerra, como o capitalismo predador e o socialismo castrador, só aparece como fenômeno visível depois que se tornou praticamente incurável por ser inextirpável. Um exemplo é o fenômeno do crime organizado, intimamente ligado a outros fatores tão nocivos quanto o próprio mundo do crime organizado.
           
O crime organizado rivaliza com o poder público na luta pelo poder. Mas fica sem resposta outra pergunta: como combater as pretensões dos senhores do “Comando Vermelho” se dentro do setor público existe a corrupção organizada? Enquanto houver usuários, haverá traficantes. Enquanto houver viciados, haverá vícios. É uma forma das mais veladas de ofendê-lo jogar comida no prato de um pobre pai de família como se joga pasto na cocheira de um boi.
           
Problemas sociais sempre os tivemos, mas até hoje ainda não descobrimos um modo digno de enfrentá-los. Tratamos o pobre como se ele fosse o único culpado por sua situação. Temos o hábito malsão de transformar em benefício tudo o que transferimos da nossa conta para a do pobre. O Brasil está cheio de benfeitores dos pobres. Neste país é fácil ser benfeitor: basta doar a uma instituição de caridade o que depois pode ser descontado do imposto de renda. É isso aí: até no ato de praticar a caridade procedemos como bons capitalistas!

Padre Marcos Bach

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O CAMPO DE AFINIDADE QUE SÓ O AMOR É CAPAZ DE CRIAR          

O amor tem a propriedade de criar entre os que se amam um campo de afinidade que só o amor é capaz de criar! É no terreno do pensamento que esta afinidade se manifesta de preferência. Empregamos o termo telepatia para definir esta capacidade de ler o pensamento do outro.
           
“Igual atrai igual”, reza um princípio fundamental da física. Se admitirmos que o pensamento produz um campo morfogenético (como o chama o biólogo inglês Sheldracke) o qual se desprende da mente de quem o produziu e adquire vida própria, podemos aceitar como válida a tese de que pensamentos iguais se atraem sem precisarem de intermediação pelo simples fato de serem iguais.
           
A faculdade da visão é fundamental. O lince deve a sua sobrevivência biológica à sua excepcional capacidade de visão. “Olhos de lince” é a expressão que um europeu usa para definir boa capacidade de visão! A coruja ainda existe porque aprendeu a enxergar no escuro.
           
A visão nos coloca em contato com a realidade do mundo exterior. Este contato não é, no entanto, tão objetivo como costumamos supor. Não vemos o mundo como ele é. Não vemos a realidade última. O átomo não é a unidade básica, o tijolo com que o Criador edificou o universo material.
           
O universo que os cientistas nos estão manifestando possui caráter essencialmente metafórico. Quando achamos que tínhamos descoberto a verdadeira natureza do átomo ao defini-lo como tijolo, fomos surpreendidos por um riso moleque: era o átomo que se divertia às nossas custas!
           
Nada contribuiu tanto para abalar o orgulho típico do cientista da época de Augusto Comte e do seu Positivismo do que a constatação feita por Einstein de que o “universo é um mistério”. E que no campo do conhecimento não é à ciência que cabe pronunciar a última palavra.
           
O que mais encanta numa pessoa que amamos não é o que ela é, mas o que ela ainda não é. Amamos o amigo porque sabemos que ele pode vir a ser o que não é. Amamo-lo porque sabemos que ele também quer o que queremos. Nosso amor nos faz ver nele como já presente o que qualquer outro observador seria incapaz de perceber.
           
Um observador inexperiente não vê a parreirinha recém plantada com os mesmos olhos com que a contempla o vinhateiro experimentado. O vinhateiro fecha os olhos e se adianta ao tempo. E o que então vê é uma bela parreira carregada de saborosos cachos maduros! É assim que dois amigos se olham. E é assim que Deus contempla a humanidade e a obra toda de sua criação! É por isso que a crença num inferno eterno começa a despertar mais repulsa do que aceitação. Quem aprendeu a amar como Deus ama, não sabe o que fazer com a crença num estado definitivo de triunfo do mal sobre o bem.
           
Enquanto existir no universo um lugar impenetrável à ação do Amor misericordioso de Deus, não nos é permitido colocar na boca de Deus a palavra do Gênesis: “E Deus viu que tudo o que tinha feito era bom” (Gn 1,31).

Padre Marcos Bach

quinta-feira, 8 de maio de 2014

EM QUE CONSISTE O AMOR À VIDA       

Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético. Creio que a maioria dos defensores da dignidade da pessoa humana esqueceu um pouco demais estes aspectos mencionados acima. A pessoa humana tem o direito de viver a vida de tal modo que se possa sentir a qualquer momento satisfeita com a parte de vida que lhe toca.

Quem vive a sua condição humana em estado permanente de insatisfação e frustração, continua vivo, mas não vive de acordo com a dignidade inerente à sua vocação humana. A pessoa humana é um ser a quem foi dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se gerar a si próprio. É, portanto, um ser que não se pertence. Se quiser um dia pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules.

-Terá que operar mais e maiores milagres do que Cristo realizou.

-Terá que libertar-se.

-Terá que passar da liberdade-dependência para a liberdade-autonomia.

-Terá que sair do casulo protetor, como o faz a borboleta.

-Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero materno. Do mundo seguro das certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou pelo bafejo benevolente das autoridades.

-Terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo que a sociedade oferece.

-Terá que romper com o princípio da autoridade.

-Terá que enfrentar a “Traição”, como diria Nietzsche.

-Terá que aprender que não existe fidelidade nem Fé sem uma dose maciça de “Traição”. 

O mais dramático paradoxo da vida está em que devemos matar em nós aquilo que queremos que viva. Devemos matar a “criança” em nós para que a “Criança” possa viver e crescer. O grão deve morrer para que a espiga possa nascer. Sem rebeldia não poderá haver libertação. Todo o acréscimo de liberdade é o fruto de uma ruptura. O gérmen rompe a casca protetora da semente. Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.

Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis de paz. Mas a vida que se oculta por detrás desta aparência, nada tem de pacífico. A vida não descansa nunca. Não tem nem sábado, nem domingo. Se a vida não descansa, por que o homem tem que ter um dia cada semana para descansar? É porque o homem é mais que vida, é espírito. O homem pode atrelar-se ao trabalho de modo tão servil que acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com sua parte melhor, aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.
           
Quando postulamos, como Nietzsche, a primazia da vida sobre a verdade, estamos pensando a vida em termos humanos e não meramente biológicos. Pensamos na sua dimensão psicológica, no seu aspecto ético, e também em tudo aquilo que torna a vida bela e encantadora. 

Não temos a intenção de regredir aos tempos de Virgílio. O encanto bucólico de uma vida no campo está fora do alcance da esmagadora maioria dos que moram nas metrópoles modernas. Isto, porém, não muda em nada a necessidade que todo o homem tem de viver uma vida bela. O aspecto estético é para o homem tão essencial quanto o ético, o psicológico e o social. 

Para sentir-se bem e para elevar-se, o espírito humano precisa de beleza. Onde falta beleza não pode haver lugar para o homem. O acesso à beleza só se dá pelo caminho da liberdade. Onde não há liberdade não pode haver arte, leveza e encanto. É inútil ornamentar e embelezar uma prisão.

Padre Marcos Bach