quarta-feira, 25 de março de 2015

A CONSCIÊNCIA PROPÕE

A consciência moral não cria a obrigação em sentido jurídico, já que ela não impõe, mas propõe, antes de mais nada. Ela liga a intenção à ação não por meio da obrigação e do sentido do dever, mas por intermédio do prazer. Tudo o que ela dita e propõe à decisão da vontade vem associado ao prazer. Um prazer específico, distinto do prazer físico, e muito próximo do prazer extático. O ato de consciência é, acima de tudo, um ato de contemplação, cujo reflexo no campo noológico é a empatia e a compreensão. Por isso é indicado aproximar a atividade da consciência do ato eminentemente religioso de contemplação.

É através da experiência de prazer que a consciência traduz a intenção em decisão e esta em ação moral.

Obrigação e dever são categorias jurídicas e servem mais para distorcer a realidade moral do que para torná-la compreensível.

O mundo das realidades morais apresenta em relação às categorias religiosas uma analogia intrínseca, ao passo que sua semelhança com o mundo jurídico não é mais que extrínseca. Querer explicar o fenômeno moral a partir de conceitos jurídicos, como leis e normas, é torná-lo completamente incompreensível.

Deve ser explicado a partir da religião, isto é, da relação que coloca frente a frente o Homem e Deus.

O cristianismo só conseguiu enveredar pelos descaminhos do legalismo à custa do que há mais original e sagrado na mensagem evangélica. Ainda hoje existe o clérigo que ante um problema abra, antes de mais nada, o Codex Juris Canonici. Não encontrando lá a resposta, abre um Compêndio de Teologia Moral. Só depois lhe ocorre a ideia (e lhe vem a coragem) de abrir a Bíblia.

Um grupo de 53 ganhadores do prêmio Nobel recomenda como meio de sair da tirania jurídica a “desobediência civil” a todas as leis, com exceção das que protegem os direitos humanos básicos.

Se manifesto menciona a certa altura a iminência de uma catástrofe para a qual contribuem tanto a prepotência dos poderosos, a ganância dos insaciáveis, quanto a omissão e a docilidade submissa e passiva dos oprimidos, é preciso acentuar duas coisas extremamente importantes:
Primeiro, a consciência moral dirige o foco de suas críticas antes para as omissões, as oportunidades perdidas e as possibilidades traídas, e só secundariamente para a ação como tal. Pois o papel da consciência moral a leva a se anteceder à ação e a se antecipar à decisão.

Segundo, em época de transição cultural (como a nossa) os piores pecados são pecados de omissão.

Tendo em vista estes dois aspectos é difícil alimentar qualquer espécie de otimismo em relação ao futuro imediato das Igrejas cristãs. Sua omissão no campo ético-político-social é pouco menos que total.

Substituir o exame de consciência por tiradas ufanistas só acaba agravando o descompasso entre as Igrejas e a realidade histórica com que se defronta.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 18 de março de 2015

RISCOS PARA A MATURIDADE MORAL NA ADOLESCÊNCIA

Poucos escapam do massacre moral movido à consciência infantil. Mesmo estes poucos ainda enfrentam uma série de riscos, a que os expõe a adolescência. Nesta idade a autoafirmação toma a forma violenta e agressiva do protesto e da contestação. A maioria dos adolescentes não sabe aonde dirigir sua agressividade nem o que fazer com a sua liberdade conquistada.

Mais confusa, perplexa e contraditória que a do adolescente é a atitude dos adultos. Quantos dentre pais e filhos em situação de choque e de conflito sabem que a adolescência é a idade em que a consciência passa por um processo amplo e profundo de reestruturação? Pois é na adolescência, em meio ao fragor dos protestos, que se dá a passagem da “consciência socializada” infantil para a “consciência cerebral”.

A “consciência socializada” torna a criança capaz de se adaptar ao ambiente social em que vive. A “consciência cerebral” dá ao adolescente a capacidade de organizar de maneira racional e realista a sua existência. Significa a passagem da heteronomia para a autonomia, da submissão para a participação, da competição para a colaboração, da possessividade egoísta para a oblatividade e a doação de si.

A adolescência é uma época e um tempo extremamente fecundo e rico em potencialidades de afirmação e desenvolvimento da personalidade moral.

O adolescente é alguém que se põe a romper os quadros psicossociais da consciência socializada, em procura de uma identidade própria, individual e original. Não se choca apenas com o ambiente social em que vive, mas entra em conflito consigo mesmo. “Quem sou eu realmente?” O conflito interno desenrola-se em seu íntimo mais pessoal. Possui as proporções de uma verdadeira “guerra”, tendo como palco a consciência. Toda a “crise de identidade” significa, antes de tudo, um problema na área psicomoral, e só constitui um problema social em sociedades que se defrontam com o desafio da transformação.

A crise de identidade do adolescente não é apenas uma “febre” qualquer. É um “distúrbio central” (Erikson), que atinge em seu âmago tanto o indivíduo como a sociedade em que vive.

Sendo a identidade antes um processo que um “estado”, não se pode concebê-la como grandeza acabada, mas é necessário associá-la ao mundo das realidades inacabadas, provisórias e relativas. O processo só é positivo onde a identidade é sentida como “realidade em expansão”.

Toda experiência de identidade é, por conseguinte, um ato de esperança.

Padre Marcos Bach.

quarta-feira, 11 de março de 2015

FUNÇÃO INTEGRADORA DA CONSCIÊNCIA

A função integradora da consciência é de natureza psicossocial. A consciência une em um todo orgânico a imensa variedade de manifestações da psique humana. Ela tem o poder de criar no interior da pessoa a unidade intencional da qual nasce a unidade da ação coerente, assim como a coesão interna da comunidade. É por este caminho que se dá a passagem do indivíduo para o social.

Integrar é mais que somar e ajustar. À palavra integração corresponde uma tarefa bem mais complexa do que produzir simples estados de equilíbrio e ajuste. A eliminação de possíveis atritos e conflitos no terreno psicossocial não é suficiente para que possa haver chance de desenvolvimento e progresso. É preciso encontrar um modo de harmonizar entre si pulsões contraditórias e antagônicas, sem comprometer a sua vitalidade “selvagem” e impetuosa. Como canalizar a energia das pulsões “inferiores” para tarefas e funções de ordem “superior”, esta é a questão. E é este o desafio a que a consciência, e só ela, tem condições de dar uma resposta plenamente satisfatória.

Como sintetizar a multiplicidade de funções sociais numa síntese mais perfeita sem comprometer a liberdade individual em aspectos essenciais?

Como transformar em unanimidade mil pequenas vontades dispersas?

Como unir numa síntese harmoniosa a gama multiforme de pequenos interesses conflitantes?

É tarefa das consciências descobrir o modo de consegui-lo. Não podemos entupir simplesmente a fonte do mal, sem destruir e secar ao mesmo tempo a fonte donde emana o bem. Cercear a liberdade de um cidadão, com o fim de evitar o abuso, é o mesmo que restringir o seu uso. É como cortar a laranjeira, porque, ao lado de inúmeros frutos saborosos, produz também uma quantidade de laranjas azedas.

A possibilidade do abuso existe sempre onde há liberdade. Só não ocorre onde a liberdade deixou de existir. Não há “ordem” mais perfeita do que a de um “cemitério”.

No plano subjetivo a integração é talvez ainda mais difícil e trabalhosa do que no campo social. Pôr ordem na própria casa é, no entanto, condição preliminar, “sine qua non”, para a construção do edifício social.

Padre Marcos Bach

quarta-feira, 4 de março de 2015

A CRÍTICA MORAL DA CONSCIÊNCIA

Também o exercício da crítica moral é papel reservado à consciência. Esta crítica se restringe ao plano pessoal.

Em relação ao comportamento moral de outra pessoa não existe a menor possibilidade de fazer um julgamento justo. Cristo deixou isto bem claro. (“Não julgueis e não sereis julgados”.) O máximo de objetividade a que podemos chegar é a constatação da inadequação entre a intenção propalada e a ação concreta.

Mas em relação a nosso próprio desempenho moral temos condições de atingir patamares próximos da objetividade total. Isto é possível devido ao fato de que o bem moral é idêntico ao movimento tendencial profundo da consciência. Ser bom é, consequentemente, ser fiel, radicalmente fiel, à voz interpeladora da própria consciência.

Por isto a única crítica moral honesta e produtiva é a autocrítica, tendo a consciência como árbitro e instância última. Não a consciência solitária, socialmente descomprometida, desengajada e refugiada num mundo de fantasia, como se a realidade social não fosse mais que um acidente incômodo, ou um canteiro de “matéria-prima”.

A peculiaridade de crítica moral é a parcialidade imparcial de seus juízos. É a favor da pessoa, contra o indivíduo e a sociedade. É a favor do sujeito contra todas as máquinas e estruturas, que querem reduzi-lo a peça e objeto.

Está sempre do lado da liberdade contra a irresponsabilidade e a tirania.
Rejeita o “senhor”, que se julga superior a ela.
Rejeita o “pai” que impede o filho de se tornar adulto.
Rejeita o manipulador de informações, que filtra, escamoteia e ajeita a verdade de acordo com premissas e suposições alheias à consciência.

A consciência julga com serenidade e amor, com clareza e objetividade total. Mas na prática só podemos contar com uma consciência contaminada pelo medo, pela obsessão, pela covardia e por mil e um “complexos” do mesmo nível. Por isso é que é preciso incluir a libertação da consciência entre as prioridades da Teologia da Libertação, a única teologia digna de ser levada a sério.                    Padre Marcos Bach