quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A QUESTÃO DA MULHER NA IGREJA

Mais que a metade da população católica do mundo é composta de mulheres, mas elas não possuem na Igreja os mesmos direitos de que desfrutam os homens.

Este é um assunto mais que quente, mexe num “nervo exposto” do corpo místico de Cristo.

São perto de dois mil anos de história que acabaram por gerar esta situação. Que ela não é justa é evidente. O que não se pode sustentar é que ela corresponda a uma intenção de Cristo. Na época de Jesus era praticamente impossível encontrar uma mulher que tivesse formação cultural. A direção de uma Comunidade de Fé exige certo grau de capacitação cultural que naqueles tempos só bem poucas mulheres possuíam. Não é, portanto, justo atribuir esta situação a uma suposta tendência “machista” do clero católico. O problema existe e não pode ser disfarçado por muito mais tempo. Mas é igualmente certo que não pode ser resolvido por decreto e com uma única paulada. Por ora temos que nos habituar a conviver com este e outros problemas mais. O que a todos ainda nos resta aprender é como transformar problemas em oportunidades. A humanidade progrediu tanto porque foi obrigada a viver durante a maior parte da sua história no limite da sua sobrevivência. É a capacidade de responder a desafios que distingue o representante da espécie humana do seu primo, o chimpanzé bonobo. Desafios de toda a espécie e a possibilidade de dar um rumo diferente à história, não nos faltam. É na lista destes futuríveis que podemos colocar este fenômeno sociocultural conhecido como Movimento Feminista ou Movimento de Emancipação da Mulher.

A Igreja católica não participa deste “Sinal dos Tempos” atuais, como o chama o Papa João XXIII, em caráter oficial e com propostas concretas. Isto pode mudar. O mundo feminino merece todo apoio em sua reivindicação por um lugar mais justo no seio da sua Igreja.

As razões que levaram a Igreja a excluir a mulher do ministério sacerdotal são de natureza prática e têm caráter disciplinar. Têm algo a ver com distribuição de papéis sexuais. É fácil perceber que uma política de redistribuição de papéis sociais vai obrigar a Igreja a rever o âmbito das funções das quais a mulher se sente injustamente excluída. Não quero entrar em detalhes, pois é este um dos assuntos que gostaria de ver amplamente debatido pelas Comunidades Eclesiais de Base. Não podemos continuar a ignorar as lições que a experiência concreta costuma ministrar-nos, isolando a voz dos Pastores da Igreja da voz do Povo de Deus.

Responsabilidade moral não se adquire consultando compêndios e conferindo regras. Ela envolve um grau de sensibilidade humana, de compassividade e de amor que os Compêndios de Moral não costumam salientar com a devida ênfase.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

OS INIMIGOS DA IGREJA

Quem põe em discussão a validade do regime de governo da Igreja católica corre o risco de ser confundido com os piores inimigos da Igreja. Mas este é um dos muitos riscos que todo cristão honesto é obrigado a correr. A subserviência a um sistema jurídico visceralmente iníquo não faz parte da fé em Cristo. Pelo contrário. Cristo, ele próprio, foi morto porque atacou de frente o regime religioso imposto por sacerdotes e doutores da lei à consciência do povo judaico.

Se queremos que o projeto messiânico de Jesus venha a sobreviver e tenha lugar e espaço no mundo de amanhã, temos que pensar em dissociá-lo ciosamente de tudo o que tem algo a ver com o seu atual regime de governo. Não é a Igreja de Cristo que está sendo rejeitada, mas um modelo superado de Igreja, imperialista e dominador.

Espero que o leitor deste escrito tenha a honestidade de não atribuir a seu autor intenções e responsabilidades que ele não tem. Mas, poderá alguém dizer: a Igreja não é uma instituição como as outras. Ela possui garantias da parte de Cristo que lhe assegura um futuro tranquilo, pois seu fundamento é a “Rocha de Pedro”. Hoje sabemos melhor do que no passado que rochas também podem ceder e afundar.
           
O que vale para a Igreja de Cristo não pode ser aplicado “ipso facto” e sem mais ao modo como os sucessores dos apóstolos organizaram a sua presença no mundo. O regime de governo da Igreja tem por objetivo estabilizar e regulamentar as relações entre os membros da comunidade eclesial. É condicionado pelo tempo histórico e pelo ambiente cultural. O que importa mesmo é a relação do homem com Deus e com seus semelhantes. O modo como o Evangelho de Jesus será pregado e comunicado aos homens não foi definido por Cristo. Deixou isto a cargo de seus seguidores. E não apenas de uns poucos. Hoje a que mais insiste em ser a herdeira genuína e legítima do pensamento de Cristo e de Paulo é muito mais romana do que católica. Nela as estruturas jurídicas e políticas do Império Romano continuam vivas, mais que no coliseu ou em qualquer museu arqueológico.

Há dois tipos de inimigos da Igreja: os de dentro e os de fora. Os de dentro são os que confundem fidelidade à Igreja de Cristo com fidelidade à tradição. Não querem que a Igreja se livre do seu passado, já que eles mesmos se beneficiam de privilégios oriundos deste passado.

Os de fora são menos perigosos. Um Quinta Coluna é sempre muito mais perigoso do que qualquer inimigo declarado. Seria talvez exagero afirmar que a Igreja católica está cheia de Quislings, de colaboradores dos seus piores inimigos. Entre estes estão todos os que pretendem “aguar” a mensagem do Evangelho de Cristo. Há duas maneiras de fazê-lo: uma consiste em “politizá-la”. A outra em “institucionalizá-la”. Para os que só pensam em permanecer na crista da onda, o essencial é a ordem estabelecida. Temem mudanças na Igreja mais do que doente o bisturi.

Os piores inimigos da Igreja já não são mais os comunistas. Todos os poderes que tinham interesse em eliminar o cristianismo como força moral e religiosa encontram-se infiltrados nas Igrejas. É a eles, inimigos confessos da mensagem de Cristo, que as Igrejas todas devem a sua sobrevivência financeira.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A FÉ DO CRISTÃO ADULTO

A atual crise de fé não questiona nenhum conteúdo essencial da Mensagem de Cristo. Muito pelo contrário, ressalta-os e lhes dá uma importância que os pregadores oficiais das Igrejas constituídas não lhes concedem. Basta como prova desta afirmação o modo como todas elas tratam a liberdade de consciência de seus adeptos!

Um cristão adulto e identificado com os propósitos indispensáveis à plena realização da sua fé em Cristo possui todos os requisitos indispensáveis à plena realização da sua fé cristã. Não é um “minus habens”, necessitado de tutores. Tem todo o direito de pensar, agir e decidir por si. Pode contar com a mesma assistência do Espírito Santo com que contam os membros do Magistério Eclesiástico. Os seus dons o Espírito Santo os distribui como ele quer! É assunto com o qual os representantes da autoridade eclesiástica nada têm a ver. Falta, via de regra, aos nossos cristãos católicos, falsamente definidos como “leigos” e tratados como “ovelhas”, a necessária coragem moral para se oporem abertamente à humilhante condição a que foram reduzidos sem a sua participação. Ou será que a situação de inferioridade em que se encontram não é fruto da sua própria omissão, covardia e preguiça?

Não estou aí para defender o leigo contra a prepotência do clero. Seria injusto atribuir ao clero a culpa por tudo o que de errado e pernicioso aconteceu na Igreja católica.

Queres adotar uma atitude de fé em Cristo mais afinada com as necessidades do nosso tempo e com as oportunidades maravilhosas que ele nos está oferecendo?  Queres viver a tua fé de maneira mais honesta? Queres vivê-la de maneira mais criativa? Queres fazer dela um instrumento de surpresas? Queres ser dono da tua fé e não caudatário de mestres e gurus? Queres que tua fé em Cristo te liberte e faça de ti uma pessoa cada vez mais livre e dona de própria vontade? Queres que tua fé seja para ti uma fonte permanente e inesgotável de vitalidade, de alegria e de amor à vida? Queres que tua fé te ajude a amar todas as criaturas que te cercam e te amam, cada uma a seu modo, desde a minhoca que fertiliza o teu jardim até o gato que se vem deitar a teus pés, porque confia em ti? Queres viver num mundo impregnado de paz e de amor, de simpatia e de solidariedade? Então faça alguma coisa para que tudo isto venha a se tornar realidade, se não logo, ao menos num futuro próximo. Não é por você que faço o pedido. Estou pensando na geração de jovens ansiosos por viver a vida de forma mais plena, mais rica e livre! Se voltam as costas às sacristias de nossas igrejas é porque a sacristia se tornou para eles símbolo de tudo aquilo que rejeitam.

Quem tem amor à vida, ama o movimento, o intercâmbio e a novidade. A vida só se realiza onde acontecem a reprodução e a mutação. É exatamente isto que estou propondo ao benévolo e paciente leitor deste escrito: “Não renegue o passado”! Não abandone a tradição, mas aprenda a fazer dela ponto de partida e não termo de chegada! O futuro da Igreja depende da capacidade do povo cristão de transfigurar um tipo mais infantil de fé em outro, mais adulto. Toda vez que um católico transfere a solução dos seus problemas de fé ou de moral a outros, está traindo a si próprio. Até certo ponto é lícito afirmar que cada cristão é seu próprio papa.

In: “A Igreja que eu Amo” – de Pe. José Marcos Bach, sj – Edição própria.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

COMUNIDADE NA AMIZADE E NO SERVIÇO

O que é ameaçador, sob todos os aspectos, é a incapacidade da humanidade atual de enfrentar o seu próprio futuro com a leveza com que Davi enfrentou Golias. O que deu a vitória a Davi foi a sua agilidade e sua perícia no manejo da funda. Foi inteligente, pois percebeu que o único lugar vulnerável no corpo de Golias era a testa. O lado fraco da nossa civilização, como do nosso mundo globalizado, não é a testa, mas é o coração. É um mundo sem coração e sem amor. Não vejo exagero na afirmação de que o problema de todos os problemas do nosso tempo é a nossa incapacidade de dar e de receber amor. O “amor perfeito” só o cultivamos em nossos jardins, fora daí ele é tão raro, que psicólogos da estatura de Erich Fromm, Rollo May e Viktor E. Frankl chegaram a constatar que uma “bela amizade” é um feito raro e difícil de se encontrar. “Um Grande Amor só acontece duas ou três vezes em cada século”. A afirmação partiu de um ateu chamado Albert Camus.

Se um Grande Amor e uma bela amizade são raros, então deve ser pequeno o número de cristãos autênticos, pois o critério de avaliação de uma comunidade cristã “é o amor com que seus membros se amam uns aos outros” (Jo 15,17). No terreno da afetividade e do amor é infinito o campo aberto ao desenvolvimento espiritual da humanidade. Neste campo pouco ou quase nada foi feito e o que está sendo feito é por demais tímido para responder à demanda crescente de Amor. Pequenos amores, que nascem e morrem antes do anoitecer do primeiro dia de vida, temos muitos. Mas se amigo, amigo mesmo, é alguém “que está disposto a dar a sua vida pelos amigos” (Jo 15,13), quem de nós pode dizer que é amigo e que possui um “milhão de amigos”?

Quem quer ser amigo como Cristo o foi, deve renunciar a toda e qualquer pretensão de poder. Quem se considera revestido do direito de impor sua vontade a de outros, pode ser alvo de pomposas manifestações populares, mas não está mais em condições de ser amigo. Para poder ser amigo de alguém é preciso dar-lhe o mesmo amor com que me amo a mim mesmo. Se não for capaz de respeitar suas ideias e seus sentimentos como gostaria que fosse respeitado o que eu penso e sinto, então falta algo de essencial à minha capacidade de fazer amigos. E se não sei fazer amigos, é falso o cristianismo que professo. Na hora de repartir o bolo se pode ver quem é amigo ou não: se vou ser eu quem distribui as fatias, a fatia maior irá sempre para o meu melhor amigo.

Uma das características que distingue o amor erótico do amor de amizade está em que este último gera um tipo de igualdade que o primeiro desconhece. Quando os apóstolos se meteram a discutir a questão do primado, procurando saber “quem deles era o maior” (Mc 9,34), Jesus lhes avisa: “O maior dentre vós é aquele que se tiver feito vosso servo” (Mt 23,11).

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj