ÉTICA SEXUAL

RESPONSABILIDADE E DIREITOS
Onde não há espaço para a responsabilidade também não há lugar para direitos. A necessidade sexual não é uma fatalidade ou força irresistível. Muita gente confunde necessidade com vício. Acusam a moral de ser muito severa. A culpa não é dela, mas deles mesmos. É a sua incapacidade de se engajar em relacionamentos sexuais saudáveis e adultos que gera o problema.
Creio que não são maioria os que estão preparados para enfrentar os desafios de uma vida conjugal sadia e normal. Quantos são os casais que conhecem o caráter dialético da vida conjugal? A lei da distância, tão importante em qualquer relação entre pessoas, quem sabe o que ela é?
Não sei se existe outro terreno mais exposto ao pecado, à tentação e à irresponsabilidade do que o sexual. É lá que a extrema fragilidade da condição humana se manifesta com mais violência. Por isso o patrono dos moralistas católicos Santo Afonso de Ligori era de opinião de que não se devia impor à consciência das pessoas o que elas não estão em condições de cumprir. Por que acrescentar à carga de problemas de um casal mais este, o da abstinência sexual? O bom diretor de consciência não é aquele que carrega nas exigências da moral, mas aquele que sabe distinguir o que é possível, do que é simplesmente inexequível.  
O dever essencial de um diretor espiritual não é o de se colocar em tudo do lado da lei moral. O contrário é que é verdadeiro. Seu dever principal o obriga a se colocar de saída do lado do casal ou da pessoa. A crença de que não é permitido dar um jeito na lei quando sua observância estrita gera mais problemas do que benefícios, é falsa, como irei demonstrar adiante. A salvação das almas e o bem-estar das pessoas é infinitamente mais importante do que qualquer preceito moral.
É isso que está fazendo falta nos documentos da Igreja católica: o respeito pelo primado da pessoa sobre a lei moral. É o casal que vem em primeiro lugar. O resto é meio. Até o mais belo sistema moral não é mais do que meio.
Mas, dirá alguém mais preocupado com o sistema do que com a sorte das pessoas. Em questão de moral sempre existiram na Igreja católica duas correntes extremadas, bem distantes uma da outra: a corrente rigorista e outra mais liberal. O rigorista se inclina sempre para o lado da lei, antes de mais nada. Favorece, de preferência, a interpretação mais literal e estrita do texto da lei. O liberal, ao contrário, se inclina a uma interpretação da letra da lei, tão benigna quanto possível. Tendo que escolher entre as exigências da lei da vida e as da lei moral prefere a primeira. Estes últimos são acusados muitas vezes de laxismo ético, isto é, de relaxados e propensos a favorecer a anarquia no campo dos costumes.
Em nossos dias o problema mais sério já não se refere mais à pílula, pois 90% das mulheres católicas optaram por ela na hora em que se viram forçadas pelas circunstâncias a pensar em controle de nascimentos. Hoje o símbolo da liberdade sexual é a “camisinha”. Ela, como o DIU, e outros fazem parte dos assim chamados meios mecânicos de controle. A Igreja os condena por considerá-los artificiais, e, por conseguinte, contrários à natureza e à lei natural. A distinção entre o que é natural ou artificial me parece pouco importante quando comparada com outra, que opõe entre si métodos estritamente contraceptivos dum lado, e métodos abortivos do outro.
O aborto e tudo o que termina por provocá-lo não pode ser classificado como meio de controlar a fertilidade. É infanticídio e não há como justificá-lo, a menos que resulte de forma indireta e não intencional de uma intervenção médica destinada a salvar a vida da mãe ou curá-la de uma doença grave. Isso vale para todos os casos em que há urgência e o aborto é inevitável.
A camisinha e outros são o sinal claro de que em matéria de ética sexual a nossa sociedade atingiu o fundo do poço.
Vasectomia e ligadura de trompas só podem ser tolerados como solução em casos extremos. Mas seria pecar por rigorismo exagerado afirmar que se trata sempre de ato condenável, intrinsecamente mau e que por isso não admite exceção. Se assim fosse, a doação de órgãos inter vivos teria que ser rejeitada como ação intrinsecamente má que envolve a mutilação. Se o objetivo é salvar a vida de alguém ou se o que se intenciona é salvar um casamento, isso pouca diferença faz. Estou falando de casos extremos. Em hipótese alguma estou dando apoio à maneira leviana com que se facilita a esterilização. Quem paga o pato nestes casos é a mulher, a mulher pobre e de cor, para ser mais preciso.
O que pensar das vacinas destinadas a provocar em homens ou em mulheres a esterilidade temporária? Representam, na minha opinião, um progresso que não deveria ser condenado a priori como imoral. A própria natureza se encarrega de proporcionar à mulher períodos mais ou menos prolongados de esterilidade. Por que o homem não pode imitar, completar e melhorar a obra da natureza? Não é para isso que o Criador lhe deu a razão e a inteligência? Uma vacina destinada a bloquear a ovulação ou a produção de espermatozóides teria sobre os demais métodos todos a vantagem de ser bem mais simples, eficaz e seguro.
A Igreja católica não é a única instituição com direito à última palavra em assuntos de planejamento familiar. De mais a mais, esta é uma questão que não pode ser arbitrada apenas por autoridades e de cima para baixo. Não consta que nesta matéria Deus tenha algum compromisso especial com o Vaticano.
O grande debate envolvendo todas as partes interessadas ainda não aconteceu. A ONU não é a instituição mais indicada para promovê-lo. O Vaticano também não entra em questão por causa do modo unilateral e apriorístico com que trata o assunto. Num fórum internacional de planejamento familiar o pensamento católico seria bem melhor representado por uma equipe de casais do que por meia dúzia de monsenhores e peritos do Vaticano.
O que todo casal cristão deveria ter sempre presente é o seguinte: o matrimônio cristão já não é mais um mero contrato social, mas é muito mais do que um modo que a sociedade encontrou para regular a vida sexual de seus membros. A vida conjugal, ou o casal a vive sob o signo da esperança, ou então vai ter que contentar-se com a pequena e precária felicidade de um gentio. Esperança é sinônimo de fé na imortalidade e na vida eterna. O tempo, em vez de ameaçar o futuro, trabalha em seu favor. O caminho já não conduz a uma morte inexorável, mas a uma plenitude de vida da qual cada passo, cada gesto de amor e cada lágrima derramada é momento antecipado de uma Felicidade Eterna. Neste contexto o tempo já não trabalha mais contra o amor, mas a seu favor.

Padre Marcos Bach


REALIDADE MALEÁVEL PORQUE DINÂMICA
A moral católica dá a impressão de ser mais severa que a de outras religiões ou Igrejas. Ao menos a moral sexual que propõe, tem esta fama.
A verdade é que o modo como a Igreja católica formula a sua proposta moral não é muito feliz. Os termos em que é formulada poderiam ser muito mais propositivos e menos impositivos. O caráter normativo da moral não precisa ser expresso na forma de um decreto. Uma norma moral não é uma lei que não admite exceções. Já Santo Tomás de Aquino opunha à Lex Moralis a Lex Vitae.
A vida humana e a vida cristã em particular, é uma escola. É em confronto com situações concretas que Deus manifesta sua vontade. Por isso a doutrina moral da Igreja não tem condições de responder a todas as necessidades de um casal, por exemplo. Há situações em que a aplicação pura e simples de uma norma teoricamente correta seria contra indicada.
A realidade é maleável porque é dinâmica. Um sistema ético-moral  rígido, feito de regras que não admitem exceção, não combina com a Lei da Vida, pois a parte melhor da vida humana é feita de surpresas, isto é, de exceções. A regra é como o esqueleto: necessário, mas incapaz por si de pôr um corpo em movimento. A elasticidade produzida por músculos é muito mais importante do que a estrutura óssea.
Esta é uma verdade essencial quando se trata de avaliar o desempenho moral de uma pessoa. Dirigir um avião supersônico ou um carro de corrida exige do piloto duas coisas essenciais: preparo adequado e um veículo apropriado.
Em assuntos de ética sexual não temos nem um coisa, nem outra. Nossos jovens estão sendo preparados para tudo, menos para voar a grandes alturas ou a grandes velocidades. Nossa moral sexual foi elaborada por homens celibatários que, ao menos em teoria, só conhecem um tipo de experiência sexual: a abstinência. O desejo sexual não satisfeito se parece com uma panela de pressão: pode explodir a qualquer hora!
Nossa moral sexual foi arquitetada por homens que têm medo do sexo. Este medo os impeliu ao rigor e à severidade, onde toda altitude não é necessária. O medroso projeta seus receios sobre outros. Um celibatário é levado a crer que os casados têm os mesmos problemas sexuais que ele. Pode julgar que todo o mundo é tentado pelo demônio como ele o é.
A carne é fraca, dizem. Esquecem um detalhe psicológico importante: a carne passa a tornar-se cada vez mais fraca à medida em que for frustrada em seu desejo. Para baixar a febre do desejo não basta a continência pura e simples. A atividade sexual por si só também é incapaz de diminuir a ameaça de incêndio. Curtos circuitos são ameaça que ronda tanto a vida de um clérigo quanto a de casados.
A tentação não é necessariamente sinal de fraqueza moral. Aos verdadeiramente fracos o demônio da luxúria não tenta, porque já os traz em sua rede. A tentação sempre se dirige aos que ainda não capitularam. A tentação é a homenagem que o vício presta à virtude. O ideal não é a paz do cemitério, mas o júbilo da vitória.
É esta visão otimista que falta à moral cristã, em geral. Insistimos por demais em ligar sexo com pecado. Em lugar de ver nele uma ponte que leva do instinto ao Amor.

Padre Marcos Bach


NOVA ÉTICA SEXUAL COM NOVA IMAGEM DE DEUS

No bojo das mudanças imprescindíveis e insubstituíveis encontra-se a necessidade de uma Nova Ética Sexual e de uma Nova Imagem de Deus.
           
Não sei se o leitor benévolo dessas linhas já leu e meditou o Cântico dos Cânticos, livro sagrado tanto do Antigo como do Novo Testamento.
           
O Cântico dos Cânticos exala o perfume do amor virginal, do amor romântico não contaminado pelo pecado.
           
Um Compêndio de Moral católica, ao contrário, encara o campo das relações sexuais como área não redimida, onde a tentação ainda é sempre mais forte do que a graça divina. Não resta a menor dúvida: o futuro espiritual da humanidade vai depender essencialmente do modo como homens e mulheres vierem a se relacionar entre si. Isto significa que é preciso tirar a mulher do ostracismo sociocultural em que é obrigada a vegetar.

Só quem não pensa mais longe do que o tamanho do seu nariz pode ignorar ou menosprezar a presença de Jesus na História dos homens.
           
Jesus não é um personagem puramente histórico que assumiu em relação aos homens um papel semelhante ao que os ingleses assumiram na Índia.
           
Jesus não é um personagem meramente histórico. Sua presença na História dos Homens é anterior a Moisés. E até mesmo anterior à figura do Jesus histórico.
           
Quando Jesus nasceu em Belém desencadeou forças que já tinham conduzido a humanidade a um patamar religioso de altíssimo nível. Jesus não veio movido pela intenção de substituir um tipo humano por outro. O “Novo Homem” ao qual Jesus se refere seguidamente (Jo 3,3) é realmente uma “nova criatura” (II Cor 5,17).
           
A transição do Homo Sapiens para o Homem Novo idealizado por Cristo vai muito além dos limites de uma mudança meramente quantitativa. O projeto messiânico de Cristo visa e tem por alvo a criação de uma nova espécie humana. A distância que nos separa de um chimpanzé bonobo é quase nula em comparação com a distância que em termos evolutivos nos separa da “nova espécie humana”, o Homo Christico de Teilhard, encarregado e incumbido da tarefa de assumir a responsabilidade pela evolução futura da humanidade. Este futuro só pode ser absurdamente diferente de tudo o que a humanidade já realizou até hoje. Ainda hoje predomina em toda parte a voz dos que têm a capacidade humana de criar problemas e igualmente a capacidade de solucioná-los.
           
Quando Jesus declarou: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5), disse a mais pura das verdades!
           
Somos mestres na hora de fazer as coisas da maneira mais errada possível. Na hora de corrigir os erros e de reparar o mal feito passamos meses discutindo sem avançar do lugar. Somos mestres na arte de complicar as coisas.
           
O déspota simplifica tudo quando determina: “quem manda aqui sou eu” e, “sem mim nada podeis fazer”. É certo que sem Cristo nada podemos fazer. Mas é igualmente certo que sem nós Cristo torna-se tão impotente quanto nós!

Padre Marcos Bach


QUANDO O AMOR SE ESTABELECE

Hoje é comum citar a autenticidade como marca registrada do jovem. Em nome desta autenticidade o jovem passa a cultuar como forma superior de comportamento sexual um permissivismo amoral de rédeas soltas. Constrói para si uma filosofia cômoda segundo a qual o amor se liga, automaticamente, à atividade sexual.

Quando um rapaz e uma moça cedem ao desejo, o que fazem é amor. Fazer o amor e manter uma relação sexual é a mesma coisa. Nenhum esforço é necessário e nenhum raciocínio tem lugar numa relação assim concebida.

Um dia o amor morre e com ele a autenticidade do relacionamento íntimo. A continuação da relação nada mais seria do que mentira e hipocrisia. Por isso a separação se impõe em nome da honestidade moral. Aberto está o caminho para uma nova relação, um novo amor. Aos poucos o próprio jovem se dá conta do vazio de uma vida sexual eternamente precária.

Se a fidelidade garante e gera facilmente um falso sentido de segurança, a ausência daquela e a ameaça contínua da infidelidade potencial cria um estado de espírito próximo da neurose.

No campo sexual nada dura a não ser aquilo que se cultiva com a intenção de que venha a fazer parte da eternidade reservada ao amor, quando é autêntico. Não se pode falar honestamente em autenticidade, quando se confunde paixão com amor. A realização do amor exige outro nível, de natureza superior. A paixão pertence por si ao mundo pré-moral e, portanto, pré-humano. O amor faz parte de outro totalmente diferente: o mundo moral e religioso.

A paixão pode levar a formas de servidão e de abdicação da liberdade pessoal, a que o amor jamais se presta, quando é autêntico. O amor se expressa sob a forma de serviço. Jamais sob a forma de servidão. A fórmula: “escravo do amor” é capciosa e falaz. O amor não escraviza. O que pode escravizar é a paixão sem amor. Pode haver paixão sem amor, mas não pode haver amor sem paixão.

A caridade operosa é ambígua. Bem pode a operosidade estar a encobrir a falta de caridade, assim como a agitação febril pode estar a serviço exclusivo da ganância, sem a mínima relação com o espírito cristão de trabalho. A caridade cristã sofreu e ainda continua sofrendo as consequências deste processo de esvaziamento erótico e passional.

Enquanto os jovens “fazem amor” nos cantos das ruas e no assento do carro, há homens e mulheres que se dedicam a praticar a caridade em hospitais e orfanatos. O grande sacrificado em ambos os casos é o amor.

Nada há que envolva e comprometa mais duas pessoas do que o amor. A paixão tende à posse, mas foge do compromisso. Por estar tão profundamente ligada ao amor-paixão, a sexualidade é o lugar predestinado do compromisso. Mas é paradoxalmente o lugar privilegiado da espontaneidade do gesto gratuito e livre. O que torna tão difícil a compreensão da dinâmica sexual é justamente este traço dialético da sexualidade.
           
Dum lado, sob o ângulo da moral convencional, notamos o esforço de garantir por todos os meios a indissolubilidade do matrimônio. Do outro lado, o do amoralismo liberal, verifica-se o cuidado de não fechar em definitivo nenhuma porta. E isso tudo em nome da ordem e/ou da liberdade.

Para uns o casamento só oferece uma única porta, a da entrada. Ninguém é obrigado a entrar, mas depois que entrou, não pode mais sair dele: está condenado à fidelidade até a morte. Nota-se por outro lado o pavor quase neurótico que tal visão do casamento costuma inspirar ao jovem do ambiente urbano.

Metido contra a sua vontade em tantas camisas-de-força, não está disposto a meter-se em mais outra, no caso o casamento. 

Onde a cidade se transformou em jaula, não se pode exigir dos seus moradores, ainda em condições de optar, que se metam em mais uma, a jaula dourada do casamento. 

Onde o sistema político e o modelo econômico não reservam um mínimo de espaço à livre participação, é temerário exigir do jovem marido ou esposa o comportamento moral que a sociedade teima em lhes impor em nome de Deus ou, então, em nome da decência, ou outra coisa parecida. 

Onde a própria religião se prende mais a fórmulas doutrinárias estabelecidas do que ao sopro da História, não há como cavar um leito seguro para as águas vivas que jorram por toda a parte do costado da rocha até o leito lodoso do pantanal.
           
O amor ou é livre ou o que leva o seu nome nada tem a ver com ele. A sexualidade é humana a partir do ponto em que emerge da rigidez dos determinismos para a fluidez plástica da liberdade. No ponto em que se liberta da lei e da natureza, a sexualidade humana se emancipa da servidão biológica para se transformar em sacramento de comunhão, em matriz do amor.

Padre Marcos Bach


O CARÁTER INTRINSECAMENTE ESPIRITUAL DA SEXUALIDADE

Entre seres humanos o impulso sexual se manifesta como necessidade psico-fisiológica e como necessidade espiritual. Como desejo de prazer e como desejo de amor! Como ânsia de se realizar e de se encontrar consigo e simultaneamente como ânsia de se perder no amor de outro!

Este fato confere a toda relação sexual um caráter ambíguo de conquista e de perda. O desejo sexual é violento e impetuoso. Entregar-se a ele é o mesmo que perder por uns instantes o autodomínio e a liberdade. O prazer sexual aproxima a pessoa do animal que ela ainda continua sendo. Por isso o prazer sexual devolve as pessoas a um estágio evolutivo bem mais primitivo do que o estágio que a humanidade atingiu em outras áreas.

Certo pudor de natureza espiritual levou a humanidade a fazer da atividade sexual uma ocupação tipicamente noturna. Na atividade sexual humana entra em ação um elemento novo que em certa medida se opõe à selvageria do desejo. Este elemento é o amor.

O amor não é inimigo do prazer, mas se destina a humanizá-lo. É o amor que dignifica e humaniza uma relação sexual entre homem e mulher. Perde seu tempo e seu latim o casal que só se preocupa com a qualidade e intensidade do seu prazer. Só o amor mútuo pode devolver a uma relação sexual um prazer digno de seres racionais.

Isolar o prazer do amor é tão insensato quanto isolar o amor do prazer! No convento nos deparamos com pessoas que praticam um amor sem prazer. No mundo da prostituição a regra é o prazer sem amor! No convento é proibido um membro da comunidade se apaixonar por pessoa do outro sexo. Num prostíbulo toda prostituta é proibida de se apaixonar por um dos seus muitos fregueses. Daí dá para concluir que a distância que separa um convento de um prostíbulo é muito pequena. Onde o prazer é proibido o amor também é proibido. E onde o amor é proibido só pode haver espaço para as formas mais selvagens e as manifestações mais primitivas e animalescas do prazer sexual. O grande desafio à espera de solução é o seguinte: como levar um número crescente de pessoas a uma vida que seja ao mesmo tempo extremamente prazerosa e do mais elevado nível psicomoral.
José Marcos Bach


VERDADES ETERNAS E EFÊMERAS

A verdade não resulta da composição pacífica de pensamentos logicamente coerentes e de ideias bem comportadas. O erro e a mentira também contribuem para o triunfo da verdade.
           
Existem verdades eternas, mas a maioria de nossas verdades não são eternas, são contingentes e não absolutas, efêmeras e imperfeitas.

Híbrido é todo pensamento que confunde verdade absoluta com uma determinada soma de verdades menores. Não sei se existe terreno em que a “Hybris” tenha semeado mais confusão e feito mais estragos do que o do relacionamento sexual humano. As mulheres não sabem o que pensar dos homens. E estes andam ainda mais confusos em relação a suas “caras metades”. Esta é uma situação extremamente desagradável, mas absolutamente necessária se queremos sair desta “briga” pela porta da frente. Não se faz bom vinho sem triturar uvas.
           
No terreno da ética sexual não há animal que nos possa ensinar algo de aproveitável. A chamada “Lei Natural”, à qual os papas da Igreja católica atribuem capital importância, só apareceu em época tardia no contexto cultural grego. Foi Aristóteles, que em oposição a seu mestre Platão, apelou para um poder normativo que até então fora reservado a Deus ou aos deuses.
           
Eros, a centelha que ilumina e aquece duas almas que se amam, é de origem divina, ensina Platão. Aristóteles e Tomás de Aquino depois dele, nos remetem ao animal e à Physis, a mãe natureza, quando lhes pedimos lições de moral. A autoridade máxima da Igreja católica faz o mesmo quando o assunto se relaciona com planejamento familiar. É através do intercurso genital que um casal “consuma” o seu matrimônio: é o que nos ensina o Codex Juris Canonici. Um simples ato físico basta para elevar à sua plenitude um compromisso sacramental. A ênfase dada aos aspectos físico-fisiológicos do amor matrimonial representa um desvio e uma distorção que o pensamento de Cristo ainda não conseguiu sanar.
           
O que nossos catecismos e nossa pastoral da família estão oferecendo como alimento à juventude perplexa carece de base e não é confiável porque continua tratando espírito e matéria, corpo e alma, como se uma pudesse existir sem a outra e como se uma das duas dimensões do mundo criado por Deus pudesse ser compreendida e explicada sem a outra.
           
“A essência da matéria é espiritual”, declarou Einstein. Se isto é verdade, então é permitido dizer que a essência de toda realidade espiritual é material. No universo em que vivemos não dá para separar espírito e matéria sem destruir a ambos, pois são aspectos diferenciados da mesma realidade total. Enquanto um desce o outro sobe. Do encontro de ambos resulta o homem, um ser material em sua origem, porém espiritual em seu destino último. Uma criatura de Deus chamada a se tornar criadora, co-criadora com o Criador.

Padre Marcos Bach


ÉTICA E ESPIRITUALIDADE
           
A relação sexual envolve tanto a dimensão material do homem quanto a sua natureza espiritual. Na prática os aspectos “espirituais” ficaram reduzidos à conformidade com as “normas da moral”.
           
A atividade sexual em si não tinha valor “religioso” próprio. Os aspectos “espirituais” e o sentido religioso lhe vinham de fora, através da “reta intenção” e de práticas de piedade.
           
Do trabalho se dizia que ele tinha valor de “oração”. Do ato conjugal ninguém ousou afirmar o mesmo! Esta resistência à ideia de associar a atividade sexual ao Amor divino ainda persiste e é responsável pelo fraco desempenho de movimentos dedicados à promoção espiritual da vida matrimonial.
           
Um dos grandes feitos da moderna ciência é ter posto fora de combate o preconceito de que matéria e espírito são “rivais”. Para que um saia vitorioso é preciso que o outro seja vencido! No terreno sexual isto queria dizer que os “desejos da carne” tinham que ser sufocados! A “mortificação” do corpo e dos sentidos era vista como pré-condição para assegurar a vitória do espírito sobre a matéria.
           
Para sorte nossa, os cientistas modernos estão a oferecer-nos outra “visão” do Universo. Segundo esta cosmovisão, espírito e matéria são dimensões “convergentes” de uma realidade mais ampla.
           
“A essência da matéria é espiritual”! Com esta afirmação Einstein definiu de modo bem claro que a relação dialética entre espírito e matéria não é mais compatível com a cosmovisão “dualista” de Newton. Segundo a mesma linha de raciocínio, se poderia afirmar que “a essência da sexualidade é espiritual”! Já não é mais permitido a um moralista bem informado confundir fisiologia com ética! Não são os determinismos fisiológicos que determinam o valor “ético” de uma conduta sexual. Não é o destino do sêmen masculino que determina a liceidade de um ato sexual. Nem o destino de um óvulo possui este privilégio. A “moralidade” de um ato sexual depende de muitos outros fatores que não o puramente “procriativo”!
           
O chamado “Sermão da Montanha” de Jesus representa o que se poderia definir como Carta Magna do cristianismo. Não só o seu conteúdo é originalíssimo, mas também o método de expressão e o tipo de linguagem empregada são muito diferentes do modo como os legisladores de todos os tempos costumam dirigir-se ao povo.
           
O Sermão da Montanha não é um conjunto de normas ou de preceitos. É apenas uma súmula de “conselhos”. Os chamados “conselhos evangélicos” obedecem ao mesmo princípio: “se quiseres ser perfeito, vai e vende o que tens... (Mt 19,21). São dois níveis bem diferentes, o do preceito e o do conselho! O preceito é impositivo. Não deixa à vontade espaço para outra opção que não a obediência. O conselho é sugestivo, convida, mas não impõe!
           
Um dos defeitos mais sérios da Moral católica é o modo como nela tudo é expresso em forma de lei, de norma, de obrigação. O amor conjugal não é mais um ideal a ser perseguido, mas um dever a ser cumprido! Até a chamada “vida religiosa” foi submetida a “regras”. Também lá pouco espaço restou para formas alternativas de aspirar à perfeição e de praticar o amor como Cristo o praticou.
Padre Marcos Bach


POR QUE CULTIVAR “UM GRANDE AMOR”

O desejo sexual admite níveis que vão da “fome” até o “êxtase”, da luxúria desbragada até o “idílio amoroso”. O desejo de Holofernes era do nível que leva ainda hoje muitos “homens” aos braços de uma prostituta. A necessidade de “descarregar” a tensão sexual de maneira “civilizada” e socialmente “tolerável”, serve de justificativa tanto para institucionalizar a prática do “meretrício” quanto o próprio matrimônio. Quando a Moral católica enumera entre os “fins” do matrimônio a “sedatio concupiscentiae”, nada mais faz do que colocar a “comunhão conjugal” num plano muito próximo do “meretrício”.
           
Quem faz do “usus venereorum” um “remedium concupiscentiae”, um ato de “descarga fisiológica”, não entendeu em absoluto o que Cristo veio “acrescentar” ao impulso sexual humano. Um homem cristão não pode contentar-se com “ver” a mulher com os olhos de um Holofernes ou de um Casanova. “Qual o proveito que o convício com esta mulher (ou com este homem) me pode proporcionar? Qual a “utilidade” que ela (ou ele) me pode oferecer?
           
Nosso mundo ocidental é extremamente “utilitarista”. Queremos colher “resultados”! Somos “investidores”: só colocamos nosso “dinheirinho” lá onde a perspectiva de “lucro” é mais promissora! Só nos relacionamos com pessoas quando este relacionamento pode “acrescentar” algo de importante ao nosso “status social”!
           
Na maioria dos casos, o casamento e o intercurso sexual não resulta do encontro amoroso de dois “espíritos”, mas do “cálculo” de dois “egoístas”, cada qual pensando mais em si que no outro. Estamos longe de ver no intercâmbio sexual uma experiência espiritual e mística do mais alto nível.
           
A Moral Sexual católica muito tem contribuído para este deprimente estado de coisas! Ao definir a abstinência sexual como a forma mais perfeita de castidade, e envolvendo o celibato com a aura de “superioridade moral”, a Igreja católica rebaixou, sem o querer, a vida matrimonial a um plano aviltado que em nada condiz com a sua dignidade de grande mistério (Ef 5,32).
           
O amor deixou de ser a “alma” e a razão de ser do matrimônio entre cristãos, e teve que ceder o seu lugar ao “dever conjugal”. O próprio matrimônio foi rebaixado à condição de “contrato”.
           
Um “grande amor”, onde encontrá-lo? Na vida de um Padre Pio, de uma Teresa de Calcutá? É lá fora, em claustros e mosteiros que o papa vai à procura de candidatos ao “boom” de canonizações com que procura demonstrar que a Igreja continua “Santa”.
           
O matrimônio inclui o sexo! É este o seu “grande defeito”! Acontece que o “contato sexual” continua sujeito às consequências do “pecado original”. É uma área que ainda não foi integrada no processo “salvífico” de Cristo, na medida em que o foi o exercício da autoridade, para citar um exemplo. Um “grande amor” é algo tão raro, que Albert Camus chegou à conclusão de que em cada século só havia lugar para dois ou três, no máximo.
           
A meticulosidade com que os Compêndios de Moral entram em detalhes fornece a prova de que seus autores eram mais “peritos” do que “cristãos”. Quem precisa de um “poderoso guarda-chuva moral” para sentir-se bem abrigado, é aquele que não tem fé nem em si, nem no(a) companheiro(a), nem no Criador! A dimensão “mística” da vida matrimonial cristã é tema que ainda não encontrou o seu “Copérnico” ou seu “Einstein”!

Padre Marcos Bach


SEXO  E  AMOR

O impulso sexual não é uma obra do diabo. Zoroastro, um mestre religioso da antiga Pérsia, atribuía a um “demiurgo”, adversário do Criador, a criação do corpo material e com ele também do sexo.
           
O sexo e tudo o que com ele se relaciona é, portanto, obra de um “semideus invejoso”. Seu propósito era tirá-lo da esfera puramente espiritual e prendê-lo à matéria. A abstinência sexual total era a única maneira de retornar ao estado inicial de pureza espiritual.
           
Existe, de acordo com esta doutrina, um antagonismo irreconciliável entre espírito e matéria, entre alma e corpo, entre sexo e pureza. No pensamento do apóstolo Paulo, como no de Santo Agostinho, podemos encontrar reflexos desta visão da realidade sexual. Santo Agostinho foi durante algum tempo adepto da seita “maniqueísta”. Convertido ao cristianismo, abandonou o maniqueísmo, mas levou consigo boa parte do espírito pessimista próprio da seita. Foi no terreno da moral sexual que este pessimismo continua até hoje fazendo os piores estragos. Esta desconfiança sistemática para com a sexualidade humana não é inspirada pela fé em Cristo. A Bíblia do Antigo Testamento diz que Adão e Eva foram criados à imagem e semelhança de seu Criador. Depois de ter criado o homem, Deus passou em revista a sua obra “e viu que tudo o que tinha feito, era bom” (Gn 1,31).
           
“Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Não são os predicados sexuais que rebaixam a condição humana e impedem o desenvolvimento espiritual da humanidade! Jesus, assumindo a natureza humana, assumiu também a sua condição sexual. “Jesus foi homem em tudo igual aos outros homens, menos no pecado”, ensina o apóstolo Paulo.
           
Ao “divinizar” a natureza humana, Jesus dignificou também a sexualidade. Ele não se envergonhou do seu corpo. Não sei de passagem alguma dos Evangelhos que autorize qualquer atitude “sexofóbica”. Os autores bíblicos que nos relatam as circunstâncias em que Deus criou o primeiro casal “Sapiens” da nossa espécie, nada sabiam a respeito da natureza “trinitária” de Deus. Se o sabiam, não o mencionam.
           
Nós, cristãos, sabemos que este Senhor, que se compadeceu da solidão do primeiro homem, não era Ele mesmo um “solitário”. Nossa fé nos ensina que este Deus subsiste em três Pessoas. Até no seio do Deus Uno e Trino há espaço para diferenças.
           
Tudo em Deus é comum às três Pessoas, mas cada uma delas possui um modo próprio de realizar sua condição divina. É esta maneira “solidária” de ser e de viver a vida divina que encontramos em Deus, que constitui também a essência do amor conjugal. É em relação ao Mistério Trinitário que o matrimônio cristão deve ser entendido. Uma teologia da sexualidade só merece este nome e será “teológica” somente sob esta condição: se apresentar a vida sexual humana como reflexo e como participação da vida do próprio Deus!
           
Por não encontrarmos em nossos compêndios e nas encíclicas papais esta conexão íntima e misteriosamente profunda entre o Amor de Deus e o Amor humano, é que com razão se pode dizer que “nosotros no tenemos una teologia de la sexualidad” (Padre Fabri). Grande parte da “pobreza” de nossos compêndios de moral vem daí: não possuem base teológica!
Padre Marcos Bach


“VOX POPULI, VOX ECCLESIAE”

Não resta dúvida: no campo da ética sexual chegamos a um impasse! Se continuarmos a impor como “normal” o tipo de comportamento sexual patrocinado pelos compêndios de moral, é provável que a “turbulência” reinante neste terreno só irá aumentar de intensidade. Não dá para continuar apontando na mesma direção! Não é mais permitido prender a consciência de um cristão a imperativos e valores ligados a seu passado histórico e a uma visão antropológica “fisicista”. É preciso colocar a “escatologia” no lugar do culto da “tradição”. É bem pouco o que o passado histórico tem a oferecer em comparação com o que ainda não foi realizado, mas já se encontra presente na Esperança Cristã.
           
Como cristão tenho a certeza de que “aquele que começou a boa obra em mim também saberá como completá-la” (Fl 1,6). “Minha tarefa é começar! Cabe a Deus concluir a obra começada” (São Francisco de Sales).
           
Não basta dar o pontapé inicial. É preciso começar de maneira tal que Deus tenha o que completar! É evidente que o Espírito Santo não se vai envolver com qualquer “projeto pastoral” ou iniciativa bem intencionada. Faz parte da sabedoria de Deus não “embarcar em qualquer canoa”.
           
Numa corrida de Fórmula Um a vitória não pertence ao que largou na “pole position”. O próprio Apóstolo Paulo compara a vida cristã a uma “corrida”. “Cursum consummavi”: “Concluí a corrida” (I Cor 9,24).
           
Quem se mete a correr tem pressa e vive sob o signo da urgência, como Cristo a viveu. Olhava para o seu futuro como quem tem pressa. Pressa em chegar ao termo e colher o fruto da sua fé e do seu esforço moral.
           
A moral tradicional se preocupa mais com o “bom comportamento” do que com a “boa velocidade” dos membros da comunidade de fé. A atitude “conservadora” tem seus méritos, mas somente se demonstrar tanto interesse pela “conservação” da estrada e pela qualidade dos “veículos” que por ela circulam quanto pela idoneidade dos motoristas. Será que uma Igreja que não pensa em mudar-se a si mesma pode reclamar para si um lugar de respeito numa sociedade convulsionada como a atual?
           
O primeiro dever de quem prega o Evangelho de Cristo consiste em ser “coerente” com o que prega! A quem prega uma coisa, mas pratica o seu oposto, pode-se aplicar o ditado popular: “Bem prega Frei Tomás, fazei o que ele diz, mas não façais o que ele faz”!
           
Quando um homem revestido em liberdade; quando este mesmo homem submete seus auxiliares mais diretos à lei do celibato, dá para desconfiar da sinceridade do seu discurso quando fala em amor!
           
Nós, católicos, temos que nos haver com um discurso oficial da nossa Igreja, proferido em nome de Deus, que, além de não se inspirar na mensagem de Cristo, não coere nem com os fatos e menos ainda com o que sobre este assunto pensa o “Povo de Deus”.
           
Pio XII declarou a opinião pública como elemento constitutivo da “voz da Igreja”. “Vox populi, vox Dei”, reza um ditado. Falta completá-lo: “Vox populi, vox ecclesiae”.
           
Quando a sabedoria dos “pequeninos e humildes” vier a ter o mesmo peso que a voz dos “pastores” da Igreja, haverá esperança de que venhamos a ter uma moral mais afinada com o sentimento do povo cristão. Grande parte do que se pode encontrar num compêndio de moral católico é constituído de dispositivos jurídicos. A argumentação obedece a critérios filosóficos. A contribuição das modernas “ciências” do homem e da natureza ainda não encontraram espaço no pensamento “oficial” das Igrejas cristãs.
           
No campo da sexualidade está por acontecer uma verdadeira “revolução copernicana”. Mulheres lotam as universidades. No Brasil estão se preparando para entrar na política. Com a presença de mulheres jovens, belas e inteligentes, o cenário político está ficando mais “charmoso” e mais “educado”. A ausência da mulher nas esferas dirigentes das Igrejas cristãs em geral, e da católica, em especial, é um fato extremamente lamentável. Prejudica a Igreja toda, os homens mais que as mulheres, pois homem que não sabe conviver com mulheres em pé de igualdade, não é homem, por mais “machista” que seja o seu comportamento!
           
Nosotros no tenemos una teologia de la sexualidad”. Foi com estas palavras que um padre jesuíta argentino abriu um “Seminário” sobre aspectos problemáticos da conduta sexual moderna. O que ele disse nada mais é do que a pura verdade!

Padre Marcos Bach


MATURIDADE ÉTICA
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos revelou que o número de americanos moralmente adultos não ultrapassa a casa dos l5%. Bernard Shaw já dizia que 5% da humanidade pensa; que 10% pensa que pensa, e que os restantes 85% preferem morrer a ter que pensar.
Humor à parte e descontada uma dose inevitável de exagero e pessimismo, a verdade parece estar do lado desses números. A maturidade moral não parece constituir o lado forte do homem moderno. Em que um casal europeu ou americano difere de um casal indiano ou chinês em termos de consciência moral? Ora, se a maturidade moral é fenômeno raro, entende-se porque o Papa Bento XVI em sua encíclica moral (Veritatis Splendor) resiste à ideia de fazer do planejamento familiar uma questão de consciência. Se o número de casais moralmente adultos é tão reduzido como os fatos estão a sugerir, então é realmente temerário confiar à consciência do casal a responsabilidade exclusiva pelo que faz ou pretende fazer.
O tom das encíclicas papais dá a entender que elas se destinam a pessoas que ainda necessitam do pulso firme e da ordem perentória de um pai solícito, no caso o Papa. Os que não estão em condições de encontrar por si mesmos a solução correta, fazem mal quando ignoram a voz do Papa e o ensinamento da Igreja. Mas aqueles que se podem considerar de posse de uma consciência adulta o suficiente para não precisar da ajuda de muletas morais, não só podem, mas têm a obrigação de assumir a plena responsabilidade pelo que fazem. Esta obrigação também se estende ao planejamento familiar.
Um axioma jurídico diz: “Abusus non tollit usum”. O abuso não justifica a abolição pura e simples de uma prática. O fato de 85% dos casais (suponhamos que a porcentagem corresponda à realidade) não possuírem sequer o mínimo de maturidade moral requerido e que com justiça se pode esperar de uma pessoa culta e civilizada, não dá à autoridade alguma o direito de impor a todos, sem distinção, a mesma regra.
Toda regra que não admite exceção é basicamente imoral e fonte potencial de injustiças.
Estrangular a liberdade de espírito de um filho de Deus é bem mais grave do que usar a pílula. Não é de leis e proibições que a humanidade precisa mais, mas de homens e de mulheres capazes de transformar a sua união em verdadeira ponte para o sempre e para o além! O que revela a pessoa moralmente imatura é precisamente a sua incapacidade de se deixar conduzir por sua própria consciência.
Quando os compêndios de moral se referem à consciência errônea estão fazendo confusão entre consciência e pseudo-consciência. A consciência autêntica é interior, íntima e pessoal. A pseudo-consciência é uma superestrutura de natureza psicossocial, em certo sentido exterior à pessoa. Resulta de uma educação disciplinadora, destinada a fazer da criança um elemento socialmente assimilável. Quanto mais injusta, despótica e opressora for a sociedade que proporciona à criança este tipo de educação, tanto mais tirânica será o seu superego. Basta seguir Freud, identificando como ele o fez, superego com consciência moral para completar o estrago.
Autodisciplina significa ser capaz de responder de forma plena por sua liberdade. Ela inclui como elemento essencial o respeito pela liberdade do outro.
Por que restringir a liberdade de quem sabe usar dela sem prejudicar a de seus semelhantes? Em nome de Deus? Em nome do bem comum? Em nome da moral? Que moral é essa que tem medo da liberdade?     Que representantes de Deus são esses que só sabem comunicar-se com os homens através de Decretos?

Padre Marcos Bach


É PRECISO SAIR DA INÉRCIA
Embora importante, o comportamento moralmente correto por si só não basta para equacionar o problema criado pela revolução sexual de nossos dias.  Em outras palavras: a moral não basta para despertar o que no ser humano existe de melhor.
O objetivo da moral é o homem bom: o homem/mulher que não peca, e não destoa da regra. O oposto dele não é apenas o mau, o pecador, mas também o homem espiritual, como o chama o apóstolo Paulo. O homem espiritual toma distância igual em relação ao pecado e à lei moral. Não quer ser mau, mas também não se contenta com ser apenas bom. A preocupação por melhorar e progredir é traço essencial não da moral, mas da espiritualidade cristã. O confronto entre o caráter eminentemente estático e conservador da moral e o caráter dinâmico da espiritualidade cristã não encontra ainda na Igreja um árbitro à altura do desafio.
Um casal católico não é obrigado a sujeitar o futuro do seu casamento às diretrizes de uma Igreja que não quer progredir e se contenta com o que é e tem para oferecer. O que é muito pouco quando comparado com as crescentes necessidades do Povo de Deus.
A ideia de que basta disciplinar o comportamento sexual dos casais para coibir qualquer espécie de abuso nesta área é por demais ingênua para merecer respeito. O homem que tem o direito de decidir por si não é o homem moral, mas o homem espiritual. Só aquele que está a caminho do bem maior tem condições de julgar o que é bom ou mau.
É evidente que não é por meio de leis absolutas que vamos criar na consciência do homem moderno o espaço moral de que ele necessita para evoluir. Se o homem do futuro não for mais do que uma cópia melhorada do atual Homo Sapiens, não vale a pena perder tempo com o futuro da humanidade. Em poucas palavras: precisamos de outro tipo de homem e de mulher. E logicamente de outro tipo de família. Mais ainda: vamos precisar muito de um sistema ético mais afinado com a liberdade do homem do que com o atual conceito obsoleto de ordem social. Uma ética feita para as pessoas e não uma que se preocupa por demais com o destino de sistemas e de instituições em fase final de decadência.
Um casal católico não tem o direito de parar só porque sua Igreja resolve parar no tempo.

Padre Marcos Bach


REALIDADE MALEÁVEL PORQUE DINÂMICA
A moral católica dá a impressão de ser mais severa que a de outras religiões ou Igrejas. Ao menos a moral sexual que propõe, tem esta fama.
A verdade é que o modo como a Igreja católica formula a sua proposta moral não é muito feliz. Os termos em que é formulada poderiam ser muito mais propositivos e menos impositivos. O caráter normativo da moral não precisa ser expresso na forma de um decreto. Uma norma moral não é uma lei que não admite exceções. Já Santo Tomás de Aquino opunha à Lex Moralis a Lex Vitae.
A vida humana e a vida cristã em particular, é uma escola. É em confronto com situações concretas que Deus manifesta sua vontade. Por isso a doutrina moral da Igreja não tem condições de responder a todas as necessidades de um casal, por exemplo. Há situações em que a aplicação pura e simples de uma norma teoricamente correta seria contra indicada.
A realidade é maleável porque é dinâmica. Um sistema ético-moral  rígido, feito de regras que não admitem exceção, não combina com a Lei da Vida, pois a parte melhor da vida humana é feita de surpresas, isto é, de exceções. A regra é como o esqueleto: necessário, mas incapaz por si de pôr um corpo em movimento. A elasticidade produzida por músculos é muito mais importante do que a estrutura óssea.
Esta é uma verdade essencial quando se trata de avaliar o desempenho moral de uma pessoa. Dirigir um avião supersônico ou um carro de corrida exige do piloto duas coisas essenciais: preparo adequado e um veículo apropriado.
Em assuntos de ética sexual não temos nem um coisa, nem outra. Nossos jovens estão sendo preparados para tudo, menos para voar a grandes alturas ou a grandes velocidades. Nossa moral sexual foi elaborada por homens celibatários que, ao menos em teoria, só conhecem um tipo de experiência sexual: a abstinência. O desejo sexual não satisfeito se parece com uma panela de pressão: pode explodir a qualquer hora!
Nossa moral sexual foi arquitetada por homens que têm medo do sexo. Este medo os impeliu ao rigor e à severidade, onde toda altitude não é necessária. O medroso projeta seus receios sobre outros. Um celibatário é levado a crer que os casados têm os mesmos problemas sexuais que ele. Pode julgar que todo o mundo é tentado pelo demônio como ele o é.
A carne é fraca, dizem. Esquecem um detalhe psicológico importante: a carne passa a tornar-se cada vez mais fraca à medida em que for frustrada em seu desejo. Para baixar a febre do desejo não basta a continência pura e simples. A atividade sexual por si só também é incapaz de diminuir a ameaça de incêndio. Curtos circuitos são ameaça que ronda tanto a vida de um clérigo quanto a de casados.
A tentação não é necessariamente sinal de fraqueza moral. Aos verdadeiramente fracos o demônio da luxúria não tenta, porque já os traz em sua rede. A tentação sempre se dirige aos que ainda não capitularam. A tentação é a homenagem que o vício presta à virtude. O ideal não é a paz do cemitério, mas o júbilo da vitória.
É esta visão otimista que falta à moral cristã, em geral. Insistimos por demais em ligar sexo com pecado. Em lugar de ver nele uma ponte que leva do instinto ao Amor.

Padre Marcos Bach


VIVEMOS NUMA SOCIEDADE CONVULSIONADA     

Não resta dúvida: no campo da ética sexual chegamos a um impasse! Se continuarmos a impor como “normal” o tipo de comportamento sexual patrocinado pelos compêndios de moral, é provável que a “turbulência” reinante neste terreno só irá aumentar de intensidade. Não dá para continuar apontando na mesma direção! Não é mais permitido prender a consciência de um cristão a imperativos e valores ligados a seu passado histórico e a uma visão antropológica “fisicista”.

É preciso colocar a “escatologia” no lugar do culto da “tradição”. É bem pouco o que o passado histórico tem a oferecer em comparação com o que ainda não foi realizado, mas já se encontra presente na Esperança Cristã.
           
Como cristão tenho a certeza de que “aquele que começou a boa obra em mim também saberá como completá-la” (Fl 1,6). “Minha tarefa é começar! Cabe a Deus concluir a obra começada” (São Francisco de Sales).
           
Não basta dar o pontapé inicial. É preciso começar de maneira tal que Deus tenha o que completar! É evidente que o Espírito Santo não se vai envolver com qualquer “projeto pastoral” ou iniciativa bem intencionada. Faz parte da sabedoria de Deus não “embarcar em qualquer canoa”.
           
Numa corrida de Fórmula Um a vitória não pertence ao que largou na “pole position”. O próprio Apóstolo Paulo compara a vida cristã a uma “corrida”. “Cursum consummavi”: “concluí a corrida” (I Cor 9,24).
           
Quem se mete a correr tem pressa e vive sob o signo da urgência, como Cristo a viveu. Olhava para o seu futuro como quem tem pressa. Pressa em chegar ao termo e colher o fruto da sua fé e do seu esforço moral.
           
A moral tradicional se preocupa mais com o “bom comportamento” do que com a “boa velocidade” dos membros da comunidade de fé. A atitude “conservadora” tem seus méritos, mas somente se demonstrar tanto interesse pela “conservação” da estrada e pela qualidade dos “veículos” que por ela circulam quanto pela idoneidade dos motoristas. Será que uma Igreja que não pensa em mudar-se a si mesma pode reclamar para si um lugar de respeito numa sociedade convulsionada como a atual?

Padre Marcos Bach


O QUE É O NATURAL NA PESSOA HUMANA

O natural no homem é o racional. O biológico e o fisiológico não podem ser tomados como manifestações da lei natural, a menos que se queira levar a moral de volta às cavernas da pré-história. Amarrar a espontaneidade do amor entre esposos ao ritmo dos ciclos férteis ou estéreis da mulher é o mesmo que desconhecer a diferença entre um casal humano e o comportamento normal de um casal de chimpanzés. De que valeria a um casal o ser livre e dotado de razão, se não tivesse o direito e a liberdade de estender o domínio da sua razão também à atividade reprodutiva? Por que um casal humano é obrigado a submeter sua liberdade a determinismos biofisiológicos como se fossem mais sagrados do que a consciência livre do homem?

Com que direito se pode chamar de natural um método que é o oposto do que é normal entre animais? É justamente no período fértil da fêmea que os animais copulam. Fora deste período praticam a continência. Como se pode pensar em impor à consciência de um casal como natural um procedimento que os animais desconhecem? O máximo que se pode dizer dos ensinamentos da Igreja referentes ao planejamento familiar é que são contraditórios, confusos e destituídos de base confiável. O apelo à autoridade papal não é suficiente para estabelecer uma obrigação moral. Argumentos filosóficos, extraídos de um sistema particular, como é a Escolástica, também não bastam para criar a certeza concreta, sem a qual não há obrigação moral.

In dubiis libertas”! Enquanto a Igreja não encontrar razões mais convincentes em favor de seu ensinamento nesta matéria de que tratamos, nenhum casal é obrigado a segui-lo.

O que estou questionando não é a autoridade da Igreja, mas um modo leviano e desabusado de exercê-la. É isto que um casal católico (pois são eles os únicos atingidos pelas diretrizes do Vaticano!) deve e pode ter em mente: “Obedecer à Igreja é mais do que obedecer ao papa”! O papa não é a Igreja. É apenas parte dela. A voz do magistério da Igreja inclui a dos bispos. O diálogo do povo católico com o seu bispo é mais fácil, porque o bispo fica mais perto, e é também mais profícuo, pois eles, povo e bispo se conhecem melhor. Infelizmente a maioria dos bispos é nomeada pelo papa sem que o povo tenha parte no processo. Como resultado deste modo de proceder, o bispo é alguém que se sente mais comprometido com Roma do que com o povo da sua diocese. Mais prisioneiro do Código de Direito Canônico do que servo do Povo de Deus.

Sem diálogo e sem um mínimo de negociação entre o Povo de Deus e os Pastores da Igreja não há como sair do impasse existente entre o que os pastores ensinam e o que o povo pratica. É difícil encontrar terreno onde a discrepância entre o que se ensina e o que se pratica é tão flagrante e cheia de riscos potenciais quanto este de que estamos tratando.

Uma boa máquina necessita de válvulas de segurança. Para mantê-la em função não basta apertar os parafusos sempre mais. Vem o dia em que os parafusos estouram. No campo da ética sexual tal como é imposta pelos papas à consciência dos católicos, este dia não está longe. Na origem da atual anarquia sexual está também a moral católica por excesso de rigor e por   desconhecimento quase total das condições psicológicas e culturais do homem moderno. O que os censores da moral católica mais ignoram é a ascensão da mulher em praticamente todos os palcos da sociedade moderna.

Padre Marcos Bach                                                                                                                              


RESPONSABILIDADE ÉTICA NO AMOR

A evolução dora em diante corre por conta e responsabilidade do homem. Do “novo homem”, do “homo christianus” de amanhã, pois o cristão de hoje muito pouco se parece com ele. Quando a Igreja católica fala em “ordem cristã”, refere-se à “ordem do amor”, apoiada na justiça. A “sociedade do amor” de que fala Paulo VI e de que trata a Declaração de Puebla, está nas intenções da Igreja católica, não resta a menor dúvida. Mas a envergadura evolutiva que ela possui, o salto tremendo que significa, é algo que escapa à antevisão dos homens que em Puebla se debruçaram sobre o futuro da Igreja e da humanidade. Por quê? Porque Puebla foi um encontro de pastores, com muito pouco espaço reservado aos profetas, aos contestadores radicais. No entanto, são estes que costumam abrir brechas nas muralhas da acomodação. O tempo dos pastores passou. A época em que vivemos não comporta mais este tipo de liderança espiritual. Uma liderança demasiadamente pacata e impessoal. Confiar a pastores a tarefa de construir a “sociedade do amor” é demasiadamente temerário, pois seria o mesmo que supor a sociedade do amor composta de ovelhas dóceis e bem alinhadas.
           
O processo evolutivo não se desenrola em sentido linear, sem solução de continuidade. Ao contrário. As etapas não se sucedem em ordem matemática. Sobrepõem-se e se confundem no contexto do mesmo fenômeno. Isso torna a realidade contraditória e ambígua. Assim, por exemplo, a libertação se realiza em meio aos piores processos de opressão. É em meio à tirania das leis que o amor bate asas e levanta voo. O mesmo paradoxo caracteriza a relação entre homem e mulher.
           
O primeiro momento dialético é o que provavelmente marcou a união entre homem e mulher na origem: o interesse grupal (sobrevivência) e portanto a procriação e a função econômica. A pouca distância a separar o homem (espírito) da natureza (matéria), o indivíduo da pessoa, o casal do grupo fez com que naquela altura da evolução a união sexual ligando homem e mulher tivesse um cunho eminentemente biológico e funcional, alienado e impessoal. O direito à realização pessoal, e com ele o direito de escolher, de divergir do modelo grupal, era praticamente nulo. Um mínimo de vivência existencial e um máximo de subordinação a padrões grupais: esta era a regra, com muita probabilidade. Num contexto assim determinado não havia lugar para a neurose, já que qualquer desajuste ou veleidade de liberdade sexual era praticamente impossível. O clima e a atmosfera eram favoráveis à espontaneidade sexual, uma  espontaneidade muito próxima da do primata de nossos dias. Em sociedades constituídas de acordo com este nível de relacionamento terá havido bem pouco lugar para valores como decência, pudor e vergonha.
           
Para que estes valores e outros mais, como castidade, aparecessem à tona da consciência do homem, foi preciso que a evolução passasse para um novo estágio, dialeticamente superior: o da negação antitética da base anterior. Uma base marcada pela ruptura, pelo distanciamento em relação ao nível anterior, marcadamente biológico e funcional, amparado numa concepção mítico-mágica da natureza. Uma concepção religiosa de cunho panteísta, sem condições de oferecer espaço para o amor.

A nova fase, a que corresponde ao segundo momento evolutivo, apresenta um cunho nitidamente dualista, já que se apoia em concepção religiosa diametralmente oposta à anterior. Enquanto a concepção panteísta confunde Natureza e Deus, a concepção racionalista distingue e separa Deus do mundo. Daí à conclusão de que espírito e matéria são realidades distintas e separadas, só foi preciso dar um passo. Só restou colocá-los em oposição frontal. Foi o que aconteceu. Só faltou dar mais um passo: decretar a superioridade do espírito sobre a matéria; identificar a matéria (carne e sexo) como o lugar do “pecado”, e caracterizar o espírito (e a atividade espiritual) como o lugar próprio do bem e da virtude. Sendo espírito e matéria (alma e corpo) o homem transformou-se em campo de batalha entre o bem e o mal. A vida, vista sob este prisma, é a eterna luta entre o vício e a virtude, a grandeza e a baixeza. E assim por diante. O mérito desta concepção está em que liberta a relação do enredo de servidões cósmicas, da tirania do ritual monotonamente imutável. O casamento já não é mais visto como função biossocial apenas. É visto em nova dimensão: como gesto pessoal. Perdeu em grande parte a ingênua espontaneidade “animal” de outrora. Mas adquiriu um toque novo: o respeito pela dignidade da pessoa do cônjuge. É evidente que a evolução não para, nem vai parar aqui.
           
Falta um terceiro momento, dialeticamente superior, onde os dois momentos anteriores se reencontrem estaticamente unidos em nova dimensão humana. É muito difícil apresentar em visão compreensível o quadro de uma sociedade marcada por relacionamentos que viessem a corresponder ao terceiro momento dialético. Quando a Igreja católica apresenta a virgindade e celibato como valores escatológicos, sem os quais a vida da comunidade de fé não se alçaria nunca além da modesta mediania das construções puramente humanas, ela se faz eco do futuro e protagonista da evolução. O futuro está do lado da liberdade e do amor. Ora, basta um olhar de relance para descobrir que o futuro não está nem um pouquinho do lado do nosso tipo modelar de casamento.

Como deve ser então o casamento para responder às exigências da evolução? Muito simples: um casamento de amor do começo ao fim; desde o primeiro sorriso encabulado até o derradeiro suspiro! Isso aí. Só isso e nada mais. Na proporção em que o amor dominar o quadro das relações todas, especialmente o relacionamento conjugal, o futuro se fará presente.

Padre Marcos Bach


TERRITÓRIO MINADO    

Por que a Igreja católica insiste em tratar a mulher como se ela fosse um ser humano de qualidade inferior? Será que procedendo assim a Santa Madre Igreja está sendo justa e fiel a uma lei de Deus?
        
Enquanto a Igreja continuar a dar ao mundo uma demonstração tão flagrante de discriminação social, sua credibilidade no trato de questões de natureza sexual só poderá continuar decrescendo.
        
Todo ser humano traz em si as consequências de um pecado que não cometeu: é o famigerado “pecado original”, fonte primigênia de todos os pecados da humanidade. Além de continuar a causar estragos sem conta, é geneticamente transmissível. Por mais santos que sejam seus pais, a criança sempre nasce carregando em sua alma a maldição do “pecado” de Adão. A acreditar nos ensinamentos da Igreja, não há terreno em que este pecado mais estragos causou do que no terreno sexual. O desejo sexual é visto não como dispositivo do Criador, mas como consequência do pecado do primeiro pai da humanidade. Santo Agostinho foi o pensador cristão que mais contribuiu para fazer da vida sexual um território “minado”, altamente perigoso à prática das virtudes cristãs. Só faltava-lhe dizer que a sexualidade é a porta escancarada por onde o diabo consegue penetrar com mais facilidade no interior das almas.
        
De todos os prazeres, o que mais contribui para corromper e degradar um homem, é o “prazer venéreo”, a “concupiscência da carne”. A decadência moral da sociedade romana no tempo de Agostinho explica o extremo rigor dele, mas não o justifica. O prazer sexual pode ser substituído com facilidade por outros prazeres bem menos superficiais e fugazes. O amor, a vida em sociedade oferecem uma variedade muito maior de prazeres do que uma “noitada de amor” num motel. Há mais prazer em ampliar a sua “faixa de conhecimentos” do que em “colecionar” orgasmos insípidos e sem graça alguma.
        
O problema causado por um sistema moral demasiadamente rigorista não se resolve substituindo-o por um sistema moral mais “frouxo” e mais indulgente. A compaixão não é uma virtude moral, mas uma atitude “política”. “Compassivo é aquele que sabe por experiência como é difícil ser bom” (Deepak Chopra).
Se é difícil ser bom, muito mais difícil é ser perfeito! Recebe o nome de “moralismo” a atitude de quem não admite “abatimentos” na avaliação moral de uma pessoa. É “perfeccionista” aquele que confunde o ato “bom” com o ato “perfeito”. Se for “fariseu” prenderá a “perfeição” do ato mais à “letra” da lei do que a seu “espírito”.

Toda lei justa e que não seja “draconiana” admite uma interpretação flexível e um modo “sábio” de aplicá-la, pois a lei é apenas meio. Aponta para um objetivo maior, que é a realização do “bem comum”. Está, além disso, submetida à lei suprema do amor e da liberdade espiritual.

Padre Marcos Bach


DE MÃOS DADAS NA UNIDADE CONJUGAL

A integração num organismo social mais amplo é essencial para a sobrevivência moral da unidade conjugal. Individualismo e egoísmo a dois é vício tão pernicioso quanto o egocentrismo individual. A “pessoa conjugal”, que nasce da união matrimonial, necessita do “oxigênio” de espaços bem mais vastos do que o acanhado espaço familiar.

Como todo bem, também o amor tende a se difundir, a ocupar espaço sempre maior. É no interior das pessoas que existe em profusão “espaço vazio”, ainda não ocupado. Um amor não compartilhado acaba por extinguir-se, sufocado pela estreiteza. O medo de perder o amor do companheiro ou companheira é um dos resultados de uma política de “confinamento”. Termina-se por sufocar o que se pretende proteger e resguardar. O ciúme é considerado por muitos como “prova” de amor. Na realidade é indício de medo e de falta de fé no outro. É fruto “venenoso” de uma das manifestações mais primitivas de amor que é o chamado “amor possessivo”.

Quem tem medo de perder o amor de alguém, não o merece. Também no terreno afetivo é preciso “saber perder”. Uma farta dose de “espírito esportivo” também aí é indispensável a quem faz questão de “não fazer feio”.

Amigo é aquele que está disposto a “dar a sua vida pela do amigo” (Jo 15,13). É aquele que abre mão da preocupação por sua própria felicidade, colocando em lugar dela a preocupação pela do amigo.

Uma vida a dois adquire maturidade na medida em que de lado a lado cresce a solicitude pelo bem-estar físico e espiritual do outro cônjuge. Quem não está disposto a perder a sua vida não a merece. Quem não está disposto a renunciar a si e a sua felicidade, não a merece. A vida conjugal não é um terreno livre de frustrações e derrotas. Bem depressa chega a hora em que o belo “arco-íris”, tecido de sonhos e de fantasias, começa a empalidecer. Este fato não deve ser interpretado como “perda” e como “fracasso”.


Se o casamento fosse uma “sinecura” e a vida conjugal uma “excursão turística”, o despertar do sonho romântico para a realidade da vida poderia ser classificado como “decepção”. Mas já que o matrimônio nada mais é do que um “caminho” e a vida conjugal uma “jornada a dois”, por que pensar em abandonar o caminho quando ele começa a se tornar mais íngreme? Em vez de pensar em separar-se do companheiro de jornada, não seria melhor tomá-lo pela mão?    
Padre Marcos Bach


FÉ E ÉTICA

Faz parte da fé adulta crer em algo mais do que em si mesmo. O pacto matrimonial inclui a fé no futuro cônjuge. O “sim” pronunciado ao pé do altar é, antes de tudo, um ato de fé, mais que de amor e de esperança. É em sua essência um ato de “loucura”, pois tudo o que os noivos prometem ser um para o outro encontra-se muito além e muito acima da sua real capacidade de pôr em prática.

Pode ser sincero, mas falta ao “sim”, em tantos casos, a “incondicionalidade” própria do amor. Existem por demais “reservas” e desconfianças na mente de homens e mulheres acerca do “sexo oposto”, para permitir que este “sim” possua este mínimo de “confiabilidade” que dele se deve exigir, tendo em vista que não se está permitindo a dois “adolescentes” fazer uma “experiência” de vida conjugal. Não se pode desligar a opção pelo matrimônio de outra escolha muito mais abrangente que é a “opção existencial”.

O matrimônio entre cristãos é considerado “sacramento” pela Igreja católica e quem o abraça o faz em obediência a uma “vocação divina”, a um chamado especial de Deus. É, portanto, prova de leviandade pura, o modo como na Igreja católica são feitos os casamentos! A facilidade com que se declara “unido para sempre”, o que já nasceu “separado” por dentro. O Apóstolo Paulo define o matrimônio e o amor conjugal como “grande mistério” (Ef 5,32).

O que confere caráter “sagrado e sacramental” à união matrimonial é sua analogia e semelhança com o Amor com que o próprio Deus ama a si mesmo e a obra de seu Amor.

Paulo chama ao amor que impele homens e mulheres a se unirem para sempre e em caráter definitivo, irreversível e “eterno”, de “grande mistério”. A palavra “grande” chama a atenção porque Paulo não era dado a exageros. Todo mistério é “insondável”. E um “grande mistério” deve ser ainda muito mais “imperscrutável” do que os “pequenos” mistérios de fundo de sacristia.

A integração num organismo social mais amplo é essencial para a sobrevivência moral da unidade conjugal. Individualismo e egoísmo a dois é vício tão pernicioso quanto o egocentrismo individual. A “pessoa conjugal”, que nasce da união matrimonial, necessita do “oxigênio” de espaços bem mais vastos do que o acanhado espaço familiar.

Como todo bem, também o amor tende a se difundir, a ocupar espaço sempre maior. É no interior das pessoas que existe em profusão “espaço vazio”, ainda não ocupado. Um amor não compartilhado acaba por extinguir-se, sufocado pela estreiteza. O medo de perder o amor do companheiro ou companheira é um dos resultados de uma política de “confinamento”. 

Termina-se por sufocar o que se pretende proteger e resguardar. O ciúme é considerado por muitos como “prova” de amor. Na realidade é indício de medo e de falta de fé no outro. É fruto “venenoso” de uma das manifestações mais primitivas de amor que é o chamado “amor possessivo”.

Padre Marcos Bach


ESPAÇO E POTENCIALIDADES DO CASAL MODERNO

Hoje vivemos numa sociedade em que o indivíduo usufrui, no que tange à vida sexual, de uma liberdade invejável, se a compararmos com a do primitivo. Já passamos a admitir, embora timidamente, que o objetivo primário da sexualidade é proporcionar à pessoa espaço para a sua realização humana plena. Como o único espaço que comporta realização autêntica é o da liberdade, é preciso ter a coragem de excluir, como degradantes, todas as formas de enquadramento antissocial da sexualidade que não respeitam a livre opção pessoal. As que fazem caso omisso da soberania da consciência moral.

O casamento, além de constituir o único espaço que a lei reserva à atividade sexual, é considerado o lugar ideal para a plena realização sexual. Aí é que começa o jogo dos equívocos. Embora o tipo de casamento a que costumamos encaminhar com tanto orgulho o jovem casal de namorados represente um avanço copernicano em relação ao que o Homem Neolítico entendia por esta instituição, não se pode afirmar que atingimos o limiar do plano ideal. Quem, ao ver a realidade divorcista (da qual a legislação é apenas o reflexo lógico), teria a audácia de dizer que descobrimos a forma ideal de casamento, e que pouco resta a pensar e a definir neste assunto? A verdade é outra.

O espaço, que o casamento proporciona à realização pessoal, continua muitos pontos abaixo das exigências e potencialidades do casal moderno. Todos os problemas sexuais estão basicamente relacionados com tempo e espaço. A amplitude do espaço físico se traduz em milhões de anos-luz. Esta descoberta força e amplifica os espaços interiores do homem, rompendo defesas e seguranças. No campo psicológico tal fato se traduz como mal-estar frente às dimensões acanhadas em que são concebidas instituições sociopolíticas e religiosas. Dão a impressão de terem sido concebidas para homens de outras épocas. Em nenhuma delas há lugar para a pessoa humana toda, sem forçá-la a amputar uma parte essencial de si e deixá-la do lado de fora.

A outra alternativa é marginalizar-se para manter íntegra a unidade psíquica e escapar assim da neurose.

Padre Marcos Bach


ASPECTOS FRÁGEIS DA ÉTICA SEXUAL

Homens e mulheres se “conhecem” mais como “figuras imaginárias” do que como seres de carne e osso. Quando o primeiro casal humano verdadeiramente consciente de si se encontrou pela primeira vez, o homem prorrompeu na exclamação: “Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos”!

Não é partindo de lados contrários que homens e mulheres se dirigem ao encontro um do outro. As diferenças entre homens e mulheres são relativamente poucas e pertencem todas elas à mesma “natureza”. O modo de “encarnar” a natureza humana é substancialmente o mesmo. As diferenças tipicamente sexuais são de ordem formal e estilística. Salientar por demais as diferenças é o que se encontra por trás da “guerra dos sexos”. Assim como toda guerra, também esta é totalmente desnecessária, e só acontece lá onde o bom senso foi expulso do diálogo social.

A mulher não é a encarnação exterior da “metade” que lhe falta. Finalidade da união sexual não é juntar “partes” para com elas formar um “todo” maior. Se assim fosse, não haveria como justificar o celibato. O casamento seria o fruto de uma “necessidade” biopsicológica.

Onde situar o amor numa união dominada pela necessidade e regida por determinismos psicofisiológicos? O Código de Direito Canônico declara “consumado” um matrimônio após a realização do primeiro ato sexual completo. O que torna o matrimônio “indissolúvel” e faz do “sim” dado na devida forma canônica uma “opção irreversível”, é o ato sexual. Basta um único ato fisicamente completo para “amarrar” um casal em caráter definitivo ao “sim” dado ao pé do altar. Em momento algum o Código se preocupa com os aspectos “qualitativos” do ato. Esta supervalorização dos aspectos fisiológicos do ato sexual continua fazendo parte da Moral Sexual católica. A ausência de qualquer espécie de preocupação pelos aspectos afetivos e psicológicos do ato sexual é gritante. Uma ultrapassada concepção “fisicista” contribuiu e continua contribuindo mais do que se supõe para a desagregação da vida familiar e para a “degradação” do relacionamento sexual do mundo ocidental “cristão”. É evidente que um dos aspectos mais falhos da moral católica é de natureza antropológica.

Ao optar por Aristóteles em detrimento do pensamento platônico, a Igreja católica “baixou” o perfil antropológico do homem. Na opinião de Platão o homem é um “espírito” condenado a viver numa “prisão”, o corpo material. Já era bem outra a opinião de Aristóteles, pois segundo ele, o homem é sob todos os aspectos um “animal”. O que o distingue dos outros animais é sua racionalidade, isto é, sua inteligência. À concepção “idealista” do platonismo Aristóteles contrapôs uma visão mais “fisicista” do comportamento sexual humano. No campo moral continua prevalecendo o pensamento de Aristóteles. No terreno da “espiritualidade” continua prevalecendo a concepção “idealista” de Platão. No terreno moral continua em vigor a Lex Naturae: todo ato sexual que não permanece “aberto à vida” (em sentido biológico), é imoral, por ferir um princípio básico da Lei Natural. É o papa Paulo VI quem o diz.

O envolvimento afetivo não faz parte dos critérios de aferição ética de um ato sexual. Os únicos critérios que determinam sua “liceidade moral” são de natureza biofisiológica e jurídico-social. O amor não faz parte dos critérios constitutivos da “moralidade” de um ato sexual. É admitido como “obrigação”, como exigência “colateral”. Como imperativo “extrínseco”, como valor “acrescentado” e agregado, mas que por si nada acrescenta ao modo correto de “cumprir” o dever conjugal. O fato de estarem casados na “forma da lei” confere a cada ato conjugal a sua “liceidade” e seu valor moral básico.

A Moral católica se contenta com prestigiar a forma exterior “correta” e os aspectos de natureza “ritual” do intercurso sexual. A falta de “envolvimento afetivo” não torna um matrimônio nem “ilícito” nem “inválido”. Mesmo que o último resquício de “calor” tenha desaparecido, o casamento continua “válido”, e “lícito” o cumprimento do dever conjugal.


O matrimônio que deveria ser visto como proteger e promover uma incipiente “comunidade de amor”, demasiadamente “frágil” e inexperiente para poder bastar-se a si mesma, tornou-se uma espécie de “camisa de força” e de “gaiola dourada”. Foi transformado em território “sagrado” do qual não é permitido “fugir”. Uma espécie de “Muro de Berlim” destinado a manter “prisioneiro” um povo escravizado. 
In: Manuscrito.


O AMOR AUTÊNTICO ENTRE IGUAIS

Nosotros no tenemos una teologia de la sexualidad”. Foi com estas palavras que um padre jesuíta argentino abriu um “Seminário” sobre aspectos problemáticos da conduta sexual moderna. O que ele disse nada mais é do que a pura verdade!

O que temos é muito filosofismo, legalismo e sociologismo barato e totalmente superado, isto sim. Mas teologia de verdade, é o que mais falta faz nos debates sobre moral sexual.

Acho que vale a pena iniciar o debate convidando o leitor para “virar a cadeira” e pôr-se a olhar o assunto a começar pelo lado oposto. Esqueça tudo o que foi dito e ensinado, pregado e imposto ao longo do passado. Lembre-se de que homens e mulheres são seres espirituais, acima de tudo, e não animais “um pouco” mais inteligentes do que seus “primos” das florestas africanas.

A condição “espiritual” faz do homem um ser essencialmente diferente de um gorila. Já nos Livros Sagrados do Antigo Testamento está escrito: “E o fizeste pouco menos do que um Deus” (Salmo 8,5). É ao homem que o salmista se refere!

Os “anjos” que circundam o Trono do Altíssimo são apenas “um pouco maiores do que o homem. Seremos um dia, se assim o quisermos, “como os anjos do Céu” (Lc 20,36).

Como ter na conta de cristão um marido que bate na mulher e se deita com ela na mesma cama bêbado, sujo e fedendo? Mas este é um aspecto que a moral católica inclui entre os “deveres” de uma boa “esposa cristã”.

Procuramos “aprender dos animais” como “fazer sexo”! Consultamos “pensadores gregos” e procuramos encontrar nos Livros Sagrados do Antigo Testamento o que Deus, o Criador, pensa a respeito do assunto. Preferimos o Antigo ao Novo Testamento porque este último praticamente nos “deixa na mão” quando o assunto é de natureza sexual. Nem Jesus, nem Paulo, acharam necessário pregar e implantar uma espécie de Nova Moral Sexual. Nem Jesus, nem Paulo, pregaram a abolição da escravatura, nem tomaram o partido da mulher em sua luta contra o homem. Na época de Cristo e de Paulo não existia o que hoje classificamos como “Movimento Feminista”. Não era do feitio de ambos “soltar balão” em festa errada. Só hoje, 2000 anos depois, o segmento masculino da sociedade está se dispondo a conceder à mulher um novo espaço no terreno social.

Homem inteligente e digno da sua condição sexual não é aquele que subjuga a mulher e usa os seus talentos, mas aquele que se associa a ela num “pacto de amor”!

Homem que se preza não quer repartir a sua vida com um ser “inferior” a ele! Nem Deus quer ser servido por seres inferiores a Ele. Nem se satisfaz com o amor de “escravos”. O amor autêntico só acontece entre iguais!

In: Manuscrito.


O PRIMADO DA CARIDADE

A virtude que predispõe uma pessoa a se servir do amparo da lei com prudência e moderação, é a virtude da “epikéia”, como a chamam Aristóteles e Tomás de Aquino. Sem esta disposição, o exercício da autoridade, como o da obediência, facilmente descamba para o lado da injustiça e da tirania. Pelo termo “liberdade espiritual” deve entender-se toda liberdade que nasce do amor.

“Ama e faz o que queres”! “Dilige, et quod vis, fac”. A frase é de Santo Agostinho. Ela sintetiza tudo o que Santo Tomás de Aquino definiu como “primado da caridade”.

O número de casais que resolvem separar-se aumenta de forma assustadora, mesmo entre católicos. De acordo com os dispositivos do Código de Direito Canônico, estes casais continuam “casados”. O vínculo jurídico permanece e com ele o vínculo “sacramental”, mesmo quando já não resta mais vestígio de “amor mútuo”. Como castigo pelo fracasso do primeiro matrimônio a “justiça” da Igreja lhes nega o direito a um novo casamento.

De que outra coisa se nutre a vida conjugal senão do amor mútuo? Que outro “colágeno” tem o poder de manter unido um casal? Uma vida em comum que deixou de ser “interessante” só pode ser considerada como “morta”! Não é o amor a razão de ser da sexualidade humana? Não é para se amar um ao outro que Deus criou o homem e a mulher? Coitado do filho que nada mais é do que fruto de um “cálculo” mal feito, e de uma fatalidade biológica cega e imprevisível!


Todo ser humano tem o direito de nascer como fruto desejado do amor de seus pais! O direito humano de procriar só o homem o possui. Entre animais ele obedece a regras bem diferentes. O que é natural entre animais não é necessariamente natural entre seres humanos. O amor é que faz a diferença! Não havendo amor, a troca de “favores sexuais” nada mais é do que “bestialidade pura”! Se o cenário é um cabaré ou um honesto leito conjugal, pouca diferença faz. Se os “atores” de tal espetáculo são cristãos ou não, também é irrelevante. Se diferença existe, ela só contribui para agravar a situação moral do cristão.
In: Manuscrito de Pe. J.Marcos Bach, sj.


CULTIVANDO A UNIDADE A DOIS

No início da vida conjugal existe uma efervescência passional e erótica de extraordinária criatividade e poder de imaginação. É que os fatos e gestos de comunhão se inserem na dialética do tempo pessoal. Bem depressa o erotismo cede lugar ao “bom senso”. O realismo toma o lugar do romance. A profissão toma o lugar e o tempo da paixão. O trabalho se impõe ao lazer. Lazer é confundido com ócio. O casal dá os primeiros passos em direção à degradação do tempo pessoal. Paga o tributo de morte à sociedade de consumo. Da efervescência inicial só resta a agitação profissional.

Antes tinham horas à disposição do amor. Hoje já não têm mais tempo para nada. A falta de tempo é indicador inequívoco e eloquente de que o tempo pessoal está morto, só restando o tempo físico-biológico. O tempo da pedra e do animal. O amor morreu. Só resta a cópula. Os eventos se sucedem ciclicamente, linearmente. Não há mais novidade, já que cada acontecimento é a repetição matemática de outro acontecimento que o precedeu no tempo. Pouco importa se as pessoas têm um nome, uma história.

Ora, o tempo pessoal é biográfico. O tempo conjugal, essencialmente pessoal, obedece ao ritmo dialético e dialogal da reciprocidade, onde cada cônjuge se concentra, antes de mais nada, na tarefa de construir (e escrever) a biografia do(a) companheiro(a) de jornada. Devota-se a esculpir a imagem do outro com o cinzel da ternura, assim como lhe revelam os sonhos de amor. Um casamento vivido integralmente ao ritmo e ao embalo humilde e sincero da paixão, marcado pelo devotamento recíproco, encontra-se ao abrigo da ação corrosiva do tempo físico-biológico. Esta consiste em marcar a vida conjugal com uma só tonalidade, a da monotonia. A sinfonia terminou. De todas as cordas só restou uma: o sexo. A mais monótona de todas, quando desacompanhada das outras.

Existe uma antinomia radical entre o tempo profissional (econômico) e o tempo conjugal, em nossa sociedade. O tempo profissional é marcadamente físico. Ao passo que o tempo conjugal só pode ser pessoal. A transição da agitação profissional para a serena e tranquila “curtição” do amor conjugal se torna impraticável quando um ou ambos os parceiros passaram o dia escravos do relógio. Se fôssemos tão simples e pequeninos como Cristo adoraria ver-nos, confessaríamos que um dos nossos piores inimigos é o relógio. Não o relógio-memória. Mas o relógio-senhor do nosso tempo. O inimigo número um do lazer e do tempo pessoal. Inimigo, portanto, do amor, pois este é incompatível com a nossa maneira (neurótica e neurotizante) de usar o relógio. Por que não se refugiar no campo (ou numa atividade livre da pressão do tempo físico, isto é, do horário), onde sempre há tempo para o que se quer? Onde o tempo se põe à nossa disposição, puro e acolhedor. O tempo, em seu significado humano, único e original. É preciso dizer não ao tempo prostituído pela “civilização”, que endeusa o trabalho “produtivo”, confunde lazer com consumo e lhe reserva (ao lazer) a porção morta do dia. Chegam a ter sabor de piada os apelos dos moralistas, os sermões do padre (ou do pastor), a indignação escandalizada dos bem-casados: enfim, a grita tonta dos que ainda acreditam na possibilidade de tapar o sol com peneira.

In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de J.Marcos Bach,sj – INEF/Vozes.


ESPAÇO CONJUGAL

O espaço conjugal reservado ao casal nas sociedades primitivas é limitado. Só é permitido no relacionamento conjugal o que a tradição e os costumes consagraram como lícito e bom. Nenhuma variação é permitida. O casamento é como que uma fatalidade, um destino a que ninguém se pode furtar, sob penas de ostracismo. O número de filhos, como a escolha do cônjuge fogem da alçada individual. A vida conjugal é regulada em seus mínimos detalhes.

Hoje vivemos numa sociedade em que o indivíduo usufrui, no que tange à vida sexual, de uma liberdade invejável, se a compararmos com a do primitivo. Já passamos a admitir, embora timidamente, que o objetivo primário da sexualidade é proporcionar à pessoa espaço para a sua realização humana plena. Como o único espaço que comporta realização autêntica é o da liberdade, é preciso ter a coragem de excluir, como degradantes, todas as formas de enquadramento antissocial da sexualidade que não respeitam a livre opção pessoal. As que fazem caso omisso da soberania da consciência moral.

O casamento, além de constituir o único espaço que a lei reserva à atividade sexual, é considerado o lugar ideal para a plena realização sexual. Aí é que começa o jogo dos equívocos. Embora o tipo de casamento a que costumamos encaminhar com tanto orgulho o jovem casal de namorados represente um avanço copernicano em relação ao que o Homem Neolítico entendia por esta instituição, não se pode afirmar que atingimos o limiar do plano ideal. Quem, ao ver a realidade divorcista (da qual a legislação é apenas o reflexo lógico), teria a audácia de dizer que descobrimos a forma ideal de casamento, e que pouco resta a pensar e a definir neste assunto? A verdade é outra.

O espaço, que o casamento proporciona à realização pessoal, continua muitos pontos abaixo das exigências e potencialidades do casal moderno. Todos os problemas sexuais estão basicamente relacionados com tempo e espaço. A amplitude do espaço físico se traduz em milhões de anos-luz. Esta descoberta força e amplifica os espaços interiores do homem, rompendo defesas e seguranças.

No campo psicológico tal fato se traduz como mal-estar frente às dimensões acanhadas em que são concebidas instituições sócio-políticas e religiosas. Dão a impressão de terem sido concebidas para homens de outras épocas. Em nenhuma delas há lugar para a pessoa humana toda, sem forçá-la a amputar uma parte essencial de si e deixá-la do lado de fora. A outra alternativa é marginalizar-se para manter íntegra a unidade psíquica e escapar assim da neurose.

O espaço moral da maioria das instituições se presta sofrivelmente às necessidades e condições de auto-realização do homem de 200 anos atrás.
In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.


TER QUE ESCOLHER ENTRE DOIS MALES

Todo ser humano tem o direito de nascer como fruto desejado do amor de seus pais! O direito humano de procriar só o homem o possui. Entre animais ele obedece a regras bem diferentes. O que é natural entre animais não é necessariamente natural entre seres humanos. O amor é que faz a diferença! Não havendo amor, a troca de “favores sexuais” nada mais é do que “bestialidade pura”! Se o cenário é um cabaré ou um honesto leito conjugal, pouca diferença faz. Se os “atores” de tal espetáculo são cristãos ou não, também é irrelevante. Se diferença existe, ela só contribui para agravar a situação moral do cristão.

Quem se faz passar por “discípulo” de Cristo, mas se comporta como “animal”, está desonrando o nome de Cristo e enxovalhando a sua própria dignidade! Prostituição, promiscuidade sexual, poligamia são fenômenos cuja frequência manifesta de forma eloquente o nível de desenvolvimento humano de uma sociedade.

Há na vida situações em que nos vemos colocados diante do dilema de ter que escolher entre dois males. Numa situação destas, a moral católica nos recomenda optar pelo mal menor.

A Igreja católica não permite a um católico divorciado casar outra vez com outra pessoa. Declara ilegítimo e nulo este novo casamento e imoral toda relação sexual entre os novos parceiros. Nega-lhes o acesso aos sacramentos.

Cresce de ano para ano o número de casais que se encontram nesta situação. Excluí-los drasticamente da vida da sua Igreja é atitude que só pode ser tomada como injusta e pouco caridosa. Para todos os efeitos práticos, o casamento anterior deixou de existir. Mas mesmo assim, continua sendo “favorecido” pelo direito eclesiástico em detrimento de toda e qualquer tentativa de recompor a sua vida sexual em base mais sólida que a do casamento anterior.

O perigo de abrir espaço a abusos é, sem dúvida, muito grande, mas seguramente menor do que imaginam os homens que têm o poder de “ligar e de desligar” aqui na terra!
Abuso por abuso: o exercício do “poder absoluto” oferece muito mais riscos de abuso do que o sexo. Manter aferrolhadas “portas” que deveriam estar “escancaradas” é um desses “abusos de poder”.

Um sistema moral que favorece a dubiedade e o fingimento merece as críticas de um Nietzsche. É vício típico de teólogos verem tudo distorcido, dizia ele.

O mal todo no caso do divórcio não é a separação do casal e o fim da vida conjugal, mas a pouca seriedade, a quase displicência com que casais se unem e com que a Igreja “abençoa” tais uniões. Comprometer Deus e envolver a sua autoridade com esta espécie de “brincadeira de mau gosto”, só pode ser visto e interpretado como presunção e falta de respeito pelo Criador.

In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj 


A NOVA MORAL EM NOVAS BASES

A nova moral não pode ser construída sobre as ruínas da antiga, nem pode ser encarada como simples emenda e prolongamento melhorado desta. Tem como ponto de partida a pessoa, identificando-se com suas aspirações mais secretas, com suas potencialidades mais elevadas, com seu dinamismo social, com as leis de seu desenvolvimento espiritual.

É nova porque está a serviço do “novo homem”.

É radicalmente cristã, já que o homem novo é em sua essência o “homo christianus”.

É muito mais exigente por ser muito menos tímida, menos individualista, definindo o bem em termos muito mais amplos e universais do que a ética convencional.

Supõe uma consciência muito mais cosmocêntrica, de acordo com o papel cósmico, que a sua condição de pessoa reserva ao homem.

É mais homogênia e unitária por situar o esforço moral do homem no centro energético do universo.

Confere à ação humana uma função muito mais ampla do que a tímida moral do “cidadão bem comportado”.

Encara a sexualidade não apenas como função, mas como dimensão sacramental de um universo ontologicamente radicado em Deus e intrinsecamente voltado para Ele.

Não se contenta com a prática do bem. Exige como postulado de base para a realização do bem a intenção de construir em si e em torno de si um “mundo melhor”. É, portanto, maximalista e dinâmica por essência.

Distancia-se por esta razão de todos os parâmetros jurídicos. Embora sejam úteis e até certo ponto limites necessários, estes não podem ser utilizados como padrão moral de comportamento. A partir do Direito não existe nenhuma via de acesso à ordem moral. A ordem jurídica e a ordem moral pertencem a dois mundos perfeitamente distintos, embora convergentes. A ordem moral pertence a um plano essencialmente superior ao da ordem jurídico-social. A ordem moral tem em comum com a religião o fato de pertencerem ambas à ordem do Amor. Uma ordem que constantemente se questiona, se desequilibra para reagrupar seus postulados em novas formas de síntese existencial. Por isso pode ser qualificada como “moral de movimento” segundo a definição que lhe dá Teilhard de Chardin.

As bases desta nova moral estão assentadas na fé, entendida aqui como função da consciência. Como espécie de previsão da totalidade do Ser. Uma moral assentada apenas na justiça e nos postulados da razão não oferece mais suporte válido à pletora de energias e aspirações desencadeadas por dois mil anos de cristianismo.

Para Lopes Ibor todos os problemas sexuais têm sua origem em conflitos morais. Para Wilhelm Reich todos os problemas sexuais podem ser atribuídos à moral. Ambos, partindo de posições contrárias, chegam a ressaltar a importância da moral. Não se entende, portanto, como pesquisadores sérios e competentes (Kinsey e Hite, por exemplo) tenham deixado de lado toda e qualquer questão relativa à moralidade da conduta sexual de seus entrevistados. Por esta razão tais relatórios pouco valor têm como fonte de informações sobre a situação real do relacionamento sexual. Passam à margem da questão essencial, a única que realmente tem importância, a saber, o grau de qualificação humana da conduta sexual. A verdade é que é difícil captar em números e porcentagens o índice de qualificação moral ou o grau de maturidade de um comportamento tão marcado pelas sutilezas do amor. Tudo o que é passível de ser expresso em números não revela o essencial da coisa. Sob este aspecto os relatórios geralmente nada mais são do que o resultado de um giro pela periferia da questão, quando o assunto é sexo. Tem razão López Ibor quando reduz todo e qualquer problema sexual humano à sua verdadeira dimensão, que é de natureza moral. Razão tem igualmente, ao menos em grande parte, Wilhelm Reich quando atribui tantos dos males, que os moralistas costumam verberar, à má moral que pregam e impõem às atemorizadas consciências de seus fiéis.

Não se pode definir como cristã simplesmente a moral católica tradicional, nem a ética cristã convencional. Nela não está refletida a imagem do homem novo do Evangelho, o arauto da Boa-Nova da libertação. 

Vista à distância crítica, a moral sexual opressiva e puritana da década de 30 só podia exasperar um espírito como o de Reich, já que não encontrava nela o respeito pela pessoa que deveria ser o apanágio de todo e qualquer sistema moral. Foi em grande parte sob a égide e ao abrigo desta moral dita cristã que Hitler construiu a maior máquina de destruição da História, ao menos até aquela data. Existem indícios bem significativos de que o advento da nova ordem moral já está em vias de se tornar realidade, e que o centro do interesse e da preocupação moral será constituído em torno da dignidade inalienável e da grandeza divina da pessoa humana.
In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes.


ESPAÇO AMPLIADO

A integração num organismo social mais amplo é essencial para a sobrevivência moral da unidade conjugal. Individualismo e egoísmo a dois é vício tão pernicioso quanto o egocentrismo individual. A “pessoa conjugal”, que nasce da união matrimonial, necessita do “oxigênio” de espaços bem mais vastos do que o acanhado espaço familiar.

Como todo bem, também o amor tende a se difundir, a ocupar espaço sempre maior. É no interior das pessoas que existe em profusão “espaço vazio”, ainda não ocupado. Um amor não compartilhado acaba por extinguir-se, sufocado pela estreiteza. O medo de perder o amor do companheiro ou companheira é um dos resultados de uma política de “confinamento”. Termina-se por sufocar o que se pretende proteger e resguardar. O ciúme é considerado por muitos como “prova” de amor. Na realidade é indício de medo e de falta de fé no outro. É fruto “venenoso” de uma das manifestações mais primitivas de amor que é o chamado “amor possessivo”.

Quem tem medo de perder o amor de alguém, não o merece. Também no terreno afetivo é preciso “saber perder”. Uma farta dose de “espírito esportivo” também aí é indispensável a quem faz questão de “não fazer feio”.

Amigo é aquele que está disposto a “dar a sua vida pela do amigo” (Jo 15,13). É aquele que abre mão da preocupação por sua própria felicidade, colocando em lugar dela a preocupação pela do amigo.

Uma vida a dois adquire maturidade na medida em que de lado a lado cresce a solicitude pelo bem-estar físico e espiritual do outro cônjuge. Quem não está disposto a perder a sua vida não a merece. Quem não está disposto a renunciar a si e à sua felicidade, não a merece. A vida conjugal não é um terreno livre de frustrações e derrotas. Bem depressa chega a hora em que o belo “arco-íris”, tecido de sonhos e de fantasias, começa a empalidecer. Este fato não deve ser interpretado como “perda” e como “fracasso”.

Se o casamento fosse uma “sinecura” e a vida conjugal uma “excursão turística”, o despertar do sonho romântico para a realidade da vida poderia ser classificado como “decepção”. Mas já que o matrimônio nada mais é do que um “caminho” e a vida conjugal uma “jornada a dois”, por que pensar em abandonar o caminho quando ele começa a se tornar mais íngreme? Em vez de pensar em separar-se do companheiro de jornada, não seria melhor tomá-lo pela mão?

A estrada está ficando ruim porque ninguém pensou em conservá-la. Nem o Estado, nem as Igrejas têm demonstrado interesse em assegurar, a quem casa, ambiente condigno à realização de uma vida de amor. De que adianta casar numa “igreja” bem limpinha e perante um “ministro do altar” bem trajado e bem alimentado, quando a continuação e até a própria “lua de mel” vão ter como cenário o alto de um morro dominado por traficantes? Por que as “igrejas” não incluem em seu conceito de “forma canônica” um pouco mais de preocupação social? A continuidade do que foi sacramentado ao pé do altar depende das condições do ambiente social mais que da boa vontade do casal ou do sermão (homilia) dominical do padre (ou pastor)!

Pelo casamento que legitimam, Estado e Igreja autorizam um casal a ter filhos. Na prática este gesto equivale a conceder a um “barbeiro” carteira de motorista.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


ADULTÉRIO, O QUE É

O adultério significa uma ruptura fatal da unidade conjugal. Não é o fato externo que determina este rompimento radical do laço conjugal. Nem mesmo um número qualquer de relações extraconjugais. O que é decisivo, no caso, são a motivação e o contexto ambiental. Quase não existe mal no mundo que não possa trazer algum bem. Um “passo em falso” de um dos cônjuges pode alertar o companheiro para a realidade. Quantas uniões há por aí que do casamento só conservam ainda a casca. Tudo o que representa a medula já morreu, ou está em estado adiantado de decomposição moral. O casal vive, no entanto, na maior segurança quanto aos eventuais riscos de infidelidade. Dopados pela rotina, não advertem os perigos que rondam o casamento. Não notam o verme que silenciosamente rói, o câncer que mina sorrateiramente a vitalidade do amor conjugal.

Um adultério pode servir para pôr a nu a realidade. Quantos há que só acordam no leito da morte, depois de se terem servido do leito conjugal apenas para dormir.

O adultério é um pecado. Mas o pecado tem também uma função importante na pedagogia divina. Traumatiza, acorda, desperta, humilha. Sua “luz negra” é sinistra, mas ilumina mesmo assim. O adultério põe fim à mentira, à ilusão. Tem o poder de chocar.

Sob que condições o adultério pode ser benéfico e quando somente serve para selar o fim do que talvez já tenha sido algum dia um casamento promissor?

Poderá haver um adultério capaz de trazer benefícios para o casal? Pode. Quando? Quando serve para pôr fim a uma ilusão. A ilusão de que um outro homem ou uma outra mulher é capaz de nos dar a felicidade que não encontramos no próprio lar.

A intimidade continuada põe de manifesto os menores defeitos. O relacionamento sexual não consegue satisfazer todas as necessidade e aspirações de uma pessoa. Nem sequer no terreno genital. Por isso o casamento geralmente é decepcionante. Renasce da fantasia a imagem do príncipe ou da princesa encantada. Essa imagem se encarna projetivamente na pessoa de alguém. Esse alguém pode ser uma pessoa igualmente desencantada com a rotina da sua vida conjugal. Um encontro casual junta a fome ao apetite, dando origem a um desses muitos casos amorosos de que as crônicas sociais andam repletas. Devido ao caráter projetivo, estas novas uniões têm fôlego curto. Com um mínimo de bom senso estas pessoas poderiam chegar à conclusão de que nenhuma aventura é capaz de preencher o papel reservado tão somente à fidelidade. Acabariam retornando ao primeiro amor. Voltariam para os braços da esposa outrora desprezada, para junto do marido, que lhe permaneceu fiel o tempo todo, trazendo no coração a experiência de que a alma do amor é a fidelidade, e não o êxtase erótico. Qual o marido ou esposa que tem o heroísmo de continuar esperando contra toda a esperança? Quem os incentiva a isso?

O subconsciente interfere muito mais no relacionamento conjugal do que se pensa ordinariamente. A boa vontade por si só é impotente diante do quadro de condicionamentos neuróticos e neurotizantes. É preciso ir até a raiz do problema, lá onde se está configurando uma situação de “pecado radical”. De pouca utilidade são, neste caso, as diretrizes de um sistema moral racionalista e voluntarista em excesso.

Um falso moralismo procura resolver este tipo de problema com apelos à obrigação. Apela para as exigências de um amor transformado em dever.

Um falso espiritualismo pretende resolver tudo com oração e práticas religiosas. Tudo isso é útil, ou melhor, pode sê-lo. Mas não substitui a autoanálise das motivações subconscientes, portanto, das causas. Estas têm que ser atingidas, se se tem a intenção de atingir os efeitos.
In: “Evolução do Amor Conjugal” – Livro de Pe. José Marcos Bach, sj – INEF/Vozes


ARRANJOS PROVISÓRIOS

Não sei se existe terreno em que a “brutalidade” humana consiga chegar a extremos de violência como os que ocorrem no campo do relacionamento sexual.      

“Fazer amor” no banheiro, no banco de um carro, com a cabeça cheia de vapores etílicos, com uma mulher “de programa”, com uma prostituta de beira de estrada: tudo isso e coisas ainda piores fazem parte “normal” do panorama sexual do nosso ambiente urbano “moderno” e supercivilizado.

E as “religiões”, quê estão fazendo? Abençoando “casamentos” que nada mais são do que “arranjos provisórios” e despidos de qualquer outro interesse que não seja o de natureza social. Quem casa deveria fazê-lo com aquele mínimo de “seriedade” com que um comerciante abre uma loja. Nenhum “empresário” sério se propõe a construir uma “fábrica” se não tiver a certeza de que terá sempre a seu dispor o capital necessário para custear a produção e a clientela necessária para absorver a sua produção. O mínimo que se deveria poder esperar de um casal de noivos é que tenha a mesma preocupação. Tratamos o amor como se fosse fonte inesgotável de recursos destinados ao “consumo”.

Para um casamento ser bem sucedido é preciso dedicar-lhe cuidado ainda bem maior do que a que um “empresário” inteligente dedica à “saúde financeira” de sua empresa. Não havendo “investimento” e reposição de capital, não só uma empresa comercial, mas toda e qualquer “empreitada” humana, vai à falência.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj.


ÉTICA DO AMOR

Entre os romanos o que importava era a “voluptas”. O amor não tinha o mesmo valor que nós lhe atribuímos hoje. Era tarefa reservada a esposas e concubinas. Platão considerou como superior e mais nobre do que o de uma mulher, o amor de um homem adulto para com seu discípulo mais jovem.

Deixar-se fascinar pela beleza de um jovem éfebo não depunha contra a nobreza moral de um mestre sábio, como Sócrates. Só homens vulgares caíam na teia de logros que cercam o amor feminino e acabam por prendê-los a um pobre e conspurcado leito conjugal. Ainda hoje confundimos sexo com amor. A expressão “fazer amor” diz muito bem que nossa maneira de relacionar sexo com amor pouco progrediu nestes últimos 2.000 anos de civilização ocidental. No terreno sexual ainda estamos longe do dia em que tivermos atingido a plena maturidade psicológica e moral.

Dum lado está o contingente dos adoradores da deusa Vênus, a deusa do prazer livre e descomprometida da obrigação de amar. O amor “venéreo”, tal como é praticado em prostíbulos e em motéis de beira de estrada, prova que é grande o número de pessoas que ainda vivem nos subúrbios da Antiga Atenas e da Roma Imperial.

Não conheço mercado em que se esteja vendendo mais “gato por lebre” do que no terreno sexual. Homens e mulheres estão incrivelmente longe de se compreenderem mutuamente. As mulheres querem apoderar-se de um homem que satisfaça todas as suas necessidades! Os homens vão à procura da mulher que possa satisfazer todos os seus desejos. No terreno sexual nada mais escasso do que o amor.

“Amizade é coisa rara”, dizem grandes psicólogos como Rollo May, Erich Fromm e Victor Frankl. Um “grande amor” é ainda mais raro: “dois ou três a cada século”, na opinião de Albert Camus. Sendo assim, não é de causar surpresa o que nos é dado observar no terreno das relações sexuais.

Um certo romantismo religioso leva os jovens a superestimar as virtudes mágicas do matrimônio, atribuindo-lhe poderes que só o amor possui. Esperam do casamento o que só um grande Amor é capaz de proporcionar.

Este Amor, “mais forte do que a morte”, não é o amor romântico de filmes e novelas. É o modesto amor “feijão com arroz”, que luta dia após dia por sua sobrevivência. É modesto e humilde e não se alimenta de grandes gestos e de atitudes heroicas. Não é operístico, nem trágico; sequer dramático é! Não se sustenta “fazendo teatro”.

É discreto e nisso se parece com a respiração que só chama a atenção em raros momentos do dia. Amor barulhento é como respiração ofegante! O Amor de Deus é infinito e onipresente! Quem, no entanto, o nota e percebe?

O Amor de Deus é Eterno e sem limites! Mas entre nós, humanos, até o mais apaixonado dos amores não consegue sobreviver por muito tempo ao impacto corrosivo da vulgaridade e da passagem do tempo. Como tudo o que é vivo, também o amor que herdamos da mãe natureza está sujeito à lei da entropia: pode envelhecer e morrer, a menos que venhamos em sua ajuda!

Há em algum lugar do Cosmos uma fonte de Amor Eterno! Tem que ser assim, já que “Deus é Amor”, e “a suprema natureza do universo é uma energia de amor” (na opinião do físico David Bohm).

O Amor é muito mais do que um gostoso e belo sentimento, uma experiência arrebatadora! “Deus nos ama loucamente”, dizem os místicos! Existe em todo amor autêntico um traço de “loucura”.

O amor não obedece a leis, não aceita limites e não se submete a restrições! É soberano absoluto e não precisa que alguém lhe diga até onde pode ir! Quem ama “loucamente” “perde a cabeça”, passa a “pensar com o coração”!
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ


DIFERENÇA ENTE VERGONHA E PUDOR

De promessas não cumpridas o mundo está cansado, é verdade. Mas é ainda mais vergonhoso o espetáculo proporcionado por pais e por mães solteiras, de homens que procedem como cachorros e de mulheres que engravidam sem o menor pudor.

A vergonha faz parte da moral cristã. Como eu, você terá aprendido que o sexo é um dos terrenos mais escorregadios da vida humana. Só tardiamente a vergonha foi introduzida no código moral da humanidade.

O primeiro casal, do qual somos todos descendentes, só descobriu o aspecto vergonhoso da nudez depois que descobriu o pecado.

Uma coisa é a nudez de um corpo infantil e sadio. Outra coisa é a exibição de corpos nus numa praia ou num desfile carnavalesco. Pudor e vergonha não são a mesma coisa. Pudor é respeito, ao passo que vergonha é fuga da realidade e falta de respeito.

Usar o sexo como arma e como isca é uma coisa e usá-lo como meio de comunicação interpessoal é coisa bem diferente. A palavra concupiscência é usada nas Escrituras Santas para distinguir o desejo sexual desvirtuado do impulso sexual saudável, tal como o herdamos de nossos ancestrais pré-hominídeos.

O animal age por instinto. Não raciocina nem calcula. Age sem ter consciência do que está fazendo e sem medir as consequências do que faz. O instinto assegura ao animal uma vida sexual tranquila e sem grandes percalços. A limitadíssima consciência que o animal tem de si, permite-lhe um nível de autorrealização com o qual homem ou mulher alguma se contentaria.

Só em sociedades extremamente primitivas é possível reduzir as exigências morais de uma mulher ao espaço mínimo que separa a cozinha da alcova.
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, SJ.


CONSTATANDO A REALIDADE

Pergunta a que todo passageiro deve responder é a seguinte: aonde você vai? O termo de chegada determina os passos todos. O destino da viagem determina o seu sentido! Aproximar-se cada vez mais do ponto de chegada significa boa viagem. Se o avião é um Concord ou um supersônico; se o navio é um Queen Mary, um transatlântico de luxo, isso é secundário. De que adianta embarcar no mais suntuoso paquete ou no mais veloz avião do mundo, quando o navio permanece ancorado no porto e o avião parado no hangar?

O assunto que vamos analisar juntos está ligado à qualidade humana da vida sexual que levamos. Você, como casado, e eu como celibatário. Você vê sua vida sexual passada e presente como fato. Em boa parte como fato consumado, como águas que já passaram e não voltam mais. É possível que você olhe para boa parte das suas façanhas sexuais com um misto de saudade, de orgulho e de vergonha! O seu casamento não é aquilo que você queria. Os filhos que tem não são o fruto generoso de um “grande amor”. O prazer que sua esposa (ou marido) lhe pode oferecer é pobre demais e não consegue competir com o que a prostituta ou amante lhe estão a oferecer!

Você cumpre seu “dever conjugal” porque precisa do prazer e da descarga fisiológica que o ato sexual lhe pode proporcionar.

Você tornou-se escravo do seu sexo permitindo que ele se transformasse em necessidade.

Você fez da “cópula” o momento culminante e a manifestação máxima do amor entre homem e mulher.

Você fez do orgasmo o objetivo máximo da união sexual e critério psicológico destinado a distinguir no terreno sexual o ato bem sucedido do ato frustrado. Querendo ou não, você criou para si uma moral pessoal própria. Para você, bom é o que dá prazer, porque o que dá prazer está em sintonia com a natureza. E o que está em sintonia com a natureza é bom! O prazer é o sinal de aprovação que a natureza envia aos que agem de acordo com suas leis. O que sobrou do seu casamento, agora que os filhos já estão crescidos e os primeiros netos começam a aparecer chamando-o de vovô ou de vovó? O sol da sua vida cruzou o zênite e já começa a inclinar-se perigosamente em direção ao ocaso. Você que nunca teve tempo para isso, começa a pensar. Sente que ainda lhe restam uns bons anos de vida. Que nem tudo o que restou do seu passado é saudade ou tristeza! Existe ainda pela frente um bom lapso de tempo que, bem aproveitado, pode compensar o que o passado se recusou a oferecer. Talvez fosse um erro seu esperar que a felicidade viesse até você indo morar com você na mesma casa e dormir com você na mesma cama. Em vez de ir ao encontro dela, abrindo-lhe os braços, convidando-a a vir morar em sua casa, você ficou à espera dela.

Você fez da felicidade um direito, um direito pessoal, em lugar de ver nela parte essencial dos seus deveres e de suas responsabilidades sociais. Ninguém lhe tinha ensinado que a sua felicidade particular não podia ser tratada como assunto particular. Felicidade gera felicidade e atrai entre si os que são felizes.

Você achou que tinha feito tudo o que honesta e justamente se pode esperar de um casal cristão. Você tinha a consciência de ter cumprido fielmente seus deveres religiosos, familiares e patrióticos. Para você é cristão perfeito aquele que cumpre fielmente todos os seus deveres. Sua falta de sorte foi não ter encontrado nunca um padre ou pastor que lhe dissesse: “Depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis” (Lc 17,10). 

Deus não te chamou para ser servo, mas para ser seu amigo! (Cf. Jo 15,14).
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj


TERNURA É DELICADEZA

Que influência construtiva pode exercer sobre a vida conjugal e sexual de seus membros uma igreja ou religião que há muito não fala mais a linguagem do povo e não compartilha com a multidão de pobres, desempregados e sem-terra as mesmas necessidades e problemas? Amor é, acima de tudo, compartilha. Até Deus achou que seu discurso sobre amor seria incoerente e falso caso não viesse à Terra dos homens para compartilhar com eles da mesma vida.

O discurso moral não é suficiente e não tem o poder de suprir a falta do discurso religioso. A moral impõe limites. O discurso religioso cristão rasga horizontes e derruba fronteiras. Mesmo o mais generoso sistema moral contenta-se com a tarefa de circunscrever o campo psicológico e o espaço social dentro do qual um casal pode dar vazamento a seu impulso sexual. Tem por objetivo definir as normas que regulam o bom comportamento sexual e o legitimam. Acontece que amar significa tomar alguém pela mão e pôr-se com ele a caminho.

À pergunta: “estou certo ou errado?”, vem juntar-se outra, bem mais crucial e difícil de responder: “estamos indo na direção certa, ou não?” Para as águas de um rio, nenhuma outra pergunta é tão essencial quanto esta. Mas há uma outra necessidade tão fundamental quanto a anteriormente citada. Ela envolve crescimento e aumento de volume. Até o majestoso rio Amazonas acrescenta volume ao longo do seu curso, incorporando e fundindo com as suas as águas de inúmeros afluentes. O mesmo princípio deveria valer para a vida conjugal: filhos, netos e amigos se encontram no mesmo amor que une entre si o casal de avós.

Todo amor só é legítimo e autêntico na medida em que acolhe e confere sentido aos amores tateantes das gerações novas. Cometemos um erro crasso quando encarregamos um padre ou pastor da tarefa de nos dizer o que é amor! O mesmo erro cometemos quando confiamos a um psiquiatra ou conselheiro matrimonial a solução de nossos problemas afetivos e sexuais. Feliz o neto que pode conversar sobre estes assuntos com um avô experiente ou com uma avó sábia.

Quem não sabe por experiência que não existe amor sem sofrimento, nem virtude sem tentação, não deve meter-se a conselheiro matrimonial. O bom conselheiro não é aquele que fala para as pessoas em lugar de falar com elas e que não fala como se ele mesmo não tivesse problemas e como se não conhecesse as mesmas tentações que os demais.

“O crescimento da fé depende da demolição sempre renovada de concepções imperfeitas da fé” (A. Sapple, Nossa Fé Está Mudando? - Ed. Paulinas, p.10). O mesmo vale para o casamento.

Também no matrimônio há lugar para muita demolição. Quantos sonhos tiveram que ser abandonados e quantas esperanças tiveram que ser enterradas antes que a realidade pudesse impor-se!

O medo de ter que abrir os olhos e encarar a realidade leva inúmeros casais à crença de que o bom casamento é aquele que não muda nunca. Cedo ou tarde vem o dia (ou a noite) em que deixa de possuir o mesmo sabor romântico dos tempos da “lua de mel”. Não é esta a hora de pensar em trocar de parceiro. Menos ainda é a hora de pensar em aposentar o sexo e fazer voto de castidade. Pior do que outra resposta qualquer é a simples continuação rotineira do mesmo ritual, sem modificação substancial capaz de melhorar a qualidade do relacionamento. A resposta não pode consistir em melhorar apenas a qualidade técnica do intercurso sexual, pois ela pouco tem a ver com orgasmo. Ou, para ser mais exato: é preciso ir à procura de outras formas de orgasmo, de êxtase e gratificação, o que até então não fazia parte nem do desejo nem das necessidades sexuais.

Assim como um vinho nobre melhora de bouqué com o passar do tempo, de modo análogo o amor sexual adquire nobreza na medida em que concede à ternura parcelas crescentes do espaço antes reservado à satisfação do desejo sexual.

Ternura é delicadeza, respeito e admiração pela pessoa amada. É ela que faz a diferença entre o ato sexual humano e a cópula animal. Ela representa no relacionamento amoroso entre humanos o que o perfume significa para a flor. Nada há capaz de degradar qualquer manifestação de amor entre humanos mais do que a ausência de ternura. Não sei se existe terreno em que a brutalidade humana consiga chegar a extremos de violência como os que ocorrem no campo do relacionamento sexual.
In: Manuscrito de Padre José Marcos Bach, sj


U M A  T A R E F A   U R G E N T E

Uma das tarefas mais urgentes da moderna antropologia consiste em sintetizar numa visão global e coerente os conhecimentos que vão se acumulando a respeito da sexualidade humana.

A síntese cristã tradicional agostiniano-tomista não consegue preencher todos os espaços abertos pelas descobertas e interrogações da moderna antropologia. Demasiadamente presa a concepções estáticas da natureza em Santo Agostinho. Por demais condicionada pela lógica da razão em Santo Tomás de Aquino. Excessivamente ligada à ordem da Criação atribui ao exercício da sexualidade objetivos que a definem em função da procriação biológica, antes de tudo. Numa época em que a relação sexo-amor não constituía mais que um acidente romântico, quando não trágico, na vida de uns poucos Romeus e Julietas; quando havia a necessidade de preencher os enormes claros demográficos, obra da fome, de pestes e guerras, uma visão metafísica procriativa representava o que de mais conveniente era possível imaginar e impor como diretriz-base em matéria de exercício sexual.

Mas hoje já nos defrontamos com outro problema: o excesso demográfico. O homem, e mais ainda a mulher moderna, repele o tipo de realização sexual com que nossos antepassados se contentavam. O endeusamento da mulher como mãe é coisa que não “cola” mais. Dificilmente o homem dos grandes centros urbanos vai pôr o seu orgulho no número de filhos. É bem o contrário que se está a verificar, mesmo entre os representantes da classe operária. A família numerosa não é mais símbolo de generosidade ou realização sexual. A não ser em almanaques beatos. Em muitos círculos até passa a ser prova de irreflexão e inconsciência. As normas e exigências da moral convencional constituem respostas a questões que ninguém mais está colocando da forma como o foram. As grandes interrogações, as que dizem respeito ao sentido da vida, da sexualidade em particular, certamente não encontram resposta adequada por parte de uma moral muito mais medrosa e pessimista do que criativa e empolgante. Uma moral empolgante! Arrebatadora e apaixonante, em substituição à moral piegas, cujo objetivo parece ser o de manter a mente e o coração do homem confinados aos subterrâneos dos determinismos da natureza. Uma moral que traía com seu rigidismo naturalista a origem divina do homem. O homem de hoje quer uma moral que tenha cheiro de Terra. Que ressuma leite e mel, e não somente suor e trabalho. Uma moral capaz de arrancar da inércia e da mediocridade, da timidez prudencial e da casuística safada o espírito do homem moderno, cuja relação para com as Igrejas, sejam quais forem, é muito mais viril e altaneira do que convém ao gosto dos aiatolás  e outras raridades fósseis de um mundo medieval, totalmente deslocado no tempo. Em nenhum setor da vida humana pesam com mais força o medo e o falso pudor do que sobre a atividade sexual. Mais se parece com uma ave a que tiraram as asas. Obrigado a andar a pé, a se arrastar pelo pó dos caminhos e descaminhos do tempo, o casal humano terminou por endossar como ideal de realização um tipo de convívio construído na base da conformidade passiva. O que poderia ser uma bela aventura, tornou-se rotina. O que poderia ser o mais poderoso manancial de energia espiritual, acabou sendo encarado como a fonte típica do pecado. Os mais “generosos”, os que se refugiavam na solidão asséptica da vida celibatária, as mais das vezes se fechavam na prática de uma espiritualidade inofensiva em lugar dos sonhados voos espirituais. Sem diminuir com isto o mérito dos grandes espíritos que na solidão do celibato dedicaram as suas existências à contemplação ou à ação desprendida em prol de seus irmãos.
Texto do livro “EVOLUÇÃO DO AMOR CONJUGAL” de Pe. José Marcos Bach, sj - Ed.Vozes e INEF.


“GUERRINHA DE NERVOS”

A moral sexual dos compêndios continua atrelada a uma concepção dualista e dicotômica da sexualidade humana. Segundo esta concepção, homens e mulheres se encontram em “lados opostos”. O matrimônio resulta de um “pacto” onde uma série de “concessões” determina o espaço social reservado a cada um. Ao lado de uma harmonia mais aparente que real, ferve uma “guerrinha de nervos” mal disfarçada.

A mulher, à qual o homem declara dedicar todo o seu amor, é geralmente uma “ilustre desconhecida”, a respeito da qual ignora praticamente tudo. O mesmo se pode constatar a respeito da mulher.

Homens e mulheres se “conhecem” mais como “figuras imaginárias” do que como seres de carne e osso. Quando o primeiro casal humano verdadeiramente consciente de si se encontrou pela primeira vez, o homem prorrompeu na exclamação: “Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos”!

Não é partindo de lados contrários que homens e mulheres se dirigem ao encontro um do outro. As diferenças entre homens e mulheres são relativamente poucas e pertencem todas elas à mesma “natureza”. O modo de “encarnar” a natureza humana é substancialmente o mesmo. As diferenças tipicamente sexuais são de ordem formal e estilística. Salientar por demais as diferenças é o que se encontra por trás da “guerra dos sexos”. Assim como toda guerra, também esta é totalmente desnecessária, e só acontece lá onde o bom senso foi expulso do diálogo social.

A mulher não é a encarnação exterior da “metade” que lhe falta. Finalidade da união sexual não é juntar “partes” para com elas formar um “todo” maior. Se assim fosse, não haveria como justificar o celibato. O casamento seria o fruto de uma “necessidade” biopsicológica.

Onde situar o amor numa união dominada pela necessidade e regida por determinismos psicofisiológicos? O Código de Direito Canônico declara “consumado” um matrimônio após a realização do primeiro ato sexual completo. O que torna o matrimônio “indissolúvel” e faz do “sim” dado na devida forma canônica uma “opção irreversível”, é o ato sexual. Basta um único ato fisicamente completo para “amarrar” um casal em caráter definitivo ao “sim” dado ao pé do altar. Em momento algum o Código se preocupa com os aspectos “qualitativos” do ato. Esta supervalorização dos aspectos fisiológicos do ato sexual continua fazendo parte da Moral Sexual católica. A ausência de qualquer espécie de preocupação pelos aspectos afetivos e psicológicos do ato sexual é gritante. Uma ultrapassada concepção “fisicista” contribuiu e continua contribuindo mais do que se supõe para a desagregação da vida familiar e para a “degradação” do relacionamento sexual do mundo ocidental “cristão”. É evidente que um dos aspectos mais falhos da moral católica é de natureza antropológica.
                                                       Pe. José Marcos Bach, SJ


ATO PLENAMENTE HUMANO

Seria, sem dúvida, mal avisado o casal que subordinasse sua vida sexual ao império do Acaso e da Necessidade. Um bem elaborado código de moral não basta como receituário. As luzes da razão podem ser úteis, mas são insuficientes e fracas demais para iluminar os caminhos imprevisíveis por onde a vida costuma passar. Para ser plenamente humano ou bom, isto é, integralmente de acordo com a natureza do homem, um ato humano, por mais modesto que seja, deve obedecer a cinco requisitos básicos:

1. Deve ser racional, fruto de uma reflexão bem ponderada.

2. Deve ser livre, pois é a liberdade que torna o homem verdadeiramente soberano de suas ações.

3. Deve ser consciente, isto é, deve resultar de uma forma de conhecimento tão completo e perfeito, quanto possível. Só a consciência pode oferecer a uma pessoa o grau de “infalibilidade” que representantes de regimes autoritários costumam reclamar para si.

4. Deve ser um ato de amor. O oposto do amor é, neste contexto, o ódio, o medo e o predomínio do interesse pessoal sobre o social.

5. Deve contribuir para tornar a vida mais agradável e feliz.

A atualização do discurso moral cristão supõe mudanças mais do que cosméticas. Exige uma radical mudança de direção. Da preocupação pela forma correta de comportar-se, o cristão deve ser estimulado a se preocupar menos com aspectos formais e externos do seu comportamento, passando a prestar muito mais atenção e a dar muito mais valor à sua qualidade ética.

Não mato, não roubo”: que mais querem de mim”?

Com esta justificativa muitos cristãos se contentam. Se é verdade, como ensina Santo Tomás de Aquino, que para ser integralmente bom um ato humano deve preencher todos os cinco requisitos acima mencionados, então a “integridade moral” deve ser um fenômeno bastante raro.

A passagem de um sistema moral destinado a padronizar comportamentos para um comprometido com os aspectos subjetivos do comportamento humano é um processo que ainda não encontrou nas altas cúpulas eclesiásticas o apoio e a compreensão que merece. Todas as preocupações em que predomina a supervalorização da forma correta terminam por desembocar em becos sem saída!

Há muitas formas diferentes de fabricar pão. O que importa é a qualidade da massa e seu valor nutritivo.

A moral católica peca por excesso de formalismo. No terreno sexual este formalismo beira às raias da hipocrisia.
                                                               Pe. José Marcos Bach, SJ


AUTONOMIA ÉTICA

Só pode-se definir como pobre um sistema moral que se contenta com definir deveres e direitos. Existe um território moral enorme além daquele que abrange tão somente o obrigatório e o proibido. É o território reservado ao domínio da consciência onde a Lei Suprema é a Lei da Liberdade dos Filhos de Deus! Por mais racional que seja, um sistema moral só merece ser definido como cristão se o critério que o inspira é a Fé em Cristo.

A Encíclica Humanae Vitae do papa Paulo VI é a prova mais cabal de que a formulação do sistema moral católico se apoia mais em critérios filosóficos ultrapassados, se não de todo, ao menos em aspectos essenciais. Na Bíblia não se encontra nada que autorize a condenação do uso da pílula como contraceptivo. É no terreno do comportamento sexual que a Igreja católica perdeu quase que por completo o contato com a realidade de um mundo em transformação, tanto quanto com as exigências de uma Fé em Cristo que seja mais do que mera fidelidade ao magistério da Igreja!

O campo do relacionamento sexual é sem dúvida o que mais necessidade tem de passar por transformações radicais. A supervalorização do celibato e a imperdoável discriminação da mulher são chagas que é preciso extirpar do corpo da Igreja.

Uma Igreja em que um só irmão é tratado como menor e é obrigado a pedir esmola o que lhe cabe por direito, só pode ser vista como suspeita de simonia. A pobreza da moral sexual católica se manifesta na preocupação pela determinação do caminho correto e pela pouca preocupação com os detalhes da viagem e com os meios de locomoção. Também no terreno do relacionamento sexual pode-se andar a pé, a cavalo e de ônibus. A moral católica oficial se preocupa com aspectos éticos relacionados com velocidade? Uma moral de tartarugas que mal conseguem sair do lugar em que se encontram, é a impressão que me dá a moral dos compêndios e das encíclicas papais.

Como teria que ser formulado um sistema moral inspirado em valores oriundos da experiência viva da vida de Fé em Cristo? Um aiatolá (vigia), quando do alto da gávea solta o seu grito de alerta, está fazendo exatamente o mesmo que a consciência moral do homem é encarregada de fazer. A vigilância não seria tão necessária se fosse possível impedir ao máximo o surgimento de surpresas. Se fosse possível regular o comportamento humano com boa antecedência; e se fosse possível separar com precisão o bem do mal, um bom e preciso código moral poderia substituir a consciência nesta sua função crítica. Mas este código teria que ser tão complexo e detalhado que ninguém teria condições de lembrar-se dele na hora da decisão.

O sistema de alarme da consciência moral humana tem a vantagem de funcionar na hora e sem outro esforço que não o de escutar o que diz. Para ser bonzinho basta fazer o que é prescrito. Quem quer atingir a maturidade moral e tornar-se adulto como Cristo o foi, não pode contentar-se com figurinos morais. Para ser um cristão de verdade não basta imitar o Divino Mestre e reproduzir gestos da sua vida terrena. Quem se contenta com ser apenas bom e irrepreensível não necessita de um elevado nível de consciência. A consciência não foi dada ao homem para que confirme e sancione o que já foi decidido e decretado.

Para ser legítima, toda decisão moralmente válida tem que ser criativa. É a vontade ou a intenção da pessoa que fazem com que seus atos sejam bons ou maus. É por isto que o homem precisa da sua consciência, pois sem ela não saberia onde colocar seu “tijolo”. Não há ordem jurídico-moral tão vigilante, tão capaz de atender na hora, quanto a consciência. Ela possui a flexibilidade e a prontidão que nenhum código moral é capaz de apresentar.

Boa parte dos problemas conjugais da atualidade está relacionada com o baixo nível de consciência de casais que não estão à altura das exigências éticas de uma vida de amor a dois. Esperam de outros o que deveriam fazer por si. Quantos religiosos esperam da graça de Deus a solução de problemas que um simples diálogo poderia resolver! Quem não sabe governar-se por si mesmo acaba invariavelmente servindo de peteca na mão de terceiros. Casal que precisa de ajuda de fora para se entender entre si, casou cedo demais. O melhor que pode fazer é pensar em reformular o seu casamento por inteiro, de ponta a ponta. Assim como não é possível curar um doente aos pedaços, do mesmo modo é impossível restaurar a saúde de um matrimônio adoentado, por etapas, atacando um após outro, os focos de mal-estar! A pessoa humana é um todo, ou se cura por inteiro, ou continua mais doente do que antes.
                                                    Pe. J. Marcos Bach, sj



O COMPARTILHAR NO “MAIS” E NO “ALÉM”

Os pais tornam-se cada vez menos necessários e importantes à medida que os filhos crescem! O mesmo vale para o casal. A felicidade de cada cônjuge consiste em ver o outro feliz. A genuína felicidade, a que brota do amor, não é artigo de consumo individual. Não é “façanha” reservada a “solteirões”. Ou se é feliz no “plural”, a dois, para início de conversa, ou, então, se está a caminho do “inferno”, que é por essência solidão e abandono! O caráter bipolar da sexualidade exige compartilha. Mas esta compartilha não pode restringir-se aos aspectos exteriores do relacionamento. Se as almas não se comunicarem entre si é inútil esperar do intercurso sexual mais do que cansaço e enfado progressivo. Não é apenas o “instinto” sexual que clama por satisfação. O impulso sexual humano possui uma componente espiritual. O mais arrebatador dos “orgasmos” deixa de ter qualquer sentido verdadeiramente “humano” se lhe faltar o apelo para um “mais” e um “além”. Um ato sexual que permanece restrito às dimensões de uma cópula semelhante a dos animais, não só é incompleto, mas constitui um “ato falho”, um “equívoco” de graves consequências.

Em que consiste este “mais”, esta dimensão espiritual?

Pouco consentâneo e coerente com o nimbo “romântico” com que costumamos cercar tudo o que envolve amor e sexo é a ideia de associar-lhe o conceito de “morte”. Também neste terreno vale o princípio formulado por Jesus nestes termos: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24). É o grão que “morre”, mas o gérmen permanece vivo. Nem sequer a morte é real, pois a matéria condenada a morrer, na realidade não desaparece, já que é usada pelo gérmen para participar do nascimento da nova planta.

Vivemos num mundo à beira de se transformar num gigantesco Supermercado Global. Tudo está sendo transformado em objeto de “troca”. Produzir para vender; vender para poder comprar. E assim por diante. Ninguém mais pensa em “dar de graça”, seja lá o que for! Até as instituições religiosas cobram por seus “serviços”. Há tempo que o “interesse econômico” passou à frente do amor solidário como fautor de progresso! “É preciso aguçar os ânimos e jogar as pessoas umas contra as outras, se quisermos passar do terceiro para o primeiro mundo”! Competir é agora a palavra de ordem!

Este “espírito de competição” passou a fazer também parte do relacionamento entre homens e mulheres. Uma boa dose de “emulação” em substituição ao tradicional servilismo feminino só pode ser aceita com aplausos. Mas emulação e rivalidade não é a mesma coisa. Existem formas bem mais “educadas” de dizer “não” do que as que costumamos praticar. Para merecer respeito, o “não” tem que ser o fruto amadurecido de um “diálogo” honesto e respeitoso. Além disso, tem que vir acompanhado de um “sim”. Só um “sim” justifica um “não”. O “sim”, por sua parte, só é honesto quando nele continua havendo espaço para um “não”. O caráter “dialético” da natureza humana faz com que nossas afirmações e negações contenham sempre um pouco do seu oposto.
           
A Igreja católica condenou a teoria que pregava o “amor puro” como única forma genuína de amor. Por “amor puro” os seus promotores entendiam um amor totalmente desinteressado e absolutamente isento de egoísmo. A capacidade humana de amar é imperfeita e não comporta tratamento tão radicalmente “perfeccionista”. Também neste terreno a perfeição é um “horizonte” e não um ideal. Não somos obrigados a amar mais e melhor do que no-lo permite nossa condição.

O “perfeccionista” diz: “se não podes fazer perfeito, então deixa de fazer”! Em tudo o que fazemos se encontra sempre uma pitada tanto de interesse quanto de egoísmo. O “pecado” não está em procurar-se a si mesmo e cuidar dos seus interesses, mas em “esquecer” tudo o mais. Está em amar-se a si mais que aos outros em lugar de envolvê-los num só e único “abraço” do tamanho do Universo inteiro.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj



DESAFIO DE CASAIS COMO MODELOS ÉTICOS      

Em meados do século XVIII surgiu na França um movimento cultural que tinha por objetivo reconduzir o homem europeu de volta à natureza. O “bom selvagem”, o “inocente filho da natureza” passou a ser endeusado e visto como o ideal do homem social e sexualmente evoluído. Submetido aos postulados da razão, o instinto perdeu boa parte da sua sabedoria nativa e com isso já não oferece mais ao homem a mesma segurança de que o animal pode desfrutar.

A razão perverteu o instinto, dizem os “hippies”. A moral cristã contribui para esta perversão na medida em que tentou racionalizar a vida sexual, restringindo o campo da liberdade pessoal a um mínimo compatível com estruturas político-sociais ainda mais estreitas que o próprio código de moral por elas promulgado.

Podemos tomar o “bom selvagem” da floresta amazônica como protótipo do futuro companheiro ideal da mulher? Pode-se pensar em um acampamento hippie como nascedouro de uma nova ética sexual? Será que a galeria de santos canonizados com que o papa da Igreja católica tenta enriquecer a lista de homens e de mulheres, tidos como espiritualmente mais evoluídos, contempla realmente o que de melhor a humanidade produziu até hoje?

É bem possível que o nosso problema moral mais agudo seja a falta de modelos éticos verdadeiramente confiáveis. Será que é no alto de altares que é preciso procurá-los?

Também não é por decreto que se promove a prática da santidade. O simples culto dos santos canonizados pode muito bem obedecer a razões que nada têm a ver com santidade. Casados pouca chance têm de serem um dia elevados à honra dos altares. O santo matrimônio não santifica ninguém. A castidade conjugal não possui o mesmo poder de santificação que na prática é atribuído à castidade virginal. O exercício do amor conjugal parece diminuir e rebaixar a estatura moral. Só falta proclamar a abstinência conjugal como manifestação superior de amor entre casais.

A moral sexual católica revela a cada passo a sua procedência monástica e sua origem clerical. É muito generosa na hora de impor vetos, porém, extremamente parcimoniosa, na hora de socorrer casais em apuros.

O padre procede como o policial rodoviário: verifica a documentação, xinga o motorista displicente e lhe aplica uma penitência (multa) e depois o entrega à sua sorte. “Não tem gasolina? Está com o pneu furado? Vire-se! Não é função da Igreja resolver problemas! Ainda mais quando se trata de problemas criados pelo próprio casal”!

            É com estas ou palavras semelhantes que o padre procura lavar as mãos.
           
O sexo é tratado no campo teológico como se fosse fruto de um descuido do Criador. Lendo certos teólogos tem-se a impressão de que o sexo é o terreno mais propício à ação deletéria do pecado original. Parece que em parte alguma o demônio consegue triunfos mais retumbantes do que neste campo.

A maioria esmagadora dos um bilhão e duzentos milhões de católicos do mundo estão comprometidos com o santo sacramento do matrimônio. Se o casamento possuísse realmente o poder de transformar egoístas inveterados em modelos de virtude como se diz, a Igreja católica deveria encontrar-se anos-luz à frente, e a moral sexual deveria ser a mais criativa do mundo. Em lugar de confiar a celibatários profissionais a tarefa de encarnar as formas mais perfeitas e sublimes da caridade cristã, deixaríamos esta tarefa entregue a casais.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj



CONSCIÊNCIA MORAL               

O conceito de “consciência moral” pouco mudou desde os tempos de Tomás de Aquino. De lá para cá o sol deixou de girar em torno da terra, o homem foi até a lua e está se preparando para iniciar viagens espaciais ainda bem mais longas. Não foram “deuses”, foram homens que inventaram a bomba atômica.

Nietzsche se insurgiu contra a imagem cristã do homem por achá-la por demais parecida com a de um “mendigo” do que com a de um “senhor”. O seu “super-homem” não é cristão porque no cristianismo o “humano” e em especial o “demasiado humano” é sempre sacrificado em proveito do “divino” e o “natural” em proveito do “sobrenatural”.

A moral cristã é um dos sistemas de valores culturais que mais teima em permanecer fiel ao passado. O mundo mudou tanto desde a época de Pio X, mas no “interior” da Igreja dos papas os ventos que sopram são os mesmos de 150 anos atrás. O culto da letra e a preocupação pela “forma correta” ocupam o espírito dos representantes do magistério eclesiástico mais do que a compreensão e aceitação dos seus conteúdos por parte dos destinatários do discurso moral.

Quidquid recipitur per modum recipientis recipitur”, diz um aforismo filosófico. É o destinatário que interpreta a mensagem. É da sua capacidade de compreendê-la e da ressonância que ela vier a encontrar em seu próprio interior que depende o sucesso de uma mensagem mais que do seu nível “acadêmico”. O que é claro e óbvio para o professor, pode ser obscuro e até mesmo incompreensível para o aluno!

A linguagem em que foram expressos os conteúdos da Mensagem Divina não é mais a mesma que hoje se fala em ambientes mais abertos ao progresso do conhecimento humano. A linguagem de uma sociedade de “servos” dominados por “senhores” não é a mesma que é usada numa sociedade em que todos são “irmãos” e por isso basicamente iguais entre si. 

Numa sociedade onde o “decreto” substitui o diálogo e a submissão a “comunhão” fraterna, onde autoridade e poder são vistos e aceitos como base de sustentação da unidade eclesial, a “língua” que se fala em “cima” nos altos escalões hierárquicos não é a que os “de baixo” entendem e gostariam de “ouvir”. Normas morais formuladas em tonalidade dissonante e alheias a qualquer preocupação de “agradar”, acabam “irritando” mais do que cativando o ânimo dos seus destinatários.

Um sistema moral que não pode contar sequer com o consentimento do povo, menos ainda com a sua participação criativa, está fadado a “morrer” nas areias de um “deserto”. A elaboração de um “código moral” é obra da Fé de toda a Igreja. É um erro dos mais funestos atribuir esta tarefa tão somente aos membros da Igreja Docente.

O que um cristão honesto e crítico pensa ser bom ou mau merece o mesmo respeito que a “voz do pastor” de sua Igreja! “Vox populi, vox Dei”, diz um provérbio.

O papa Pio XII reconhece ao povo o direito de participar ativamente da vida da Igreja. O Concílio Vaticano II endossou este ensinamento.

No plano político concreto os altos escalões hierárquicos da Igreja se comportam como se o mundo em que vivem e exercem sua autoridade fosse o mesmo dos tempos de Pio X. Uma época anterior à Primeira Guerra Mundial lhes fornece os “parâmetros” de suas decisões e os seus critérios de agir. Há decênios que já não se faz mais “ciência” como se fazia antes da era de Einstein e de Max Planck. O mundo não mudou, e o homem é ainda o mesmo de sempre. O que mudou é a “imagem” que tínhamos do Universo, do Homem e, por conseguinte, de Deus. Nosso conhecimento tornou-se tão vasto e tão profundo que indivíduo algum é capaz de abarcá-lo todo. A cada passo surgem teorias novas em substituição a outras consideradas obsoletas e ultrapassadas.

Na interpretação dos fenômenos do Universo material a teoria da relatividade de Einstein veio tomar o lugar da teoria mecanicista de Newton. Desde então já passaram cem anos, mas a “física” que se ensina nas escolas é ainda a de Newton.

Um provérbio alemão define o ser humano como “Gewohnheitstier”, animal de hábitos. É alérgico a mudanças. Acrescente a esta “resistência” inata ao “novo” uma dose bem “sacudida” de preguiça mental, de comodismo e de “covardia” moral, e você terá a explicação para o fato de obrigarmos nossos jovens católicos a assistir “cursos de noivos” onde são “preparados” para a vida num tipo de sociedade que há muito deixou de existir. O “recado moral” que recebem é pobre e não os capacita a tomar posição crítica em relação aos desafios que uma “sociedade sem Deus” representa para a vida de Fé em Cristo.

Com o advento da televisão o pior crápula adquiriu a possibilidade de entrar nas casas e “vender” o seu “peixe” e pregar sua “filosofia” de valores. Assistir a um “filme pornô” é mais “divertido” do que assistir a uma missa do papa. Assistir a uma “missa” do papa compromete menos do que meditar sobre o Sermão da Montanha. Tomar parte numa procissão é sempre mais “chique” do que participar de uma manifestação política.

Só pode-se definir como pobre um sistema moral que se contenta com definir deveres e direitos. Existe um território moral enorme além daquele que abrange tão somente o “obrigatório” e o “proibido”. É o território reservado ao domínio da consciência onde a Lei Suprema é a Lei da Liberdade dos Filhos de Deus! Por mais “racional” que seja, um sistema moral só merece ser definido como “cristão” se o critério que o inspira é a Fé em Cristo.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj




CONSCIÊNCIA E LIBERDADE INTERIOR

Toda síntese se realiza no plano da consciência. Será, portanto, o resultado de um esforço consciente cujo objetivo social é a formação de uma espécie de superconsciência coletiva. Será um processo em que se visa alcançar um estágio novo, de nível superior no plano evolutivo. O diálogo entre Ciência e Fé, Arte e Mística, Técnica e Política exige um máximo de imaginação e de amor. Da síntese que daí vier a surgir dependerá o futuro da nossa civilização e sua sobrevivência.

As condições para a realização deste esforço coletivo de síntese já existem. O estudo aprofundado da natureza humana revela a existência de uma sintonia entre consciência profunda e a intencionalidade divina original. Existe, por conseguinte, uma sintonia das consciências, pondo-as a vibrar em uníssono ou em harmonia, toda vez que uma corda essencial for tocada.

Esta sintonia profunda tem sua origem em Deus, de quem todos procedem. Por isso, o anseio generalizado de harmonia e paz é de natureza religiosa. O avanço em direção a este objetivo representa um avanço no campo religioso da Fé, mais que um avanço no campo moral e social. Significa um novo estágio religioso, cujos reflexos serão sentidos por ressonância no campo ético-social.

Sentimos todos na própria carne as consequências de uma ordem religiosa, moral e social que só permite às grandes multidões anônimas um mínimo de participação ativa. Uma ordem moral, religiosa e socialmente adulta é incompatível com a permanência de multidões anônimas e massificadas. Isto é, a maioria silenciosa. Ela cria e alimenta em seu bojo uma margem de irresponsabilidade demasiadamente perigosa para ser admitida sem consternação. Demasiadamente vergonhosa para ser tolerada por mais tempo.

Liberdade e responsabilidade moral correm paralelamente. Diminuir uma é diminuir a outra. Encaramos a liberdade como um convite para a irresponsabilidade. Isso vale para a liberdade tal qual a concebem o libertino e o liberal, o déspota e o grande Inquisidor. Não se aplica, porém, à liberdade como a entende o Evangelho. A liberdade puramente externa pouco valor tem sem a liberdade interior. Esta gera a responsabilidade moral e religiosa, base de todo e qualquer compromisso social. 

Responsabilidade moral significa compromisso com a própria consciência. Responsabilidade religiosa quer dizer compromisso com Deus, sintonia com as intenções de Deus. Compromisso com algum tipo de hiperconsciência em formação. Senso de responsabilidade ou vem da consciência ou então é farsa. Onde não há lastro pessoal, social, moral e religioso nada mais resta senão o estado policial.

Seria tapar o sol com peneira não reconhecer que existe um estado generalizado de opressão sexual, caminhando lado a lado com as mais vergonhosas formas de desperdício e alienação. Só a mais absoluta imprevidência consegue imaginar a realidade sexual de outra forma, menos pessimista. Despertar a consciência de cientistas e teólogos, ateus e cristãos para a tarefa de canalizar as energias criadoras da sexualidade para a concretização da sociedade com que todos sonhamos, a “Sociedade do amor” (Puebla), é o que, modestamente, se propõe o autor deste livro.

Texto do livro “EVOLUÇÃO DO AMOR CONJUGAL” de Pe. J. Marcos Bach, SJ – Vozes/INEF.




P  R  A  Z  E  R    E    A  M  O  R

                              “O prazer do amor inspira o amor no prazer”!

O ser humano é um “animal movido a prazeres”, diria Freud. O grande desafio com o qual todo ser humano se defronta é como transformar prazer em amor. E como transformar necessidade em liberdade.

Há prazeres sensíveis e há prazeres espirituais. Os sensíveis são tidos como inferiores devido ao seu caráter epidérmico. Não há mal em saboreá-los. O mal acontece quando uma pessoa se prende a eles a ponto de esquecer as satisfações de ordem espiritual. Não é só o corpo que “adora” o prazer. Nossas almas e nosso espírito os apreciam ainda mais. A diferença está em que nossa alma espiritual não se contenta com o que em matéria de prazer o corpo e os sentidos lhe oferecem. Os sentidos são mais vorazes do que as faculdades espirituais do homem. Atraem para si e para a sua satisfação sempre mais tempo e energia quando não se toma o cuidado de moderar seus desejos. A disciplina ascética é tão necessária para a boa saúde psicomoral, quanto o dique o é para o escoamento racional das águas de uma represa.

O amor é livre por natureza e não tem a menor necessidade de que lhe venha em socorro algum Don Quixote. O que precisa de mais liberdade é o campo do prazer humano. É aí que a maioria de nós tem que aprender a arte de separar o joio do trigo.

Falso é todo prazer que impede outro maior. “Nunca devemos renunciar a um prazer, a não ser em vista de outro maior” (Santo Tomás de Aquino).

A verdadeira sabedoria consiste menos em dizer não do que em dizer sim. “A primeira palavra do amor é não” (Erich Fromm).

O glutão olha para a quantidade de comida que o garçom lhe está trazendo. A arte de comer bem não consiste em devorar o mais que se pode ingerir. O bom “gourmet” sabe escolher e saborear o que de melhor lhe é apresentado. Como distinguir um prazer superior de outro de qualidade inferior? O bom vinho é aquele que não deixa ressaca.

O bom prazer é aquele que melhora a nossa disposição de ânimo. Os melhores prazeres não são os que uma certa indústria do prazer fácil nos quer impingir. Os mais saudáveis não são os prazeres que importamos de fora. São, antes, os que desabrocham dentro de nós.

            
Há uma teoria que diz que a bem-aventurança faz parte essencial da estrutura de cada uma dos 50 trilhões de células do corpo humano. A felicidade é mais do que um simples epifenômeno da natureza humana. É elemento constitutivo do homem e se irradia pela pessoa toda a partir de cada uma das células do seu corpo. É, portanto, falsa a crença de que o corpo só serve para atrapalhar o espírito.

A maneira pessimista como a moral católica encara o prazer sexual continua impedindo um diálogo sincero e honesto entre teólogos e psicólogos. Os representantes do mundo eclesiástico têm a pretensão de dizer a um pesquisador científico até onde ele pode ir. O cientista reclama para si e seu trabalho uma autonomia de que a verdade não necessita. Tanto clérigos como cientistas sucumbem facilmente à tentação de se colocar acima da verdade. De intérpretes transformam-se em donos da verdade. Julgam-se no direito de definir e determinar o que é verdadeiro em lugar de contentar-se com o papel mais humilde e modesto de servidores da verdade.

Antropólogos e teólogos cometem em comum o mesmo “pecado”, o de tratarem o fenômeno sexual humano como se fosse primariamente um atributo biológico que a humanidade possui em comum com os demais membros dos planos superiores da biosfera. A moral católica apoia grande parte das suas normas em princípios derivados da assim chamada Lei Natural.

Esta “Lex Naturalis” é interpretada como exigência da natureza entendida em sentido físico. Mas o homem é essencialmente mais do que mero representante do mundo físico. É um “ens rationale”, dotado de consciência reflexa e, portanto, não se pode obrigá-lo a organizar sua vida sexual como o fazem chimpanzés e gorilas. Não basta ao homem perguntar donde veio. Há outra pergunta muito mais crucial que é esta: para onde você está indo? Você está evoluindo: qual o termo de chegada deste processo?

No céu ninguém é obrigado a casar. Mas seria uma casa muito pobre e triste se nele só houvesse lugar para monges, padres e freiras e se tudo o que de encantador  admiramos numa mulher e elas apreciam em seus homens não fizesse mais parte da comunhão dos santos e da bem-aventurança eterna!

A sexualidade e tudo o que ela envolve de belo e de arrebatador não é propriedade e atributo de um corpo mortal. É, antes de tudo, privilégio de uma alma espiritual e destinada à imortalidade!

A alma humana é mais do que hóspede passageiro do nosso corpo material. Ela é chamada pelos antigos mestres espirituais do Oriente de Corpo Astral, feito de matéria infinitamente mais sutil do que esta de que é feito este nosso corpo físico. À medida que nossa alma assume o comando de nossas vidas, estamos evoluindo e crescendo. Não é fugindo da matéria que nos espiritualizamos, mas apropriando-nos das suas energias mais poderosas.

Um faquir oriental pode contentar-se com a aquisição de formas de energia cada vez mais poderosas. Um místico cristão se preocupa pouco com o poder de produzir fenômenos paranormais, como levitar. Usa este acréscimo de poder e de energia em suas relações sociais. Investe-os em seu potencial afetivo, transforma-os em amor, em dom gratuito de si. O resultado é que nele, Deus, o universo e a humanidade inteira formam um Todo Indivisível. O místico cristão consegue unir dentro de si o que na realidade só existe como Totalidade, como Unidade indissolúvel.
In: Manuscrito de Pe. J. Marcos Bach, sj



ANÁLISE DA QUALIDADE NO RELACIONAMENTO SEXUAL

No campo do relacionamento sexual o problema é notoriamente uma questão de qualidade, de subdesenvolvimento. Não é o que está acontecendo, que traduz a extensão do problema, mas o que não acontece e poderia estar acontecendo. No ponto da evolução em que nos encontramos, chega a ser ridículo o quadro da vida sexual apresentado pela sociedade ocidental. Valores essenciais como fidelidade, sinceridade e respeito à pessoa são postos de lado como resquícios de uma era de obscurantismo cultural. A palavra está com as Ciências, quando não está apenas com o desejo desenfreado. A Moral foi aposentada. A Religião passou a “bode expiatório” de todos os “pecados” do passado. É longe da Moral e da Religião que parecem sorrir as mais fagueiras esperanças de um futuro “paraíso” sexual. A “pílula” passou à condição de “sacramento de libertação sexual”.

Não há necessidade nenhuma de apelar para a Religião ou para a Moral, mas basta uma análise honesta da estrutura da sexualidade humana para descobrir o absurdo em que estamos metidos.

Creio que não é ousadia demasiada afirmar que as riquezas em potencial da sexualidade jazem ocultas e inexploradas no subsolo cultural, à espera de aproveitamento mais racional e menos perdulário.

Um conhecimento mais exaustivo da própria sexualidade pode significar um primeiro passo à frente. A sexologia moderna apresenta a sexualidade como realidade complexa, dinâmica e estruturada, capaz de se expressar em níveis e planos, qualitativamente distintos.

Texto do livro SENTIDO ESPIRITUAL DA SEXUALIDADE de Pe. Marcos Bach,SJ – Vozes/INEF.



NOVA ÉTICA SEXUAL

Uma concepção evolutiva, dinâmica e personalista da sexualidade só pode conduzir a uma ética do mesmo tipo.

A moral tradicional, ao definir a procriação como fim primário do ato sexual, acaba por girar basicamente em torno da criança. O que mais alvoroça a consciência dos antidivorcistas é a sorte dos filhos. Embora o direito dos filhos constitua um argumento de peso, não basta para justificar a condenação do divórcio ou do desquite. Não se pode atrelar a solidez interna da união conjugal a fatores extrínsecos. O interesse real dos filhos em nada é servido por um matrimônio do qual apenas restam as aparências. Na mais benigna das hipóteses justifica uma protelação do desquite ou divórcio.

A moral tradicional fecha os espaços legitimamente reservados à liberdade e à consciência do homem. O direito do casal de planejar a dimensão da família é consagrado na teoria, cerceado, porém, na prática pela proibição de todo e qualquer método contraceptivo “artificial”. Qual o método que não é artificial? Outro exemplo: a liberdade de consciência é reconhecida em teoria, mas na prática se defronta com tantas imposições e tal profusão de leis, que parte substancial desta liberdade se perde.

Apoia-se num intelectualismo acadêmico inacessível ao homem comum. As linhas concretas de ação são deduzidas de princípios tão universais que terminam por se perder no espaço vazio de abstração.

A moral tradicional foge da vida e acaba por perder o contato com a existência.

Uma casuística sutil e complicada toma o lugar da intuição.

É excessivamente dogmática por subtrair à discussão a legitimidade de suas exigências, princípios e normas.

É impessoal, já que parte da rigidez da lei, em lugar de partir da pessoa.

É hipócrita, já que opera em dois planos contraditórios: o foro externo onde não há lugar para a misericórdia; e o foro interno (ou plano pastoral), onde é admitida a condescendência misericordiosa.

É perfeccionista, pois aponta para modelos inacessíveis ao esforço mais bem intencionado. Os santos, modelos de perfeição, na realidade, são encarados pelo povo mais como fazedores de milagres do que como modelos a serem imitados. Na verdade ninguém procura imitá-los. Assim os santos servem mais à superstição do que aos objetivos da fé e da moral.

É pessimista, e, por conseguinte, anticristã, já que pauta suas normas dentro de uma visão negativa da natureza humana. Exagera dum lado o poder normativo da natureza. Minimaliza, ao contrário, o poder normativo da natureza humana.

É dualista, dicotômica e maniqueísta, pois identifica o bem com o mundo espiritual e o mal com o mundo material.

Uma moral estática, de equilíbrio, e não de desenvolvimento individual e social. É minimalista por força do próprio sistema, já que se prende excessivamente aos aspectos externos da ação.

É indubitável que o homem e a mulher de nossos dias possuem um grau bem mais elevado de maturidade moral, contam com uma consciência mais aguda de sua real identidade, um sentido religioso mais refinado e um senso de responsabilidade social mais inquieto em relação a todas as formas de injustiças e opressão. A salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana transformou-se em bandeira política. Os movimentos de emancipação da mulher costumam chocar-se frontalmente com a concepção tradicional do casamento. E por redundância com os postulados da moral convencional.

A nova moral não pode ser construída sobre as ruínas da antiga, nem pode ser encarada como simples emenda e prolongamento melhorado desta. Tem como ponto de partida a pessoa, identificando-se com suas aspirações mais secretas, com suas potencialidades mais elevadas, com seu dinamismo social, com as leis de seu desenvolvimento espiritual.

É nova porque está a serviço do “novo homem”.

É radicalmente cristã, já que o homem novo é em sua essência o “homo christianus
É muito mais exigente por ser muito menos tímida, menos individualista, definindo o bem em termos muito mais amplos e universais do que a ética convencional.

Supõe uma consciência muito mais cosmocêntrica, de acordo com o papel cósmico, que a sua condição de pessoa reserva ao homem.

É mais homogênia e unitária por situar o esforço moral do homem no centro energético do universo.

Confere à ação humana uma função muito mais ampla do que a tímida moral do “cidadão bem comportado”.

Encara a sexualidade não apenas como função, mas como dimensão sacramental de um universo ontologicamente radicado em Deus e intrinsecamente voltado para Ele.

Não se contenta com a prática do bem. Exige como postulado de base para a realização do bem a intenção de construir em si e em torno de si um “mundo melhor”. É, portanto, maximalista e dinâmica por essência.

Distancia-se, por esta razão, de todos os parâmetros jurídicos. Embora sejam úteis e até certo limite, necessários, estes não podem ser utilizados como padrão moral de comportamento. A partir do Direito não existe nenhuma via de acesso à ordem moral. A ordem jurídica e a ordem moral pertencem a dois mundos perfeitamente distintos, embora convergentes. A ordem moral pertence a um plano essencialmente superior ao da ordem jurídico-social. A ordem moral tem em comum com a religião o fato de pertencerem ambas à ordem do Amor. Uma ordem que constantemente se questiona se desequilibra, para reagrupar seus postulados em novas formas de síntese existencial. Por isso pode ser qualificada como “moral de movimento” segundo a definição que lhe dá Teilhard de Chardin.

As bases desta nova moral estão assentadas na fé, entendida aqui como função da consciência. Como espécie de pré-visão da totalidade do Ser. Uma moral assentada apenas na justiça e nos postulados da razão não oferece mais suporte válido à pletora de energias e aspirações desencadeadas por dois mil anos de cristianismo.

(Texto do Livro “EVOLUÇÃO DO AMOR CONJUGAL” de Pe. Marcos Bach, SJ – Vozes e INEF).


A  SEXUALIDADE HUMANA

A sexualidade e tudo o que ela envolve de belo e de arrebatador não é propriedade e atributo de um corpo mortal. É antes de tudo, privilégio de uma alma espiritual e destinada à imortalidade!

A alma humana é mais do que hóspede passageiro do nosso corpo material. Ela é chamada pelos antigos mestres espirituais do Oriente de Corpo Astral, feito de matéria infinitamente mais sutil do que esta de que é feito este nosso corpo físico. À medida que nossa alma assume o comando de nossas vidas, estamos evoluindo e crescendo. Não é fugindo da matéria que nos espiritualizamos, mas apropriando-nos das suas energias mais poderosas.Um faquir oriental pode contentar-se com a aquisição de formas de energia cada vez mais poderosas. Um místico cristão se preocupa pouco com o poder de produzir fenômenos paranormais, como levitar. Usa este acréscimo de poder e de energia em suas relações sociais. Investe-os em seu potencial afetivo, transforma-os em amor, em dom gratuito de si. O resultado é que nele Deus, o universo e a humanidade inteira formam um Todo Indivisível.

O místico cristão consegue unir dentro de si o que na realidade só existe como Totalidade, como Unidade indissolúvel.Onde as Igrejas cristãs falharam lamentavelmente foi no descaso com que trataram as potencialidades mistagógicas da sexualidade humana. O casal cristão é tratado por seus pastores como se Cristo não tivesse incluído em sua graça redentora a sexualidade! É a “gata borralheira”, o “sapo feio”, a “serpente venenosa” dos contos de fadas!

            “Sereis como os Anjos do Céu” (Mt 22,30).

Quem são estes Anjos do Céu cuja condição Cristo nos apresenta como modelos?
São seres eminentemente espirituais, mas não são puros espíritos. Possuem corpos, só que seus corpos não são feitos da mesma espécie de matéria como os nossos. A palavra “castidade angélica”, muito empregada em biografias de santos, nunca é usada para descrever a “castidade conjugal”. O termo castidade perfeita só se aplica a pessoas que optaram pela abstinência sexual total e definitiva. Qual o estímulo moral e espiritual que pode encontrar um casal quando vê sua opção pela vida matrimonial sistematicamente inferiorizada e colocada sob suspeita de egoísmo?

Renunciar ao prazer sexual não possui valor moral em si. Este lhe advém do motivo, da intenção e das circunstâncias que o envolvem. O celibatário, mais que o casado, corre o risco de isolar sua sexualidade e de eximi-la de qualquer compromisso de natureza social. Sob o pretexto de amar a todos com o mesmo amor, acaba sendo vítima de uma autoestima mais narcisista e autolátrica do que cristã. Quando e onde um celibatário é solicitado a condividir e a compartilhar o seu prazer com o de um outro?Um casado tem esta oportunidade a cada passo. Pode haver prazer mais gratificante e puro do que a companhia de uma pessoa amada? O que celibatários podem esquecer facilmente é que a razão de ser do celibato cristão é melhorar as suas condições de serem companheiros dos seus irmãos!O bom companheiro não é o que vai à nossa frente, nem aquele que vem atrás, mas aquele que caminha a nosso lado, preferivelmente de “mãos dadas”.

Deus criou a mulher quando percebeu que o homem precisava de uma “companheira”, diz a Bíblia. Homem e mulher não foram criados por Deus para se completarem mutuamente. A relação sexual nada tem a ver com realização pessoal. Não é suficiente que se façam felizes um ao outro. No dia do casamento colocaram-se a serviço de um projeto muitíssimo mais amplo do que o da sua felicidade pessoal.Quando dois átomos de hidrogênio se unem, liberam uma poderosa carga de energia. O mesmo acontece quando duas almas humanas se unem por um laço de amizade! Assim como cada átomo, também cada alma humana é dotada de uma energia muito mais explosiva e poderosa do que a energia atômica. Esta energia já existe no interior de cada um. Resta aprender como liberá-la!

“Vim para lançar fogo sobre a terra, e como desejaria que já estivesse aceso” (Lc 12,49). Onde topar hoje com este fogo abrasador do Amor de Cristo? Os Sumos Sacerdotes da Nova Aliança se encarregaram de recolhê-lo em seus turíbulos e lâmpadas sagradas! O fogo se apagou, mas os bombeiros continuam vigilantes e sempre prontos a apagar qualquer espécie de incêndio indesejado!

“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo 15,12). Jesus associa o testemunho de fé ao amor para com o próximo.

Quem se encontra em melhores condições de dar este testemunho do que um casal cristão, do que um pai amoroso e uma mãe bem “brasileira”?Além dos subsídios com que os dotou a mãe natureza, podem dispor dos recursos inesgotáveis da graça de Cristo. Que mais querem e qual a desculpa que podem invocar em caso de fracasso?
In: Manuscrito de Pe. José Marcos Bach, sj

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