quarta-feira, 26 de junho de 2013

O SER HUMANO FRENTE AO PROGRESSO TECNOLÓGICO

Para encontrar o seu verdadeiro destino o homem tem que encontrar-se, antes de tudo, consigo mesmo. “Gnosei ton autón”, dizia um dos ilustres sábios da antiga Grécia. “Nosce te ipsum”, diziam os romanos.

O seu Eu interior é o único mundo que um ser humano é capaz de conhecer de verdade. Conhecer significa tornar-se um com um outro. Por isso conhecer e amar são sinônimos. Isto significa que o conhecimento é uma forma de amor e o amor uma forma de conhecimento. Sem amor não há conhecimento verdadeiro e não é possível amar o que não se conhece.

A raiz do malogro a que o Iluminismo racionalista conduziu a humanidade está na sua falta de amor. O fracasso do Humanismo secular ele o deve ao mesmo vício congênito. Razão é inteligência mais sentimento. Ela não se destina apenas à produção de pensamentos e de raciocínios lógicos. Os planos superiores da mente humana possuem a faculdade de produzir um outro tipo de conhecimento essencialmente superior a tudo que os sentidos e a razão discursiva são capazes de elaborar. Por ora, esta esfera da mente do homem só é explorada por místicos e poetas. A eles a humanidade deve o que de melhor a mente do homem produziu ao longo da história. A mente humana é infinitamente mais do que uma simples máquina. Máquinas funcionam ou não. Funcionam bem quando produzem o que delas se espera.

A história da Europa passou a entrar numa nova fase quando teve início a luta entre fé e razão. O progresso científico teve que enfrentar, desde o início, a resistência tenaz do estamento religioso cristão. Às fogueiras e patíbulos da Santa Inquisição cabia a função macabra de garantir que a pureza da fé cristã não fosse manchada por hereges e heresiarcas. O progresso tecnológico era visto com grande suspeita porque aumentava o poder criador do homem às custas da onipotência do Criador. Todo este progresso material e cultural de que hoje nos orgulhamos, foi alcançado, em boa parte, sem as bênçãos das Igrejas.

Ainda está por decolar a primeira nave espacial tripulada por teólogos cristãos e destinada a alargar o raio de compreensão da fé cristã. Viagens espaciais podem contribuir grandemente para ampliar o espaço da autocompreensão do homem. A ciência (biologia e psicologia, de modo especial) contribuem para aumentar enormemente a compreensão racional do universo, partindo do homem em direção ao cosmos. Cresce entre cientistas a convicção de que para compreender o homem é preciso compreender o universo todo e que nada há nele que não tenha alguma relação com o destino último do homem. Cresce, ao mesmo tempo, entre estudiosos da astrofísica, a convicção de que o homem que povoa este nosso vastíssimo planetinha não é o único ser inteligente do universo. Por este vastíssimo universo afora haverá, certamente, muitíssimo mais planetas capazes de abrigar e desenvolver formas de vida semelhantes às nossas. E por que a vida, que é tão criativa, teria que restringir sua versatilidade a ponto de não poder manifestar-se a não ser em ambientes como o da nossa biosfera? O tipo de fé cristã que prevalece nas Igrejas cristãs é em tudo o oposto do espírito de aventura que caracteriza os projetos da NASA.


Do livro “A IGREJA QUE EU AMO” de Pe. José Marcos Bach,SJ

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O HUMANO GREGÁRIO  X  IGUALDADE SOCIAL

Um cientista como Heisenberg, Einstein, Capra e Bohm são homens de fé. Todos eles acreditam na capacidade do homem de transformar o ambiente em que vive. Não há entre os melhores deles um só ateu, pois todos acreditam na presença ativa de uma Inteligência Suprema. A esta fé se poderia acrescentar outro artigo a mais: o de que o universo, que Deus criou, é dinâmico. Foi feito para crescer e se expandir!

O futuro da humanidade abrange milhões de anos. O primeiro hominídeo capaz de atirar uma pedra na cabeça de um rival viveu uns quatro milhões de anos atrás. De lá até hoje o homem primitivo passou por transformações, mas continua sendo basicamente o mesmo. Continua sendo tão gregário quanto seus ancestrais. Só se sente bem no convívio com seus semelhantes mais chegados. Continua precisando de quem reconheça seu valor e o admire. Precisa da companhia de quem nele creia. Tudo isso uma boa Comunidade Cristã tem para oferecer a cada um dos seus membros. Se não o faz, é porque uns poucos “chefes” monopolizaram o direito à veneração do povo. A polícia pode bater em quem quiser, só não pode baixar o cassetete em “padre” e “freira”. Sacrilégio só ocorre quando a vítima possui imunidade eclesiástica.

Sagrado é, sob o ponto de vista cristão, todo ser humano, sem nenhuma distinção. É isto que se deve entender quando se toca no assunto dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana. A Igreja católica está se empenhando em salvaguardar, juntamente com os demais Movimentos Humanitários, estes Direitos. Age, no entanto, de forma um bocado hipócrita, pois ela mesma, em seu foro interno, se esquece de praticar o que prega na televisão. Não só o cristianismo, mas as religiões em geral, só terão chances de participar do futuro da humanidade se nele entrarem dispostos a renunciar a todas as formas de desigualdade social. É no campo religioso, mais que em qualquer outro, que a desigualdade assume as mais virulentas formas de discriminação. Só não vê isto quem não quer.


                                               Pe. José Marcos Bach, SJ

quarta-feira, 12 de junho de 2013

UMA IGREJA POBRE

A genuína conversão no sentido em que Cristo emprega o termo (Mt 18,3) é obra de Deus e dom divino. Representa uma reviravolta total: “O velho homem”, diria Paulo, “terá que morrer para que o novo homem possa nascer”.

A exploração plena de todas as potencialidades da natureza espiritual do homem é empreitada que excede por completo a capacidade ou competência natural do homem.

Todo parto é doloroso. Também este que dá origem ao “Novo Homem” idealizado por Cristo, é acompanhado de sofrimento. Que o digam os profetas e os místicos!

Se a Igreja quiser recuperar a credibilidade perdida, não basta reconhecer que pecou e que errou.

É preciso pensar numa outra Igreja, mais parecida com a dos Apóstolos de Cristo. Uma Igreja radicada na alma do povo. Uma Igreja tão pobre que possa permitir-se o luxo de dispensar toda e qualquer segurança que não seja a do pobre.

Uma Igreja pobre estaria a salvo de quase todas as tentações a que a Igreja dos papas sucumbiu ao longo de sua história.

Rico é aquele que muito tem a perder. Pobre é alguém que não tem nada que lhe possam roubar. Miserável é aquele que precisa roubar para sobreviver.

A pobreza, de que estamos falando, encontra-se no meio do caminho entre a riqueza e a miséria.

É a pobreza de espírito a qual Jesus se refere no Sermão da Montanha. “Felizes os pobres de espírito...” (Lc 6,20).

Toda pessoa sensata sabe que possuir mais que o necessário a uma vida confortável costuma gerar mais problemas do que alegrias.


                                                        Pe. José Marcos Bach.SJ

quarta-feira, 5 de junho de 2013

VIDA,VIDA,VIDA

O ato de comer está tão profundamente ligado à vida, que pão e vinho acabaram se transformando em símbolos da manifestação da forma mais sublime de vida, que é a Vida de Fé.

O ato de comer tem para o homem um significado que ultrapassa o plano vegetativo de um modo absolutamente radical. Comer passa a ser um modo de alimentar o espírito.

“Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51). É por esta razão que a falta de pão na mesa do pobre é tão trágica. Pela mesma razão não pode haver lugar na “mesa do Pai” para os ricos e vorazes glutões.   

Há uma diferença substancial entre viver e estar vivo. Viver a vida é uma coisa e coisa bem diversa é encontrar-se ainda entre os vivos.

Há um limiar abaixo do qual a vida de um ser humano deixa de ser humana. Baixa e desce a um nível em que desaparecem os traços essenciais que distinguem o humano do meramente biológico. Para esta situação podem contribuir tanto a falta quanto o excesso de bens materiais.

O estado de subdesenvolvimento psicológico e moral pode atingir por igual tanto o miserável quanto o rico.

Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético.

Creio que a maioria dos defensores da dignidade da pessoa humana esqueceu um pouco demais estes aspectos mencionados acima.

A pessoa humana tem o direito de viver a vida de tal modo que se possa sentir a qualquer momento satisfeita com a parte de vida que lhe toca.

Quem vive a sua condição humana em estado permanente de insatisfação e frustração, continua vivo, mas não vive de acordo com a dignidade inerente à sua vocação humana.

A pessoa humana é um ser a quem foi dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se gerar a si próprio. É, portanto, um ser que não se pertence.

Se quiser um dia pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules; terá que operar mais e maiores milagres do que Cristo realizou.

Terá que libertar-se. Terá que passar da liberdade-dependência para a liberdade-autonomia.

Terá que sair do casulo protetor, como o faz a borboleta. Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero materno.

Do mundo seguro das certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou pelo bafejo benevolente das autoridades, terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo que a sociedade oferece.

Terá que romper com o princípio da autoridade.

Terá que enfrentar a “Traição”, como diria Nietzsche.

Terá que aprender que não existe fidelidade nem Fé sem uma dose maciça de “Traição”.

O mais dramático paradoxo da vida está em que devemos matar em nós aquilo que queremos que viva.

Devemos matar a “criança” em nós para que a “Criança” possa viver e crescer.

O grão deve morrer para que a espiga possa nascer.

Sem rebeldia não poderá haver libertação.

Todo o acréscimo de liberdade é o fruto de uma ruptura.

O gérmen rompe a casca protetora da semente.

Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.

Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis de paz. Mas a vida que se oculta por detrás desta aparência, nada tem de pacífico.

A vida não descansa nunca. Não tem nem sábado, nem domingo.

Se a vida não descansa, por que o homem tem que ter um dia cada semana para descansar? É porque o homem é mais que vida, é espírito.

O homem pode atrelar-se ao trabalho de modo tão servil que acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com sua parte melhor, aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.

Nietzsche não deixa de ter um bocado de razão: “De tanto nos ocupar com a verdade, acabamos perdendo o contato com a vida”. 

Com a vida humana, em especial.

 Quem mata e manda matar do jeito como este afazer foi praticado nos últimos cem anos, não pode dizer que ama a vida.

 Quem vive a espécie de vida que se vive hoje nas grandes cidades, não tem credibilidade moral quando se proclama amante da vida

Quem tem amor à vida a ama em todas as suas manifestações.

Este amor se manifesta em todas as frentes onde ela corre perigo.

Declarações sobre a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida não é o que falta.

É preciso falar no aborto e na matança pela fome.

 A terra é generosa, os homens é que não o são. 

A fome é o subproduto da falta de generosidade da parte mais rica da humanidade. 

Os cristãos representam o grosso desta parcela opressora e exploradora da humanidade. 

Aquele que passou a existência no limiar que separa a vida da inanição, não chegou a viver de verdade. 

Como se pode falar em vida espiritual, saúde psíquica, onde a sobrevivência física não vai além do nível vegetativo? 

Não é apenas o faminto subnutrido que, via de regra, não faz mais do que vegetar. 

O rico opulento que devora a comida, o sexo e o dinheiro, também é um mero vegetal travestido de homem. 

A fome e a voracidade não costumam inspirar bons pensamentos.

Também não têm o poder de nutrir bons sentimentos e aspirações de alto nível espiritual. 

Fizeram bem os bispos da América Latina quando de público se colocaram do lado da multidão milionária de famintos e subnutridos deste Continente. 

 Só há um jeito de matar a fome: comer. 

 Texto de um escrito de Pe. José Marcos Bach,SJ 

sábado, 1 de junho de 2013

AMOR SEM LIMITES

A grande interrogação que permanece de pé é esta: será possível formar uma genuína Comunidade de Fé com pessoas que sempre escondem boa parte do que pensam, sentem, desejam e querem? Não creio. Mas acredito que grande parte das divisões que existem no campo religioso são o sinal mais claro de que em todas elas predomina uma dose de desconfiança que nada tem de religioso. E menos ainda pode ser interpretada como prova de amor a Deus.

Não é verdade que a maioria dos cristãos, sem falar dos membros de outras correntes religiosas, é composta de pessoas pouco solidárias com os que não pertencem à sua Igreja? A solidariedade de todos para com cada membro da grande família humana será indispensável daqui para frente mais do que nunca, se queremos que o futuro da espécie Homo Sapiens não seja ainda mais melancólico do que foram os 300.000 anos de sua história pregressa.

Antes de pensar em formar uma comunidade é preciso pensar em formar a consciência dos que irão compor esta comunidade. Não fomos preparados para viver uma vida de comunhão com outros. Aos nossos contatos com eles falta a intimidade que caracteriza todo genuíno amor. A identificação com o nosso próprio ego é tão absorvente que não resta aos nossos relacionamentos espaço que não seja o de contatos de superfície.

 Mas amar é muito mais do que gostar de alguém. O amor é uma forma de energia vibratória de altíssima frequência. Se Deus é Amor, então todo amor, mesmo o mais modesto, é intrinsecamente divino. Entregue à sua natureza, ser humano algum é capaz de amar com a intensidade com que Jesus amou e continua amando a humanidade. Por isso Ele nos ofereceu o seu Amor Infinito, não apenas como termo de comparação, mas como fonte de um Novo Amor: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 15,12). Deus colocou à disposição dos homens a sua própria capacidade de amar, os tesouros inesgotáveis de um Amor sem limites.

                                                    Pe. José Marcos Bach, SJ