quarta-feira, 13 de março de 2013

A IGREJA HIERÁRQUICA


        É óbvio que o conceito de Igreja hierárquica não é evangélico. É obra humana e resulta do processo de inculturação que levou a Igreja a se integrar no ambiente cultural do seu tempo. Não foi a Igreja que forjou a civilização ocidental. Ela é basicamente pagã e já existia antes de Cristo. Do cristianismo ela tomou o nome, mas sua moral e seus valores culturais são praticamente os mesmos dos filósofos gregos e dos conquistadores romanos. No papel e no discurso oficial tudo parece ser muito mais cristão do que pagão. Mas um olhar mais aguçado e honesto revelaria o tamanho da impostura que tanto irritou o pensador alemão Friedrich Nietzsche.

            O fato da Igreja católica ser dominada por um punhado de hierarcas, autopromovidos à função de representar Cristo na terra, já não mexe mais com os nervos de ninguém. Nietzsche ainda se irritava ao ver como a cristianíssima Europa se encaminhava a passo firme ao encontro de duas das mais sangrentas guerras da história.

            Hoje, quem é que se irrita seriamente com o fato de ver o destino espiritual de mais de um bilhão de católicos entregue a um único homem, sempre mais disposto a passar o ferrolho em portas e janelas do que em abri-las? Uma Igreja que não incomoda mais a ninguém, que futuro pode ter? Num mundo tão injusto como o nosso, quem não se incomoda não é sério.

            “É na mudança que as coisas repousam”! A afirmação é do pensador grego Heráclito e foi feita muitos séculos antes da nossa era.

            A Igreja católica certamente não é a única instituição que se esqueceu de que tempo é sinônimo de movimento e que continuar vivo significa acompanhar o fluxo do tempo, mas é seguramente uma das que menos se preocupam com a passagem do tempo.

            Cada dia que nasce é uma oportunidade nova. Não se pode viver um dia como o outro e a existência do homem não é feita de dias sucessivos. Onde cada dia é igual aos anteriores é absurdo falar em história, em progresso e em evolução. Esta última resulta, em sua essência, de mudanças ou mutações que não permitem continuar a viver a vida como antes.

            Uma instituição que se julga imune à passagem do tempo, além de monótona, coloca-se a si própria na lista das “espécies em extinção”. Há tempos e tempos. Existem os anos das “vacas gordas” e os das “vacas magras”.

            A Igreja também está sujeita às vicissitudes do tempo histórico. Como toda e qualquer instituição social ela corre o risco de perder o “trem da história”. Tudo o que é humano está sujeito à Lei da Entropia, da desagregação irremediável. E existem no seio da Igreja muitas coisas puramente humanas, demasiadamente humanas, como o medo atávico da liberdade e as virtudes criativas de uma consciência verdadeiramente livre. Existe na Igreja de Roma uma quantidade exagerada de desconfiança sistemática dos “grandes” em relação aos “pequenos”. Percorrendo os parágrafos do Código de Direito Canônico e os corredores do Vaticano, tem-se a impressão de que o Espírito Santo já não é mais o chefe da Igreja, cuja “direção” passou do sopro da liberdade divina para a competência “ministerial” de peritos em “administração eclesiástica”.

            Séculos de um processo sociocultural de “inculturação” fizeram com que a Igreja integrasse em suas estruturas traços e elementos que hoje só podem ser vistos como “lixo” cultural e social. O computador mal teve tempo para dizer a que veio. E, no entanto, não são poucos os que têm medo dele. Por quê? Porque a ele só lhe falta o poder de se autorreproduzir. Por ora sua autonomia é limitada. Mas, mesmo assim, ele inspira desconfiança.

            Uma revolução cultural patrocinada por sistemas cibernéticos como computadores, seria conduzida segundo princípios éticos novos. No eixo desta ética estaria o princípio de que existe uma correlação intrínseca entre responsabilidade e liberdade. Não se pode ser livre sem ser responsável e não se pode ser responsável sem ser livre.

            Perto de dois mil anos de história fizeram da Igreja católica um lugar pouco propício à expansão de ideias verdadeiramente criativas. Mas este é um estado de coisas que pode mudar. O seu passado é prova cabal de que ela é capaz de se tornar muito diferente do que é atualmente.

            Os antigos chineses dividiam as forças que regem a história em duas categorias aparentemente contraditórias: o yang e o yin. As energias yang são agressivas, masculinas, voltadas para atividades de conquista e de posse. As energias yin são, ao contrário, brandas, soft, mais cooperativas, mais femininas e mais aptas à formulação de sínteses.

            O que caracteriza nossa época de um modo verdadeiramente traumático é que atingimos o clímax de uma civilização predominantemente influenciada por energias do tipo yang. O instrumento político era a guerra. Dividir e dominar pela força das armas era o objetivo de todo bom governante. Dividir a sociedade em classes e instaurar nela uma atmosfera de medo permanente: nisto se resumia a “sabedoria” política de todos os monarcas absolutos, ditadores e tiranos, até os dias de hoje. É só pensar no número de guerras que assolaram a humanidade pós-diluviana durante os últimos cinco milênios da sua história. A guerra já não é mais uma opção política alternativa. Passou a ser a pior das opções de que um político pode dispor atualmente. A Europa Unida nasceu da convicção de que o tempo de dividir e dominar já passou. Chegou a hora de unir, de somar e de cooperar. A competição, arma de dois gumes, representa o último grito de uma época. É perfeitamente possível e viável substituí-la por tratados e gestos de cooperação.

            A palavra concorrência vem de concorrer, o que significa correr juntamente com outros. Certamente não é à sã concorrência que o mundo deve suas desgraças. Não é em fila indiana ou em procissão que os soldados atacam num campo de batalha.

Texto do Manuscrito: “PERFIL DE UMA IGREJA NOVA” de Pe. José Marcos Bach, SJ

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