quinta-feira, 7 de março de 2013


SUPERESTRUTURA CLERICAL

No ano 70 d.C. os judeus perderam o Templo. Com o Templo deixaram de existir duas instituições religiosas fundamentais na aparência: o sacerdócio e o sacrifício.

Até hoje os judeus sobrevivem sem templos, sem sacerdotes e sem sacrifícios. O que prova que não eram essenciais.

Na época o cristianismo estava ensaiando seus primeiros passos. Alguém dentro da Igreja achou que chegara a hora de ocupar o espaço religioso que o judaísmo deixara vazio. Criou-se a figura do sacerdote em substituição à do presbítero. O bispo tomou o lugar do apóstolo. O profetismo foi esquecido.

A Celebração Eucarística tornou-se o Santo Sacrifício da Missa. O altar voltou ao centro do culto litúrgico. A mesa eucarística serve para separar o espaço reservado ao ministro do altar do espaço em que um leigo pode movimentar-se. Uma igreja-templo era dividida em duas partes: o coro e a nave.

O coro para os cônegos, a nave para o povo. Não demorou e apareceu outra novidade: o trono episcopal. Com ele vieram a mitra, o báculo e o anel.

Roupas especiais foram inventadas para marcar a distinção entre clero e povo.

A cultura religiosa tornou-se privilégio do clero. O conhecimento mais profundo das verdades divinas ficou reservado a clérigos. Ao povo dizia-se o que tinha a fazer. A salvação da alma de um fiel era assegurada pelo cumprimento da lei moral.

A oração vocal e o cumprimento das obrigações, entre as quais a frequência aos sacramentos, compunham o cardápio religioso do povo. Voltou à tona a crença no poder mágico de certas práticas rituais.

Entre o fiel e Deus foram sendo introduzidos sempre mais instrumentos de mediação. O mais destacado foi a figura do sacerdote. Com o correr do tempo, o clero tornou-se uma instituição, uma corporação à parte, sem vinculação jurídica com as Comunidades de Base. Rege-se por conta própria e só deve explicações a Deus e a seus superiores hierárquicos.

O princípio hierárquico passou a vigorar não só na relação entre clero e povo, mas dentro do próprio mundo clerical.

Surgiu a categoria do superior em oposição a dos inferiores, ou súditos. Traçou-se uma linha divisória bem clara entre os que têm poder e os que a ele não têm acesso. A interpretação das verdades da fé e a sua aplicação prática tornou-se monopólio do clero.

O magistério eclesiástico, representado exclusivamente por membros do clero, assumiu a função de árbitro supremo da verdade e do bem.

À consciência individual ficou reservada a tarefa de orientar-se de acordo com o ensinamento do Magistério da Igreja.

A experiência pessoal, este campo tão fértil em conhecimentos novos, passou a ser menosprezada e posta sob suspeita de parcialidade. Criou-se uma nova divisão dentro da Igreja: a Igreja oficial e a Igreja particular. A Igreja docente e a discente.

Uma boa árvore é aquela que possui raízes fortes e bem fincadas no solo. Mas isto por si só não basta. Ela será boa se tiver um tronco robusto e sólido. Por último requer-se que possua uma ramagem adequada. O que lhe dá vida e saúde é a seiva que por ela sobe e desce.

Cada parte tem a sua função específica e a desempenha de forma bastante autônoma. Mas nenhuma das partes basta a si mesma. Todas interdependem entre si. Uma árvore, como qualquer planta viva, forma um todo holístico. Tudo o que cada parte faz é direcionado para o bem deste todo. Cada folha, cada célula pensa no Todo e dele tira o sentido último de sua atividade.

O mesmo vale do animal. O bem do corpo todo determina a atividade da cabeça. O fato de abrigar o cérebro não confere à cabeça um status independente ou de ordem superior. Não fossem o pulmão e o coração, o cérebro morreria em poucos minutos. O coração fornece o sangue. O pulmão, o oxigênio.

Um organismo social necessita de sangue e oxigênio como qualquer corpo físico mais evoluído. Um organismo vivo não se constrói como se faz um edifício. Planta-se. Depois de plantado, cresce por si. Traz em si as potencialidades todas de crescimento, juntamente com os padrões que lhe são inerentes. Não precisa copiar modelos, pois já os traz em si.

Apliquemos tudo isso à Igreja de Cristo. Ela é uma planta, um organismo vivo e não um edifício ou construção. É uma entidade viva e como tal sujeita à lei do crescimento. Sujeita ao mesmo tempo à lei da entropia, à lei da degradação. Como todo corpo vivo, está sujeita à lei da morte.

Uma árvore sadia desfaz-se continuamente das folhas mais antigas para que novas possam tomar o seu lugar. Um dos maiores problemas da Igreja católica reside na incapacidade de seus dirigentes de desfazer-se de ramos e folhas que a evolução espiritual da humanidade tornou supérfluos e improdutivos. Rebentos novos não conseguem brotar por falta de espaço. A seiva é desviada para setores que na prática só servem para impedir que o passado ceda lugar ao futuro.

Numa planta são as raízes que elaboram a seiva. O tronco a transmite aos ramos. É na copa que crescem os frutos. É o sol que os faz amadurecer.

Aplicando estes princípios de correlação à Igreja, teríamos o seguinte quadro: no alto, expostas à ação direta do Espírito Santo, encontram-se as Comunidades Eclesiais. É em seu seio que floresce a fé cristã. É lá que ela produz frutos. São os frutos que servem de medida de avaliação da fé cristã.

Que frutos são estes? Certamente não é a quantidade de leis e de verdades definidas a que Jesus se refere, quando diz: “É pelos frutos que se conhece a árvore”.

A razão de ser da Igreja-Instituição são as Comunidades Eclesiais, aqueles pequenos núcleos periféricos, quando não esquecidos por seus pastores, aparentemente incapazes de compreender o alcance da sua vocação.

Os pobres e os humildes estão em condições de compreender a sabedoria do Evangelho de Jesus muito melhor do que os ricos e letrados. É a eles que Jesus falou, aos pequeninos, que as elites sociais costumam tratar com mal disfarçado desdém.

Qual é a verdadeira natureza da cúpula hierárquica da Igreja?

É uma superestrutura que se sobrepôs ao corpo eclesial, absorvendo funções que de direito cabem às comunidades. As comunidades locais foram sendo despojadas de grande parte de sua autonomia e deslocadas para um plano inferior.

Agora já não é mais a Igreja que deve servir às comunidades. São estas que devem servir à Igreja. A reta ordem social-eclesial foi invertida.

Dois terços do espaço nobre de um navio de passageiros são reservados a passageiros de primeira classe. Também na Nau de Pedro existem passageiros de primeira classe. A maioria é obrigada a se acomodar no porão do navio.

O Concílio Vaticano I (1869-70) ainda definiu a Igreja (católica, naturalmente) como sociedade perfeita. O Concílio Vaticano II (1962-1965) não teve a coragem de fazer o mesmo.

Nada existe nos Evangelhos que nos autorize a supor que Cristo deixou à Humanidade uma Igreja pronta e acabada. Nem sequer um projeto ou esboço de projeto. Legou à posteridade um espírito, uma intenção e um propósito, juntamente com os meios essenciais de pô-los em prática.

(Do livreto:  É PRECISO PLANTAR UMA NOVA IGREJA de  Pe. José Marcos Bach, SJ)

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