quarta-feira, 5 de junho de 2013

VIDA,VIDA,VIDA

O ato de comer está tão profundamente ligado à vida, que pão e vinho acabaram se transformando em símbolos da manifestação da forma mais sublime de vida, que é a Vida de Fé.

O ato de comer tem para o homem um significado que ultrapassa o plano vegetativo de um modo absolutamente radical. Comer passa a ser um modo de alimentar o espírito.

“Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51). É por esta razão que a falta de pão na mesa do pobre é tão trágica. Pela mesma razão não pode haver lugar na “mesa do Pai” para os ricos e vorazes glutões.   

Há uma diferença substancial entre viver e estar vivo. Viver a vida é uma coisa e coisa bem diversa é encontrar-se ainda entre os vivos.

Há um limiar abaixo do qual a vida de um ser humano deixa de ser humana. Baixa e desce a um nível em que desaparecem os traços essenciais que distinguem o humano do meramente biológico. Para esta situação podem contribuir tanto a falta quanto o excesso de bens materiais.

O estado de subdesenvolvimento psicológico e moral pode atingir por igual tanto o miserável quanto o rico.

Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético.

Creio que a maioria dos defensores da dignidade da pessoa humana esqueceu um pouco demais estes aspectos mencionados acima.

A pessoa humana tem o direito de viver a vida de tal modo que se possa sentir a qualquer momento satisfeita com a parte de vida que lhe toca.

Quem vive a sua condição humana em estado permanente de insatisfação e frustração, continua vivo, mas não vive de acordo com a dignidade inerente à sua vocação humana.

A pessoa humana é um ser a quem foi dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se gerar a si próprio. É, portanto, um ser que não se pertence.

Se quiser um dia pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules; terá que operar mais e maiores milagres do que Cristo realizou.

Terá que libertar-se. Terá que passar da liberdade-dependência para a liberdade-autonomia.

Terá que sair do casulo protetor, como o faz a borboleta. Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero materno.

Do mundo seguro das certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou pelo bafejo benevolente das autoridades, terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo que a sociedade oferece.

Terá que romper com o princípio da autoridade.

Terá que enfrentar a “Traição”, como diria Nietzsche.

Terá que aprender que não existe fidelidade nem Fé sem uma dose maciça de “Traição”.

O mais dramático paradoxo da vida está em que devemos matar em nós aquilo que queremos que viva.

Devemos matar a “criança” em nós para que a “Criança” possa viver e crescer.

O grão deve morrer para que a espiga possa nascer.

Sem rebeldia não poderá haver libertação.

Todo o acréscimo de liberdade é o fruto de uma ruptura.

O gérmen rompe a casca protetora da semente.

Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.

Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis de paz. Mas a vida que se oculta por detrás desta aparência, nada tem de pacífico.

A vida não descansa nunca. Não tem nem sábado, nem domingo.

Se a vida não descansa, por que o homem tem que ter um dia cada semana para descansar? É porque o homem é mais que vida, é espírito.

O homem pode atrelar-se ao trabalho de modo tão servil que acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com sua parte melhor, aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.

Nietzsche não deixa de ter um bocado de razão: “De tanto nos ocupar com a verdade, acabamos perdendo o contato com a vida”. 

Com a vida humana, em especial.

 Quem mata e manda matar do jeito como este afazer foi praticado nos últimos cem anos, não pode dizer que ama a vida.

 Quem vive a espécie de vida que se vive hoje nas grandes cidades, não tem credibilidade moral quando se proclama amante da vida

Quem tem amor à vida a ama em todas as suas manifestações.

Este amor se manifesta em todas as frentes onde ela corre perigo.

Declarações sobre a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida não é o que falta.

É preciso falar no aborto e na matança pela fome.

 A terra é generosa, os homens é que não o são. 

A fome é o subproduto da falta de generosidade da parte mais rica da humanidade. 

Os cristãos representam o grosso desta parcela opressora e exploradora da humanidade. 

Aquele que passou a existência no limiar que separa a vida da inanição, não chegou a viver de verdade. 

Como se pode falar em vida espiritual, saúde psíquica, onde a sobrevivência física não vai além do nível vegetativo? 

Não é apenas o faminto subnutrido que, via de regra, não faz mais do que vegetar. 

O rico opulento que devora a comida, o sexo e o dinheiro, também é um mero vegetal travestido de homem. 

A fome e a voracidade não costumam inspirar bons pensamentos.

Também não têm o poder de nutrir bons sentimentos e aspirações de alto nível espiritual. 

Fizeram bem os bispos da América Latina quando de público se colocaram do lado da multidão milionária de famintos e subnutridos deste Continente. 

 Só há um jeito de matar a fome: comer. 

 Texto de um escrito de Pe. José Marcos Bach,SJ 

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