quinta-feira, 8 de maio de 2014

EM QUE CONSISTE O AMOR À VIDA       

Quando se fala em amor à vida não se podem escamotear estes dois aspectos fundamentais da existência humana: o psicológico e o ético. Creio que a maioria dos defensores da dignidade da pessoa humana esqueceu um pouco demais estes aspectos mencionados acima. A pessoa humana tem o direito de viver a vida de tal modo que se possa sentir a qualquer momento satisfeita com a parte de vida que lhe toca.

Quem vive a sua condição humana em estado permanente de insatisfação e frustração, continua vivo, mas não vive de acordo com a dignidade inerente à sua vocação humana. A pessoa humana é um ser a quem foi dirigido um apelo: o apelo-convite que o chama para a tarefa histórica de se gerar a si próprio. É, portanto, um ser que não se pertence. Se quiser um dia pertencer-se a si próprio terá pela frente mais trabalhos do que Hércules.

-Terá que operar mais e maiores milagres do que Cristo realizou.

-Terá que libertar-se.

-Terá que passar da liberdade-dependência para a liberdade-autonomia.

-Terá que sair do casulo protetor, como o faz a borboleta.

-Terá que nascer de novo. Mas sem retornar ao útero materno. Do mundo seguro das certezas abonadas pelo beneplácito da maioria ou pelo bafejo benevolente das autoridades.

-Terá que saltar para um mundo totalmente alheio a tudo que a sociedade oferece.

-Terá que romper com o princípio da autoridade.

-Terá que enfrentar a “Traição”, como diria Nietzsche.

-Terá que aprender que não existe fidelidade nem Fé sem uma dose maciça de “Traição”. 

O mais dramático paradoxo da vida está em que devemos matar em nós aquilo que queremos que viva. Devemos matar a “criança” em nós para que a “Criança” possa viver e crescer. O grão deve morrer para que a espiga possa nascer. Sem rebeldia não poderá haver libertação. Todo o acréscimo de liberdade é o fruto de uma ruptura. O gérmen rompe a casca protetora da semente. Pregar uma ideia nova é entrar num campo de batalha.

Vista do alto, uma paisagem campestre parece um oásis de paz. Mas a vida que se oculta por detrás desta aparência, nada tem de pacífico. A vida não descansa nunca. Não tem nem sábado, nem domingo. Se a vida não descansa, por que o homem tem que ter um dia cada semana para descansar? É porque o homem é mais que vida, é espírito. O homem pode atrelar-se ao trabalho de modo tão servil que acaba perdendo o contato consigo mesmo, precisamente com sua parte melhor, aquela que o trabalho jamais poderá satisfazer.
           
Quando postulamos, como Nietzsche, a primazia da vida sobre a verdade, estamos pensando a vida em termos humanos e não meramente biológicos. Pensamos na sua dimensão psicológica, no seu aspecto ético, e também em tudo aquilo que torna a vida bela e encantadora. 

Não temos a intenção de regredir aos tempos de Virgílio. O encanto bucólico de uma vida no campo está fora do alcance da esmagadora maioria dos que moram nas metrópoles modernas. Isto, porém, não muda em nada a necessidade que todo o homem tem de viver uma vida bela. O aspecto estético é para o homem tão essencial quanto o ético, o psicológico e o social. 

Para sentir-se bem e para elevar-se, o espírito humano precisa de beleza. Onde falta beleza não pode haver lugar para o homem. O acesso à beleza só se dá pelo caminho da liberdade. Onde não há liberdade não pode haver arte, leveza e encanto. É inútil ornamentar e embelezar uma prisão.

Padre Marcos Bach

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