terça-feira, 30 de setembro de 2014

A PRESENÇA DO BEM E DO MAL

É falsa e preconceituosa, porém, amplamente generalizada, a crença de que só com grande esforço se consegue evitar o mal e que só com muita fadiga e suor se consegue avançar nos caminhos da perfeição. Aplicamos à pratica do bem o que lemos no Livro dos Provérbios: “Os bens que facilmente se ganham esses facilmente se perdem” (Pr 13,11). Imaginamos a escalada da montanha da perfeição com o trabalho que um alpinista enfrenta ao escalar um Everest ou um Aconcágua.

Descer é sempre mais fácil do que subir. Mas é mais perigoso do que subir. Que riscos corre um Condor que plana muito acima do pico mais elevado da Cordilheira dos Andes? Corre ele, por acaso, o perigo de se perder no infinito?

Perderia o seu latim quem quisesse convencer uma águia de que o chão oferece mais segurança do que a imensidão do céu azul. Ela poderia dizer que existe uma diferença total entre o que um elefante considera ser seguro e o conceito que uma ave tem sobre o mesmo assunto.

Criança adora subir em árvore. Mas aprende bem depressa que os adultos, as pessoas grandes, não gostam dele nem aproveitam este tipo de esporte. Por ela toda criança passaria mais tempo voando por aí do que com os pés no chão. Mas tanto a experiência própria como a palavra dos pais acabam por convencê-la de que o ser humano não foi feito para voar. Ela aprende que ser avoado não é bom e que todo aquele que deseja ter êxito na vida tem que permanecer com os pés no chão.

Qual o ser humano que se despede do seu tempo de adolescência de forma tranquila, sem deixar para trás um monte de problemas não resolvidos? Com o início da idade adulta e defrontando-se com os problemas típicos da nova fase evolutiva, resolve esquecer o passado, varrendo-o da consciência consciente para os planos mais escusos do inconsciente.

O eu inferior ou dimensão inconsciente do Eu Total contém e abriga todo o lixo psicológico. É inútil fingir que este lixo desapareceu só porque dele nos arrependemos ou então porque dele nos esquecemos. Por mais recôndito que seja o lugar para o qual varremos a lembrança das nossas experiências desagradáveis do tempo de criança, elas continuam vivas e atuantes numa medida que não conseguimos nem entender e menos ainda admitir.

Como lidar com este fato tão real quanto a existência de um Ego Consciente? Circula a ideia de que existe em nosso interior uma espécie de “banda podre” composta da presença de experiências negativas e frustrantes, cujo caráter maléfico desconhecemos. O fato de não terem sido reconhecidas reforça o seu poder de destruição.

Quanto mais você se convence de que o mal só existe fora de você e que quando pratica o mal é porque sucumbiu a uma tentação externa mais forte que sua vontade, você está sempre disposto a concordar com quem o declara vítima da tentação do que pecador responsável pelo que fez. Seu discurso político tem que ser este: “Proletários, vós todos sois vítimas da exploração capitalista. A culpa maior de vocês é permitir que eles, os capitalistas, continuem vivos”! O início da Revolução Bolchevista foi marcado pela ação dos pelotões de fuzilamento. “A justiça sai do cano de metralhadoras”. Esta é uma das muitas verdades do “poeta” Mao Tse-Tung.

A tese de que o mal atinge as pessoas vindo de fora poderíamos substituí-la por esta outra: “O mal que atinge as pessoas vem todo ele de dentro delas mesmas”!  Não é a sociedade que perverte os indivíduos, mas são indivíduos perversos que pervertem as instituições sociais. Não foi o povo alemão que perverteu Hilter, mas foi Hitler e seguidores que perverteram grande parte do povo alemão.

Como fenômeno social e político o nazismo desapareceu, mas como fenômeno psicológico e cultural ele continua vivo. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos revelou que o povo americano teria apoiado o discurso de Hitler ainda mais do que o fez o povo alemão, caso a situação política e econômica fosse a mesma que ajudou Hilter a assumir o poder.

É uma ilusão perigosa achar que com o fim do nazismo e do comunismo a humanidade se livrou de dois dos piores demônios da sua história. O povo alemão e o povo russo não passaram por um processo de purificação interior. Em ambos os casos o eu inferior das pessoas envolvidas permaneceu intocado. Não se falou em conversão. Parecia que bastava cortar a cabeça do monstro para que o corpo social todo voltasse a adquirir a saúde perdida.

Hitler, como Stalin, ambos possuíam um eu inferior dotado de um elevado grau de destrutividade. Com o poder deste eu inferior ambos alimentaram as massas populares que os aplaudiam.

É sempre prejudicial ao extremo levar uma pessoa a se despedir do seu passado negativo pura e simplesmente. Dizer a um pobre pecador: Teus pecados estão perdoados é uma coisa e dizer a ele: teus pecados deixaram de existir é outra coisa bem diferente. Para quitar a conta, toda a absolvição de um padre não basta. É preciso avançar mais um passo. Este passo consiste em trazer este pecado à tona da consciência consciente, encará-lo de perto e admiti-lo não como fraqueza da nossa vontade imperfeita, mas como fruto da presença do mal em nós.

O autor dos meus pecados sou eu mesmo! O que o tentador externo fez foi soprar na mesma direção que eu. O poder do espírito mau seria nulo não fosse a poderosa colaboração que lhe prestam as suas vítimas. Por mais que procuremos encontrar uma explicação para esta vergonhosa conivência da consciência humana com os mecanismos destrutivos aninhados em seu inconsciente, sempre acabamos esbarrando com o que a Bíblia chama de “Mysterium Iniquitatis”! A presença do mal no mundo, mais do que uma desgraça ou calamidade, é um mistério. Isto é, uma dimensão da “Realidade Plena” que ainda não chegamos a compreender.

Se fôssemos um pouco mais lógicos e coerentes com os ensinamentos, veríamos que Jesus não teve a intenção de abolir o pecado ou de erradicar o mal. Curou doentes, mas não aboliu o mal. Curou doentes, mas não aboliu a doença. Expulsou demônios, mas não pôs fim à sua presença no meio dos homens. Quando os discípulos lhe pediram: “Mestre, ensina-nos a rezar”, Jesus lhes ensinou o Pai Nosso! Lá se encontra um pedido: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-os do mal”. Com esta formulação deu a entender que não compete só a nós terminar com a presença do mal em nós e no mundo. Esta é uma tarefa que Deus reserva a si com a nossa colaboração.

“Sem mim nada podeis fazer”! Esta palavra de Jesus se aplica de modo todo especial à luta humana contra o mal. Estamos cansados da presença histórica de falsos salvadores da humanidade. Rios de sangue inocente foram derramados até hoje com o pretexto de que a humanidade necessita de uma Nova Ordem Social.

Padre Marcos Bach

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