segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

NASCER PARA A VIDA EM JESUS CRISTO

A palavra Cristogênese foi empregada por Teilhard de Chardin para descrever o processo pelo qual Jesus Cristo se encarna sempre de novo toda vez que uma alma abraça a fé n’ELE. Em vez de depositar sua esperança em sucessivas reencarnações, o cristão a deposita no Cristo Ressuscitado que volta a se encarnar toda vez que uma alma nasce para a Vida em Cristo. E isto só acontece quando ela abandona a fé em deuses e ídolos e passa a depositar toda a sua esperança no amor com que Cristo a amou muito antes que ela pudesse despertar e tomar consciência deste Amor!

É este o momento de salvação ao qual Jesus se refere quando diz: “Convertei-vos, pois o Reino de Deus está próximo” (Mt 4,17). Converter-se significa muito mais do que arrepender-se do mal praticado. Significa mudança total e radical de conduta. Quem se converte para a Vida em Cristo passa a queimar o que adorava até então e a adorar o que até então não fazia parte do seu campo de interesses. Converter-se significa essencialmente mais do que mudar seu modo de agir. É todo o seu modo de ser que muda radicalmente de sentido. Sua autoconsciência não é mais a mesma de antes! Já não entende a autorrealização do mesmo modo como a entendia antes, como a entende um budista, por exemplo.

Assim como a Phenix, a mitológica ave que renascia periodicamente das próprias cinzas, um cristão só se torna cristão de verdade se vier a renascer das próprias cinzas. É neste sentido que temos que passar a interpretar a palavra de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida a perderá” (Mt 16,25). Algo do que herdamos de nossos antepassados tem que morrer se quisermos participar da Vida Eterna prometida por Jesus! A criança quando nasce troca uma vida despreocupada por outra cheia de imprevistos!

A ideia de que a Encarnação do Verbo é um processo que ainda não foi concluído, parece tão estranha que quase não aparece nos manuais de Cristologia. A maioria dos teólogos não sabe o que fazer com a tese de que em toda alma humana há espaço para completar o que falta à Encarnação plena de Cristo. Foi o apóstolo Paulo que melhor compreendeu esta tão misteriosa necessidade que Cristo tem de nascer sempre de novo na alma dos que nele creem. “Sofro até ser Cristo formado em vós”, escreve ele na carta aos gálatas (Gl 4,19). “Nenhum de vós vive para si mesmo” (Rm 14,7). “Para mim o viver é Cristo” (Gl 2,20). “Cristo vive em mim” (Gl 2,20). “Logo, já não sou eu quem vive” (Gl 2,20). No Evangelho de São João lemos esta frase atribuída a Jesus: “Se alguém não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,3). Este novo nascimento em nada se parece com o nascimento biológico, pois é de natureza espiritual (Cf. Gl 4,29). É pela fé e pela ação da graça que Cristo se torna presente na alma humana.

A ideia de que o cosmos todo está grávido de Cristo, se não é original de todo, ao menos é bastante inusitada. Mais estranha é a crença de que a Cristo ainda falta uma dimensão e que o Cristo Total ainda está por nascer. Aceitamos, sem dificuldade, que à humanidade lhe falta muito e que ela se encontra longe de ter alcançado a sua estatura plena, que é a de Cristo, mas repugna-nos admitir que à estatura plena de Cristo lhe falte algo de tão importante quanto à plenitude e que cabe a pobres seres humanos a missão de fornecer a Cristo o que ainda lhe falta. Poderá faltar a Cristo algo sem o qual permanecerá incompleto? E não será pretensão atribuir ao homem a faculdade de prestar a Cristo o mesmo serviço que toda a mãe presta a seu filho?

São poucos os escritos que Teilhard conseguiu publicar em vida. Mas o fato de ser alvo de uma censura implacável parecia não perturbá-lo muito, pois tinha plena consciência não só do valor de seu pensamento, como do tempo em que seria visto como atual. Teilhard era, acima de tudo, um intelectual, um pensador. O fato de ser um pensador cristão é responsável pelo modo personalizado como trata a relação do homem com Deus. Para ele a Verdade é uma Pessoa, a Pessoa de Cristo e se manifesta primariamente como amor muito antes de fazer parte de um ensinamento.

A verdade não se aprende como se aprende uma língua. A verdade ou se aceita, deixando-se possuir por ela ou nos contentamos com o produto de nossa própria mente. A verdade de Teilhard é Cristo e o seu Cristo é onipresente, pois ocupa todos os espaços deste imenso universo.

É este o Cristo que pede para nascer sempre de novo em cada ser humano. O eleito já não é mais o representante de uma raça superior ou o membro de uma classe social privilegiada, mas todo aquele que, escutando a voz interior da graça de Deus, abraça a fé em Cristo.

Uma das primeiras providências que o feto recém instalado no útero da mãe adota consiste em criar um cordão umbilical através do qual se abastece com os nutrientes indispensáveis ao seu crescimento. No caso que estamos analisando, cordão é a fé amparada pela graça. Sem a fé a graça divina não teria como operar. A fé é o chão onde a graça deita suas raízes. Depois de tê-la curado do seu mal, Jesus despediu a mulher, dizendo-lhe: “Vai em paz que tua fé te curou” (Mt 9,22).

Mas até a fé não teria este poder não fosse a graça a animá-la. Por isso pode-se resumir todos os passos que conduzem à salvação das almas a um único denominador comum: “Tudo é graça e dom gratuito de Deus, e nada do que necessitamos para a nossa salvação pode ser merecido por nós”! Qualquer tentativa de planejar o futuro da humanidade sem Cristo nos levará mais uma vez a criar uma civilização próspera, mas culturalmente tão selvagem quanto o que nos é dado ver nas selvas da ilha de Bornéu. Ou será que os campos de extermínio nazistas eram mais civilizados do que o espetáculo de um ritual antropófago proporcionado por nativos das ilhas dos Mares do Sul?

Se o Cristo Total ainda está por nascer e se cada ser humano está predestinado a participar deste novo Natal, deste novo Nascimento do Filho de Deus, então é hora de abrir em nossa fé uma janela nesta direção! Podemos, apoiados nos ensinamentos dos apóstolos Paulo e João, acrescentar a Cristogênese, não apenas ao nosso conhecimento teológico, mas incorporá-la como experiência mística à nossa vida de fé! Com o mesmo enlevo e felicidade incontida com que a mãe acompanha dia após dia o que se passa em seu seio!

Padre Marcos Bach

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