quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O AMOR GERA IGUALDADE NA RELAÇÃO DO CASAL
O grande problema ético com que um casal de hoje se defronta não é a ignorância ou desconhecimento da lei moral, mas a energia necessária para pô-la em prática. De pouco adianta apelar para a coragem de um soldado que não vê o menor sentido em expor-se ao risco de perder a vida. Não há sistema moral capaz de gerar por si as energias que sua implantação requer. Todo apelo moral é impotente. Por isso é necessário ir além do discurso e da pregação moral.
A frequência dos sacramentos, a oração e a penitência são meios que nenhum tratado de espiritualidade deixa de mencionar. Mas também tudo isso não basta porque representa uma forma de ajuda externa. Temos que ir mais longe, isto é, temos de penetrar no íntimo das pessoas, pois é lá que está a chave da solução. Não há truques mágicos capazes de proporcionar a um casal a energia necessária para recomeçar sempre de novo, pois o casamento é um edifício que é preciso consertar e remodelar sempre de novo. Casar é como ir morar numa casa que nunca vai ficar pronta.
Donde tirar a paciência para não desanimar? Este é o problema para o qual a espiritualidade cristã tenta encontrar uma solução. Ela se baseia na crença de que a salvação não vem de fora, mas do interior do próprio homem. Não há juramentos e convenções capazes de suprir a falta de convicções pessoais. Não é a Igreja que deve proteger a um casal católico. É o próprio casal que deve fazer isso. E se ele não estiver empenhado em fazer do seu casamento uma experiência digna de ser levada até o fim, isto é, até a plenitude, então é inútil cercá-lo com muros de proteção. O tentador sabe muito bem como escalar um muro. A única coisa que não consegue é penetrar em recintos onde o homem e Deus estão unidos num propósito comum. 
A fidelidade conjugal é uma graça de Deus, o resultado de um amor que une entre si o homem e Deus muito antes de se tornar imperativo moral. Pobre é a fidelidade quando resulta tão somente do sentido de obrigação moral. A fidelidade conjugal ou é um desdobramento da fé em Cristo, ou só terá condições de sobrevivência sob a forma de um compromisso que não se pode trair. Hoje a infidelidade conjugal é vista menos como traição ou tentação do que como alternativa e como válvula de escape. O adultério tornou-se chique. A fidelidade deixou de ser vista como prova de amor. Agora o sinal de exuberância sexual é a infidelidade.
Entre os judeus adúltero era apenas o homem que se passava com a esposa de outro judeu. Adúltera, no entanto, era toda a mulher casada que fosse pilhada na cama com outro homem. Dois mil anos de cristianismo não foram suficientes para apagar por completo a diferença entre o modo como é encarado o adultério. Nesta área o peso maior do compromisso conjugal recai ainda sobre a mulher. Ora, se o cristianismo tivesse fermentado a fundo a nossa assim chamada cultura cristã, esse tipo de discriminação já não poderia existir. A existência de uma dupla moral sexual prova que nesta área ainda há muito caminho a ser percorrido. A mulher é pessoa tanto quanto o homem, não em sentido análogo, mas unívoco. Se tomarmos o fato de alguém ser pessoa como base de valoração, qualquer tipo de duplicidade moral é simultaneamente injusta e errônea. Paternalismo e machismo são fonte de pecado e não apenas preconceitos.
É próprio do amor gerar uma relação de igualdade entre duas pessoas. Por isso é preciso ter consciência de que qualquer forma ou tentativa de inferiorização de um dos parceiros é muito mais do que uma inócua manifestação de ignorância. Não é somente pecaminosa. É fonte envenenada de injustiças sem conta. Não podemos contentar-nos com apelos à boa vontade de um casal. Temos que pensar em reformar a casa em que são obrigados a viver. Isto é, temos que reformar o tipo de matrimônio que lhe impomos em nome da lei e do direito. Essa mudança o casal não tem condições de realizar. Mas pode começar a tarefa, rompendo com alguns dos elementos estruturais que mais contribuem para inferiorizar um dos parceiros em proveito do outro. A educação dos filhos é uma dessas áreas em que as responsabilidades são, via de regra, mal distribuídas, para mencionar apenas um exemplo.
Um casal que não tem a consciência nítida de que sua união envolve, acima de tudo, um compromisso com Deus, ainda não descobriu o caráter sacramental e religioso do matrimônio. Todo matrimônio é por sua natureza um ato religioso, pois foi o Criador que o instituiu, já na aurora dos tempos históricos, como muito bem o demonstra a Bíblia. O casamento entre cristãos é duplamente sagrado, pois, além do compromisso com a vontade e as intenções do Criador, envolve outro compromisso, muito mais radical e cimentado com o Amor de Cristo.
A indissolubilidade do matrimônio cristão resulta de um laço duplo, o natural e o sobrenatural. O casal cristão dispõe de energias espirituais de que o casamento não-cristão não dispõe. Quando um casal de cristãos apresenta e revela o mesmo grau de instabilidade que um casal de ateus, faria bem em casar de novo pelo religioso. Pois é inadmissível que possa contentar-se com enfrentar em tudo o mesmo tipo de problemas com que se defrontam os que vivem o seu casamento completamente desligados de qualquer compromisso religioso.
Um casal cristão dispõe da vantagem de poder contar não só com os recursos da natureza, embutidos na sexualidade de cada um dos parceiros, mas tem o privilégio de poder contar com as energias poderosas da graça de Cristo. O fracasso de um casamento entre cristãos sempre envolve um grau de culpabilidade muito maior do que o de casais que nunca ouviram falar em Cristo ou em Deus. Seria, porém, cometer uma tremenda injustiça, imputar a culpa toda apenas ao casal.
Grande parte dela deve ser imputada às Igrejas que têm o dever sagrado de zelar pelo progresso espiritual de seus fiéis. No terreno da Fé em Cristo ou se progride, ou se regride. Não há como permanecer num meio termo confortável. Nas coisas do espírito ou se avança ou se estagna, dizia São João da Cruz. Acontece aí algo parecido com a situação em que se encontra uma pessoa colhida por uma tempestade de neve: sentar-se à beira do caminho é o mesmo que pedir para morrer. De uma nevasca se pode fugir, mas é impossível fugir do mundo e de si mesmo.
Um casal experiente sabe que a vida conjugal e familiar oferece oportunidades sem conta a quem quiser aproveitá-las. As chances de crescimento espiritual são em certa medida bem mais abundantes e convidativas do que as que o celibatário encontra na solidão de seu mosteiro. Só um modo muito unilateral e preconceituoso de pensar pode levar alguém a atribuir ao celibato poderes sobrenaturais que nega ao sacramento do matrimônio.
Quem não casa não é por essa razão melhor que aquele que resolve casar. A capacidade de amar independe por completo do estado de vida que uma pessoa abraça. Não existe essa coisa chamada graça de Estado. O Estado de Graça, esse sim, existe, mas nada tem a ver com Estado de vida.
Tudo o que acontece entre Deus e a alma é absolutamente íntimo, misterioso e indevassável a tal ponto que nem a própria alma sabe a quantas anda. É terreno sigiloso em que qualquer julgamento não merece mais crédito que outro palpite qualquer.
Todos são chamados à santidade. Só há uma condição: a entrega total e absoluta de si mesmo ao Amor Incondicional de Deus que assumiu forma e expressão humana na Pessoa de Jesus.

Padre Marcos Bach 

Nenhum comentário:

Postar um comentário