quarta-feira, 20 de maio de 2015

QUE O ESPÍRITO SANTO  NOS CONDUZA

 “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele” (Mc 10,15).

Todos os Evangelistas, menos João, fazem referência a esta palavra de Jesus. Este fato revela a importância que o assunto tinha na catequese da Igreja dos primeiros tempos. “Se não vos tornardes crianças de modo algum entrareis no Reino dos Céus”. Mateus é incisivo: “de modo algum”, diz ele (Mt 18,3).
        
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10,21). Foi num arroubo de alegria e gratidão que Jesus proferiu estas palavras e “sob a ação do Espírito Santo” como diz o Evangelista (Ibid.).
        
Se alguém quisesse já naquele tempo irritar a Jesus e bulir com a sua paciência, bastava-lhe ferir a inocência de uma criança (Lc 17,2). “Da boca de pequeninos e crianças é que sai o perfeito louvor a Deus” (Mt 31,16).
        
Nenhuma das Igrejas cristãs soube até hoje o que fazer com os textos que acabei de mencionar. Em nenhuma delas há lugar para crianças por não haver nelas lugar para mulheres. Foram as mães que trouxeram seus filhos a Jesus para que Ele os abençoasse. As Igrejas, ditas cristãs, tornaram-se lugares exageradamente solenes, já que nelas não há espaço para o choro e o riso de crianças.

Como se pode recomendar a alguém voltar a ser novamente criança, se o objetivo da pedagogia cristã é formar o cristão adulto? Será que é necessário deixar de ser criança para tornar-se adulto? Será a infância uma espécie de pele da qual temos que nos desfazer se nos quisermos tornar adultos?

O caminho da Infância Espiritual é hoje capítulo obrigatório em qualquer obra que trate de espiritualidade cristã. O primeiro que se refere de modo mais explícito ao assunto é São Francisco de Sales. Mas quem contribuiu mais para conferir status teológico ao tema foi Santa Teresinha de Lisieux. Já o seu nome como freira carmelita, Teresinha do Menino Jesus, é sintomático.

Tudo na vida, como na pessoa de Teresinha, era pequeno, “petit”. Como em economia, também em se tratando de santidade, “o bom é ser pequeno”!
        
“Tamanho não é documento”, reza um ditado. O que tem de especial a criança a tal ponto que Jesus a propõe como paradigma de perfeição e de santidade?
        
A primeira virtude de uma criança normal e não pervertida é a simplicidade: ela não complica e não cria regras desnecessárias. Seu comportamento é transparente e previsível. Cada uma tem o seu temperamento e um modo próprio de fazer as coisas, é verdade, mas num ponto todas se parecem: basta conhecê-las para saber como lidar com elas!
        
Outra virtude tipicamente infantil é a sinceridade. Uma criança não mente. Ainda não aprendeu a distinguir o real do imaginário. É visionária, pois consegue ver o que um adulto sofisticado já não é mais capaz de perceber.
        
Uma criança crê no que vê e sem mais rodeios aceita como verdadeiro o que lhe foi dado ver. Não sei de nenhum brinquedo de criança destinado a descobrir quem é que está mentindo.
        
Uma criança tem da verdade um conceito bem diferente do que dela tem um adulto. Sua noção do que é verdadeiro ou falso e do que é digno de fé é mais digna de respeito do que a profissão de fé de um papa.

Nossos mestres e intérpretes da Verdade Divina fariam bem se em lugar de perder seu tempo em longos e cansativos discursos acadêmicos fossem brincar com um bando buliçoso de crianças, com vontade de aprender delas o que só elas ainda estão em condições de ensinar!

Um dos vícios mais comuns no mundo social adulto é a hipocrisia. Fingir ser o que não se é; ter o que não se tem; pensar o que não se pensa; querer o que não se quer e sentir o que não se sente: não é esta a ocupação favorita dos que são colunáveis e frequentadores dos ambientes da alta sociedade?
        
Um dos piores defeitos de uma pessoa é a misantropia. Misantropo é alguém que é alérgico ao convívio com outros e que não se sente bem na presença de outros. Muitos confundem santidade com misantropia.
        
Temos toda razão quando consideramos saudável a pessoa que se sente bem na companhia de outros. Toda criança sadia é comunicativa e quer conviver com outras crianças. Escolhe, se puder, os seus amiguinhos e companheirinhos.
        
Poderíamos todos aprender da criança a arte de escolher com quem queremos andar, pois a companhia dos que nos cercam define a nossa própria identidade humana. “Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Por mais quente que seja uma jarra de água, misturada com água morna, ela rapidamente perde o seu calor. Essa lei também se aplica ao convívio humano. Na companhia de gente medíocre, acovardada e preguiçosa é difícil ser herói da virtude por muito tempo!
        
Uma criança sabe divertir-se como adulto algum é capaz de fazê-lo! Pergunte a ela: “Como foi que você passou o dia? Foi bonito”? E ela provavelmente lhe dirá: “Foi maravilhoso! Brincamos a tarde toda! Depois fomos à casa de fulana, tomamos suco de fruta e comemos torta até não poder mais”! E por aí afora!
        
Para o Criador criar o Universo foi um “brinquedo”, um divertimento, afirma o salmista. “A terra está cheia da bondade do Senhor” (Sl 33,5).
        
É da criança que temos que aprender como divertir-nos. Quem já não sabe mais o que é divertir-se, sente-se no meio de crianças, e aprenda. Pois uma criança ainda sabe como fazer para que a vida venha a ser um folguedo!
        
Uma criança tem facilidade em aceitar como verdadeiro o que se lhe diz. Dizemos que ela é ingênua, mas a sua ingenuidade a coloca mais perto da Verdade Suprema do que a fé de um teólogo esclarecido.
        
Nada torna o amor de uma criança tão encantador e irresistível quanto o modo singelo com que se abandona a este amor e a ele se entrega de corpo e alma. Foi assim que Teresinha de Lisieux entendeu o amor a Deus. Em se tratando de amar a Deus ela não era de meias medidas. Compreendeu que o amor é “totalitário” e que não pode ser dividido ou distribuído em parcelas. Praticou a “Opção Fundamental” (Cap.III) como poucos antes e depois dela. Por isso foi declarada Doutora da Igreja merecidamente.
        
Antes de Gandhi ela já tinha descoberto esta grande verdade: “O amor é a mais potente força do Universo e é, ao mesmo tempo, a mais humilde de todas”!
        
O amor de uma criança parece pequeno, mas não o é. Pequeno e frágil é o amor dos que se julgam grandes, e, no entanto, o máximo que conseguem é viver juntos como namorados!
        
“O amor das pessoas grandes é muito pequeno, não é vó?”. A menininha de quatro anos que proferiu esta “sentença” tem toda a razão!
        
O mundo em que vivemos tornou-se “super-adulto”! Aumenta de dia para outro o número de crianças “de rua” que não têm família, nem sabem o que é ser “querido”. Parece que a maioria dos homens já não sabe mais o que é ser pai, pai de verdade, como Deus é Pai! Até a mulher já não sabe mais o que é ser mãe, mãe em tempo integral. Não admira, pois, que até as crianças não saibam mais como ser criança.

Padre Marcos Bach

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