quarta-feira, 12 de março de 2014

A LOUCURA DA CRUZ DE JESUS CRISTO

O que distingue o projeto messiânico de Jesus dos de outros salvadores da história anteriores e posteriores a Ele é o fato de ter encontrado nele um lugar e um papel positivo para o sofrimento. Quem contempla Jesus pregado numa cruz, o instrumento de morte mais cruel inventado pelo homem, contempla um fato inédito na história. Nem Buda nem Maomé permitiram que seus inimigos os prendessem e condenassem à morte. O que foi possível ver e assistir naquela memorável “Sexta-feira Santa” em que o Filho de Deus foi executado como se fosse um criminoso qualquer e na companhia de dois ladrões, isto é, de dois “homens-bomba” pilhados antes de terem tido tempo de pôr em prática o seu intento, só pode ser classificado adequadamente como manifestação de loucura.

Loucos eram os que mataram a Jesus Cristo, uivando de júbilo por terem conseguido livrar-se dele. Mais louco do que eles, seus assassinos, era o Homem que escolhera livremente esta forma de se despedir da vida.
           
Quando o apóstolo Paulo sintetiza a essência da fé cristã com a palavra loucura da cruz (I Cor 1,18) como a essência da sua pregação, tomou o cuidado de distinguir o que entende por loucura de Deus do que entende por loucura do mundo. A “loucura de Deus é sabedoria” (I Cor 1,25), enquanto a loucura deste mundo é insanidade mesmo! Até “a sabedoria deste mundo é loucura”, diz Paulo (I Cor 3,19).
           
Quando os carrascos puseram fogo à pilha de lenha em que Joana d’Arc iria morrer, apareceu um representante da Santa Inquisição e lhe apresentou um crucifixo para que ela o beijasse em sinal de arrependimento, tornou-se visível que a Igreja do século de Joana d’Arc já não era mais a mesma do tempo dos mártires!
           
Tudo o que lembra cruzada destoa por completo do espírito de Cristo, pois a cruz de Cristo é símbolo de redenção e não de perseguição. Aquele que mata para não ser morto não pode fazê-lo em nome de Cristo que deu a sua vida, mas não tirou a de ninguém (cf. Mt 20,28).
           
“Eu vim para que tenham vida” (Jo 10,10). As cruzadas, como a jihad islâmica, não brotaram da lei do amor nem do espírito de Jesus.
           
Jesus era manso e humilde, mas não era pusilânime ou covarde. Dispunha de tamanha energia e força que podia permitir-se o luxo de ser manso e de responder com um sorriso indulgente às artimanhas de seus inimigos. A cruz de Cristo coloca a humanidade toda, e a cada alma em particular, acima do sofrimento e fora de seu alcance. Enquanto o corpo e a alma sofriam, seu espírito continuava unido a Deus.
           
O masoquista é um doente mental que encontra prazer no sofrimento. O místico cristão, ao contrário, não sofre por amor ao sofrimento. Não ama porque sofre, nem é a cruz que abraça, mas Jesus Cristo pregado nela. Não vê a Cristo como companheiro de sofrimento com o olhar com que num hospital um doente olha para outro. A “Cruz de Cristo” nos ensina que não é o sofrimento que nos santifica nem o amor com que o abraçamos. O que nos santifica, em verdade, é o amor com que respondemos ao amor infinito de Deus.
           
A cruz, instrumento de morte, Jesus a transformou em altar e em sacramento de salvação. A “Cruz de Cristo” não é apenas aquele madeiro em que foi pregado perto de dois mil anos atrás. A “Cruz de Cristo” é o sofrimento da humanidade toda desde que foi expulsa do Paraíso até o último minuto de sua história.
           
Jesus morto foi tirado da cruz, mas o Cristo Ressuscitado continua comprometido com o sofrimento humano mais do que nunca. O fato de ter subido ao céu e de ter ocupado o seu lugar na “Glória do Pai” não significa que, além do pecado e da morte, deixou de compartilhar com os homens também o sofrimento.
           
Diz a lenda que quando escavadores encontraram no alto do Gólgota a cruz em que Jesus morrera, o Imperador Constantino tomou a si a tarefa de carregá-la até a basílica onde seria exposta à veneração pública. Com o fito de conferir à cerimônia um brilho maior, ele mesmo se vestiu com o máximo de pompa. Mas no momento em que ia colocar a cruz às costas notou que ela era pesada demais para seus ombros. Alguém então lhe sugeriu que fosse trocar de roupa, substituindo o manto de púrpura e a coroa imperial por um traje mais condizente com o simbolismo da cruz. Foi o que Constantino fez e quando a tomou de novo em suas mãos percebeu que ela era leve e fácil de ser carregada!
           
O que torna a vida humana pesada é o sofrimento absurdo que as pessoas se infligem a si próprias e a seus semelhantes.
           
A morte de Jesus não é o remate de uma vida fracassada nem o capítulo final de uma tragédia. A Paixão de Cristo forneceu a Johan Sebastian Bach a inspiração para uma bela composição musical. O que Katharina Emmerich descreve em suas “visões” pode ser descartado em boa parte como obra de uma mente “seriamente perturbada”.
           
Jesus sofreu, é verdade, mas não passou a vida sofrendo. Se tomou parte em festas é porque sabia divertir-se. Se compartilhou um copo de vinho com seus amigos certamente não o fez chorando. A morte na cruz é apenas um pequeno capítulo na vida de Jesus, extremamente importante, é verdade, mas pouco significativo no conjunto total de sua vida terrena. Não foi o único a morrer na cruz naquela sexta-feira.
           
A Paixão de Cristo foi isolada do contexto geral de sua vida e sofreu um tratamento político-ideológico que fez dela um acontecimento único na história e totalmente fora do comum, quando na realidade não passou de episódio corriqueiro na época e na Palestina de Jesus.
           
O fato de ter morrido na cruz não contribui para fazer de Jesus um herói digno de veneração. O fato de ter morrido na cruz não significa que derramou, para nos salvar, todo o seu sangue. É sabido que a morte na cruz não acarreta grande perda de sangue. Por que o cristianismo descambou para uma forma tão sadomasoquista e esquizofrênica visão da Paixão de Jesus?
           
Jesus desceu do madeiro da cruz há muito tempo e nada indica que volte a repetir a mesma dose. Mas a humanidade continua tão crucificada como nos tempos de Jesus. Crucificada a leis iníquas, a uma ordem social visceralmente injusta. Metade da humanidade passa fome! O povo norte-americano representa seis por cento (6%) da população mundial, mas consome e desperdiça quarenta por cento (40%) do que é produzido no mundo. Não há Igreja cristã que não necessite de uma corajosa vassourada!
           
Jesus gostaria que a Sexta-feira Santa durasse o ano todo e todas as Comunidades Cristãs a chorar com os que choram, em vez de carpir e lamentar a morte de Jesus. Jesus não pede que tenham pena dele, mas aceita com prazer e carinho toda e qualquer demonstração sincera de amor! E foi explícito num pormenor: a medida do genuíno amor a Deus é o amor ao próximo! “Filhinhos, amai-vos uns aos outros”, recomendava o apóstolo São João a seus ouvintes. Estes se queixaram a ele, dizendo: “Mestre, por que pregas sempre a mesma coisa?” “Porque é mandamento do Senhor. E se for cumprido, tudo o mais deixa de ser importante” (cf. I Jo 4,7).
           
Todo aquele que se reveste de um máximo de autoridade e poder é mau pastor, porque se esquece de que no seio de uma Comunidade Cristã não há espaço para senhores. Nela só há lugar para irmãos, onde todos podem tomar o seu prato e servir-se no mesmo “buffet”.

Padre Marcos Bach

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