quinta-feira, 14 de agosto de 2014

FAMÍLIA E PATERNIDADE RESPONSÁVEL
O termo Paternidade Responsável é recente, embora seu conteúdo tenha feito parte dos assuntos tratados pelos moralistas em seus compêndios. O conceito nasceu da necessidade de enquadrar a atividade procriativa numa moldura ética nova, mais adulta e exigente do que a anterior, essencialmente procriativa e natalista.
O que levou os moralistas e legisladores eclesiásticos a mudar de posição? Em primeiro lugar foi o crescimento descontrolado da população mundial: a chamada explosão demográfica. E as outras ameaças que a acompanham, como o perigo de convulsões sociais em virtude da miséria, a qual aumenta na mesma proporção em que cresce o número de bocas, pedindo pão.
Um número excessivo de habitantes representa um risco ao equilíbrio ecológico, que só aumenta em vez de diminuir. As grandes metrópoles são verdadeiras armadilhas: um punhado de loucos pode paralisar com relativa facilidade uma cidade como São Paulo. A energia elétrica, a água e os mantimentos, tudo isso vêm de longe! Sem falar no problema causado por verdadeiras montanhas de lixo. O risco da espécie humana se extinguir por falta de nascimentos está excluído. A mortalidade infantil só é alarmante em regiões aonde o progresso da medicina ainda não chegou. A estes fatores é preciso acrescentar um dado estatístico típico de países civilizados: o aumento da idade média das pessoas.
A educação de um filho passou a significar um investimento bem mais pesado que no início do século XX. Como força de trabalho o filho menor não conta. Um filho a mais significa uma despesa a mais. É evidente que um pai responsável vai pensar duas vezes antes de acrescentar ao seu minguado orçamento doméstico um gasto para o qual não possui cobertura orçamentária. O tempo em que a situação deste tipo de problema ficava por conta da divina providência já passou, se é que houve alguma vez uma época em que Deus tomava a si o encargo de fechar o balanço de pais irresponsáveis.
Eugenia ou eugenética passou em nossos dias a ser um ramo da biologia. Pena que ainda não tenha encontrado espaço e abrigo no pensamento moral católico. A eugenia se ocupa com a qualidade do produto procriado. Ela faz parte e é capítulo importante da paternidade responsável.
Ser bem gerado e bem nascido é um direito de todo ser humano. Parte essencial da obrigação dos pais é colocar no mundo um produto de primeiríssima qualidade, se possível. Esta preocupação constitui parte essencial do seu compromisso com a humanidade toda.
Alguém poderá perguntar: “Que culpa tem a criança por nascer com graves defeitos congênitos?”. Nenhuma é claro. Mas seus genitores podem ser responsabilizados quando se expõem ao risco de ter filhos defeituosos, sabendo da possibilidade ou até da probabilidade que isso aconteça. Ser pai responsável significa muito mais do que ter um filho. Criá-lo significa bem mais do que providenciar para que não morra de fome.
Por que não se pensa em dedicar um dia do ano à memória daquelas mulheres que evitam ter filhos que não estão em condições de criar? Se honramos a mulher que abraça a virgindade, nada nos impede honrar com um dia especial os casais obrigados pela realidade a renunciar às alegrias que uma família mais numerosa lhes poderia proporcionar.
Nas entrelinhas dos documentos papais encontra-se a suspeita totalmente gratuita de que o egoísmo tomaria conta da vida familiar não fosse a atitude enérgica e firme da Igreja de Roma. Quem já conviveu mais intimamente com casais sabe do montante de renúncias que a vida conjugal exige de um casal razoavelmente consciente.
As atrações que a vida conjugal oferece pode induzir alguém a abraçar o matrimônio. Mas seria ilusório imaginar que só o prazer interessa a um casal. Bem cedo nossos casais mais conscientes aprendem uma das lições mais elementares da vida: a de que “a primeira palavra do amor, é não”!
A ideia estapafúrdia de que são os egoístas que optam pelo casamento enquanto os generosos escolhem a vida celibatária, continua tão viva hoje como nos tempos de Santo Agostinho. Quem quer ter uma ideia dos estragos que este preconceito já causou e continua causando deve ler o livro de Eugen Drewermann: Kleriker. E o livro de Uta Heinemann: “Eunucos por Causa do Reino de Deus”. Este último já foi traduzido para o português.
O diálogo entre casais e os celibatários profissionais da Igreja católica é dificultado não só pelo autoritarismo clerical, mas, acima de tudo, pela nuvem de equívocos, suspeitas recíprocas e de preconceitos que sobre ele paira. Tomei parte em muitos encontros de casais com clérigos. Em todos eles não houve nada que se pudesse contabilizar como passo para frente.
Foi a hierarquia católica que desarticulou os movimentos leigos destinados a confiar à autoridade de leigos todas as tarefas que o Vaticano II definira como atribuição específica do laicato católico. Leigos mais conscientes e adultos, mais livres e autônomos, iriam colocar em cheque a supremacia e o autoritarismo clerical. Mataram a cobra com medo de que ela viesse a mordê-los. Pior: mataram uma cobra mansa, imaginando tratar-se de uma cobra venenosa.
Não são as renúncias em perspectiva que atraem um jovem casal a se unir em matrimônio. Só o prazer tem o dom de atrair a vontade de uma pessoa.
Quem acha que os/as candidatos/as à vida religiosa ou ao sacerdócio são masoquistas natos, engana-se. O que leva um rapaz a optar pelo celibato não é o celibato, em si, mas as riquezas a que dá acesso. A renúncia ao prazer seria tão estúpida quanto a opção pelo sofrimento, se a opção pelo prazer não dependesse da capacidade de renunciar a ele. Quem quer ter acesso a prazeres de qualidade superior, deve aprender a renunciar a prazeres de ordem inferior. Os prazeres que um macaco pode ter não são dignos do homem. O homem não seria o que é se não tivesse tido a capacidade de abrir mão de tudo aquilo que faz a felicidade de um chimpanzé.
Quantos, mesmo em nossos dias, ainda estão por descobrir esta verdade? Quem se considera melhor e mais generoso por ter renunciado ao matrimônio, não o faz por amor ao sofrimento e à solidão, a menos que seja masoquista ou solipsista inveterado. O que leva um jovem a optar pelo sacerdócio são as alegrias e prazeres que a condição de padre lhe oferece. Nenhuma pessoa normal abraça o celibato por amor ao sofrimento. O mesmo vale também dos que optam pelo casamento.
Só há um tipo de pessoa que precisa do sofrimento para ter prazer. É o sadomasoquista. Também a renúncia à atividade sexual pode ser fonte de prazer. Pois há outros prazeres bem mais nobres do que qualquer espécie de prazer físico. Casados e celibatários só começam a se entender e a falar a mesma língua quando o assunto da conversa é o amor. A simples troca de preconceitos não merece o nome de diálogo.

Padre Marcos Bach

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